Eis um teste de filosofia de final de primeiro período do 10º ano de escolaridade em Portugal, salvaguardando a autonomia de conteúdos dados pelo professor, que ultrapassa o estereótipo dos manuais escolares, e que evita as perguntas de escolha múltipla que minimizam a capacidade filosófica.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
2 de Dezembro de 2016. Professor: Francisco Queiroz
I
“Na cosmologia de Aristóteles, há teleologia nos movimentos que ocorrem nos dois mundos que formam o cosmos. Aristóteles dizia que Deus é o acto puro sem potência. O fatalismo não é o mesmo que o determinismo biofísico sem livre-arbítrio (vulgo determinismo radical).”
1)Explique, concretamente este texto.
2)Relacione, justificando:
A) Essencialismo transcendente em Platão e Essencialismo imanente em Aristóteles.
B) Proté Ousía, Hylé e Eidos, em Aristóteles, e lei da tríade.
C) Esfera dos valores espirituais, esfera dos valores vitais, na teoria de Max Scheler e lei do salto de qualidade.
D).O tó on, o tó tí e a teoria das quatro causas de um ente, segundo Aristóteles.
CORREÇÃO DO TESTE ESCRITO COTADO PARA 20 VALORES
1) No cosmos de Aristóteles há dois mundos, o mundo sublunar, composto de quatro esferas concêntricas, a Terra (imóvel no centro) e as esferas de água,ar e fogo, no qual o movimento dos corpos não é circular e é teleológico, obedece a finalidades inteligentes, isto é, os corpos desejam voltar à origem do seu constituinte principal (exemplo: a pedra largada no ar cai porque o seu télos, finalidade, é voltar à «mãe», a Terra); o mundo celeste, composto de 54 esferas de cristal incorruptíveis com astros incrustados, 7 delas de planetas (Lua, Mercúrio, etc) e 47 de estrelas, que giram circularmente de modo teleológico, finalista, já que estrelas e planetas, seres inteligentes, desejam alcançar, fora do cosmos, Deus, o pensamento puro, que se pensa a si mesmo e não se importa com o cosmos. Deus não é a causa formal (o modelo) do cosmos nem a causa eficiente (o construtor) do cosmos, mas apenas a causa final, o télos, do movimento dos astros inteligentes e das respectivas esferas. Ele nada faz mas suscita e atrai o movimento das estrelas. (VALE TRÊS VALORES). Deus é o acto puro, sem potência, porque acto é a realidade presente, a efectividade, e sendo a potência a possibilidade de mudança, Deus não muda nunca, é igual a si mesmo, pensamento que se pensa a si mesmo. (VALE DOIS VALORES). Fatalismo é a teoria segundo a qual tudo na vida está predestinado e os homens não dispõem de livre-arbítrio nem existe o acaso. Determinismo sem livre-arbítrio (vulgo: determinismo radical) é a teoria segundo a qual, na natureza, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e o homem não dispõe de liberdade racional de escolha (livre-arbítrio) mas existe o factor acaso na natureza. Exemplo: movido por uma força irracional, sem liberdade de escolha, um homem atira-se do alto de um arranha-céus, sujeitando-se determinismo na lei da gravidade, que o faz cair para a Terra e morrer esmagado. No entanto, o acaso de uma rajada de vento,não predestinada, pode fazê-lo cair em cima de um toldo de um café e escapar quase ileso à morte. (VALE TRÊS VALORES).
2)A) Essencialismo é toda a filosofia que sustenta que a essência ou forma fundamental dos entes e dos fenómenos precede a existência destes. As essências são as formas eternas e imutáveis tanto em Platão como em Aristóteles. Em Platão, elas são arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número Um, Número Dois, Triângulo, Homem, etc, existentes no mundo Inteligível acima do céu visível, por isso são transcendentes, estão além (trans) do universo físico. Em Aristóteles, as essências são formas eternas inerentes ou imanentes aos objectos físicos - exemplo: a essência sobreiro está em todos os sobreiros reais, físicos, porque não há mundo inteligível- daí ser um essencialismo imanente (VALE TRÊS VALORES).
2-C) A teoria hilemórfica (hyle é matéria-prima universal; morfos é forma) de Aristóteles sustenta que cada coisa individual ou primeira substância (proté ousía) como, por exemplo, este cavalo cinzento, se forma da união entre a forma eterna de cavalo (eidos)que existe algures e a hylé ou matéria-prima universal, indiferenciada, que não é água nem fogo nem ar, nem terra mas que passa a existir ao juntar-se à forma. A lei da tríade estabelece que um processo dialéctico se divide em três fases: a tese ou afirmação, que neste caso pode ser o eidos ou essência; a antítese ou negação que, neste caso, será a hylé ou matéria-prima universal; a síntese ou negação da negação que colhe um pouco da tese e um pouco da antítese ultrapassando ambas que neste caso é a substância primeira, o composto de forma e matéria, a proté ousía. (VALE TRÊS VALORES) .
2-C) A esfera dos valores espirituais, na concepção de Scheler, engloba os valores estéticos (belo e feio), éticos ( bom e mau, justo e injusto), jurídicos (legal, ilegal; justo, injusto), filosóficos (verdade e erro) científicos (verdade e erro por referência, isto é, na experiência, no pragmatismo). Há valor de coisa - por exemplo, o quadro Mona Lisa de Leonardo da Vinci - valor de função - no exemplo olhar o quadro, apreciar o sorriso de Mona Lisa - e valor de estado - no exemplo: a felicidade resultante dessa contemplação visual. A esfera ou modalidade dos valores vitais e sentimentais é a esfera anímica que inclui os valores do nobre e do vulgar, ciúme e ausência deste, orgulho e humildade, coragem e cobardia, sentimento de vitória ou de juventude, sentimento de derrota ou de velhice, etc. A lei do salto qualitativo postula que a acumulação lenta e gradual em quantidade de um dado aspecto de um fenómeno leva a um salto brusco ou nítido de qualidade nesse fenómeno. A relação pode ser percebida de muitas maneiras, como por exemplo: acumulando percepções empíricas similares de atitudes nobres da esfera dos valores vitais(exemplo: salvar alguém com risco da própria vida ) chega-se a um salto qualitativo que é a formação do valor de ético de bem no intelecto. (VALE TRÊS VALORES).
2-D) O tó tí é o quê-é ou seja a forma, essencial ou acidental, de algo, na filosofia de Aristóteles. Exemplo: o tó tí da espiga de trigo é a forma desta e distingue-se do tó tí da espiga de milho e do tó tí do rosto humano. Se Joana se distingue de Mariana e de Francisca isso deve-se aos acidentes, isto é, as particularidades singulares que as distinguem entre si e que são tó tís: o nariz arrebitado de uma e o nariz aquilino de outras, os olhos azuis de uma e os olhos verdes de outra, etc. O tó ón é o ente, o que é, o existente, qualidade que é comum às coisas ou seres com diferentes tó tís. As quatro causas de um ente segundo Aristóteles são: causa formal, a forma, que coincide con o to tí essencial ; causa material, ou matéria de que é feita que, de forma imperfeita, corresponde ao tó on ou existência ; causa eficiente, o agente que gerou esse ente; causa final, a finalidade desse ente, para que serve.
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