Sem os erros gritantes da prova de exame nacional de filosofia de 2007, o teste intermédio de filosofia realizado em Portugal em 20 de Abril de 2012 - curiosamente o aniversário do nascimento de Adolf Hitler, o tal que mandava queimar em autos de fé os livros com as teorias metafísicas e científicas que o desafiavam e ao nazismo; a lembrar alguns ditadores da análise lógica de hoje, com os inspectores de circunstâncias e o raciocínio mecânico, robótico... - enferma, sem embargo, de alguns equívocos e da mesma estreiteza antimetafísica e antifilosófica que caracterizou a prova de exame de 2007. O teste intermédio não permite distinguir, com clareza, os alunos muito bons dos alunos bons, e estes dos suficientes elevados: não dá espaço à criatividade filosófica e faz da filosofia, exclusivamente, uma disciplina de memorização de conteúdos que são despejados no teste. Descartes e Hume são os filósofos sobre os quais se pede um saber nas perguntas 2.1 e 2.2 (da versão 1 do teste): mas as orientações de correção revelam que os autores do teste não dominam a filosofia de David Hume, o que sucede, aliás, com pelo menos 95% dos professores de filosofia do ensino secundário em Portugal.
PERGUNTA SOBRE O ARGUMENTO DE ANALOGIA MAL CONCEBIDA
A questão 1.6 do teste, confusamente elaborada, é a prova de que os autores - do mesmo modo que os manuais escolares em voga - não intuem com clareza o que é raciocínio de analogia. Vejamos:
1.6.
Um argumento por analogia é um argumento
(A) dedutivo que parte de uma boa comparação entre realidades diferentes.
(B) não dedutivo que parte de semelhanças entre realidades diferentes.
(C) dedutivo que parte de certo número de semelhanças entre realidades diferentes.
(D) não dedutivo que parte de diferenças relevantes entre realidades semelhantes.
O erro desta pergunta reside no facto de ignorar que o argumento por analogia, baseado na comparação entre dois ou mais entes, é multiforme: numa modalidade, consiste em raciocínios indutivos unificados por uma intuição noética e na outra modalidade reduz-se ao raciocínio dedutivo unificado noeticamente (inteligivelmente). Portanto, as quatro respostas A, B, C e D estão razoavelmente correctas - e razoavelmente incorrectas. Aliás a resposta B é, no fundo, o mesmo que a resposta D: semelhanças entre realidades diferentes (exemplo: o mesmo tipo de intestino e de dentição e de vocação frugívora entre o homem e o gorila) e diferenças relevantes entre realidades semelhantes (exemplo: a crueldade primitiva da criança de 6 anos que agride fisicamente outra, e a crueldade refinada do homem adulto que faz intimidação e acosso psicológico ao seu semelhante) vai desaguar no mesmo, isto é, numa relação de identidade e diferença...
Há raciocínios de analogia que são quase puramente dedutivos como, por exemplo, a analogia do ente (tó ón) e do uno (tó tí) que Aristóteles estabelece na "Metafísica". Como verificar que se trata de uma dedução adicionada de intuição noológica unificadora? O ente é uno : unidade deduz-se do conceito abstracto de ente. O uno é ente, isto é, existe - é outra dedução. Trata-se de duas deduções que confluem neste argumento de analogia construído mediante uma intuição unificadora. As respostas A) e C) do texto encaixam nesta modalidade.
Consideremos agora o seguinte raciocínio de analogia: «O homem e o chimpanzé possuem semelhanças evidentes na sua anátomo-fisiologia: 32 dentes na boca, um intestino de 6 a 8 metros de comprimento diferente do intestino dos carnívoros que é de 2,5 a 3 metros e uns rins fracos. Portanto, o homem deve alimentar-se de modo similar ao chimpanzé em liberdade: frutos frescos ou gordos (nozes, amêndoas), hortaliças, ovos e pequenos mariscos.» Esta analogia parte da indução, de uma observação empírica do homem e do chimpanzé e por abstração unifica as duas espécies no género antropóides. A analogia inclui pois, nesta modalidade, indução e aglutinação noética (intuição inteligível unificadora). Nada disto é ensinado nos manuais escolares nem nos dicionários de filosofia. Assim, a pergunta 1.6 está mal construída, borbulha no magma da confusão intelectual.
ERRÓNEA ORIENTAÇÃO PARA CORRIGIR AS PERGUNTAS SOBRE DAVID HUME
Veja-se agora uma pergunta sobre David Hume cuja teoria os autores desta prova - e a generalidade dos professores de filosofia - não dominam. Reza assim o final do enunciado do teste intermédio:
2.2.
Compare as posições de Hume e de Descartes relativamente à origem do conhecimento humano.
Na sua resposta deve integrar, pela ordem que entender, os seguintes conceitos:
razão;
sentidos;
ideias.
E para o cenário da resposta desenha, entre outras, a seguinte orientação:
Caracterização do papel da razão e dos sentidos no conhecimento da realidade, de acordo com a filosofia de Hume, segundo a qual a razão sem os sentidos não pode ajuizar ou fazer inferências sobre a realidade.
Nota-se neste critério de correção a ignorância dos autores desta prova sobre a doutrina de Hume. David Hume não considerou uma só razão nem afirmou que a razão sem os sentidos não pode ajuizar ou fazer inferências sobre a realidade. Escreveu:
«Pareceria ridículo aquele que dissesse que é somente provável que o sol nascerá amanhã, ou que todos os homens têm de morrer, embora seja claro que não temos outros factos além da que nos fornece a experiência. Por esta razão, talvez fosse mais exacto, para conservar logo o sentido correcto das palavras, e marcar os vários graus da evidência, distinguir três espécies de razão humana, a saber, a que resulta do conhecimento, a que resulta das provas e a que resulta das probabilidades. Por conhecimento, entendo a certeza que nasce da comparação de ideias. Por provas, os argumentos tirados da relação de causalidade e que são inteiramente livres da dúvida e incerteza. Por probabilidade, a evidência que ainda é acompanhada de certeza. É esta última espécie de raciocínio que passo a examinar. »
«A probabilidade ou raciocínio de conjectura pode dividir-se em duas espécies, a saber, a que se baseia no acaso e a que nasce de causas. Consideremos uma e outra por ordem. A ideia de causa e efeito é tirada da experiência que, apresentando-nos certos objectos constantemente conjugados, produz um hábito tal de os considerar nessa relação que não podemos sem sensível violência considerá-los em qualquer outra relação. Por outro lado, visto que o acaso não é em si nada de real e, falando com propriedade, é apenas a negação de uma causa, a sua influência na mente é contrária à da causação; e é essencial que deixe a imaginação perfeitamente indiferente para considerar a existência ou não-existência do objecto tomado como contingente.»
(David Hume, Tratado sobre a investigação humana, pag 163-164, Fundação Calouste Gulbenkian; o destaque a negrito é da minha autoria).
Para David Hume, a relação de causação ou causalidade necessária vem da experiência: é por vermos diariamente o nascer do sol e os nossos antepassados o terem visto sempre durante milhares de anos, que podemos dizer, com toda a segurança, que o sol nascerá amanhã. Essa é a razão das provas. Mas as outras duas razões ou vertentes de uma razão tridimensional - a razão do conhecimento, isto é meramente teórica, que compara ideias e formula, por exemplo, a teoria dos buracos negros do universo, feita de juízos e raciocínios especulativos; e a razão das probabilidades, céptica, que conjuga o acaso com o determinismo - fogem da alçada dos sentidos, ainda que as ideias que manejam se originassem neles, e portanto ajuizam em "roda livre", sem controlo da experiência.
O que importa é que a razão opera e ajuíza sem os sentidos, ao contrário do que se afirma no critério de correção acima - opera com base na imaginação.
Nenhum dos manuais escolares de filosofia adoptados em Portugal nem os respectivos autores e revisores (Desidério Murcho, Pedro Galvão, Aires Almeida, Célia Teixeira, Paula Mateus, Luis Rodrigues, Pedro Madeira, Alexandre Franco de Sá, Michel Renauld, Marcelo Fernandes, Nazaré Barros, António Pedro Mesquita, Luís Gottschalk, Amândio Fontoura, Mafalda Afonso, Maria de Fátima Gomes, J.Neves Vicente, Catarina Pires, Maria Antónia Abrunhosa, Miguel Leitão, Margarida Moreira, Adília Maria Gaspar, Maria Luísa Ribeiro Ferreira, Fátima Alves, José Arêdes, José Carvalho, Rui Alexandre Grácio, José Manuel Girão, etc) compreenderam bem e explanaram correctamente a teoria de David Hume. Não falam desta tridimensionalidade da razão ou destas três razões. A doutrina de Hume é mais complexa do que o simplismo redutor com que a pintam. Como poderão então os professores correctores, sob a deficiente influência dessses autores e supervisores, corrigir com verdade as respostas dos alunos sobre a teoria de Hume e ter uma perspectiva correcta sobre a relação razão- sentidos segundo este filósofo?
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)</span
Os testes intermédios do 10º ano de Filosofia editados pela Porto Editora em 2011 estão repletos de erros teóricos e consituem um exemplo da formatação antifilosófica do pensamento dos adolescentes do ensino secundário em Portugal que uma parte substancial dos professores leva a cabo, por irreflexão e mimetismo face aos autores de manuais escolares. Vejamos alguns desses equívocos,
MOORE E O EQUÍVOCO DOS "ATOS INCAUSADOS"
A Proposta de teste intermédio 1 começa com o seguinte texto de George Moore, um dos confusos pais da filosofia analítica:
GRUPO I
«Aqueles que defendem que temos livre-arbítrio julgam-se obrigados a sustentar que por vezes os atos voluntários não têm causa; e aqueles que defendem que tudo é causado pensam que isso prova completamente que não temos o livre-arbítrio. Mas na verdade, é extremamente duvidoso que o livre-arbítrio seja inconsistente com o princípio de que tudo é causado.» ...( G.E. Moore- Ética, 1912, Capítulo VI).
1) Indique pela mesma ordem que o autor, as posições sobre o livre-arbítrio referidas na primeira frase do texto. ( Testes intermédios, pag 18, Porto Editora).
A proposta de resolução é a seguinte:
GRUPO I
«As posições são o libertismo e o determinismo radical (Estas são as duas formas de incompatibilismo).» (Testes intermédios, pag. 21, Porto Editora; o negrito é posto por mim).
Crítica: em primeiro lugar, Moore confunde causa com causa necessária (esta última é componente do princípio do determinismo: as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, nas mesmas circunstâncias). Esta confusão vocabular é funesta à clareza filosófica: Moore e os seus imitadores, como Simon Blackburn e os autores de quase todos manuais escolares de filosofia para o 10º ano em Portugal não distinguem, vocabularmente pelo menos, entre causa livre - exemplo: Deus criou o mundo por um acto único de livre-arbítrio, que não estaria obrigado a praticar, na concepção cristã - e causa necessária, envolta nas roldanas da necessidade ou determinismo. Dizer que alguns atos voluntários não têm causa, como Moore sustenta no texto acima, é um contrasenso: a causa de um ato voluntário, como, por exemplo, ir passear ou ir ao cinema, é o livre-arbítrio, a reflexão livre de cada pessoa que precede a decisão, ou o instinto. O que Moore e outros querem dizer com a expressão "atos incausados" é que há atos que escapam ao determinismo. Mas nenhum ato escapa a causas, sejam elas necessárias ou livres, e isto Moore e os seus imitadores não o dizem. Em rigor, não há atos incausados. O princípio da razão suficiente, de Schopenhauer, assegura que toda a coisa ou fenómeno possui uma causa.
Por outro lado, a solução proposta acima diz que a teoria que sustenta que os atos voluntários são por vezes incausados chama-se.. libertismo. É uma névoa de confusão: não se explica o que é libertismo, nem em que se distingue do determinismo com livre-arbítrio («determinismo moderado»,na imperfeita definição em voga nos manuais). Kant é libertista, como defende Simon Blackburn? Ou é "determinista moderado", uma vez que admite que o eu fenoménico (corpo e suas necessidades materiais) é determinado pela natureza e o eu numénico (razão livre) é livre? Ninguém sabe explicar isto. Não se pensa, não se confrontam posições nesta esfera da filosofia - o meu blog é, seguramente, uma excepção, fustigando, com a espada do raciocínio dialético, o dogmatismo erróneo instalado entre os professores de filosofia (por exemplo, a confusa classificação: determinismo radical, determinismo moderado, libertismo, indeterminismo).
Também não se percebe como se pode classificar o "libertismo" de incompatilismo. Como pode ser incompatibilismo se, às vezes, aceita que há livre-arbítrio compatível com determinismo?
ERRÓNEA DEFINIÇÃO DE RELATIVISMO CULTURAL
Na mesma Proposta de teste intermédio 1, temos a seguinte pergunta do grupo II a coroar um texto de Harry Gensler:
2.1. Defina relativismo cultural.(pag 21)
A proposta de resolução é a seguinte:
«2.1. De acordo com o relativista cultural, não há padrões absolutos ou universais do bem e do mal. O facto de algo ser bom, ou de algo ser mau, é sempre relativo a sociedades específicas. Se numa sociedade a maioria aceitar, por exemplo, que a poligamia é boa, então a poligamia será boa para essa sociedade; se noutra sociedade a maioria pensar o contrário, então a poligamia será má para essa sociedade.» (Testes intermédios, Filosofia 10º, pag 21, Porto Editora; o negrito é colocado por mim).
Crítica minha: É um erro apontar como relativismo o facto de «numa sociedade em que a maioria aceita a poligamia como um bem, então a poligamia será boa para essa sociedade». Isso é absolutismo social, imposição de uma mesma ideologia a todos os estratos da mesma sociedade. Harry Gensler pensa mal tal como os autores desta prova intermédia da Porto Editora. O relativismo é o facto de numa mesma sociedade haver uma moral, uma ciência e uma concepção político-económica dominantes e, em simultâneo ,haver morais, ciências e concepções político-económicas dominadas que não aceitam o paradigma dominante. Por exemplo, sob a ditadura de Salazar os valores dominantes veiculados na televisão e jornais eram, entre outros, «manter a integridade nacional conservando Angola, Guiné e Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe como províncias de Portugal» mas havia oposição entre os intelectuais, os estudantes e a classe operária ao colonialismo oficial de Salazar. Isto, sim, é relativismo: mostrar as diferentes verdades no seio da mesma sociedade. A definição mutilada de relativismo fornecida por Harry Gensler supõe homogeneidade no interior da mesma sociedade o que, em rigor, não é verdade.
A ÉTICA DE KANT NÃO É RELATIVISTA?
Surgem então as perguntas de escolha múltipla e uma só resposta tida como certa e aqui se revela a mediocridade de pensamento de quem gizou este teste, o espírito de hiper análise sem visão de síntese.
GRUPO III
«1.2. A teoria ética de Kant é:
A. Consequencialista
B. Relativista
C. Deontológica
D. Teológica (pag
A resposta apontada como certa é: deontológica (alínea C).
Crítica: Há três respostas certas, as da alínea A, B e C.
Para surpresa da grande maioria, direi que a ética de Kant é consequencialista porque visa uma consequência para cada cada acção humana: a transmissão de uma ideia de equidade entre os homens, de justiça, e a satisfação do eu racional. O dever não é um fim em si mesmo, ao contrário do que diz Kant. O dever é um serviço para com os outros idealmente considerados. Se um homem que acha na rua uma carteira com 50 000 euros entende devolvê-la, apesar de poder ficar com ela uma vez que ninguém viu, é por dever para com o dono do dinheiro e a humanidade em geral. Visa-se, pois, um fim (consequencialismo) ao devolver o dinheiro: corrigir a injustiça, restituir o seu a seu dono. A resposta A está certa - contra o que afirmam as vozes dominantes e os manuais escolares.
Ao mesmo tempo, a ética de Kant é relativista, isto é, o conteúdo do imperativo categórico varia de pessoa a pessoa, é relativo à consciência de cada um. Relativismo da esmola: para uns, é um bem dar esmola porque seguem o imperativo categórico «Dá sempre esmola a quem te pedir porque isso corresponde ao ideal de justiça social» e para outros é um mal dar esmola porque o seu imperativo categórico é «Nunca dês esmola a quem quer que seja porque isso rebaixa a dignidade de quem pede». Logo, a resposta B está certa.
Obviamente, a ética de Kant é deontológica (déon= dever), estrutura-se sobre o dever. A resposta C está certa.
MILL NÃO DEFENDE QUE SÓ UMA BOA VONTADE É INCONDICIONALMENTE BOA?
Consideremos outra pergunta, na página 20 do "Testes intermédios":
«1.5 Tanto Kant como Mill defendem que:
A. Não há um princípio moral fundamental.
B. Só o prazer e a ausência de dor são incondicionalmente bons.
C. Há um princípio moral fundamental.
D. Só uma boa vontade é incondicionalmente boa.
A resposta tida como certa é a da alínea C.
Crítica: De facto, a resposta C está correcta. Mas a resposta D também está: a definição de boa vontade como a vontade incondicionalmente boa não é exclusiva de Kant. Já se encontra na «Ética a Nicómaco» de Aristóteles e é partilhada também por Stuart Mill.
A ÉTICA DEONTOLÓGICA NÃO PROMOVE SEMPRE O BEM?
Na proposta de Teste Intermédio 2 figura a seguinte questão que pede apenas uma resposta certa de entre as quatro hipóteses (pag. 26)
«1.4 De acordo com uma ética deontológica:
A. Só o prazer e a ausência de dor são bons.
B. Devemos sempre promover o bem.
C. Não podemos promover o bem sacrificando os direitos dos outros.
D. Nem só o prazer e a ausência de dor são bons.»
A proposta de solução indica como certa a hipótese C.
Crítica: é uma visão unilateral, truncada. As respostas B e D também estão certas. A hipótese B diz que segundo a ética deontológica devemos promover sempre o bem. Ora, não é isso o que Kant diz? É. Exercer o imperativo categórico, mesmo que seja amargo para algumas pessoas, é fazer o bem. Exemplo: o juíz que condena a anos de prisão efectiva um grupo de narcotraficantes faz o bem, desde que inspirado no ideal de justiça incorruptível.
A ética deontológica de Kant - é também uma ética teleológica, como assinalei noutros artigos - preconiza que nem só o prazer e a ausência de dor são bons. O cumprimento do dever pelo dever é bom, mesmo que implique dor. Exemplo: o comandante de um navio sacrifica a sua vida num naufrágio obedecendo ao imperativo categórico «Salva em primeiro lugar a vida das crianças, mulheres e idosos, em caso de naufrágio do teu navio, e, em último lugar, a tua própria vida».
Há três respostas certas nesta pergunta e não uma. É este o tipo de perguntas que se vai colocar aos alunos no exame de filosofia do 11º ano de escolaridade em Portugal? Tão ambíguas e medíocres, fazendo com que os alunos que pensam recebam zero na cotação?
AS ÉTICAS DE KANT E STUART MILL SÃO EXCLUSIVAMENTE OBJECTIVAS?
Na proposta de Teste Intermédio 2 (página 26) vem a seguinte questão que pede apenas uma resposta certa:
«1.5 Tanto Kant como Mill aceitam:
A. A subjectividade da ética.
B. A objectividade da ética.
C. Que a felicidade é o fim a promover.
D. Que a felicidade não é o fim a promover.»
A resposta apontada como solução certa é a B: objectividade da ética.
Crítica: Kant e Mill, aceitam ambos, em simultâneo, a subjectividade e a objectividade da ética. Isto é incompreensível para o autor destes testes intermédios, que carece de um pensamento dialético (em cada coisa, há duas facetas contrárias que, em regra, coexistem). Na ética de Kant, é objectiva a fórmula do imperativo categórico «Age como se quisesses que a tua acção fosse uma lei universal da natureza» , a mesma para todo o ser humano, e é subjectiva a máxima, o conteúdo concreto, a coloração que cada um dá ao seu impertaivo categórico.
Na ética de Stuart Mill, é objectiva a fórmula «estender o bem, o prazer, ao maior número de pessoas» e é subjectiva a análise de cada situação concreta. Por exemplo, se um polícia encontrar seis assaltantes a agredir e a roubar duas pessoas algures não segue a regra do prazer do maior número (seis meliantes) dos envolvidos na situação. O polícia tem de defender a minoria agredida, isto exige uma análise subjectiva.
Por conseguinte, as respostas A e B estão correctas.
NÃO HÁ ACÇÃO HUMANA SEM INTENÇÃO?
Na proposta de teste intermédio 3 (página 29) lê-se a seguinte questão de escolha múltipla:
«1.1Não pode haver acção humana sem:
A. Deliberação.
B. Livre-arbítrio.
C. Responsabilidade.
D. Intenção.»
A solução apontada como certa é a D: não pode haver acção humana sem intenção.
Crítica: Pode haver acção humana sem intenção. Exemplo: durante uma caçada, um dos caçadores tropeça numa pedra, a espingarda que leva dispara acidentalmente e mata o amigo que vai à sua frente. A queda e o disparo, sem intenção, não são acção humana involuntária?
CONFUSÃO SOBRE DETERMINISMO MODERADO: ALGUMAS ACÇÕES DETERMINADAS SÃO LIVRES?
No teste intermédio 3 (pag 29) é colocada a seguinte questão:
1.2 O determinismo moderado é uma teoria compatibilista porque diz-nos que:
A. Só algumas acções estão determinadas.
B- Todas as acções estão determinadas.
C. Algumas acções determinadas são livres.
D. Algumas acções determinadas não são livres.»
A proposta de solução indica como a única correcta a resposta C: «algumas acções determinadas são livres».
Crítica: uma acção determinada, isto é, em que o efeito obedece necessariamente a uma causa natural, biofísica, nunca é livre. A acção de comer obedece ao determinismo da trituração dos alimentos na boca e deglutição: não pode ser feita de qualquer maneira, obedece a um determinismo, a um mecanismo articulado de causas e efeitos. Livre é a decisão de comer que se toma num dado momento ou a interrupção do acto de comer. A acção determinista nunca é livre: conjuga-se com a liberdade que lhe é exterior. A resposta correcta seria a da alínea A: só algumas acções, a grande maioria, estão inseridas no mecanismo do determinismo, as que consistem no livre-arbítrio não estão sujeitas ao determinismo, articulam-se com este. Jejuar é uma acção livre que põe em movimento o determinismo corporal da autólise: sente-se fome algumas horas depois do início do jejum, essa fome (psicológica) desaparece, o organismo elimina gorduras e tecidos mórbidos (células cancerosas, pús, etc), há uma baixa de açúcar no sangue, etc. O jejum é um acto livre enquanto submetido ao livre-arbítrio, mas em si mesmo não é um acto livre.
É um medíocre livro de testes intermédios de filosofia do 10º ano do ensino secundário, este, da Porto Editora. É erróneo fazer este tipo de perguntas de resposta de cruz. Não mede com rigor o grau de saber e de inteligência filosófica do aluno, já que este nem sequer é convidado a justificar a afirmação que escolheu como certa. É a pobreza redutora de uma certa "filosofia analítica" que em muito lembra o ensino de memorização e repetição mecânica nas escolas do Estado Novo (1933-1974) de Salazar e Caetano. Estes testes intermédios dão uma imagem da fraca qualidade do ensino de filosofia no ensino secundário em Portugal e, sobretudo, da fraca qualidade editorial nesta área, no presente momento.
A nível mundial, só uma ínfima minoria de pessoas dentro da área da filosofia pensa verdadeiramente: o resto é mimetismo, fórmulas decoradas, ensino massificador nas escolas, doutoramentos e mestrados em filosofia «copy paste» ou destituídos de originalidade e genialidade, subserviências a filósofos de segunda e terceira categoria. A grande filosofia é e será sempre uma praxis de elite, ainda que a elite tenha por obrigação conservar, purificar e melhorar o legado filosófico de modo a que este possa penetrar, tanto quanto possível, no povo.
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O livro de exercícios «Filosofia para a prova de exame do 10º ano», de Luís Rodrigues, apresenta diversas questões de resposta errada ou incompleta, nos mesmos moldes da famigerada prova de exame nacional de filosofia de Julho de 2007. Este tipo de questões, mal formuladas em parte ou no todo, não podem ser colocadas no exame nacional de filosofia sob pena de criarem injustiças sérias na correcção dos testes. Vejamos exemplos:
«Seleccionar a alternativa correcta - ou as alternativas correctas quando for o caso.
1) O relativista moral cultural defende que:
a) Não há verdades morais objectivas.
b) Todos os juízos morais são falsos.
c) Não há acções imorais.
d) Há verdades morais objectivas.
R:a) Não há verdades morais objectivas. »
(Luís Rodrigues, Filosofia para a prova intermédia do 10º ano, pag. 65, Plátano Editora)
Crítica minha: As quatro respostas estão erradas. Os relativistas culturais, isto é, aqueles que afirmam os valores de bem e mal variam de época a época e de classe a classe social, dividem-se em dois grupos: os que sustentam que não há verdades morais objectivas e desembocam, frequentemente, no cepticismo (exemplo: há o amor dentro do matrimónio swinger, há o amor no matrimónio monogâmico de mútua fidelidade, não sei qual deles é moralmente o melhor); os que sustentam que há verdades morais objectivas - as mesmas para uma vasta comunidade, como por exemplo «a pedofilia é crime moral» - e constatam essas verdades variaram ao longo dos séculos, no exemplo, verificam que a pedofilia já foi aceite na antiguidade como um «bem acessível a certas camadas de homens». Logo, as respostas a e d estão parcial mas não totalmente correctas.
Voltemos a outra questão desenhada por Rodrigues:
7a) Um valor moral é objectivo:
a) Quando é aceite pela maioria dos membros de uma cultura.
b) Quando é verdadeiro ou falso independentemente do que alguém possa pensar àcerca do seu conteúdo.
c) Quando promove a tolerância entre diferentes pontos de vista.
d) Quando não é verdadeiro nem falso para um indivíduo.
R:b) Quando é verdadeiro ou falso independentemente do que alguém pensar àcerca do seu conteúdo.
(Luís Rodrigues, ibid, pag 67)
Ao contrário do que sustenta Luís Rodrigues, há duas respostas certas: a da alínea a e a da alínea b. O termo objectividade tem pelo menos dois sentidos: certeza partilhada pela maioria ou por uma boa parte dos membros de uma comunidade e nisso corresponde à alínea A; realidade em si mesma, independente das mentes humanas, à maneira dos arquétipos em Platão, e nisso corresponde à alínea B. Não se pode impor um único sentido ao termo objectividade, dado que possui vários, algo similares entre si.
8)a) Vive e deixa viver porque a cada qual a sua verdade em questões morais. Esta convicção é defendida:
a) Pelo relativismo moral cultural.
b) Pelo subjectivismo moral.
c) Pelo cepticismo moral.
d) Por quem acredita que a moral depende da religião.
R: b) Pelo subjectivismo moral. (Luís Rodrigues, ibid, pag 67).
Mais uma vez a visão unilateral de Luís Rodrigues estreita o campo das respostas válidas. O subjectivismo é, sob certo prisma, um relativismo individualista ou individuado: a verdade varia de pessoa para pessoa. As respostas A, B e C estão correctas. O relativismo da ideologia liberal-democrática preconiza que se viva e deixe viver cada um a respectiva verdade moral, isto é, abre campo à subjectividade, mas nem por isso é um subjectivismo visto que estabelece certas regras comuns como por exemplo «respeitar o direito de adversários políticos e culturais se exprimirem nas ruas e na imprensa, condenar a pedofilia, etc».Luís Rodrigues, tal como os autores em que se inspira, não sabe definir correctamente relativismo moral cultural confundindo-o com relativismo adicionado de cepticismo "igualitarista".
É indispensável que o GAVE, responsável pelos exames nacionais de Filosofia a terem lugar em 2012, prescinda dos serviços de Luís Rodrigues e do seu grupo em matéria de elaboração de provas de exame e se oriente para quem tenha uma concepção filosófica ampla e de rigor.
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O livro de exercícios «Filosofia para a prova de exame do 10º ano», de Luís Rodrigues, é um amontoado de confusões teóricas que impede os estudantes e professores de filosofia de divisarem claramente os contornos e o conteúdo de diversos conceitos e teses fundamentais na ética e metaética. Luís Rodrigues, como os outros autores de manuais de filosofia para o 10º ano em Portugal, propaga a errónea tese de Simon Blackburn de que são 4 as teorias sobre livre-arbítrio e determinismo: determinismo radical, determinismo moderado, libertismo e indeterminismo. A definição de libertismo é imensamente confusa e traduz a mediocridade que impera no ensino da filosofia em Portugal. Se a maioria dos professores de filosofia ensina deste modo os seus alunos, é a prova de que os antifilósofos, os preguiçosos ou inábeis do pensamento são a maioria na docência desta disciplina. Não admira: ser professor de filosofia não é ser filósofo necessariamente.
CONFUSÃO NA DEFINIÇÃO DE LIBERTISMO: NÃO É INDETERMINISMO NEM DETERMINISMO (VIOLA O 3º EXCLUÍDO), É «IMCOMPATIBILISMO» MAS COMPATÍVEL COM O DETERMINISMO
Escreveu Luís Rodrigues:
27. O libertismo é sinónimo de indeterminismo?
«Não. Segundo os libertistas, o determinismo é falso (o que significa que algumas acções são livres, não são causalmente determinadas] e o indeterminismo também. Isso significa que nem todas as acções são o desfecho necerssário de causas anteriores (negação do determinismo) ou o resultado do acaso (negação do indeterminismo)? Em ambos os casos, as acções dependem da nossa vontade. Não fazemos o que queremos fazer (não somos livres) porque não controlamos os acontecimentos.» (Luís Rodrigues, Filosofia para a prova intermédia do 10º ano, pag. 31, Plátano Editora)
O primeiro erro de Luís Rodrigues é não definir correctamente determinismo. Em vez de afirmar que se trata do princípio segundo o qual nas mesmas circunstâncias as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos - definição simultaneamente sincrónica e diacrónica - Luís Rodrigues fornece-nos uma definição unilateralmente diacrónica de determinismo: desfecho necessário de causas anteriores, cadeia de acontecimentos vinda do passado. Ora o determinismo é, por exemplo, neste preciso instante a luz solar embater nas moléculas do ar em múltiplos lugares da Terra, dispersar-se e dar a todos os que observam o céu a intuição de cor azul neste instante - e isso não implica necessariamente as causas e efeitos remotas do passado mas apenas a instantaneidade presente. A dimensão de simultaneidade - muitas causas idênticas produzindo efeitos idênticos entre si ao mesmo tempo - falta na definição do pequeno filósofo Blackburn e do seu imitador Luís Rodrigues.
Em segundo lugar, Rodrigues, tal como Blackburn e Desidério Murcho, violam o princípio do terceiro excluído ao colocar o libertismo fora da totalidade da contradição determinismo (campo A)/ indeterminismo (campo não A). O libertismo, se não é determinismo, tem de ser necessariamente indeterminismo. Não há terceira hipótese. Mas isto é incompreensível para as mentes anti dialécticas destes autores e de grande parte dos professores de filosofia que os reproduzem, acriticamente. Ora o libertismo é de facto indeterminismo tal como o livre-arbítrio e o acaso na natureza biofísica. Basicamente, as coisas reduzem-se a uma dualidade: necessidade (não liberdade) e liberdade ou acaso. Quem não for capaz de reduzir as correntes a esta dualidade e à tríade dela decorrente não sabe pensar filosoficamente, com rigor.
Em terceiro lugar, Luís Rodrigues e Blackburn não se dão conta que a sua definição de libertismo é a mesma, ao menos parcialmente, que a definição que fornecem de «determinismo moderado». Aliás, deveriam meditar: se o determinismo é "moderado", isto é, limitado, contrariado, quem o limita? O livre-arbítrio, ou seja, a característica essencial que eles mesmos atribuem ao libertismo.
Em quarto lugar, Rodrigues afirma que o libertismo é um incompatibilismo mas contradiz-se ao postular que esta corrente admite acções determinadas (obedientes ao determinismo), logo é compatível com o determinismo:
«O libertismo não diz que não há acções determinadas - uma constipação é uma acção determinada por factores que escapam ao nosso controlo - mas somente que algumas acções não são o desfecho necessário de causas anteriores. Há acontecimentos que estão fora do nosso controlo, mas nem todos os acontecimentos estão fora do nosso controlo.» (Luís Rodrigues, ibid, pag 31; o negrito é posto por mim).
Se o libertismo admite que há acções determinadas, é um compatibilismo: é compatível com essas acções e, sendo assim, é o mesmo que determinismo moderado, ou seja, determinismo ladeado por livre-arbítrio. (exemplo: as ondas do mar fortíssimas arrastar-me-ão se entrar no mar a fundo mas tenho a liberdade de entrar ou não no mar.
A definição de libertismo só poderia ter consistência se negasse em toda a extensão a existência do determinismo na natureza biofísica e no espírito. Mas nem Blackburn nem Luís Rodrigues e amigos intuem esta divisão dialéctica, perdidos na hiper compartimentação dos seus conceitos.
A SUPOSTA DIFERENÇA ENTRE DETERMINISMO MODERADO E LIBERTISMO, SEGUNDO RODRIGUES: O LIVRE-ARBÍTRIO BASEADO NAS CRENÇAS E NOS DESEJOS E O LIVRE-ARBÍTRIO BASEADO NO «EU»...
Para Luís Rodrigues, imerso nas confusões teóricas do seu mestre Simon Blackburn, a diferença essencial entre o determinismo moderado e o libertismo, para além do primeiro não enfatizar a influência dos acontecimentos anteriores e receber o incompreensível título de «incompatibilismo», residiria no facto de o livre-arbítrio pilar do primeirro assentar nos desejos e crenças do sujeito e o livre-arbítrio pilar do segundo estar consubstanciado no eu:
«O determinista moderado concebe a liberdade de outro modo: livre é a acção que tem como causa os desejos e crenças de um indivíduo, isto é, uma acção cuja causa não são forças externas ao agente. » (Luís Rodrigues, ibnid, pag 30).
«Aqui o libertista responde que os seres humanos não são seres simplesmente naturais porque as deliberações dos agentes humanos são acontecimentos mentais. Nem todos os acontecimentos do universo são o efeito do tipo de causas estudadas pelos físicos e pelos biólogos. Os seres humanos, como pensava Kant, são seres com um estatuto diferente e nem todas as suas acções seguem as leis que regem o comportamento das plantas, minerais e outros animais. Não escolho livcrementer ter agora tensão arterial elevada ou cumprir a lei da gravidade. Contudo, escolho livremente se caso ou não, se leio um livro ou uma revista. Embora essas decisões possam ser influenciadas por vários factores, não são causalmente determinadas por condições anteriores (estados psicológicos anteriores ou factores externos).» (Luís Rodrigues, ibid, pags 31-32; o negrito é colocado por mim).
Poderá separar-se, como supõem Rodrigues e Blackburn, os estados psicológicos internos e as crenças do sujeito, «fundamentos» da decisão livre no «determinismo moderado», do «eu livre do determinismo» , suposto «fundamento» do libertismo? Não, não pode. O eu não existe separado das suas crenças e estados psicológicos, logo a distinção desenhada por Rodrigues acima é uma miragem, um equívoco. Por que razão Blackburn e o seu discípulo Luís Rodrigues classificam Kant de libertista e não de determinista moderado, se Kant afirma que o eu fenoménico (o corpo e os seus desejos) está submetido às leis da natureza biofísica?
Tanta confusão teórica em autores de manuais, que possivelmente modelarão a prova de exame nacional de filosofia, deve ser discutida e expurgada. Torna-se necessário um movimento nacional de professores de filosofia para varrer a deletéria influência dos Desidério Murcho, Luís Rodrigues, Aires Almeida, Pedro Galvão e outros no ensino da filosofia em Portugal. o que significa, no mínimo, deixar de adoptar os manuais da Lisboa Editora, da Plátano Editora e da Areal Editores, veículos dos erros daquele grupo de docentes. Apenas os filósofos, que são muito poucos entre os professores de filosofia, têm direito a elaborar as provas nacionais de exame. Tudo o resto é erro, burocracia, "estalinismo" logicista analítico (que em Portugal, parafraseando o título do livro de Lenine O esquerdismo, doença infantil do comunismo, recebe o nome de desiderismo, a doença senil do logicismo) , triunfo dos incompetentes.
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