A filosofia analítica, incapaz de hierarquizar dialeticamente os conceitos em géneros e espécies e subespécies, em muitas situações, comete o erro de separar libertismo de determinismo moderado. Esta última doutrina é a teoria segundo a qual há duas esferas de acção, a do determinismo biofísico, impossível de evitar - lei da gravidade, envelhecimento celular, sequência das estações do ano, sempre a mesma, etc. - e a do livre-arbítrio, que é a deliberação racional e a decisão livre dos seus actos feita por cada homem, podendo a esfera do livre-arbítrio contrariar a do determinismo, em certa medida.
Os filósofos analíticos como Simon Backburn inventaram, confusamente, o conceito de libertismo, opondo-o ao determinismo biofísico com livre-arbítrio, sem perceberem que libertismo é a parte de livre-arbítrio que há no determinismo moderado. Libertismo e exercício do livre-arbítrio é uma e a mesma coisa. Assim, o libertismo é género de duas espécies: o determinismo biofísico (exemplo: se me atirar ao vazio caio sempre para a Terra porque a lei da gravidade funciona a todo o instante) com livre-arbítrio humano; o indeterminismo biofísico (exemplo: a lei da gravidade pode deixar de funcionar quando me atiro ao vazio) com livre-arbítrio.
Os próprios filósofos analíticos não estão de acordo sobre a definição de libertismo embora todos o definam como um «incompatibilismo» - um chavão que revela irreflexão. Ben Dupré, por exemplo, escreve sobre os partidários do libertismo que considera extrínseco e alternativo ao determinismo moderado (determinismo com livre-arbítrio):
«Deterministas moderados - Aceitam que o determinismo é verdadeiro, mas negam que ele seja incompatível com o livre-arbítrio. O facto de termos podido agir de um modo diferente se o tivéssemos escolhido oferece uma noção satisfatória e suficiente de liberdade de acção (..)
«Libertários - Concordam que o determinismo é incompatível com o livre-arbítrio e, por conseguinte, rejeitam o determinismo. Sustentam que o livre-arbítrio é real e que as nossas escolhas e ações não são determinadas». (Ben Dupré, 50 Ideias de Filosofia que Precisa mesmo de saber, p.170, D. Quixote, 2011, adaptado e citado no Manual Essencial Filosofia do 10º ano, da Santilhana Editores, pag 100-101 o negrito é sublinhado por nós)
Mas como podem os libertários rejeitar o determinismo se ele existe na realidade? Por exemplo, um mendigo que sente o determinismo biológico da fome tem livre.arbítrio para assaltar ou deixar em paz um idoso que caminha numa rua solitária. A decisão que tomar enquadra-se no determinismo moderado - eu chamo-lhe determinismo biofísico aliado a livre-arbítrio - e igualmente no tal libertismo, que é a mesma coisa. Afinal os deterministas moderados « sustentam que o livre-arbítrio é real e que muitas das nossas escolhas e ações não são determinadas». E o que significa ser «incompatível com»? O comunismo estalinista era incompatível com o capitalismo norte-americano? Intrinsecamente era incompatível, mas extrinsecamente eram compatíveis, coexistiam nos anos 1930 a 1953 no mesmo planeta. As confusões dos filósofos vulgares que imperam no mundo universitário são enormes...o termo incompatibilismo não os deixa discernir, não sabem pensá-lo dialeticamente.
Seja como for, não faz sentido considerar o libertismo como corrente autónoma face ao determinismo moderado pelo livre-arbítrio. Mas os autores de manuais escolares de filosofia em Portugal e respectivos supervisores, catedráticos, sem excepção, seguem esta errónea visão de Blackburn, e as perguntas que saem em provas de exame nacionál envolvendo o conceito de libertismo enfermam desta mesma míope conceptualização. A universidade vale pouco em matéria de clareza filosófica... é um conjunto de vaidades doutoradas. Os genuínos pensadores estão fora...
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