Eis um teste de filosofia fora do estereótipo dos testes que os autores dos manuais escolares da Porto Editora, Leya, Santillana, Areal Editores, etc, divulgam. E sem questões de escolha múltipla que, frequentemente, são incorrectamente concebidas por quem não domína o método dialético e desliza para a horizontalidade da filosofia analítica vulgar.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA B
11 de Maio de 2016. Professor: Francisco Queiroz.
I
«A incomensurabilidade dos paradigmas, na teoria de Thomas Kuhn, é compatível com as revoluções científicas que implicam dois tipos em cada ciência. O ser de Parménides não é, segundo alguns, o mesmo que o ser em si e o ser-para-si na teoria existencialista de Sartre. Sartre afirmou que «O inferno é o Outro», Kierkegaard sustentou que «Deus não existe, é, o homem existe, não é».
1) Explique estes pensamentos.
2)Relacione, justificando:
A) Os três estádios da existência em Kierkegaard, salto, desespero e paradoxo .
B) Realismo crítico, e doutrina de Einstein
C) Princípio da incerteza de Heinsenberg, cinto protector e heurística na epistemologia de Imre Lakatos, e conjecturas e testabilidade em Popper.
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES
1) A incomensurabilidade dos paradigmas é a impossibilidade de medir exactamente o valor de cada doutrina científica e das suas rivais: não se pode dizer que o heliocentrismo é melhor que o geocentrismo, em termos globais, ainda que se possa dizer que, neste ou naquele aspecto (exactidão/experimentação, fecundidade, etc) um deles é superior ao outro. É compatível com a teoria das revoluções científicas em Kuhn. Esta consiste em afirmar que as ciências se desenvolvem segundo a lei do salto de qualidade: durante décadas ou séculos uma ciência é aceite pela comunidade científica e designa-se por ciência normal mas vão-se acumulando lentamente anomalias até que surge um paradigma ou modelo teórico oposto, chamado ciência extraordinária que acaba por substituir a ciência até então dominante (revolução científica) . (VALE TRÊS VALORES) O ser em Parménides é uma essência abstracta, eterna, imutável: é uno, homogéneo, imóvel, esférico, contínuo, invisível e imperceptível aos sentidos, coincidindo com o pensar ou sendo alcançável pelo pensar (consoante as interpretações idealista ou realista). É diferente do ser em Sartre pois este último reveste-se de duas modalidades materializáveis e mutáveis: o ser em si (os objectos físicos da natureza e da sociedade: os rios, as casas, as classes sociais no aspecto económico e material) e o ser para si (a consciência humana, individual ou colectiva). (VALE QUATRO VALORES) Sartre afirnou que «o inferno é o outro» o que pode ser explicado assim: a mulher que amamos ou o amigo a quem confiamos os nossos segredos podem tornar-se um «inferno» para nós se nos atraiçoarem, roubarem, difamarem ou agredirem fisicamente. Kierkegaard diz que Deus é, atribuindo ao termo é o sentido de existência eterna sem alterações, e disse que o homem não é, visto que a existência humana está em incessante mudança não é algo de fixo, invariável. (VALE TRÊS VALORES).
2-A) Segundo Kierkegaard, filósofo existencialista cristão, há três estádios na existência humana: estético, ético e religioso. No estádio estético, o protótipo é o Don Juan, insaciável conquistador de mulheres que vive apenas o prazer do instante, e sente angústia se está apaixonado por uma mulher e teme não a conquistar. O desespero é posterior à angústia: é a frustração sobre algo que já não tem remédio ou que se esgotou. Ao cabo de conquistar e deixar centenas de mulheres, o Don Juan cai no desespero: afinal nada tem, o prazer efémero esvaiu-se. Dá então o salto ao ético: casa-se. No estado ético, o paradigma é do homem casado, fiel à esposa, cumpridor dos seus deveres familiares e sociais. Este estado relaciona-se com o essencialismo, doutrina que afirma que a essência, o modelo do carácter ou do comportamento vem antes da existência e condiciona esta. A monotonia e a necessidade do eterno faz o homem saltar ao estádio religioso, em que Deus é o valor absoluto, apenas importa salvar a alma e os outros pouco ou nada contam. Abraão estava no estádio religioso, de puro misticismo, quando se dispunha a matar o filho Isaac porque «Deus lhe ordenou fazer isso». O estádio religioso é o do puro existencialismo, doutrina que afirma que a existência vive-se em liberdade e angústia sem fórmulas (essências) definidas, buscando um Deus que não está nas igrejas nem nos ritos oficiais. Neste estádio, o homem casado pode abandonar a mulher e os filhos se «Deus lhe exigir» retirar-se para um mosteiro a meditar ou para uma região subdesenvolvida a auxiliar gente esfomeada. A escolha a cada momento ante a alternativa é a pedra de toque do existencialismo. Kierkegaard acentuava a noção de angústia, essa liberdade bloqueada, essa intranquilidade que surge antes ou durante muitos actos decisivos (exemplo: a angústia do aluno antes de saber a nota do teste, a angústia da mãe antes do parto, etc). Kierkegaard situa o paradoxo no interior do estado religioso e diz que se deve amar e seguir a vontade de Deus apesar de não compreendermos esta. (VALE TRÊS VALORES).
2) B) O realismo crítico é a teoria que afirma que há um mundo material anterior às mentes humanas e independente destas que o captam de maneira distorcida. O realismo crítico em Descartes consiste em postular o seguinte: há um mundo de matéria exterior às mentes humanas, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios de partículas exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor. Podemos dizer que a doutrina de Einstein é um realismo crítico na medida em que sustenta as seguintes teses, entre outras:
a) O espaço e o tempo não são realidades separadas, existe o espaço-tempo variável de lugar a lugar, não há um tempo absoluto universal.
b) O espaço-tempo não é feito de planos sobrepostos e linhas rectas como sustenta a geometria , é irregular e encurva na proximidade de grandes massas (exemplo: a esfera de metal deforma o lençol esticado, criando uma cova no centro).
c) A luz cuja velocidade é 300 000 quilómetros por segundo acompanha a curvatura do espaço tempo, não viaja em linha recta (um raio de luz lançado em direção a uma estrela tenderia a voltar à Terra dado que o universo é fechado)
d) Quem viajasse a uma velocidade próxima da da luz envelheceria muito mais lentamente do que os habitantes da Terra;
e) A massa de um corpo aumenta com o aumento da sua velocidade de deslocação. (VALE TRÊS VALORES)
2-B ) O princípio da incerteza de Heisenberg estabelece ser impossível conhecer em simultâneo a velocidade e a posição de um electrão ou partícula do mesmo género microfísico: ou se conhece a velocidade ou se conhece a posição, o que sugere a nuvem electrónica, uma «fotografia» de um turbilhão. Imre Lakatos, epistemólogo, defendeu que a ciência se estrutura em Programas de Investigação Científica (PIC). Cada um destes tem três níveis: o núcleo duro, conjunto das teses imutáveis; o cinto protector, conjunto das teses revisíveis, que podem ser rectificadas ou substituídas; a heurística, conjunto dos métodos de investigação livre, teórica e prática, que pode confirmar ou anular o PIC. Karl Popper sustenta que as ciências empíricas ou empírico-formais não passam de conjuntos de conjecturas, hipóteses,na linha de David Hume, duvida da indução amplificante, achando que há sempre excepções a uma dada lei da natureza e considera ser impossível verificar essa lei pois teríamos de estudar centenas de milhar ou milhões de exemplos concretos. Popper diz que só é possível a corroboração ou confirmação de alguns exemplos através da testabilidade, isto é, realização de testes experimentais. Assim a incerteza real ou potencial é comum a Heisenberg, ao cinto protector de Lakatos e às conjecturas de Popper. .(VALE QUATRO VALORES).
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