Baruch de Espinoza (24 de Novembro de 1632, Amsterdão — 21 de Fevereiro de 1677, Haia) foi um dos grandes pensadores do racionalismo do século XVII , originário uma família judaica portuguesa que fugiu de Portugal por causa da perseguição da Inquisição. Excluiu o livre-arbítrio da existência humana considerando esta determinada pelo desejo, pela necessidade de conservar o bem-estar de cada um.Em 27 de julho de 1656, a Sinagoga Portuguesa de Amsterdão excomungou Espinoza com o chérem, por este sustentar que «nem o entendimento nem a vontade pertencem à natureza de Deus» e que Deus é a lei infalível da natureza, a causa imanente de todas as coisas (panteísmo).
PROVIDENCIALISMO E FATALISMO
Espinoza professou o Providencialismo, a doutrina de que a Divina Providência guia o destino de cada homem no sentido do bem espiritual mesmo através das dificuldades e fracasos que lhe envia:
«O ódio há-de ser vencido pelo seu contrário, o amor, e todo aquele que se guia pela razão deseja também para os demais o bem que apetece para si mesmo (...) o varão de ânimo forte considera antes de tudo que todas as coisas se seguem da necessidade da natureza divina, e, portanto, sabe que tudo quanto pensa ser molesto e mau, e quanto lhe parece imoral, horrendo, injusto e desonroso, obedece a que a sua concepção das coisas é indistinta, mutilada e confusa; e, por esta causa, esforça-se sobretudo por conceber as coisas como são em si, e por apartar os obstáculos que se opõem ao verdadeiro conhecimento, tais como o ódio, a ira, a inveja, a irrisão, a soberba e os demais de este estilo, que comentámos anteriormente; e deste modo esforça-se quanto possível, como temos dito, por agir bem e estar alegre.»
(Spinoza, Ética, Alianza Editorial, Madrid, 2006, pp 366-367).
Espinoza elimina o livre-arbítrio e o acaso de tal modo que tudo o que sucede, acontece por necessidade, isto é, não poderia ser de outro modo. E como tudo está em Deus, este é a própria necessidade. Aqui Espinoza antecipa o hegelianismo que aprisiona Deus ao círculo do ser em si/ ser fora de si/ ser para si.
PROPOSIÇÃO XXIX
«Na natureza não há nada contingente mas em virtude da necessidade da natureza divina, tudo está destinado a existir e a agir de certa maneira.»
(Spinoza, Ética, Alianza Editorial, Madrid, 2006, pag 83).
O LIVRE-ARBÍTRIO NÃO EXISTE
Espinoza excluiu o livre-arbítrio da existência humama considerando esta determinada pelo desejo e pela necessidade da natureza. A afirmação de que a soma dos três ângulos internos de um triângulo perfaz 180º não é um acto de livre-arbítrio é uma imposição à alma da ideia de triângulo que o entendimento concebe. Volição é um acto de querer isto ou aquilo mas a volição não implica que haja livre-arbítrio. Escreveu:
PROPOSIÇÃO XLVIII
«Não há na alma nenhuma vontade absoluta ou livre, mas a alma é determinada a querer isto ou aquilo por uma causa, que também é determinada por outra, e esta por sua vez por outra, e assim até ao infinito.»
(Spinoza, Ética, Alianza Editorial, Madrid, 2006, pág 176).
PROPOSIÇÃO XLVIII
«Na alma não se dá nenhuma volição, no sentido de afirmação ou negação, aparte aquela que está implícita na ideia enquanto é ideia.»
Demonstração: na alma (pela Proposição anterior) não há nenhuma faculdade absoluta de querer ou não querer, mas tão somente volições singulares, a saber: tal e qual afirmação, tal e qual negação. Sendo assim, concebamos uma volição singular, por exemplo um modo de pensar pelo que a alma afirme que os três ângulos de um triângulo valem dois rectos. Esta afirma implica o conceito, ou seja, a ideia de triângulo(...) Deste modo, esta afirmação pertence à essência da ideia de triângulo e não é outra coisa que ela mesma (...)
«Corolário: A vontade e o entendimento são um e o mesmo.
«Demonstração: A vontade e o entendimento não são senão as mesmas volições singulares (...) Ora bem: uma volição singular e uma ideia singular são um e o mesmo (pela Proposição anterior). Logo, a vontade e o entendimento são um e o mesmo.»
(Spinoza, Ética, Alianza Editorial, Madrid, 2006, pp 177-179; o negrito é posto por nós).
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Johannes Hessen sustentou que há diversas formas de realismo e coloca-as todas ao mesmo nível: realismo ingénuo, realismo natural, realismo crítico, realismo volitivo. Escreveu no seu célebre tratado de gnoseologia:
«Entendemos por realismo a posição epistemológica segundo a qual há coisas reais, independentes da consciência. Esta posição admite diversas modalidades. A primeira, tanto histórica como psicologicamente, é o realismo ingénuo. Este realismo não se acha ainda influenciado por nenhuma reflexão crítica acerca do conhecimento.» (Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento, Arménio Amado- Editor Sucessor, Coimbra, 7ª edição, 1978, página 93; o bold é posto por nós).
E continua Hessen:
«Diferente do realismo ingénuo é o realismo natural. Este já não é ingénuo mas está influenciado por reflexões críticas sobre o conhecimento. Isto revela-se no facto de que já não identifica o conteúdo da percepção e o objecto, mas sim distingue um do outro.» (...)
«A terceira forma de realismo é o realismo crítico porque assenta em considerações de crítica ao conhecimento. O realismo crítico não acredita que convenham às coisas todas as propriedades inseridas nos conteúdos da percepção mas é, pelo contrário, da opinião que todas as propriedades ou qualidades das coisas que apreendemos só por um sentido, como as cores, os sons, os odores, os sabores, etc, existem unicamente na nossa consciência.» (Hessen, ibid, pag 94; o bold é posto por nós)
Finalmente, apresenta a quarta espécie de realismo, o realismo volitivo, que afirma que há mundo material fora de nós e que o percebemos pela nossa vontade de viver:
«Se fossemos puros seres intelectuais, não teríamos consciência alguma da realidade. Devemos exclusivamente esta à nossa vontade. As coisas opõem resistência às nossas volições e desejos, e nestas resistências vivemos a realidade das coisas. Estas apresentam-se à nossa consciência como reais, justamente porque se fazem sentir como factores adversos na nossa vida volitiva. A esta forma de realismo é costume chamar-se realismo volitivo. »
«O realismo volitivo é um produto da filosofia moderna. Encontramo-lo pela primeira vez no século XIX. Pode-se considerar como seu primeiro representante o filósofo francês MAINE DE BIRAN. O que depois mais se esforçou por o fundamentar e desenvolver foi GUILHERME DILTHEY.» (Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento, Arménio Amado- Editor Sucessor, Coimbra, 7ª edição, 1978, página 101; o bold é posto por nós).
Esta seriação horizontal de modalidades do realismo, todas no mesmo plano, como se fossem extrínsecas entre si, contém um erro. O erro de Hessen consiste em misturar o género ontognoseológico, que engloba o realismo natural e o realismo crítico, com o género fonte ou motor do conhecimento ( quinesognoseológico, poderia dizer-se), que engloba volição versus representação (espelhamento). São dois planos, dois géneros diferentes: o do ser-conhecer e o do ser-originar. Na verdade, pode haver um realismo natural voltivo e um realismo natural representativo (que reflecte, como um espelho, a realidade exterior). A volição ou vontade de viver e assimilar o mundo pode estar subjacente às três formas de realismo, ingénuo, natural e crítico. Volitivo opõe-se a não voltivo, a representativo ou perceptivo.
Volição e inteleção só são contrárias como modalidades do género fontes do conhecimento. O nivelamento, isto é, a colocação das diversas entidades ao mesmo nível dentro do mesmo género implica exclusão mútua. A tese de Aristóteles de que cada coisa só tem um contrário é absolutamente errónea. Por exemplo, a espécie homem tem como contrárias as espécies elefante, leão, abelha, cavalo e uma infinidade de outras. Dentro de um mesmo género, as suas componentes (correntes, espécies) são extrínsecas entre si. Volição e inteleção são colaterais na relação com as correntes do realismo - a introdução de um terceiro elemento numa relação pode transformar os contrários em colaterais - isto é, podem coexistir na mesma modalidade de realismo. A classificação de Hessen é mais um exemplo da ignorância da dialética que sempre reinou entre os filósofos, em particular da lei dos géneros e das espécies que o autor deste blog formulou.
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