Vários manuais de lógica e de filosofia definem argumento válido de forma incompleta ou mesmo tautológica.
João Sàágua define assim argumento válido:
«Def 3. Argumento válido. Um argumento é válido se o conjunto das suas premissas tem como consequência a conclusão.»
«Tendo em consideração as explicações dadas acima sobre a verdade das frases e consequência, temos que um argumento pode ser válido com premissas e conclusão verdadeiras, com premissas falsas e conclusão verdadeira, e com premissas e conclusão falsas.»
(João Sàágua, Lógica para as Humanidades, Universidade Nova de Lisboa, Edições Colibri, 2001, pag 3).
Sem embargo de Sàágua ser um especialista em lógica proposicional parece-me bastante vaga esta definição de «argumento válido». Que significa «ter como consequência»? Há a consequência acidental, que chega por conexão fortuita, e a consequência apodítica, por conexão essencial...
João Sàágua dá a seguinte definição:
«Def 2 Consequência (1ª versão) Um conjunto de frases tem como consequência uma frase se e só se, não é possível que as frases desse conjunto sejam todas simultaneamente verdadeiras e que a frase em questão seja falsa.» (J. Sàágua, ibid, pag 2).
Dou um exemplo com o seguinte argumento, no sentido de demonstrar que há consequências que não são dedutivamente válidas nem inválidas e, portanto, a consequência em geral não é condição imprescindível da validade de um argumento:
«Fui ao Algarve. Passei na A22.
«Cheguei a Armação de Pera.
«Logo, fui à praia, vi o mar azul».
Ir à praia é uma consequência necessária de ir a Armação de Pera? Ou uma consequência fortuita? É uma consequência fortuita. Posso ir a Armação de Pera e ficar à entrada da vila, junto à EN125, sem sequer ver a praia e o mar.
Este argumento é dedutivamente válido? Não me parece, ainda que a sua estrutura, feita de conjunções de proposições, não acarrete necessariamente invalidez. Sem dúvida, é um argumento indutivamente válido. Dedutivamente, é neutro, de validade indecisa - não é válido em acto.
A minha definição de argumento válido é: aquele em que a conclusão está contida de forma actual nas premissas consideradas de forma abstracta (argumento dedutivamente válido) ou em que a conclusão está contida potencialmente nas premissas consideradas de forma concreta, substancial ou empírico-ideal (argumento indutivamente válido).
Exemplo de argumento dedutivamente válido (mas material ou indutivamente inválido):
«As batatas são girassóis.»
«Os elefantes são batatas»
«Os elefantes são girassóis».
O esqueleto (validade formal) do argumento está correcto. É dedutivamente válido.
Exemplo de argumento indutivamente válido (mas dedutivamente inválido):
«Até hoje, biliões de seres humanos morreram sem completar 200 anos de idade.»
«No futuro, nenhum ser humano conseguirá completar 200 anos de vida».
O carácter dedutivo de um argumento implica sempre uma apoditicidade ou necessidade, real ou aparentemente real, lógica ou suposta por indução. Desidério Murcho, por exemplo, equivoca-se ao defender o seguinte:
«Também há argumentos dedutivos cuja validade não depende inteiramente da sua forma lógica. Os seguintes argumentos, por exemplo, são dedutivamente válidos:
A neve é branca.
A neve tem cor.
Kant era solteiro.
Logo, não era casado.
Contudo a validade destes argumentos não pode ser estabelecida recorrendo unicamente à forma lógica...» (Desidério Murcho, Pensar outra vez, filosofia, valor, verdade, Edições Quasi, V.N.Famalicão, 2006, pag 115-116).
É óbvio que o primeiro exemplo é válido recorrendo apenas à sua forma lógica, ao contrário do que sustenta Desidério Murcho. De facto, trazendo à luz a premissa maior, oculta, temos o seguinte silogismo:
O branco/a é uma côr.
A neve é branca.
A neve tem cor.
A validade deste argumento demonstra-se só pela sua estrutura formal:
A pertence a B.
C pertence a A.
Logo C pertence a B. (A=branco; B=côr; C=neve)
O conceito de válido não pode dissociar-se completamente do conceito de verdadeiro: válido, no plano dedutivo, significa abstractamente ou formalmente verdadeiro ainda que, em muitos casos, se ligue a conteúdos empírico-ideais materialmente ou idealmente falsos.
O erro do texto de João Sáàgua, transcrito no início deste artigo, radica em não distinguir dois tipos de validade: formal-dedutiva e material-indutiva.
Nota: Na 5ª feira, 4 de Outubro de 2007, das 18.15 às 19.15 horas, haverá leitura e comentário (debate) de excertos de textos de Ludwig Wittgenstein, no anfiteatro da Escola Secundária Diogo de Gouveia, em Beja, organizado pelo grupo de professores de filosofia dessa escola. A entrada é livre.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz
O exame nacional de Filosofia, prova escrita 714, realizado em Portugal em 3 de Julho de 2006, contém diversos erros na estrutura das perguntas que deverão, por imperativo, levar à sua impugnação.
Vejamos alguns exemplos desses erros, no que toca ao GRUPO I , (Versão 2 da prova), composto por 10 questões de resposta obrigatória, em cada uma das quais se oferecem 4 tipos de resposta (A, B, C, D), devendo o aluno indicar uma única como certa.
A VALIDADE NÃO SE REFERE SÓ AOS ARGUMENTOS MAS TAMBÉM ÀS PREMISSAS, À PROPOSIÇÃO...
Atente-se na questão 1 do GRUPO I do dito exame (Versão 2):
«1. A validade é uma propriedade...
(A) das permissas
(B) dos argumentos
(C) das conclusões
(D) das proposições .»
Crítica: Em primeiro lugar, a pergunta peca por não identificar o sentido da palavra validade: há validade em sentido formal; há validade em sentido material.
Pode responder-se (A) e está certo. Exemplo, o raciocínio: «A água ferve somente à temperatura de 60º centígrados, à pressão atmosférica normal, na Terra; a minha cafeteira ao lume tem água a 70º C, logo essa água já ferve» está inválido na primeira premissa porque, em condições normais, a água ferve a 100º c. Portanto há premissas válidas e premissas inválidas.
Mas também se pode responder (B) e ser considerado certo: é óbvio que a validade pertence aos argumentos, como pertence às permissas e às conclusões que os compõem..
E também se pode responder, correctamente, (C) pois a validade é também propriedade das conclusões. Exemplo: o raciocínio «Os homens são mortais, Diógenes é homem, logo Diógenes é mortal» tem uma conclusão válida mas o raciocínio «Os elefantes são paquidermes, Caetano Veloso não é elefante, logo Caetano Veloso não é brasileiro» não tem validade na conclusão.
Se responder (D) o aluno igualmente dá uma resposta correcta porque há proposições válidas e inválidas. Exemplo: A proposição «A parte é maior do que o todo em que se integra» é inválida mas a proposição «Dois adicionado de sete perfaz nove» é válida.
Em suma: quer responda A,B,C ou D o estudante acerta sempre. Mas assim não pensam os «filósofos» que elaboraram esta espantosa prova de exame que apenas consideram correcta a hipótese (B). À excepção de Russell, de Ayer e de alguns outros, podemos dizer que a maioria dos pensadores analíticos, formalistas, vêem a árvore e não vêem a floresta...
A CONFUSÃO ENTRE ALGUNS DIREITOS E TODOS OS DIREITOS NA QUESTÃO 3...
Vejamos outra questão de estrutura errónea, a questão 3, grupo I, na referida prova de exame (versão 2):
«3. Como é que as mulheres conquistaram os direitos que têm? Sem dúvida que foi através da luta activa, pois foi através da luta activa que conquistaram o direito de voto, foi através da luta activa que conquistaram o direito à igualdade de oportunidades no emprego, e também foi através da luta activa que conquistaram o direito de frequentar o ensino superior.»
Qual é a conclusão deste argumento?
(A) Foi através da luta activa que as mulheres conquistaram o direito de voto.
(B) Foi através da luta activa que as mulheres conquistaram o direito à igualdade.
(C) Foi através da luta activa que as mulheres conquistaram os direitos que têm.
(D) Foi através da luta activa que as mulheres conquistaram o direito de frequentar o ensino superior.»
Crítica: Ao contrário do que pretendiam os autores deste teste, há três respostas que estão certas, embora parcelares- (A), (B) e (D) - visto que a conclusão deste argumento se desdobra em três dimensões (voto, igualdade, ensino superior). E, contra o que parece, há uma resposta errada: a (C), justamente aquela que os critérios de correcção oficiais apontam como.. correcta..
Na verdade, há direitos das mulheres que não foram, presumivelmente, conquistados pela luta activa: o direito a ser mãe, por exemplo, que é um direito biológico, inerente ao organismo; o direito à sedução feminina, que é um direito psico-biológico. E outros.
Para que a resposta (C) fosse correcta era preciso que a frase fosse a seguinte: (C) Foi através da luta activa que as mulheres conquistaram alguns dos direitos que têm».
A INCAPACIDADE DE DEFINIR INDUÇÃO FORTE
Medite-se, agora, noutra questão concebida confusamente, a questão 4 do grupo I (Versão 2):.
«4. Um argumento é indutivamente forte quando...
(A) parte do particular para o geral.
(B) a verdade das premissas torna muito provável a verdade da conclusão.
(C) é impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa.
(D) parte do geral para o particular.»
Crítica: As quatro hipóteses estão erradas. Se o aluno responder (A) , isto é, que a indução, forte, consistente, é a que parte do particular para o geral erra por insuficiência na definição, por indiferenciação, porque a indução fraca também parte do particular para o geral. Exemplo de como a indução fraca generaliza, também parte do geral para o particular: «Fui a Serpa e perguntei a cinco transeuntes em quem votavam nas eleições autárquicas, 4 disseram que no PSD e 1 no PS, portanto, induzo que a maioria dos votantes em Serpa votam PSD». Ora, a maioria dos eleitores em Serpa nas autárquicas vota CDU...
Se o estudante responde (B), está igualmente errado, porque numerosas induções fortes não afirmam a probabilidade mas a certeza da verdade. Exemplo: « Sou médico, já dei 2.017 injecções de insulina a diabéticos e em todos os casos a taxa de açúcar no sangue baixou, induzo, com toda a certeza, que o mesmo sucederá com o próximo diabético...». Os autores do teste estabeleceram, confusamente, que a resposta correcta» seria esta (B)...É um erro crasso.
As respostas (C) e (D) são, obviamente, extrínsecas à noção de indução forte.
Qual seria então a possível resposta correcta sobre a indução forte, que os autores da prova não souberam construir? A resposta (A´) se fosse enunciada assim: parte de numerosos exemplos particulares, que não registaram excepção conhecida ou que têm raríssimas excepções, para uma tese ou lei geral...
EMPÍRICO CONTRAPOSTO A EXPERIMENTAL E A A POSTERIORI? A «FÉ» EM QUE A CÔR É A PRIORI ERIGIDA EM DOGMA...
Veja-se agora outra questão, a nº 8 do grupo I, (Versão 2) claramente errada na sua formulação porque supõe haver uma única resposta certa:
«8. Sabemos que as coisas verdes são coloridas. Este conhecimento é...
(A) empírico
(B) experimental.
(C) a priori
(D) a posteriori.»
Crítica: se o aluno responder (A) acertou: é pela via empírica (dos sentidos: visão, audição, tacto, etc) que o ser humano se apercebe que as coisas verdes são coloridas (tautologia..). Este é o ponto de vista da física dominante: a côr forma-se em nós dependendo da incidência dos raios de luz exteriores, objectivos, não é um a priori.
Mas se o aluno responder (B) acertou também: é pela via experimental, isto é, baseada na experiência que se descobre que as folhas das árvores são, geralmente, verdes e que são coloridas. Aliás digam-me: qual é a diferença entre o empírico e o experimental? Em certo sentido, são exactamente o mesmo.
E se o estudante responder (D) está igualmente correcto: constatar que as coisas verdes são coloridas é um conhecimento a posteriori, ou seja, gerado na experiência, depois de o ser humano nascer e apreender sensorialmente o mundo.
Em suma: respondendo (A), (B) ou (D) o aluno tem resposta correcta. Se responder (C) está também correcto, sob outra óptica filosófica - a de um certo tipo de inatismo ou apriorismo.
Mas os autores da prova pretendem que só uma resposta é correcta.. E o mais surpreendente é que sustentam que a resposta certa é a (C) : a côr é conhecida a priori, isto é, já está inata em nós antes de vermos pela primeira vez os objectos de côr verde. Pecam portanto, por unilateralismo: erigem um determinado ponto de vista gnosiológico, legítimo, em fonte única da verdade àcerca da côr, eliminando a interpretação empirista aposteriorista, absolutamente legítima, patente nas hipóteses (A), (B) e (D). A isto chama-se intolerância antifilosófica... A questão da côr não está dirimida entre os filósofos e biólogos. É ainda uma questão de «fé»...isto é, de especulação metafísica.
Mas os autores da prova querem obrigar os professores correctores a segui-los na queda ao precipício do seu míope dogmatismo.
NENHUMA PROPOSIÇÃO A POSTERIORI SE CONHECE APENAS COM RECURSO À EXPERIÊNCIA...
Examinemos agora a questão 9 do grupo I, (versão 2) também mal estruturada.
«(9) Diz-se que uma proposição é conhecida a posteriori se é conhecida ...
(A) apenas por recurso ao pensamento.
(B) por todas as pessoas.
(C) apenas pelos empiristas.
(D) apenas por recurso à experiência.»
Crítica: Nenhuma destas quatro respostas é correcta. A proposição conhecida a posteriori é a que deriva da experiência sensorial, como por exemplo: «Hoje está, aqui, um dia quente de verão, de céu azul sem nuvens».
Os autores da prova supunham que a resposta (D) é a correcta mas tal não sucede. Na verdade, uma proposição a posteriori como «Está calor aqui na praia» não se conhece apenas por recurso à experiência ( «Sinto o calor na pele, a areia da praia nos pés, vejo o mar...) mas também por recurso ao pensamento porque, como proposição, implica ideias, juízo, raciocínio que se traduzem na frase.
Uma proposição factual, a posteriori, não é apenas um ver e um sentir esta coisa, esta acção: é uma estruturação pensante - recorre também ao pensamento - desses dados empíricos.
Logo, a resposta correcta seria a (D) se esta tivesse sido formulada do seguinte modo: por recurso à experiência e ao pensamento.
HÁ VÁRIAS OBJECÇÕES, E NÃO APENAS UMA, À INDUÇÃO CIENTÍFICA....
A questão 10 do grupo I (versão 2) está concebida de forma errónea ao pretender uma única resposta certa das quatro possíveis. Vejamos.
«10. A concepção indutivista de ciência enfrenta a objecção seguinte:
(A) muitas teorias científicas têm como objecto factos inobserváveis.
(B) as teorias científicas permitem fazer previsões.
(C) a observação não intervém no desenvolvimento da ciência.
(D) todo o conhecimento científico é a priori.»
Crítica: No quadro da pergunta, há três respostas certas a esta pergunta: (A), (C) e (D). Por concepção indutivista da ciência entende-se aquela que estabelece leis ou regularidades a partir da generalização (indução amplificante) de alguns exemplos empíricos da mesma natureza. Ora os autores da prova pretendiam que só a (A) é correcta, falhando o ângulo de visão teórica correcta, porque, por exemplo, sustentar que a observação não intervém no desenvolvimento da ciência - e Popper fá-lo no que concerne à criação das ideias científicas- é uma objecção à concepção indutivista da ciência.
QUE IDEOLOGIA «FILOSÓFICA» ENFORMA OS TESTES DE EXAME?
Há mais erros nesta prova que, oportunamente, revelaremos.
Detecta-se, no tipo de perguntas, no modo de construção da prova, a preponderância dada pelos autores a um determinado manual: concretamente, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, da Didáctica Editora, de Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão. A escolha das falácias Ad Misericordiam, Apelo à Ignorância e outros pormenores revelam este manual como sua fonte. A verdade é que as orientações de exame dadas aos professores de Filosofia, há meses, não referiram explicitamente estas falácias como de estudo obrigatório para exame e assim só os alunos que estudam por um dado manual de uma dada editora saem beneficiados em relação aos outros... Enfim, camaradas, Todos somos iguais, mas uns são mais iguais do que outros, como no livro de George Orwell.
Em tudo isto, temos um exemplo de como o lobby da (sub)filosofia analítica em Portugal , cristalizado na chamada Sociedade Portuguesa de Filosofia, essa espécie de tecnocratas do pensamento, que fragmentam e reduzem o caule do pensar a definições laminadas, distorcidas, desconexas entre si, sem visão holística, domina o sector de concepção de exames no Ministério da Educação.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Diversos autores em filosofia, em especial na lógica, dissociaram os conceitos de validade e verdade, de maneira antidialéctica. Ora a dialética repousa num primeiro pilar holístico, a lei do uno: no universo e no pensamento, tudo se relaciona e interpenetra, nada está isolado.
Vejamos um exemplo desta dissociação artificial num manual de Filosofia:
«Em lógica e filosofia chama-se válido a um argumento que tem certas propriedades , independentemente de as suas premissas serem verdadeiras ou falsas. O termo «validade» não se aplica a proposições.E os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos.»
«Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não podem ser verdadeiros nem falsos.»
« As proposições podem ser verdadeiras ou falsas, mas não podem ser válidas nem inválidas». (Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 18; o negrito é posto por nós).
Esta oposição entre verdade e validade estabelecida neste excerto de um manual de Filosofia para o ensino secundário em Portugal é, a nosso ver, errónea. É fruto da hiper-análise, isto é, a visão separada das coisas, sem a intuição da sua identidade essencial.
De facto dizer «É verdade que 2+5 =7» é o mesmo que dizer «É válido que 2+5=7». E dizer «é verdade que a Terra gira em torno do sol» é o mesmo que dizer «é válido que a Terra gira em torno do sol».
O que os autores do citado texto designam por validade pode ser designado como verdade formal, verdade a priori, num plano meramente lógico. Por exemplo a inferência lógica « se a >b e b>c , então a>c» é simultaneamente válida e verdadeira. Logo esta proposição é verdadeira e válida, ao contrário do que sustentam os autores acima dizendo que «as proposições não podem ser válidas nem inválidas».
A noção de validade é extraída da noção de verdade e nunca se liberta da determinação desta. Metaforicamente, talvez se pudesse dizer, numa certa perspectiva, que a verdade, em sentido ideal-material, é a carne com os ossos, e a validade, em sentido de verdade formal, lógica, é os ossos que subjazem à carne.
O que faltou definir no citado texto são as várias acepções do termo verdade: verdade material (obtida pela intuição empírica directa conjugada com o raciocínio); verdade ideal (obtida pelo raciocínio trabalhando sobre os conceitos empíricos armazenados na memória ou na imaginação, sem verificação prática; muitos autores também a designam como verdade material porque tem conteúdo concreto); verdade formal ou lógica pura ( que o manual citado designa por validade).
No mesmo manual de Filosofia, incorre-se no erro de dissociar argumento e proposição como se fossem conceitos absolutamente extrínsecos entre si:
«Como vimos, as premissas e a conclusão dos argumentos são proposições. Portanto, os argumentos contêm proposições e as proposições podem ser verdadeiras ou falsas. Mas isto é diferente de dizer que o próprio argumento é verdadeiro ou falso. Um argumento não pode ser verdadeiro nem falso.»
«Do facto de um argumento ser um conjunto de proposições não se segue que o próprio argumento é uma proposição. Um conjunto de pessoas não é uma pessoa.»
«Os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos porque não são proposições; e não são proposições porque nada afirmam sobre a realidade. Um argumento limita-se a estabelecer uma relação entre proposições que afirmam coisas sobre a realidade.»
«Não é necessário definir a noção de verdade. A noção normal, que usamos no dia-a-dia, é suficiente.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 18; o negrito é posto por mim).
É evidente que um argumento pode ser verdadeiro ou falso, ao contrário do que no Manual acima transcrito se sustenta. Vejamos o seguinte exemplo: «As vacinas infectam o sangue humano porque são, em si mesmas, constituídas pelo pus de cavalos, macacos, bois e outros animais doentes».
Este argumento anti-vacinação exprime-se numa única proposição, que inclui dois juízos: tem, portanto, valor de verdade ou falsidade. É um argumento verdadeiro ou falso. A isso não se pode fugir. É também evidente que um argumento afirma algo sobre a realidade, ao contrário do que exprime o texto transcrito do citado Manual.
Nos casos em que argumento não é uma única proposição, é um conjunto de proposições encadeadas de forma lógica e também nesse caso será verdadeiro ou falso. Vejamos um exemplo de um argumento anti-capitalista: «O capitalismo baseia-se na apropriação pelos capitalistas, da mais-valia que os operários produzem. Essa apropriação, fundada na propriedade privada das fábricas, das terras, lojas e armazéns e bancos, gera desigualdades sociais. Para acabar com estas, é imprescindível suprimir a propriedade privada dos meios de produção e troca, isto é, instaurar a auto-gestão no quadro de um Estado operário».
Este argumento, composto por diversas proposições, cada uma delas verdadeira ou falsa, é verdadeiro ou é falso no seu todo. Não é possível suprimir a dicotomia de valores verdadeiro/ falso no todo - o argumento - existindo esse valor em cada uma das partes.
Os autores do Manual A Arte de Pensar confundem argumento (encadeamento de juízos e raciocínios visando provar ou refutar uma tese, uma ideia) com conexão lógica do raciocínio, isto é, com mecanismo formal estruturador do argumento. Confundem o bolo (o argumento) com a forma metálica em que foi produzido (o esqueleto formal do pensar) Esse é o risco de alguma filosofia "analítica": ver a árvore e não ver a floresta.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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