Sexta-feira, 7 de Fevereiro de 2020
Teste de filosofia 10º ano (Fevereiro de 2020)

 

Eis um teste de filosofia gizado por quem não perfilha as erróneas tabelas de verdade da lógica proposicional, esse refúgio dos que ainda não pensaram a fundo ontologia e metafísica.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA F

3 de Fevereiro de 2020, Professor: Francisco Queiroz


I

«O determinismo biofísico com livre-arbítrio (dito: determinismo moderado) distingue-se do determinismo sem livre-arbítrio (dito: determinismo radical) e do fatalismo. O dualismo estóico de Marco Aurélio inclui a epokê e pode comparar-se ao dualismo do ser humano  em Kant e da sua moral. As essências na teoria de Platão ocupam um lugar diferente das essências na teoria de Aristóteles. Os valores dispõem de hierarquia e polaridade.»

 

1)Explique concretamente este texto.

 

2)Explique concretamente o seguinte texto:

“O ser em Parménides equivale ao mundo do ser em Platão. O princípio do terceiro excluído não é a mesma coisa que o princípio da não contradição.”

 

3)Relacione, justificando:

A ) Cosmologia de Heráclito e racionalidade.

B) Esfera dos valores vitais e sentimentais e esfera dos valores espirituais em Max Scheler. 

C) Multiculturalismo versus Etnocentrismo em duas modalidades.

D) Esfera dos valores do santo e do profano e esfera dos valores sensíveis em Max Scheler.

 

1) O determinismo biofísico com livre arbítrio é a teoria que sustenta que na natureza física as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos mas o homem dispõe de livre-arbítrio, isto é, o poder de reflectir e escolher racionalmente um caminho. Exemplo: apetece-me comer (determinismo) mas raciocino e delibero  jejuar para emagrecer (livre-arbítrio). O determinismo biofísico sem  livre arbítrio é a teoria que sustenta que na natureza física as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e o homem não dispõe de livre-arbítrio, age por instinto, sem reflexão e livre-arbítrio. Esta segunda teoria não exclui o acaso na natureza ou no comportamento humano e nisso se distingue do fatalismo, doutrina diz que tudo o que acontece está predestinado nos astros, na genética ou no pensamento de Deus ou no destino, não havendo livre-arbítrio nem acaso. (VALE TRÊS VALORES).

 

O dualismo estóico de Marco Aurélio divide o ser humano em duas partes: o eu racional, o guia interior, que é a nossa verdadeira essência e que corresponde ao eu numénico ou racional em Kant produtor do imperativo categórico («Age de modo que a tua ação seja como uma lei universal na natureza, sem favorecer especialmente a ti ou a teus amigos ou paridários»; o corpo físico que é algo exterior à essência e é capaz de suportar as maiores dores e tortura desde que controlado pelo eu racional e que em Kant corresponde ao eu empírico ou fenoménico, o eu dos instintos egoístas (comer, beber, favorecer os familiares e amigos em detrimento de outros, etc). A epokê é a suspensão do juízo preconizada por Marco Aurélio para manter a tranquilidade de espírito: «Calma! Dizem-te que o teu filho está doente mas não te dizem que vai morrer. Fica-te pois pelas primeiras impressões e nada lhe acrescentes». (VALE TRÊS VALORES).

 

As essências, na teoria de Platão - exemplo: o Belo, o Bem, o Homem, a Mulher, a Árvore, o triângulo - são modelos perfeitos, imóveis e eternos, arquétipos, invisíveis, situados acima do céu visível. Em Aristóteles, as essências são igualmente imóveis e incriadas mas existem no mundo de baixo: a essência Homem (eidos) está presente em cada um dos homens, a essência Árvore subjaz em todas as árvores, é a sua forma comum. (VALE DOIS VALORES).

 

Os valores, isto é, qualidades éticas, estéticas, filosóficas, económicas, políticas, biofísicas, etc., existentes por toda a parte possuem hierarquia, isto é, escala desde cima a baixo. Exemplo: saúde é mais importante que título universitário e este está acima de ausência de estudos e ser iletrado. Possuem também polaridade, isto é, para cada valor há um ou mais contra-valores: justiça em um pólo injustiça no outro, bondade em um pólo maldade no outro. (VALE UM VALOR)

 

2) O ser em Parménides é o que é, o que dura eternamente, não foi criado nem será extinto, é uno, indivisível, homogéneo, contínuo como uma esfera, invisível, imperceptível aos sentidos e só pode ser apreendido pelo pensamento (ser e pensar é um e o mesmo). Este conceito corresponde ao mundo inteligível de Platão tomado em bloco abstraindo das formas (arquétipos de Bem, Belo, Triângulo, Justo, etc.), excepto da de esfera (VALE DOIS VALORES). O princípio do terceiro excluído sustenta que cada coisa ou qualidade pertence ao grupo A ou ao grupo não A, excluindo a terceira hipótese. Isto é diferente do princípio da não contradição que diz que uma coisa não pode ser ela e o seu contrário ao mesmo tempo e no mesmo aspecto. (VALE UM VALOR).

 

3) A cosmologia de Heráclito estabelece que a substância origem do mundo, o arkê, é o fogo que constitui o caos que depois,orientado por um Logos (Inteligência Cósmica) se transforma em cosmos por processos de arrefecimento em diferentes graus produzido os astros, o planeta Terra, as árvores, os animais, os seres humanos. Este cosmos ao fim de milhares de anos voltará a ser fogo puro, isto é caos, este originará um novo cosmos. Há nisto racionalidade ou seja lógica: a oscilação pendular caos-cosmos, a omnipresença do fogo como essência oculta de homens, animais, mares, céus. (VALE DOIS VALORES)

 

3-B) A esfera dos valores vitais e sentimentais tem como principais valores o nobre e o vulgar. Engloba ainda os pares amor-ódio, sentimento de juventude e sentimento de velhice, alegria e tristeza, sentimento de vitória ou derrota, paixão e ciúme, orgulho versus humildade, desassobro versus vergonha, coragem versus cobardia, etc. A esfera dos valores espirituais engloba, segundo Scheler, os valores éticos (bem e mal) , estéticos, jurídicos (correcto, incorrecto, legal e ilegal) , filosóficos (verdade e erro) e os valores de referência, subordinados aos filosóficos,  que são os científicos (verdade e erro). Cada valor desdobra-se em três níveis. Exemplo para um valor filosófico: valor de coisa, o livro «Metafísica» de Aristóteles; valor de função, ler e meditar a «Metafísica»; valor de estado, sentir-se esclarecido e feliz por adquirir vastas noções filosóficas aristotélicas(VALE DOIS VALORES).

 

3-C) Multiculturalismo é a ideologia que defende que em cada Estado devem coexistir em plano de absoluta igualdade de direitos políticos e sociais as diferentes etnias, a original do território, e as imigrantes, podendo, por hipótese, um imigrante mexicano ser eleito presidente dos EUA e todas as comunidades - estadounidense de raça branca, portuguesa, mexicana, chinesa, indiana, etc. - receberem igual financiamento para celebrarem as suas festas tradicionais e terem aulas para os seus filhos. Etnocentrismo é a ideologia que defende que em cada país há uma etnia dominante, como por exemplo, o povo católico de etnia caucasiana em Portugal. Reveste duas modalidades: etnocentrismo democrático, que concede direitos às etnias imigrantes e a minorias culturais e sexuais; etnocentrismo nazi, racista ou religioso intolerante ou de outro tipo, que esmaga outras etnias, expulsa imigrantes em massa, prende e persegue homossexuais etc. (VALE DOIS VALORES).

 

3-D) A esfera dos valores do santo e do profano engloba os valores de salvação, próprios do crente em Deus, e de desespero ou indiferença religiosa próprios do ateu. Cada valor desdobra-se em três níveis. Exemplo: valor de coisa, um crucifixo; valor de função, beijar ou crucifixo ou contemplá-lo devotamente; valor de estado, sentir-se salvo e protegido por Deus. A esfera dos valores sensíveis é a inferior: contém os valores de prazer e dor física e os valores subordinados de referência . o útil e o inútil. (VALE DOIS VALORES).

 

NOTA: COMPRA O NOSSO «DICIONÁRIO DE FILOSOFIA E ONTOLOGIA», 520 páginas, 20 euros (portes de correio para Portugal incluídos), CONTACTA-NOS.

www.filosofar.blogs.sapo.pt

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Terça-feira, 14 de Janeiro de 2020
Equívocos sobre Valores no « Essencial, Filosofia 10º ano» (Crítica de Manuais Escolares- LIX)

Sem embargo de ser um dos melhores manuais de filosofia para o 10º ano do ensino secundário em Portugal , o «Essencial Filosofia 10º ano» da Santilhana Constância Editores contém alguns equívocos. Sobre os valores, estipula o manual:

 

«Os valores são uma realidade diferente dos factos, acontecimentos objectivos que ocorrem diante de nós. Os factos incluem três categorias: a dos objectos, a dos acontecimentos e a dos seres.(...)

«Os valores não são seres reais, como os factos, nem seres ideais como as ideias.» (Amândio Fontoura e Mafalda Afonso, Custódia Martins (consultora), «Essencial Filosofia 10º ano», Santilhana Constância, pág 113; o itálico é posto por nós).

 

Há aqui alguns equívocos. Todas as coisas materiais, ou pelo menos um número infinito delas, são valores, económicos ou biofísicos. Uma árvore carregada de frutos é um valor. Há que recordar a tripla distinção de Max Scheler, o mais portentoso filósofo na teoria dos valores: há o valor de coisa (exemplo: uma maçã, uma pedra mármore), o valor de função (exemplo: mastigar e saborear a maçã, ter o mármore como soleira da porta) e o valor de estado (exemplo: ficar saciado com a maçã, sentir a beleza do mármore na entrada da casa.

 

Dizer que «Os valores não são seres reais, como os factos, nem seres ideais como as ideias.» é um erro. Uma revolução antifascista como a de 25 de Abril de 1974 a 11 de Março de 1975 foi um facto ou uma série de factos, um ser ou acontecimento real, e foi um valor positivo para os trabalhadores e um valor negativo para a oligarquia portuguesa. As ideias são valores: as ideias de beleza e fealdade, de justiça e de injustiça, de capitalismo e de socialismo marxista, de deuses e demónios são valores estéticos, éticos, políticos, religiosos.

 

NOTA: COMPRA O NOSSO «DICIONÁRIO DE FILOSOFIA E ONTOLOGIA», 520 páginas, 20 euros (portes de correio para Portugal incluídos), CONTACTA-NOS.

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Sábado, 14 de Novembro de 2009
Sobre o Belo, na conceptualização de Max Scheler

Max Scheler (1874-1928), um dos melhores filósofo da ética, de entre os que conheço - de facto, muito superior em inteligência e produção teórica aos actuais James Rachels, Peter Singer, Richard Hare, Michael Smith e outros - hierarquizou os valores em quatro grandes modalidades, cada uma das quais desdobrando-se em valor de coisa, valor de função e valor de estado: os valores sensíveis hedónicos do agradável e desagradável, e os valores por referência do útil-inútil, os valores vitais (nobreza -vulgaridade, excelência-ruindade, e respectivos estados de autoconfiança-desânimo, juventude-velhice, etc), os valores espirituais (belo-feio, justo-injusto, verdadeiro-falso) e os valores do santo e do profano ( amor pessoal supra-individual ou ausência dele, e estados sentimentais religiosos ou arreligiosos de "felicidade" e "desespero").

 

Por exemplo, o valor conhecimento filosófico, centrado na pura descoberta da verdade, baseia-se em valor de coisas (exemplo: livros e artigos escritos de filosofia) , valor de função (apreensão pela inteligência intuitiva, explanação pela inteligência discursiva) e valor de estado sentimental (alegria espiritual por se ter clarificado o pensamento, tristeza espiritual por se ter escrito uma tese parcialmente equívoca tempos atrás. etc).

 

Sobre  a modalidade dos valores espirituais, escreveu Scheler:

 

«Distínguese de los valores vitales, como nueva modalidad, el reino de los "valores espirituales". Incluyen ya en el modo de ser dados una separación e independencia frente a la esfera total del cuerpo y el contorno, y se manifiestan como unidad también en que en ellos se da la clara evidencia de que los valores vitales "deben" sacrificarse ante ellos. Los actos y funciones en que los aprehendemos son funciones del percibir sentimental espiritual y actos de preferir, amar y odiar espirituales, que se diferencian de las funciones y actos vitales sinónimos, tanto fenomenológicamente, como también por sus leyes peculiares (irreductibles a cualquier tipo de leyes "biológicas")»

 

« Estos valores son de las siguientes principales clases: 1º Los valores de lo "bello" y lo "feo", y el reino completo de los valores puramente estéticos. Los valores de lo justo e "injusto", objetos que constituyen "valores"  y son totalmente distintos de lo "recto" y "no recto", es decir, conforme o no a una ley; (...) Y 3º "Los valores del "puro conocimiento de la verdad", tal como pretende realizarlos la filosofía (en contraposición a la "ciencia" positiva, que va guiada en tal conocimiento por el fin de dominar los fenómenos). Según esto, los "valores de la ciencia" son valores por referencia respecto a los valores del conocimiento.»

 

(Max Scheler, Ética, Caparrós Editores, Págs. 176-177; o negrito é nosso) 

 

O problema que este excelente texto de Scheler levanta é o seguinte: pode confinar-se todo o reino dos valores estéticos ao mundo espiritual? Belo e feio podem dissociar-se do agradável e do desagradável, que constituem o fundamento do primeiro reino inferior dos valores?

 

Se contemplo uma jovem mulher de 20 ou 25 anos, que me atrai sensualmente e a quem classifico de "bela" - chamemos-lhe Débora ou Elisabete, ou outro nome- o meu sentido do belo vem do mundo espiritual ou do mundo sensível? Ou virá ainda do mundo intermédio vital?  Presumo que Scheler diria que a atracção proviria do mundo espiritual, o que me leva a qualificá-lo como um platónico refinado do século XX. Mas o valor do agradável que se manifesta no homem ao perceber empiricamente a jovem mulher, mesmo sem a ter ouvido proferir uma palavra, não conterá já o valor do belo como valor físico?

 

Regresso, pois, à tese que sustento de que há pelo menos duas fontes do Belo (kálon,  em grego), dois reinos do belo e do feio, ambos tendo em comum a proporção: as formas do mundo espiritual: as formas do mundo físico, onde a libido e as hormonas serpenteiam.

 

Ademais, segundo Scheler, os valores são dados por funções:  as funções de ver, ouvir, saborear, tactear, são funções do perceber afectivo sensivel; ora, como pode o belo ser exterior a estas funções, em especial à visão, e ser dado apenas na função do perceber sentimental espiritual?

 

É certo que há belezas sensuais femininas que inquietam, porque trazem as chamas de um inferno hormonal, e outras belezas femininas espirituais que tranquilizam, não inquietam hormonalmente. Procederão ambas do reino dos valores espirituais?

 

Nota- É de salientar que nenhum dos manuais de filosofia adoptados em Portugal no ensino secundário (10º e 11º ano de escolaridade) expõe a ética material de valores de Max Scheler - nem sequer o breve resumo de 4 modalidades de valor que expus acima. Há uma feroz censura sobre esta ética personalista cristã de tonalidades gnósticas exercida pelos adeptos da filosofia analítica, uma pleiade de doutorados e mestres mais ou menos medíocres que já se apoderou de posições chave no panorama editorial em Portugal, nos EUA, Grã Bretanha, etc. A censura patenteia-se igualmente, por exemplo, no Compendio de Ética de Peter Singer editado pela Alianza Editorial, de Madrid, que em 726 páginas faz apenas uma única referência à teoria de Max Scheler, misturada com as de Franz Brentano e Nicolai Hartman, sem a explicar verdadeiramente (pag 225), em artigo de J.B. Schneewind. Os parafilósofos ou sofistas analíticos temem os filósofos de síntese como Scheler, Hartman, Heidegger, Zubiri, etc. Bertrand Russell, um democrata no plano político, censurou a filosofia de Heidegger, na sua História da Filosofia Ocidental, omitindo-a por completo... Cuidado com estes cultores da lógica e da análise proposicional! Os seus inspectores de circunstâncias e as suas derivações lógicas sugerem campos de concentração rodeados de arame farpado donde é proibido sair...

 

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