Domingos Faria, que comercializa, como bom sofista, as suas lições de lógica proposicional junto dos professores do ensino secundário, João Branquinho, Desidério Murcho, Aires Almeida, João Sá Água, Manuel Maria Carrilho, Guido Imaguirre, Célia Teixeira e a maioria dos mestres e doutorados em filosofia em Portugal sustentam uma errónea lógica proposicional que envergonha a tradição filosófica.
Todos eles defendem, por exemplo, que «no silogismo modus ponens é uma falácia afirmar o consequente da primeira permissa na segunda premissa» . Formalizando:
P ⇒ Q
Q
∴ P
Ora não é verdade que esta fórmula seja obrigatoriamente uma falácia. Vejamos um exemplo:
Se vou a Lisboa visito o Terreiro do Paço.
Visitei o Terreiro do Paço.
Logo, fui a Lisboa.
Por conseguinte, o inspector de circunstâncias formalizado acima está mal teorizado na lógica proposicional. Deveria dizer-se que no caso de o consequente Q estar contido - geograficamente ou conceptualmente - no antecedente P a afirmação de Q na segunda premissa é válida. Esta é a formalização correcta, começando por P contém Q:
P⊇ Q
P ⇒ Q
Q
∴ P
Assim há duas modalidades correctas do silogismo modus ponens: a que afirma na segunda premissa o antecedente da primeira e a que afirma na segunda premissa o consequente da primeira premissa. Onde está isto nos tratados de lógica, nos manuais escolares adoptados em Portugal? Não está. Só a falta de humildade, a arrogância universitária dos instalados nas cátedras impede a livre discussão e o pôr de parte uma lógica que Frege, Bertrand Russel e Wittgenstein não souberam formular e criticar devidamente. Centenas de milhar de alunos do ensino secundário são ensinados e questionados segundo esta errónea lógica, um sucedâneo da filosofia ensinada sob regime fascista, sem lugar a contestação.
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Há um considerável número de erros na tradução portuguesa do «Tractatus Logico-Philosophicus» de Ludwig Wittgenstein publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Assim, no original lê-se:
«6.2. Mathematics is a logical method. The propositions of mathematics are equations, and therefore pseudo-propositions». (Ludwig Wittgenstein , Tractratus Logico-Philosophicus, printed in USA, page 83)
A tradução portuguesa de M.S.Lourenço é a seguinte:
«6.2. Matemática é um método lógico. As proposições da matemática são igualdades, logo proposições aparentes» (Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico..., Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 128).
Sabendo que na matemática, uma equação não é uma simples igualdade mas uma igualdade envolvendo uma ou mais incógnitas (valores desconhecidos), a tradução correcta é a seguinte:
«6.2. A Matemática é um método lógico. As proposições da Matemática são equações, e portanto pseudo-proposições».
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Por justificacionismo, noção popularizada pela filosofia analítica, entende-se a atitude filosófica de fundamentação, isto é, estabelecimento de um sistema de explicações de uma teoria, tese ou visão do mundo, baseado em leis de causa-efeito, em analogias ou outro modelo de raciocínio. Não se pode colocar o justificacionismo ao mesmo nível do fundacionalismo e do coerentismo. Estes dois últimos são, por assim dizer, tipos de arquitectura filosófica – «casa fixa ao solo» o fundacionalismo; «casa rolante», o coerentismo- ao passo que o justificacionismo é empregue por ambos como método ideológico.
A justificação é uma explicação ou comprovação de uma ideia, raciocínio ou teoria a partir de outra instância, é uma razão ou prova, teórica ou empírica.
«Mas a justificação é o processo que consiste em apelar para uma instância independente.» (L. Wittengstei, Tratado Lógico-Filosófico e Investigações Lógico-Filosóficas, pag 345)
«638. “Não posso estar em erro” é uma frase normal que serve para indicar o valor da certeza de uma declaração . E, somente no seu uso quotidiano, ela é justificada.»
(Ludwig Wittgenstein, Da Certeza, Edições 70, Lisboa, 1998, pag 179)
Ao justificacionismo opõe-se o não justificacionismo
.Dancy assevera haver três vias de justificação:
«Então o que faz, neste caso, uma crença ser justificada?
«Há várias respostas. Uma é a resposta fiabilista: a crença justifica-se porque é o resultado de um processo fiável. Outra é a resposta coerentista: a crença justifica-se porque o meu mundo é mais coerente com ela do que seria sem ela. Uma terceira é a alegação fundacionalista clássica, que entende que a crença não é de facto não-mediata, mas inferida de uma crença sobre como as coisas me aparecem neste preciso momento.» (Jonathan Dancy, texto extraído de Oxford Companion to Philosophy, organizado por Ted Honderich (OUP, 1995, pp. 809-812; o destaque a negrito é posto por nós).
Esta é uma confusão de Dancy, um dos «grandes» da filosofia analítica: apresentar três respostas, onde só há duas. Não se percebe o que é o fiabilismo, separado do coerentismo ou do fundacionalismo. Estes dois são fiabilistas...Fiabilismo é, pois, uma atitude geral de espírito e coerentismo e fundacionalismo são modos de arquitectar a construção de uma teoria, ambos impregnados dessa atitude de confiança.
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O célebre Ludwig Wittgenstein estabeleceu as teses do empirismo lógico e da filosofia analítica em geral com um carácter não isento de incoerência. Escreveu:
«4.112 O objectivo da filosofia é a clarificação lógica dos pensamentos.»
«A filosofia não é uma doutrina, mas uma actividade.»
« Um trabalho filosófico consiste essencialmente em elucidações.»
«O resultado da Filosofia não é «proposições filosóficas», mas o esclarecimento de proposições.»
«A filosofia deve tornar claros e delimitar rigorosamente os pensamentos, que doutro modo são como que turvos e vagos.»
(Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico; Ed. Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1995. 4.112, pp. 62-63).
Nestas teses, Wittgenstein afirma o valor lógico da filosofia mas nega o seu valor metafísico. Ou seja, amputa a filosofia, negando que haja «proposições filosóficas» e a correspondente doutrina. Reduz a filosofia à lógica e à epistemologia .Ora, há que não esquecê-lo, antes do mais a filosofia é, por sua própria natureza, a arquitectura do invisível concebida em cada mente humana, o ir além do que os sentidos directamente nos oferecem, o uso da imaginação ou da intuição inteligível sob o controlo da racionalidade lógica.
O revisionismo filosófico de Wittgenstein lembra o revisionismo das teses de Marx operado por Bernstein: «O movimento é tudo, o objectivo é nada». Para Bernstein, o objectivo do movimento operário socialista não seria a tomada do poder de Estado aos capitalistas e a construção de uma nova sociedade mas apenas a correção de algumas injustiças, mediante pequenas conquistas como aumentos de salário e melhoria das condições de trabalho. É o mobilismo permanente. Wittgenstein defende que a filosofia só pode corrigir, clarificar o discurso do senso comum ou de ciências, mas não pode assumir teses próprias. A filosofia seria o pagem, o escudeiro do cavaleiro das ciências empíricas. O seu lugar seria subalterno.
Mas indagar e não chegar a conclusão nenhuma em nenhum campo, excepto o dos sentidos aqui e agora, negando validade à actividade de especular, que, além de clarificar é um postular original, é uma incoerência. É o cepticismo moderado.
Por conseguinte, segundo Wittgenstein, Aristóteles não teria legitimidade para filosofar sobre um Deus que é pensamento puro (theoría) e estaria imóvel além da última esfera de estrelas, não intervindo no mundo. E Leibniz não teria legitimidade para defender que as mónadas, unidades elementares da percepção, são a fonte de todas as coisas do mundo. E Kant não poderia teorizar filosoficamente que espaço e tempo são formas a priori do conhecimento anteriores aos objectos físicos. E Marx não poderia postular que o comunismo é a etapa final da história humana uma vez que isso é uma doutrina metafísica. Aristóteles, Leibniz, Kant, Marx e milhares de outros colocar-se-iam fora do terreno que Wittgenstein delimitou para a filosofia...
Há qualquer coisa de fascizante no pragmatismo das teses de Wittgenstein mas não digo isto pelo facto de ele ter nascido na Austria, onde também nasceu Adolf Hitler, em 26 de de Abril de 1889, seis dias após o nascimento de Adolf Hitler e dois dias antes do nascimento de António Oliveira Salazar, em Portugal. É o carácter de doutrinas, com maior ou menor lastro metafísico, que as várias filosofias apresentam que torna possível a confrontação de ideias, a abertura de um campo de opções políticas, religiosas, sociais e económicas vertebradoras da democracia e do progresso das ideias.
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Ludwig Wittgenstein, um dos pais da filosofia analítica, escreveu:
«4.112. O objectivo da Filosofia é a clarificação lógica dos pensamentos.»
«Um trabalho filosófico consiste essencialmente em elucidações.»
«O resultado da Filosofia não é “proposições filosóficas”, mas o esclarecimento de proposições».
«A Filosofia deve tornar claros e delimitar rigorosamente os pensamentos, que doutro modo são como que turvos e vagos.» (Ludwigg Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987, pags 62-63).
Wittgenstein contradiz-se: reduz a filosofia a uma espécie de pontuário ortográfico, a um corrector do discurso e do pensamento. Mas por que razão aquilo que corrige as proposições erróneas ou vagas, clarificando-as, não há-de ser capaz de produzir proposições próprias, autónomas? Não pode o crítico literário transformar-se em escritor? E que é o Tratado Lógico-Filosófico de Wittgenstein senão um conjunto de proposições filosóficas, autónomas, deste pensador austríaco?
Na mesma linha, Alfred Ayer escreveu:
«As proposições da filosofia não são factuais (de conteúdo empírico), mas sim de carácter linguístico…Portanto, podemos dizer que a filosofia é um departamento da lógica...uma indagação puramente lógica» (Alfred Ayer, Linguagem, verdade e lógica).
Isto é um puro erro: o carácter linguistico não se opõe necessariamente ao carácter empírico. Por mais metafísica que seja, a filosofia não vive sem se inspirar ou tomar por tema árvores, rios, céus, planetas, fábricas e praças das cidades, pessoas, jovens e velhas, empregadas ou desempregadas, etc. A linguagem não vive sem referentes, que estão no mundo empírico, ou no mundo imaginário ou no mundo lógico-racional. Não há proposições de carácter exclusivamente linguístico, excepto as da lógica simbólica. Há numerosas proposições da filosofia que são factuais, em parte pelo menos. O carácter comum da filosofia é o associar a factos empíricos uma interpretação especulativa.
Exemplo: a pessoa A afirma «Em Cuba, não há liberdade de formar partidos políticos ou orgãos de imprensa independentes do governo de Castro (factos empíricos), por isso o comunismo é mau (proposição filosófica) mas a pessoa B contrapõe «Em Cuba, há emprego para toda a gente e aparentemente ninguém passa fome (factos empíricos) por isso o comunismo de Castro é bom (proposição filosófica).»
As proposições filosóficas não são apenas lógicas, ao contrário do que dizia secamente Ayer. A maioria delas conserva algum conteúdo empírico e vai além deste: são proposições empírico-racionais, a juntar às outras, metafísico-racionais.
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O "paradoxo de Burali-Forti" é um argumento da teoria dos conjuntos considerado verdadeiro pela filosofia analítica anglo-saxónica. Blackburn enuncia-o assim:
«Paradoxo de Burali-Forti - O primeiro paradoxo a ser descoberto na teoria dos conjuntos. A todos os conjuntos bem ordenados é atribuído um número ordinal. Estes ordinais podem ser comparados: de quaisquer dois se pode dizer que são iguais, ou que um é mais pequeno e o outro maior. Eles formam, por sua vez, um conjunto bem ordenado. O ordinal deste conjunto tem de ser maior do que qualquer ordinal que pertença ao conjunto. Seja C o conjunto de todos os ordinais. Uma vez que é um conjunto bem ordenado, tem um número ordinal, w, que tem de ser maior do que qualquer elemento do conjunto. Mas C era o conjunto de todos os ordinais e tem de incluir w.»
(Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, pag 316, Gradiva, 2007; o destaque a negrito é posto por mim).
Trata-se de um pseudoparadoxo. Exemplifiquemos. Apliquemos este problema da teoria dos conjuntos aos 10 países latinos que existem na Europa, partindo do princípio que cada país é um conjunto de habitantes, atribuindo um número a cada um : a San Marino (cerca de 30 000 habitantes) o número 1, ao Mónaco (cerca de 32 000 habitantes) o número 2, a Andorra (cerca de 78 000 habitantes) o número 3, à Suíça (cerca de 7,8 milhões de habitantes) o número 4, à Bélgica (cerca de 10,4 milhões de habitantes) que tem a Valónia, região de língua francesa, o numero 5, a Portugal cerca de 10,5 milhões de habitantes) o numero 6, à Roménia (cerca de 22,2 milhões de habitantes) o número 7, a Espanha (cerca de 46 milhões de habitantes) o número 8, a Itália (cerca de 60,3 milhões de habitantes) o número 9, a França (cerca de 65,4 milhões de habitantes) o número 10.
Assim C é o conjunto de todos estes ordinais (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10) e tem de ter um número w - seja por exemplo 11 - maior do que qualquer elemento do conjunto.
E Blackburn escreve acima, delineando o dito paradoxo: «Mas C era o conjunto de todos os ordinais e tem de incluir w.»
Perguntamos: por que carga de água C tem de incluir w? O conjunto [1,2,3...10] tem de incluir o número 11? É absurdo. É evidente que C não se inclui a si mesmo enquanto número 11 (w) ao lado dos números de escalão inferior que são os seus elementos. O erro aqui é similar ao do paradoxo de Russel que rebaixa a espécie - um conjunto de entes similares - à condição de elemento ou parte de si mesma.
Os matemáticos não são fiáveis, no plano da especulação, não se inserem, em regra, no raciocínio multidimensional que caracteriza a verdadeira filosofia. É muito simples desmascarar este pseudoparadoxo da teoria dos conjuntos mas, pelos vistos, nem Russel, nem Wittgenstein, nem Quine, nem Samuel Kripke, nem Nagel, nem Blackburn, nem Anthony Kenny, nem João Branquinho, nem José Gil, nem a generalidade dos académicos actuais e do século passado o fizeram. Teremos que nos curvar e calar ante uma universidade de obnóxios doutorados em filosofia que veneram pseudoraciocínios de aparência matemática?
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Wittgenstein escreveu:
«5.153 Uma proposição em si não é provável nem improvável. Um acontecimento dá-se ou não se dá; não há meio termo.» (Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico...., pag 87, Fundação Calouste Gulbenkian).
Muito bem: a probabilidade está fora da proposição e do acontecimento real, em si mesmo. Mas onde se aloja então? Na expectativa que a mente alberga sobre a eclosão num dado tempo e lugar de um acontecimento. Mas como se forja e lê a probabilidade? Na comparação, estabelecida com a ajuda da memória, entre circunstâncias similares, em algumas das quais se gerou um dado acontecimento e em outras não. A probabilidade é pois uma teoria, uma hipótese.
Wittgenstein escreveu ainda:
«5.156 Assim a probabilidade é uma generalização.
«Ela envolve uma descrição geral de uma forma proposicional.»
«Só à falta de certeza utilizamos a probabilidade. - Quando na verdade não conhecemos inteiramente um facto, mas sabemos alguma coisa acerca da sua forma.
(Uma proposição pode na verdade ser uma imagem incompleta de uma certa situação, mas é sempre uma imagem completa).
«A proposição de probabilidade é como que um excerto de outras proposições.»
(Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico...., pag 87, Fundação Calouste Gulbenkian; o negrito é posto por mim).
A proposição de probabilidade não é uma proposição provável em si mesma: é uma realidade formal, simbólica - em Kant designa-se por juízo problemático- mas o seu conteúdo é probabilístico. Distingamos entre proposição como estrutura e a ideia ou o juízo nela colocados. Mas a forma da proposição não muda ao ser-lhe impresso um conteúdo probabilístico? É óbvio que muda desaparece o carácter categórico, assertivo, da proposição para ficar um carácter indefinido. O «talvez» ou o «é provável» não são levados em conta na lógica proposicional.
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Wittgenstein, um dos fundadores da filosofia analítica contemporânea, escreveu:
«6.4.4. O que é místico é que o mundo exista, não como o mundo é.» (Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico..., pag 140, Fundação Calouste Gulbenkian).
A mística é uma vivência ou um conhecimento irracional, em grande parte ou na totalidade impossível de ser descrita em palavras e raciocínios lógicos. Assim a ontologia é mística no seu fundamento mas a eidologia (como o mundo é, a essência das coisas como quid, causa formal) não é mística, mas conhecimento empírico-racional. E haverá, certamente, quem defenda que a eidologia, a rede das essências, brota da ontologia, o ser, do mesmo modo que o tronco e os ramos da árvore brotam da raíz.
Escreveu ainda:
«6.4.5 A contemplação do mundo sub specie aeterni é a sua contemplação como um todo limitado.
Místico é sentir o mundo como um todo limitado.» ((Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico..., pag 140, Fundação Calouste Gulbenkian).
Por que razão é místico sentir o mundo como um todo limitado? Presumivelmente, porque idealizar o cosmos como esférico e fechado, à maneira dos antigos gregos ou de Albert Einstein, é místico, ou seja, não se apoia numa verificação empírica nem numa demonstração lógica. É um "palpite" de uma parte dos filósofos e cientistas. Entre Wittgenstein e o positivismo lógico há assim uma diferença: o primeiro afirma a existência de uma região ontológica inexprimível, mística, ao passo que o segundo proibe a especulação acerca dessa região, põe em dúvida a sua existência, declarando-a "sem sentido".
«6.5.2 Existe no entanto o inexprimível. É o que se revela, é o místico.» (ibid, pag. 141).
Assim, o místico revela-se, mas não se exprime. O fundo oculto das coisas existe mas é inexprimível por palavras ou proposições: é o místico. Só pode apreender-se por intuições sentimentais.
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Wittgenstein, o grande pioneiro da moderna filosofia analítica, na linha de Parménides e de Zenão de Eleia, talvez os verdadeiros fundadores da filosofia analítica, negou realidade ao devir do tempo, isto é, ao movimento inerente a este:
«6.3611 Não podemos comparar um processo com a «marcha do tempo» - que nem sequer existe mas apenas com um outro processo (tal como a marcha do cronómetro). »
«Assim só é possível descrever a passagem do tempo apoiando-nos em um outro processo». (ibid, pag 134). (Ludwigg Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico; Investigações Filosóficas, Fundação Calouste Gulbenkian, Gulbenkian, Lisboa, 1987, pag 134; a letra negrita é posta por mim).
Wittgenstein já se aproximara, tangencialmente, da definição certa de tempo ao escrever:
«Espaço, tempo e cor (coloração) são as formas dos objectos.» (Ludwigg Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico; Investigações Filosóficas, Fundação Calouste Gulbenkian, Gulbenkian, Lisboa, 1987, pag 33; o negrito é posto por mim).
O tempo não é a forma do objecto mas a duração e a sucessão das formas do objecto, isto é, a permanência (stásis, em grego) e alteração (alloíosis, em grego) destas. Se isolarmos a forma do objecto num dado instante não temos o tempo, mas o quid (o quê é, a forma), a essência do objecto, num fragmento do tempo, mas não temos o tempo no seu fluir, no seu todo. No primeiro pensamento acima exposto, Wittgenstein fez isso: isolou o tempo como forma do objecto num dado momento mas retirou-lhe o fluxo, a coluna vertebral, a sucessão e, por isso, caiu no erro de dizer que "a marcha do tempo não existe". O mesmo erro daquele que, observando entre as mãos as milhares de fotos na fita de celulóide de um filme afirma que «o filme não existe, é uma ilusão.» Ora, o filme existe e transporta realidade. O tempo não é a forma, enquantofilosofia analítica , mas a existência da forma.
Mais: a marcha dos ponteiros no cronómetro é tempo, é um dos múltiplos aspectos da marcha do tempo, uma vez que é transformação das formas geométricas - os ângulos - realizadas pelos ponteiros do relógio ou indicadas por números nos relógios digitais. E também a marcha aparente do sol no céu e a rotação aparente da esfera celeste são tempo uma vez que alteram a forma da luz, dos campos electromagnéticos, dos objectos físicos num dado lugar e em todos os lugares. O relógio é apenas, juntamente com o movimento dos astros na esfera celeste, o meio mais fácil de o tempo se exprimir mas há muitas outras formas: as alterações imperceptíveis na nossa pele que vão fazendo surgir rugas e outras formas corporais, o crescimento das plantas e animais, etc, são tempo e indiciam o tempo.
A filosofia analítica tem este poder mágico de isolar determinações essenciais de um fenómeno para captá-las e, com isso, a par de obter belíssimas «fotografias» do pensamento, acaba, com frequência, por fragmentar o fluxo daquele e da realidade, que inclui pensamento, sentimento, sensação.
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