Domingo, 4 de Dezembro de 2016
Teste de filosofia do 10º ano (2 deDezembro de 2016)

Eis um teste de filosofia de final de primeiro período do 10º ano de escolaridade em Portugal, salvaguardando a autonomia de conteúdos dados pelo professor, que ultrapassa o estereótipo dos manuais escolares, e que evita as perguntas de escolha múltipla que minimizam a capacidade filosófica.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A

 

2 de Dezembro de 2016. Professor: Francisco Queiroz

I

“Na cosmologia de Aristóteles, há teleologia nos movimentos que ocorrem nos dois mundos que formam o cosmos. Aristóteles dizia que Deus é o acto puro sem potência. O fatalismo não é o mesmo que o determinismo biofísico sem livre-arbítrio (vulgo determinismo radical).”

 

1)Explique, concretamente este texto.

 

2)Relacione, justificando:

A) Essencialismo transcendente em Platão e Essencialismo imanente em Aristóteles.

B) Proté Ousía, Hylé e Eidos, em Aristóteles, e lei da tríade.

C) Esfera dos valores espirituais, esfera dos valores vitais, na teoria de Max Scheler e lei do salto de qualidade.

D).O tó on, o tó tí e a teoria das quatro causas de um ente, segundo Aristóteles.

 

CORREÇÃO DO TESTE ESCRITO COTADO PARA 20 VALORES

 

 1) No cosmos de Aristóteles há dois mundos, o mundo sublunar, composto de quatro esferas concêntricas, a Terra (imóvel no centro) e as esferas de água,ar e fogo, no qual o movimento dos corpos não é circular e é teleológico, obedece a finalidades inteligentes, isto é, os corpos desejam voltar à origem do seu constituinte principal (exemplo: a pedra largada no ar cai porque o seu télos, finalidade, é voltar à «mãe», a Terra); o mundo celeste, composto de 54 esferas de cristal incorruptíveis com astros incrustados, 7 delas de planetas (Lua, Mercúrio, etc) e 47 de estrelas, que giram circularmente de modo teleológico, finalista,  já que estrelas e planetas, seres inteligentes, desejam alcançar, fora do cosmos, Deus, o pensamento puro, que se pensa a si mesmo e não se importa com o cosmos. Deus não é a causa formal (o modelo) do cosmos nem a causa eficiente (o construtor) do cosmos, mas apenas a causa final, o télos, do movimento dos astros inteligentes e das respectivas esferas. Ele nada faz mas suscita e atrai o movimento das estrelas.  (VALE TRÊS VALORES). Deus é o acto puro, sem potência, porque acto é a realidade presente, a efectividade, e sendo a potência a possibilidade de mudança, Deus não muda nunca, é igual a si mesmo, pensamento que se pensa a si mesmo. (VALE DOIS VALORES). Fatalismo  é a teoria segundo a qual tudo na vida está predestinado e os homens não dispõem de livre-arbítrio nem existe o acasoDeterminismo sem livre-arbítrio (vulgo: determinismo radical) é a teoria segundo a qual, na natureza, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e o homem não dispõe de liberdade racional de escolha (livre-arbítrio) mas existe o factor acaso na natureza. Exemplo: movido por uma força irracional, sem liberdade de escolha,  um homem atira-se do alto de um arranha-céus, sujeitando-se determinismo na lei da gravidade, que o faz cair para a Terra e morrer esmagado. No entanto, o acaso de uma rajada de vento,não predestinada, pode fazê-lo cair em cima de um toldo de um café e escapar quase ileso à morte. (VALE TRÊS VALORES).

 

2)A) Essencialismo é toda a filosofia que sustenta que a essência ou forma fundamental dos entes e dos fenómenos precede a existência destes. As essências são as formas eternas e imutáveis tanto em Platão como em Aristóteles. Em Platão, elas são arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número Um, Número Dois, Triângulo, Homem, etc, existentes no mundo Inteligível acima do céu visível, por isso são transcendentes, estão além (trans) do universo físico. Em Aristóteles, as essências são formas eternas inerentes ou imanentes aos objectos físicos - exemplo: a essência sobreiro está em todos os sobreiros reais, físicos, porque não há mundo inteligível- daí ser um essencialismo imanente (VALE TRÊS VALORES). 

 

2-C) A teoria hilemórfica (hyle é matéria-prima universal; morfos é forma) de Aristóteles sustenta que cada coisa individual ou primeira substância (proté ousía) como, por exemplo, este cavalo cinzento, se forma da união entre a forma eterna de cavalo (eidos)que existe algures e a hylé ou matéria-prima universal, indiferenciada, que não é água nem fogo nem ar, nem terra mas que passa a existir ao juntar-se à forma. A lei da tríade estabelece que um processo dialéctico se divide em três fases: a tese ou afirmação, que neste caso pode ser o eidos ou essência; a antítese ou negação que, neste caso, será a hylé ou matéria-prima universal; a síntese ou negação da negação que colhe um pouco da tese e um pouco da antítese ultrapassando ambas que neste caso é a substância primeira, o composto de forma e matéria, a proté ousía. (VALE TRÊS VALORES) . 

 

 2-C) A esfera dos valores espirituais, na concepção de Scheler, engloba os valores estéticos (belo e feio), éticos ( bom e mau, justo e injusto), jurídicos (legal, ilegal; justo, injusto), filosóficos (verdade e erro) científicos (verdade e erro por referência, isto é, na experiência, no pragmatismo). Há valor de coisa - por exemplo, o quadro Mona Lisa de Leonardo da Vinci - valor de função - no exemplo olhar o quadro, apreciar o sorriso de Mona Lisa - e valor de estado - no exemplo: a felicidade resultante dessa contemplação visual. A esfera ou modalidade dos valores vitais e sentimentais é a esfera anímica que inclui os valores do nobre e do vulgar, ciúme e ausência deste, orgulho e humildade, coragem e cobardia, sentimento de vitória ou de juventude, sentimento de derrota ou de velhice, etc. A lei do salto qualitativo postula que a acumulação lenta e gradual em quantidade de um dado aspecto de um fenómeno leva a um salto brusco ou nítido de qualidade nesse fenómeno. A relação pode ser percebida de muitas maneiras, como por exemplo: acumulando percepções empíricas similares de atitudes nobres da esfera dos valores vitais(exemplo: salvar alguém com risco da própria vida ) chega-se a um salto qualitativo que é a formação do valor de ético de bem  no intelecto. (VALE TRÊS VALORES).

 

2-D) O tó tí é o quê-é ou seja a forma, essencial ou acidental, de algo, na filosofia de Aristóteles. Exemplo: o tó tí da espiga de trigo é a forma desta e distingue-se do tó tí da espiga de milho e do tó tí do rosto humano. Se Joana se distingue de Mariana e de Francisca isso deve-se aos acidentes, isto é, as particularidades singulares que as distinguem entre si e que são tó tís: o nariz arrebitado de uma e o nariz aquilino de outras, os olhos azuis de uma e os olhos verdes de outra, etc. O tó ón é o ente, o que é, o existente, qualidade que é comum às coisas ou seres com diferentes tó tís. As quatro causas de um ente segundo Aristóteles são: causa formal, a forma, que coincide con o to tí essencial ; causa material, ou matéria de que é feita que, de forma imperfeita, corresponde ao tó on ou existência ; causa eficiente, o agente que gerou esse ente; causa final, a finalidade desse ente, para que serve.

 

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Segunda-feira, 2 de Junho de 2014
Teste de filosofia do 11º C (Maio de 2014)

 

Eis um teste de filosofia, para o terceiro período lectivo, para o 11º C. O teste centra-se na teoria do conhecimento (Hume, Descartes; idealismo solipsista, relativismo, fenomenologia) na ontologia (Parménides, Hegel, David Hume, Descartes) na teleologia/ sentido da existência (Kierkegaard, Hegel, Camus). Evitaram-se as escorregadias questões de escolha múltipla que, em muitos casos, não permitem ao aluno exibir e desenvolver o seu saber filosófico.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C
30 de Maio de 2014. Professor: Francisco Queiroz

 


I

 

“A perspectiva cristã situa-se nesta posição: o não-ser existe em toda a parte como o nada de que as coisas são feitas, como aparência e vaidade, como pecado, como sensibilidade afastada do espírito ..Deus é, não existe, o homem existe, mas não é“

Kierkegaard

 

1)-Explique estes pensamentos.

 

II

 

2) Disserte sobre o seguinte tema:

 

" O ser em Parménides, em David Hume e em Hegel".

 

III

 

 

3) Relacione, justificando:
A) Substância em Descartes e Substância em David Hume.
B) Realismo Crítico em Descartes e Fenomenologia.
C) O Existencialismo de Albert Camus e o Existencialismo de Kierkegaard.
D) Teoria de Karl Popper sobre as ciências, relativismo, idealismo solipsista.

 

 

 

CORRECÇÃO DO TESTE DE FILOSOFIA (COTADO PARA 20 VALORES)

 

1) Na visão cristã do mundo, segundo Kierkegaard, o não ser ou nada é a matéria física, incluindo o corpo humano, porque todas as coisas materiais - uma casa bela, um corpo jovem e belo, um automóvel, uma conta bancária bem recheada - se corrompem, desaparecem ou deixam de pertencer ao seu possuidor. Também as vaidades e aparências - por exemplo: ser deputado, ser dono de uma empresa, ser doutorado, vencedor de um prémio importante, etc - fazem parte do não ser porque se reduzem a nada ao ser confrontadas com a eternidade que a alma humana viverá ou no Paraíso ou no Inferno, já que nada se leva deste mundo ao morrer  (VALE UM VALOR E MEIO). "Deus é mas não existe" significa: Deus existe eternamente, fora do tempo, e como está fora das contingências da existência (nascer, crescer, tranalhar, morrer, etc) diz-se que não existe.». "O homem existe e não é" significa: o homem está em perpétuo devir, a existência é feita de mudanças, altos e baixos, por isso existe e deixa de existir, mas não é, se por é se entende ser eterno, sempre o mesmo (VALE UM VALOR E MEIO).

 

 

2) O ser em Parménides é, não foi nem será. É uno, homogéneo, imóvel, incriado, invisível e imperceptível aos sentidos, esférico. Ser e pensar é um e o mesmo. A alteração das cores, a mutação, o nascimento e a morte são ilusões, reais só na aparência.

Ser é um termo ambíguo, polissémico: por um lado é o existir em geral; por outro lado é o existente, algo que existe, o essente, uma essência ou substância de carácter universal. Parménides usa o termo nos dois sentidos, de existência e de essência. Neste segundo sentido, pode interpretar-se como o cosmos esférico ou como o pensamento divino estruturante do cosmos (sentido hegeliano). Fica em aberto a questão de saber se Parménides era idealista ou realista crítico.

 O ser em David Hume é antropológico: percepções empíricas ou impressões dos sentidos, razão, imaginação mas não um «eu-substância» coeso como em Kant ou em Descartes. O ser do mundo exterior é inexistente (idealismo) ou duvidoso (cepticismo) e, portanto, é não-ser efectivo ou provável.

Em Hegel, o ser é a ideia absoluta ou Deus que se desdobra em três etapas: ser em si, ou Deus sozinho, antes de criar o universo, o espaço e o tempo, pensamento puro; ser fora de si, ou Deus transformado em natureza física, alienado, em astros, céus, montanhas, rios, plantas e animais; ser para si ou Deus encarnado em hunanidade, evoluindo através de formas de estado -Estado Oriental, só um homem livre; Estado greco-romano, vários homens livres e os restantes, servos ou escravos; Estado cristão reformado por Lutero no século XVI em que todos os homens são livres pois autorizados a interpretar livremente a Bíblia sem a mediação do clero católico romano, liberdade essa alargada, no plano político-social,  com a revolução francesa de 1789 - em direcção à liberdade de espírito.(VALE QUATRO VALORES)

 

3) A) Na ontologia de  Descartes há três substâncias: a res divina, ou Deus, anterior às outras duas e criadora delas; a res cogitans, pensamento, que só existe nos humanos: a res extensa (extensão dotada de formas e tamanhos, comprimento, largura e altura), estruturadora do mundo material . Em David Hume, a noção de substância não corresponde a nenhum objecto exterior, é um acto da imaginação que liga percepções empíricas : o "eu" não é substância, não existe sequer (idealismo) ou é duvidoso (cepticismo) tal como não existem ou são duvidosas as noções de "alma", "substância", "essência" . Por outro lado, não existe ou é duvidoso o mundo exterior onde se albergariam as "substâncias" árvore, planície, corpos de animais e homens, etc. (VALE TRÊS VALORES)

 

B) O realismo crítico em Descartes consiste em postular o seguinte: há um mundo de matéria exterior às mentes humanas, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, forma, tamanho, número, movimento. As cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da minha mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios de partículas exteriores já que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos. .Assim, a rosa não é vermelha, é apenas forma e tamanho. O ramo de rosas é apenas formas, tamanho e um certo número de unidades, não tem cor, nem cheiro, nem peso. O mármore não é frio nem duro, o céu não tem cor.

A fenomenologia balança entre o idealismo e o realismo: para a fenomenologia o mundo de matéria existe fora do corpo físico do sujeito, mas não sabe se este mundo está dentro ou fora da mente (envolvente) do sujeito. Tanto o realismo crítico de Descartes como a fenomenologia usam o método céptico, duvidam.  (VALE TRÊS VALORES).

 

C)- O existencialismo é a corrente filosófica segundo a qual a existência precede a essência ou sobrepõe-se a esta, quer dizer, o homem faz-se e refaz-se a cada instante, escolhendo, através do seu livre-arbítrio, uma via de acção ou certo tipo de valores, sem que nenhuma essência pré-definida ( Deus, o destino, o carácter inato, a pressão social, etc) seja capaz de o dominar e determinar. Albert Camus representa, com Sartre, no século XX, um expoente do existencialismo ateu. Camus acentuava o carácter absurdo da existência humana, feita de guerras, de assassínios, de torturas e fome afectando milhões de seres humanos, e a inexistência de Deus ou deuses como criadores de um mundo de injustiças e fealdade. Usava o mito de Sísifo - um personagem que, por ajudar os homens, foi condenado a empurrar diariamente um rochedo até ao alto de uma montanha e a repetir sempre esse esforço, uma vez que os deuses faziam logo rolar o rochedo montanha abaixo- para descrever a situação do operário alienado no trabalho de fábrica, do trabalhador sem horizontes preso à roda do trabalho industrial ou burocrático como Sísifo. Camus considerava o suicídio como uma resposta insuficiente, embora filosófica, ao drama do absurdo da vida, porque significava a renúncia a um mundo mau que permaneceria, e preferia a resistência, a luta por uma existência mais digna, contra o fascismo e todas as formas de exploração do homem e da mulher, luta embora sem esperança de regeneração universal.

 

Segundo Kierkegaard, filósofo existencialista cristão, há três estádios na existência humana: estético, ético e religioso. No estádio estético, o protótipo é o Don Juan, insaciável conquistador de mulheres que vive apenas o prazer do instante, e sente angústia se está apaixonado por uma mulher e teme não a conquistar. O desespero é posterior à angústia: é a frustração sobre algo que já não tem remédio ou que se esgotou. Ao cabo de conquistar e deixar centenas de mulheres, o Don Juan cai no desespero: afinal nada tem, o prazer efémero esvaiu-se. Dá então o salto ao ético: casa-se. No estado ético, o paradigma é do homem casado, fiel à esposa, cumpridor dos seus deveres familiares e sociais. Este estado relaciona-se com o essencialismo, doutrina que afirma que a essência, o modelo do carácter ou do comportamento vem antes da existência e condiciona esta. A monotonia e a necessidade do eterno faz o homem saltar ao estádio religioso, em que Deus é o valor absoluto, apenas importa salvar a alma e os outros pouco ou nada contam. Abraão estava no estádio religioso, de puro misticismo, quando se dispunha a matar o filho Isaac porque «Deus lhe ordenou fazer isso». O estádio religioso é o do puro existencialismo, doutrina que afirma que a existência vive-se em liberdade e angústia sem fórmulas (essências) definidas, buscando um Deus que não está nas igrejas nem nos ritos oficiais. Neste estádio, o homem casado pode abandonar a mulher e os filhos se «Deus lhe exigir» retirar-se para um mosteiro a meditar ou para uma região subdesenvolvida a auxiliar gente esfomeada. A escolha a cada momento ante a alternativa é a pedra de toque do existencialismo.

Kierkegaard acentuava a noção de angústia, essa liberdade bloqueada, essa intranquilidade que surge antes ou durante muitos actos decisivos (exemplo: a angústia do aluno antes de saber a nota do teste, a angústia da mãe antes do parto, etc). Camus não resolve o paradoxo da existência, ela é absurda e ele postula não haver Deus, ao passo que Kierkegaard situa o paradoxo no interior do estado religioso e diz que se deve amar e seguir a vontade de Deus apesar de não compreendermos esta. (VALE QUATRO VALORES).

 

D) O princípio da falsificabilidade de Popper estabelece que as ciências são conjuntos de conjecturas (conjecturalismo), isto é, as suas leis ou teses são hipóteses, conjecturas potencialmente falsas, falsificáveis, refutáveis. Isso exige aplicar permanentemente o princípio da testabilidade: há que submeter a constantes testes experimentais as teses de uma ciência. Entre as várias teorias na mesma área científica ( exemplo: vacinar ou não vacinar na medicina preventiva; heliocentrismo versus geocentrismo na astrofísica) Popper defende que se deve escolher a mais verosímil, a que dá mais garantias, sublinhando que a ciência é uma aproximação incessante à verdade sem nunca abarcar o todo desta.

O relativismo é a doutrina segundo a qual a verdade, os valores éticos, estéticos, científicos, etc, variam de povo a povo, de grupo a grupo, classe a classe social, de época a época, etc. Pode dizer-se que a epistemologia de Popper é relativista porque a verdade, falível em cada campo das ciências, muda com frequência, é relativa à época.

O idealismo solipsista sustenta que o mundo material exterior se reduz a percepções empíricas e ideias, a matéria não existe em si mesma, dentro de uma única realidade, a minha mente de sujeito. Popper considerava-se realista e não idealista solipsista. (VALE TRÊS VALORES).

 

 

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Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013
Teste de Filosofia do 10º Ano, Turma A, Novembro de 2013

 

 O presente teste de filosofia centra-se  nas rubricas do programa de Filosofia do 10º ano de escolaridade «1.1 O que é a filosofia», «1.2. Quais são as questões da filosofia», do módulo I- nas quais se incluem as noções de realismo e idealismo, os conceitos aristotélicos de tó ón e tó tí, a teoria do acto a teoria dos três mundos, das três partes  e as doutrinas da participação e ascese em Platão, as noções aristotélicas de hylé, eidos e proté ousía - e na rubrica  1.2 «Determinismo e liberdade na acção humana» do módulo II do programa, na qual se inclui a noção de fatalismo.   

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Agrupamento de Escolas nº 1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
6 de Novembro de 2013.            Professor: Francisco Queiroz

I

 

«O idealismo ontológico opõe-se ao realismo ontológico e considera-se, em regra, que isso não é do domínio da ética nem da estética. Em filosofia, há pelo menos dois sentidos da palavra «ser»: o tó on e o tó tí, dos gregos.»

 

1) Explique, concretamente, este texto.

 

2) Relacione, justificando:

 

A) As três partes da alma e os três estratos sociais da pólis, em Platão.

B) O processo de constituição dos entes individuais (árvores, cavalos, etc.)  segundo Platão e segundo Aristóteles.

C)  Fatalismo e teoria do acto e da potência.

D)  A percepção empírica, o conceito e o juízo.

E) A teleologia e os movimentos dos corpos nas duas regiões do cosmos aristotélico.

 

 

    CORREÇÃO DO TESTE, COTADO EM 2O VALORES

 

 

1) O idealismo ontológico é a doutrina que sustenta que o mundo material não é real em si mesmo mas é um conjunto de percepções sensoriais e ideias dentro da imensa mente do sujeito humano e o realismo ontológico é a doutrina segundo a qual o mundo material é independente das mentes humanas, real em si mesmo. É usual considerar que isto não é domínio da ética, doutrina do bem e do mal, do justo e do injusto, nem do domínio da estética, doutrina do belo e do feio, do sublime  e do horrível. (VALE TRÊS VALORES). O tó on é o ente, algo que existe, «o que é», o quod. O tó tí é a forma, essencial ou acidental, «o quê-é», o quid: o cavalo distingue-se de árvore porque possuem tó tís diferentes (VALE DOIS VALORES). 

 

2) A)  A correspondência entre a alma humana e a pólis ou cidade-estado grega é a seguinte: o Nous, ou razão intuitiva, que apreende a verdade dos arquétipos, equivale à classe dos filósofos-reis, um grupo de homens e mulheres, honestos e intelectualmente muito dotados, que vivem em comum numa casa do Estado,  não formam casais fixos mas trocam de parceiro, de modo a não saber quem é o pai de cada filho, não possuem ouro e prata nem bens materiais e fazem as leis da cidade e emitem as ordens; o Tymus ou Tumus, coragem ou brio militar, equivale à classe dos guerreiros, um grupo de homens e mulheres com treino militar, que vivem em comum  numa casa do Estado,  não formam casais fixos mas trocam de parceiro, não possuem ouro e prata nem bens materiais e aplicam ao povo as leis e a justiça decretada pelos filósofos-reis, mantendo a ordem na cidade e prendendo os malfeitores; a Epytimia ou concupiscência,  o conjunto dos prazeres da carne (comer e beber em excesso, adquirir e possuir ouro, prata, etc.,), que corresponde à população em geral, composta por classes ricas, médias e pobres, desde os proprietários de grandes terras e comerciantes, aos artesãos, servos e escravos. Esta população pode manipular ouro e prata mas não pode eleger os filósofos-reis e os guerreiros que a governam e julgam, os quais permanecem incorruptíveis. (VALE QUATRO VALORES).

 

 

2) B) Segundo Platão, a formação dos primeiros entes individuais ocorreu do seguinte modo: o demiurgo ou deus arquitecto, com a ajuda dos deuses do Olimpo, desceu à matéria informe, à chorá, e moldou nesta as árvores, as montanhas, os rios, os cavalos, os homens à semelhança dos arquétipos de árvore, montanha, rio, homem, etc.,.Segundo Aristóteles a formação dos primeiros entes individuais consiste na união da hylé ou matéria-prima universal indeterminada com as formas eternas e imóveis (eidos) de árvore, montanha, homem, etc, sem a intervenção de Deus, o pensamento imóvel, nem dos deuses. Assim se gera o indivíduo, a substância primeira ou proté ousía.(VALE TRÊS VALORES).

 

2) C) O fatalismo é a corrente que afirma que tudo está predestinado, não existe livre-arbítrio nem acaso . O acto é realidade presente de algo, a potência é o futuro previsível desse algo. Exemplo: uma semente de pinheiro é semente em acto e pinheiro grande em potência. Segundo o fatalismo, a potência está univocamente predestinada: só pode ocorrer de uma maneira, eliminando as outras hipóteses. A fatalidade predestina tanto o acto como a potência de cada coisa. (VALE DOIS VALORES)

 

2) D) A percepção empírica é um conjunto ordenado de sensações - exemplo: a visão e o cheiro da rosa diante de mós - e o conceito empírico é a ideia que se forma, por abstração,  a partir de percepções similares - exemplo: a ideia de rosa que tenho, fechando os olhos ou não tendo nenhuma rosa diante de mim. O juízo é uma afirmação ou negação, ligando dois ou mais conceitos - exemplo: a rosa é vermelha e bela. (VALE DOIS VALORES)

 

 

2) E) A teleologia é a existência e o estudo das finalidades nos processos da natureza ou da supra-natureza. Na região inferior do cosmos aristotélico, isto é, no mundo sublunar de 4 esferas concêntricas, o télos ou finalidade do movimento dos corpos é regressar à origem do seu constituinte: por exemplo, a pedra lançada para a esfera do ar cai para a esfera da terra porque deseja voltar à origem. Na região superior do cosmos, isto é, no mundo das 54 esferas de cristal com astros feitos de éter incrustados, o  télos do movimento circular dos planetas e estrelas, fazendo girar as respectivas estrelas, é (tentar) atingir Deus, que está além da última esfera de estrelas. (VALE TRÊS VALORES)

 

 

 

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Quinta-feira, 15 de Dezembro de 2011
Testes de filosofia criativos para o 10º ano de escolaridade em Portugal (final do primeiro período letivo)


 

Eis dois testes de filosofia para o 10º ano de escolaridade em Portugal, de final de primeiro período letivo, feitos com criatividade e riqueza de conteúdos, longe do simplismo monótono dos testes dos professores medianos que imitam os manuais de filosofia vigentes em Portugal.  Todos estes últimos são muito limitados pela inércia do pensamento e pela «filosofia analítica» em voga (Oxford Dictionary of Philosophy, Routledge Dictionary of Philosophy, etc) cujas definições erróneas - do tipo «o libertismo é um incompatibilismo», «o relativismo não pode ser objetivista» ou «o subjetivismo contradiz-se» - e cujo vício lógico-formalista impedem a amplitude do pensamento livre, profundo e criador.  

 

 

Escola Secundária com 3º ciclo Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A

 

Dezembro de 2011          Professor: Francisco Queiroz

 

 

I

 

“O realismo gnosiológico liga-se, sobretudo, à ideia de transcendência e o idealismo gnosiológico à ideia de imanência. Os juízos de valor assentam quase sempre na intersubjetividade e levam muitas vezes ao relativismo ou mesmo ao ceticismo.»

 

 

1) Explique, concretamente, cada uma destas frases.

 

                                                                       II

 

 

“Entendi ser injusta uma cena em que duas raparigas agrediam uma terceira, enchi-me de coragem e intervim libertando a vítima, depois fui apreciar os quadros do Museu Regional de Beja, fiz um teste de matemática na escola, almocei frango assado e agradeci à Divindade sob um sol agradável.”

 

 

2), Identifique, nos termos a negrito deste texto, as quatro esferas de valores segundo Max Scheler e ainda valores de coisa e valores de função.

 

 

 

3) Relacione, justificando:

 

A) Imperativo categórico e imperativo hipotético em Kant e duas partes da alma humana segundo Platão.

 

B) Princípio lógico do terceiro excluído e lei dialética da contradição principal.

 

C) Hierarquia dos valores, ideologia e teleologia.

 

 

4) Disserte sobre o seguinte tema:

 

“A teoria das quatro causas e a teoria do ato e da potência de Aristóteles aplicada a:

 

 A) A acção voluntária de marcar uma grande penalidade contra a equipa adversária num jogo de futebol.  

 

 

5) Disserte sobre os seguinte tema:

 

a)- É compatível a existência dos arquétipos e da reminiscência da teoria de Platão com o livre-arbítrio? Justifique.

 

b)- Onde há maior grau de liberdade humana: no determinismo com livre-arbítrio ou no indeterminismo com livre-arbítrio ou no fatalismo? Justifique.

 

 

 

CORREÇÃO DO TESTE (COTAÇÃO MÁXIMA: 20 VALORES)

                                                                       

1)  (NOTA: A FRASE VALE 2 VALORES). O realismo gnosiológico é a corrente que sustenta que há um mundo material exterior ás mentes humanas e, portanto, é transcendente a estas, ao passo que o idealismo gnosiológico é a corrente que sustenta que o mundo material está contido dentro da minha imensa mente cósmica e é irreal, desaparece se eu me extinguir, logo é imanente a mim. (A FRASE SEGUINTE VALE 3 VALORES).Os juízos de valor, isto é, as proposições que opinam com base no belo e no feio, no justo e injusto, no bem e no mal assentam quase sempre na intersubjetividade ou modo de pensar comum a várias subjetividades e conduzem muitas vezes ao relativismo, doutrina que afirma que os valores e a verdade variam de pessoa a pessoa, de povo a povo, de classe a classe social, de época a época, e ao ceticismo, doutrina que duvida das teorias científicas, religiosas, políticas, etc, e mesmo da existência dos entes ausentes ou invisíveis. 

 

 2)  (NOTA: VALE DOIS VALORES). «Entendi ser injusta» é valor de função espiritual , isto é, um modo de perceber os valores éticos (justo e injusto) que, segundo Scheller, integra a esfera dos valores espirituais. «Enchi-me de coragem e intervim » é valor de função vital sendo o meu corpo um valor de coisa - a esfera dos valores vitais é a que se centra no anímico, no estado da alma, englobando o nobre e o vulgar, o excelente e o ruim, o sentir-se corajoso ou cobarde, jovem ou velho, vencedor ou vencido, etc. «Fui apreciar» é valor de função espiritual-estética, «os quadros do Museu Regional de Beja» é valor de coisa e pertence à esfera dos valores espirituais, que engloba a estética. «Fiz um teste de Matemática» é valor de função espiritual-científica, já que a ciência se centra nos valores de verdadeiro e falso, num sentido utilitário. «Almocei» é valor de função sensível e «frango assado» é valor de coisa, situada na esfera dos valores sensíveis. «Agradeci à divindade» é valor de função da esfera do santo e do profano, «sob um sol agradável» é valor de coisa da esfera dos valores sensíveis. 

 

3) A) (VALE 2 VALORES) O imperativo categórico ou verdadeira lei moral segundo Kant - age como se quisesses que a tua ação fosse uma lei universal, isto é. aplicável imparcialmente a todos e sem te beneficiar a ti em exclusivo - equivale ao Nous, ou inteligência filosófica em Platão, que é a parte racional e superior da alma humana. O imperativo hipotético ou falsa lei moral segundo Kant - age beneficiando-te antes de mais a ti mesmo ou a ti e alguns amigos, secundarizando ou prejudicando outras pessoas - e equivale à epithimya ou concupiscência, isto é, à parte inferior da alma, aos instintos de comer, beber, possuir riquezas, devaneios sexuais egoístas, etc.

 

3) B) (VALE 2 VALORES) O princípio do terceiro excluído afirma que cada coisa ou qualidade é ou não é, pertence ao grupo A ou ao grupo não A, cria dois campos, e é similar à lei da contradição principal porque esta reduz a dois polos fundamentais as múltiplas contradições de um sistema. Exemplo: a contradição principal na II Guerra Mundial foi a que opôs os Aliados (Grã-Bretanha, EUA, Canadá, França livre, Brasil, etc) ao Eixo (Alemanha, Itália, Japão) havendo alguns países neutrais como Portugal, Espanha, Suíça, polos fora da contradição principal (esta deveria chamar-se, em rigor, contrariedade principal, de acordo com a terminologia aristotélica)..

 

4) A) (VALE 2 VALORES) Hierarquia de valores é a escala de valores, desde os mais elevados aos mais baixos ou contravalores. Em cada ideologia, isto é, sistema de ideias e valores de um dado grupo social ou povo há uma hierarquia de valores e uma teleologia ou estudo das finalidades dos processos naturais ou das finalidades dos valores. Exemplo: na ideologia burguesa, a hierarquia de valores coloca como valor supremo o direito a enriquecer através da acumulação de capitais como empresário ou investidor na bolsa em regime liberal, e põe como contravalores o comunismo, o anarquismo coletivista, a expropriação dos capitalistas e o fim da economia livre de mercado e tem por teleologia os valores do crescimento económico e de uma vida de prazer e conforto material material em liberdade.

 

4) a)(VALE 2 VALORES) A ação voluntária de marcar uma grande penalidade tem como causa formal - neste caso uma sucessão de formas- a corrida do jogador para a bola e o pontapé nesta rumo à baliza. Como causa material, a chuteira do jogador e a bola de couro. Como causa eficiente, o jogador que remata. Como causa final, marcar golo. Em ato, é o remate, em potência é a bola entrar ou não entrar na baliza.

 

5) a) (VALE 2 VALORES) O livre-arbítrio ou liberdade racional de deliberar como agir é compatível com os arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número e outras formas espirituais puras existentes, segundo Platão, num mundo inteligível acima do céu visível. Podemos ou não inspirar-nos nos arquétipos. ao desenvolver ações terrenas - e isso é livre-arbítrio. As reminiscências são lembranças vagas dos arquétipos e são compatíveis com o livre-arbítrio.

 

5) b) (VALE 2 VALORES) O maior grau de liberdade, aparentemente, existe no determinismo com livre-arbítrio (os manuais chamam-lhe: determinismo moderado), doutrina segundo a qual a natureza se rege por leis necessárias, fixas e inflexíveis (as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos) e temos liberdade para escolher este ou aquele determinismo, cujos efeitos conhecemos. Em seguida, com menor grau de liberdade, porque não conhecemos os seus contornos, vem o indeterminismo com livre-arbítrio (alguns manuais chamam-lhe libertismo...) isto é a doutrina segundo a qual a natureza não tem leis fixas e absolutamente previsíveis (exemplo: ao partir um ovo de galinha, não é certo encontrar clara e gema dentro, posso encontrar um trevo ou uma pérola) e sou livre de escolher. No fatalismo, doutrina segundo a qual os acontecimentos estão predestinados desde a mais remota antiguidade, não há livre-arbítrio.

 

NOTA: Há respostas alternativas a estas em algumas perguntas. O professor corretor deve ser flexível na captação de outras vias de racionalidade sugeridas por alguns alunos. Os conteúdos filosóficos deste teste estão todos contidos potencialmente no programa de filosofia, basta discerni-los,  trazê-los à superfície. Na rubrica «O que é a filosofia» é possível a um professor dotado de visão holística e de rigor concetual ensinar a teoria de Platão (arquétipos, Mundos do Mesmo, do Semelhante e do Outro, reminiscência, participação, etc) princípios da lógica e leis da dialética, as teorias do ato e da potência de Aristóteles,etc.

Vejamos um segundo teste.  

 Escola Secundária com 3º ciclo Diogo de Gouveia, Beja

 

 

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA D

 

Dezembro de 2011           Professor: Francisco Queiroz

 

I

 

“ A hierarquia de valores implica sempre o preferir e o postergar de valores. A lei dialética do uno parece relacionar-se mais com o tó on de Aristóteles mas a lei do devir parece ligar-se mais ao tó tí. Os juízos de valor levam muitas vezes ao relativismo ou mesmo ao ceticismo.»

 

 

1) Explique, concretamente, cada uma destas frases.

 

                                                                II

 

“ Estive a contemplar e apreciar um quadro de Picasso, depois bebi um sumo de laranja, senti-me animado com um telefonema em que me prometiam emprego por eu ter altas classificações em informática e agradeci à Divindade no meio de um campo sob um sol agradável.”

 

 

2), Identifique, nos termos a negrito deste texto, as quatro esferas de valores segundo Max Scheler e ainda valores de coisa e valores de função.

 

 

 

3) Relacione, justificando:

 

 

A) Dualismo antropológico e moral em Kant e duas partes da alma humana segundo Platão.

 

B) Realismo e idealismo gnosiológico.

 

C) Arquétipo em Platão, metafísica e conceito noético ou metaempírico.

 

 

4) Disserte sobre o seguinte tema:

 

A teoria das quatro causas e a teoria do ato e da potência de Aristóteles aplicada a:

 

 

A) A escola Diogo de Gouveia.

 

B)  A acção voluntária de recolher alimentos a favor dos mais carenciados.

 

 

5)Disserte sobre os seguinte tema:

 

 

A)- Poderia haver valores éticos, estéticos e científicos se não houvesse livre-arbítrio? Justifique.

 

 B)- Onde há maior grau de liberdade humana: no determinismo com livre-arbítrio ou no indeterminismo com livre-arbítrio ou no fatalismo? Justifique.

  

 

 

CORREÇÃO DO TESTE (COTAÇÃO MÁXIMA: 20 VALORES)

 

1) A) (A FRASE SEGUINTE VALE 1 VALOR) A hierarquia dos valores, isto é, o escalonamento ou escala destes de cima a baixo, implica o preferir, isto é, adotar alguns, e o postergar, isto é, o rejeitar ou colocar em último lugar de outros (exemplo: se prefiro a honestidade estou a postergar a desonestidade). (AS FRASES SEGUINTES VALEM 2 VALORES, NO TODO) A lei dialética do uno sustenta que no universo todas as coisas estão ligadas entre si fazendo um imenso Um ou Uno e o tó on, isto é, o ente, o que existe, referido por Aristóteles, é uma qualidade universal de todas as coisas, algo que as une, uma existência comum. A lei do devir sustenta que tudo está em devir ou incessante mudança e isso parece ligar-se ao tó tí, isto é, ao quê é, à forma ou essência particular, ao aspeto definidor (exemplo: o tó tí da semente, isto é, a sua forma distintiva, transforma-se no to tí da árvore, etc).(A FRASE SEGUINTE VALE DOIS VALORES). Os juízos de valor, isto é, as proposições fundadas nas noções de belo/feio, justo/injusto, bom/mau, levam muitas vezes ao relativismo, doutrina que constata que os valores variam de pessoa a pessoa, de classe a classe social, de povo a povo, de época a época, etc, e ao ceticismo, doutrina que duvida das teorias científicas, religiosas, políticas, etc, e de tudo o que esteja ausente à observação direta.

 

2) ( VALE 3 VALORES) "Estive a contemplar e apreciar" é valor de função estética ou valor de perceber o belo (esfera dos valores espirituais), "um quadro de Picasso" é valor de coisa, segundo a teoria de Max Scheler. «Bebi um sumo de laranja" é valor de função sensível (esfera dos valores sensíveis). «Senti-me animado com um telefonema» é valor de estado vital (estado de alma refere-se à esfera dos valores vitais) sendo o telefonema um valor de função vital, porque me anima, e de função espiritual, porque me comunica intelectualmente o valor de verdadeiro contido na informação de eu "ter altas classificações em informática" (estas representam um valor espiritual-científico de coisa). "Agradeci à divindade" é um valor de função da esfera do santo e do profano , "sob um sol agradável"é um valor de função e de coisa da esfera dos valores sensíveis.

 

3) A) (VALE DOIS VALORES) Dualismo antropológico e moral em Kant significa a divisão do ser humano (antropos) , feita por este filósofo, em dois polos, no plano moral: o eu numénico ou racional, gerador do imperativo categórico ou verdadeira lei moral, baseado na equidade universal e na ausência de egoísmo, e o eu fenoménico ou corporal, gerador do imperativo hipotético ou falsa lei moral, baseado no interesse egoísta do sujeito e na falta de equidade. O primeiro, numénico, equivale ao Nous, ou parte superior e racional da alma que contempla os arquétipos, segundo Platão, o segundo, fenoménico, equivale à Epithimya ou concupiscência, parte inferior da alma.

 

3) B) (VALE DOIS VALORES) O realismo gnosiológico sustenta que o mundo material é real em si mesmo e transcendente às mentes humanas. Ao invés, o idealismo gnosiológico sustenta que o mundo material está contido dentro da única ou das múltiplas mentes humanas, não sendo real em si mesmo.

 

3) C) (VALE DOIS VALORES) Arquétipo, em Platão, é uma forma espiritual eterna, imutável, imóvel e perfeita, situada acima do ceu visível, que serve de modelo aos entes do mundo terrestre: os arquétipos de Bem, Belo, Justo, Igual, Número Dois, etc. Conceito noético ou metaempírico é a ideia, formalmente subjetiva, que a mente humana forma de arquétipo, a representação deste no Nous ou inteligência superior. Tanto o arquétipo como o conceito noético que dele temos são metafísicos, visto que metafísica é a região dos objetos invisíveis e impalpáveis que transcendem a esfera dos sentidos e a natureza física percetível.

 

4) A) (VALE 2 VALORES)  A teoria das quatro causas, de Aristóteles, aplicada à Escola Secundária Diogo de Gouveia, em Beja, resulta assim: a causa formal é a forma do edifício escolar, incluindo as salas, laboratórios, etc; a causa material é a matéria usada na construção, isto é, tijolo, ferro, cimento, mármore, telha, plástico, alumínio, etc; a causa eficiente é quem fabricou a escola, isto é, o onjunto dos pedreiros, carpinteiros, eletricistas, canalizadores, arquitetos, engenheiros, empreiteiros; a causa final é o desenvolvimento dos conhecimentos cientíicos e humanísticos e das habilidades técnicas dos alunos, a sua certificação e a constituição de um polo de saber irradiante, em que os professores são peça fundamental. A teoria do ato e da potência aplicada é a seguinte: a escola é uma escola secundária em ato ou realidade presente e é uma universidade ou qualquer outra coisa em potência, isto é, no futuro previsível.

 

4) B) (VALE UM VALOR) A ação de recolha de alimentos a favor dos carenciados tem como causa formal os gestos sucessivos de agarrar alimentos e transportá-los (gestos são formas moventes). Como causa material, tem os alimentos e os corpos dos que os carregam. Como causa eficiente, os doadores dos alimentos e os voluntários que os levam. Como causa final, alimentar as pessoas carenciadas.

 

5) A) (VALE DOIS VALORES) O livre-arbítrio ou liberdade racional de deliberar como agir é compatível com os valores éticos de bem e de mal, justo e injusto, com os valores estéticos de belo e feio, sublime e horrível, e com os valores científicos de verdadeiro, falso e verosímil. Livre-arbítrio é uma faculdade racional e valores são qualidades ou essências exteriores a essa faculdade racional.

 

5)B) (VALE 2 VALORES) O maior grau de liberdade, aparentemente, existe no determinismo com livre-arbítrio (os manuais chamam-lhe: determinismo moderado), doutrina segundo a qual a natureza se rege por leis necessárias, fixas e inflexíveis (as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos) e temos liberdade para escolher este ou aquele determinismo, cujos efeitos conhecemos. Em seguida, com menor grau de liberdade, porque não conhecemos os seus contornos, vem o indeterminismo com livre-arbítrio (alguns manuais chamam-lhe libertismo...) isto é a doutrina segundo a qual a natureza não tem leis fixas e absolutamente previsíveis (exemplo: ao partir um ovo de galinha, não é certo encontrar clara e gema dentro, posso encontrar um trevo ou uma pérola) e sou livre de escolher. No fatalismo, doutrina segundo a qual os acontecimentos estão predestinados desde a mais remota antiguidade, não há livre-arbítrio.  

 

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Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2011
Equívoco de Abbagnano: Finalismo opõe-se a naturalismo?

Sobre a filosofia de George Santayana (1863-1952), um dos filósofos do chamado "realismo crítico" norte-americano, escreveu Nicola Abbagnano (1901-1990):

 

«Sobre a relação do espírito com a natureza, as ideias de Santayana não são claras. Por um lado, afirma que toda a evolução natural tende a tornar possível a vida espiritual. " A matéria - diz (The realism of Spirit, pag. 79) -" não se teria desenvolvido até aos animais se a organização necessária não estivesse potencialmente nela desde o princípio, e a sua organização nunca teria despertado a consciência se a essência e a verdade não tivessem superado a existência desde a eternidade apresentando-se, finalmente, com todas as suas perspectivas suficientemente claras para que o espírito as pudesse perceber."(...) 

 

«Mas por outro lado, insiste no carácter arbitrário, casual e contingente, da evolução física, devido ao qual é apenas a física, e não a metafísica, que nos pode revelar os fundamentos das coisas (Ib, pag 274).Deste modo, há uma contínua oscilação no seu pensamento entre uma concepção finalista, para a qual a matéria teria já, na sua cega fatalidade, predeterminando a realização do espírito , e uma concepção naturalista, para a qual o espírito seria um produto causal finito e temporal da evolução cósmica.» (Nicola Abbagnano, História da Filosofia, volume XIII, pag. 123, Editorial Presença).

 

Importa sublinhar aqui o pensamento equívoco, não dialéctico de Abagnano, ao opor finalismo a naturalismo. Finalismo, doutrina que detecta finalidades na vida e nos processos da natureza, é contrário, não de naturalismo mas, de casualismo, doutrina segundo a qual as coisas e a evolução acontecem ao acaso. Finalismo e casualismo pertencem como espécies ao género teleologia ao passo que naturalismo e sobrenaturalismo pertencem ao género ontologia de regiões.

Naturalismo é ainda sub espécie de duas espécies distintas: finalismo e casualismo. De facto há um naturalismo finalista, como é o caso de Bergson, e um naturalismo casualista.

 

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Sábado, 27 de Fevereiro de 2010
El método filosófico no existe, como sostuvo Richard Rorty?

Hay un método filosófico? Richard Rorty (1931-2007) uno de los más influyentes filósofos del pragmatismo contemporáneo aseguró que no:

 

«Hay que abandonar la idea de que existe algo llamado "método filosófico" o “técnica filosófica” o el “punto de vista filosófico” que permite al filósofo profesional, ex officio, tener puntos de vista interesantes, acerca de, por ejemplo, la respetabilidad del psicoanálisis, la legitimidad de determinadas leyes dudosas, la resolución de dilemas morales, la “ortodoxia” de escuelas historiográficas o de crítica literaria, o acerca de cuestiones análogas.» (Richard Rorty, Philosophy and the Mirror of Nature, VIII, 5; la letra negrita es colocada por mi).

 

La palabra filosofía mienta una esencia: filosofía. Que es esencia? Es una idea, un juicio, un razonamiento, un ente o una cosa material, vital o energética que tiene forma algo estable como mínimo. Filosofía es una esencia. Si el viento sopla fuerte no digo «eso es filosofía»  pero si un adolescente me dice «Me planteo si habrá varios dioses para explicar lo bueno y lo malo que me acaece» yo digo «esto es filosofar, es filosofía». Entonces, la idea de filosofía tiene límites comunes en las conciencias de todos los que saben lo que significa la palabra. Rorty no puede negar esto. Si filosofía es una esencia, hay un modo o varios modos de poner en práctica o alcanzar esa esencia: ese modo es el método o métodos.

 

La incoherencia de Rorty reside en que su pragmatismo anti esencialista rechaza esencias como el método filosófico pero acepta, tácitamente, el concepto-esencia de filosofía.

 

Hay, por supuesto, un método filosófico general que tiene dos vertientes:

 

1)      Delimitar a través de conceptos, juicios, razonamientos , la estructura y el ser , la génesis, el desarrollo y la teleología, si la hay, de los mundos físico, onto-ideal, moral, psicológico y otros.

 

2)      Definir y problematizar los medios de hacer esa delimitación, esto es, el significado y el uso de las palabras y proposiciones (filosofía del lenguaje, retórica).

 

Todas las filosofías delimitan sus objetos - Descartes, por ejemplo, define la res cogitans y la res extensa, Kant el fenómeno y el noúmeno, Hegel distingue al Yo Absoluto y a sus manifestaciones en la naturaleza, Rorty define al mundo ahí afuera y a la verdad, interior a la mente -  y casi todas se cuestionan sobre el significado de los términos usados para caracterizar aquellos objetos. Entonces, cada filosofía tiene un método propio que participa del método general cuyas características he delineado.

 

  

 

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Terça-feira, 10 de Março de 2009
Perfeccionismo versus Intuicionismo e outras confusões de John Rawls

Na divisão estabelecida por John Rawls  das teorias éticas encontramos: perfeccionismo, intuicionismo, hedonismo, eudemonismo, idealismo (kantiano), utilitarismo…

 

Escreveu Rawls:

 

«A minha concepção do intuicionismo é algo mais ampla do que a que é corrente: interpreto-o como a doutrina que afirma que há um grupo irredutível de princípios primordiais que temos de comparar entre si, determinando, reflectidamente, o mais justo equilíbrio entre eles. Uma vez atingido um certo nível de generalidade, o intuicionismo defende que não há um critério construtivo de parâmetro superior para determinar a relevância adequada dos diversos princípios da justiça concorrentes.» (John Rawls, Uma Teoria da Justiça, pags 48-49; o negrito é colocado por nós)

 

«Há uma outra semelhança com o idealismo: a teoria da justiça como equidade reserva um lugar central para o valor da comunidade e o modo de o fazer depende da interpretação kantiana.» (John Rawls, Uma Teoria da Justiça, pag 213; o negrito é colocado por nós)

 

«As doutrinas teleológicas diferem, claramente, de acordo com a forma como a concepção do bem é especificada. Se ela for vista como a realização daquilo que no homem há de excelente através das várias formas de cultura, teremos o que se pode chamar de perfeccionismo. Esta noção encontra-se em Aristóteles e em Nietzschze, entre outros. Se o bem for definido como prazer, temos o hedonismo; se o for como felicidade, temos o eudemonismo, e assim sucessivamente. Na minha interpretação, o princípio da utilidade na sua forma clássica define o bem como a satisfação do desejo, ou melhor, a satisfação do desejo racional.» (John Rawls, Uma Teoria da Justiça, pag 43; o negrito é colocado por nós)

 

«Se, por exemplo, for defendido que, em si mesmas, as realizações dos gregos nos campos da filosofia, da ciência e da arte justificavam a velha prática da escravatura (partindo do princípio de que esta era necessária para que fossem alcançadas tais realizações) esta concepção será decerto altamente perfeccionista. As exigências da perfeição afastam as altas exigências da liberdade.» John Rawls, Uma Teoria da Justiça, pag 255; o negrito é colocado por nós)

 

 A superficialidade de Rawls é aqui patente: perfeccionismo é uma noção demasiado estreita. Acaso o marxismo não é um perfeccionismo colectivista? E o fascismo não é um perfeccionismo? Porquê citar apenas Aristóteles e Nietzschze como paradigmas do perfeccionismo? Certamente há éticas perfeccionistas e éticas não perfeccionistas mas Rawls não tem precisão na definição das primeiras e, obviamente, das segundas.

 

Além disso, o perfeccionismo não pode opor-se ao intuicionismo como espécies diferentes do género ético. Há um intuicionismo perfeccionista, como por exemplo, a moral de Sócrates e de Platão: o Bem é a perfeição suprema e a alma humana, mediante a filosofia, atinge esse bem por intuição inteligível, noética. A própria teoria da justiça como equidade de Rawls é um perfeccionismo, na medida em que preconiza um ideal de perfeição, a mesmo grau de liberdade extensivo a todos os homens, o que é manifestamente impossível, por utópico, na sociedade real, capitalista democrática, socialista burocrática/ «comunista» ou outra qualquer. Contudo, Rawls não parece designar a sua doutrina da justiça como equidade de perfeccionismo…

 

HÁ PERFECCIONISMO INTUICIONISTA E PERFECCIONISMO ESTRITO?

 

A vagueza da definição de intuicionismo é uma característica do estudo de Rawls:

 

«Uma forma de distinguir as posições intuicionistas consiste na análise do nível de generalidade dos seus princípios. O intuicionismo do senso comum toma a forma de grupos de preceitos assaz específicos, cada um dos quais se aplica a um particular problema da justiça. Há um grupo de preceitos aplicável ao problema do salário justo, outro ao da tributação, outro ainda ao da sanção, e assim por diante. Por exemplo, para obter a noção de salário justo temos de avaliar diversos critérios concretos, como, por exemplo, os da capacidade, preparação, esforço, responsabilidade, bem como os simples acasos ligados ao trabalho; e temos ainda que ter em conta as necessidades objectivas de cada um». (John Rawls, Uma Teoria da Justiça, pag 49-50; o negrito é colocado por nós)

 

Porque se há-de chamar intuicionismo e não racionalismo a esta definição? E a ética de Aristóteles, que sonda a natureza psico-social dos homens e estabelece «grupos de preceitos assaz específicos», não deveria ser classificada como intuicionismo, segundo esta linha de pensamento de Rawls, em vez de ser designada de perfeccionismo?

 

Note-se aliás a névoa de confusão entre intuicionismo e perfeccionismo na seguinte passagem:

 

«Mas a maior felicidade dos menos afortunados não justifica, em geral, a redução das despesas exigidas para a preservação dos valores culturais. Estas manifestações de vida têm maior valor intrínseco do que os prazeres inferiores, por mais generalizados que estes sejam. Em condições normais um certo mínimo de recursos sociais deve ser posto de parte, a fim de ser consagrado aos objectivos do perfeccionismo. A única excepção ocorre quando estas exigências colidem com as relativas às necessidades básicas. Deste modo, dada a melhoria das circunstâncias, o princípio da perfeição adquire um peso relativo crescente face ao aumento da satisfação dos desejos. Nesta forma intuicionista, o perfeccionismo seria sem dúvida aceite por muitos. Ela permite uma certa gama de interpretações e parece expressar uma visão muito mais razoável do que a teoria perfeccionista estrita

 

«Antes de examinar as razões da rejeição do princípio da perfeição, vou analisar as relações entre os princípios da justiça e os dois tipos de teorias teleológicas, perfeccionismo e utilitarismo.» (John Rawls, Uma Teoria da Justiça, pag 43; o negrito é colocado por nós)

 

A distinção entre intuicionismo e perfeccionismo é nebulosa: Rawls admite no texto acima um perfeccionismo intuicionista, dando a este último termo um sentido de «social» ou «centrado nas necessidades básicas do povo».  Mas intuicionismo é uma definição formal e nada tem de substancial como por exemplo «socialismo»  ou «liberalismo». Designa apenas uma forma gnosiológica: a intuição, que pode ser empírica ou intelectual. Em que é que o intuicionismo, se o concebermos como mera forma ou «tinta» aplicada ao «vaso» substancial do perfeccionismo,  desvirtua este? Nestes problemas de terminologia, que são, afinal, problemas conceptuais, naufraga a clareza de John Rawls, que não possui um pensamento autenticamente dialético…

 

Por que razão o kantismo, que Rawls designa por idealismo, não é classificado como doutrina teleológica ( télos=fim, finalidade , em grego) se o imperativo categórico ou verdadeira lei moral se dirige às pessoas, universalmente consideradas como fins em si mesmas? E por que razão o kantismo não é classificado como um perfeccionismo?

 

 

 

A SUPOSTA INDEPENDÊNCIA DE RAWLS FACE ÀS MORAIS NATURALISTAS E NÃO NATURALISTAS

 

Rawls esforça-se por demonstrar que a sua moral não é naturalista nem supra-naturalista (concebida na metafísica divina  ou na pura racionalidade anti naturalista, à maneira de Kant por exemplo).

 

«Os filósofos tentam normalmente justificar as teorias éticas por uma de duas formas. Por vezes, tentam encontrar princípios evidentes por si mesmos, a partir dos quais derivam um conjunto suficiente de critérios e de preceitos para explicar os nossos juízos ponderados. Podemos pensar numa justificação desta natureza como sendo cartesiana. Ela presume que os primeiros princípios podem ser vistos como sendo verdadeiros, ou mesmo como necessariamente verdadeiros; o raciocínio dedutivo transfere depois esta convicção das premissas para a conclusão. Uma segunda abordagem (designada naturalista por abuso da linguagem) consiste em introduzir definições de conceitos morais em termos de conceitos presumivelmente não morais, para depois demonstrar através de processos aceites, relevando do senso comum e das ciências, que os enunciados associados aos juízos morais defendidos são verdadeiros. Embora nesta concepção os primeiros princípios da ética não sejam evidentes em si mesmos, a justificação das convicções morais não coloca dificuldades especiais. Estes princípios podem ser estabelecidos, sendo dadas as definições, da mesma forma que outros enunciados sobre o mundo.

 

«Não adoptei qualquer destas concepções da justificação. Embora certos princípios morais pareçam naturais, verdadeiros, e até óbvios, há grandes obstáculos à afirmação de que eles são necessariamente verdadeiros, e até na explicação do significado desta afirmação. Na verdade, defendi que estes princípios são contingentes, no sentido em que são escolhidos na posição original à luz de factos gerais.» (John Rawls, Uma Teoria da Justiça, pags 434-435)

 

Aquilo que Rawls teoriza, isto é o liberalismo social, um híbrido de liberalismo (predomínio das empresas privadas na economia de mercado) e social-democracia (redistribuição a favor dos mais pobres, na economia de mercado, mediante impostos sobre os ricos, em especial o imposto de consumo) é naturalismo sociológico: as leis e normas sociais são estabelecidas por cidadãos livres, cada um coberto pelo «véu da ignorância» acerca das diferenças de riqueza, de talento laboral, empresarial, artístico, político, etc, mas são estabelecidas num contexto histórico ideal e geram uma dada formação histórico-social a partir de princípios, ao menos em parte, empiricamente definidos, isto é, extraídos da natureza humana social.

 

A moral de Rawls é um híbrido de naturalismo e não naturalismo, com predominância do primeiro. 

 

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Sexta-feira, 2 de Fevereiro de 2007
Motivo e Causa são discerníveis entre si? (Crítica de Manuais Escolares-X)

 

A distinção entre causalidade e motivação, patente na obra de vários filósofos, entre os quais Paul Ricoeur, é fonte de paralogimos no ensino da Filosofia em Portugal e noutros países. Isto traduz-se numa confusa leccionação do tema «A acção humana» que, nos últimos anos, tem sido um dos eixos da filosofia do 10º ano no ensino secundário.

 

David Hume sustentou que determinada «causa» pode não gerar sempre, de maneira constante, determinado «efeito», isto é, afirmou o indeterminismo ou contingencialismo absoluto. Ricoeur escreveu, a propósito da separação absoluta entre causa e efeito estabelecida por David Hume:

 

«Ora esse não é o caso entre intenção e acção, ou entre motivo e projecto. Eu não posso identificar sem mencionar a acção a fazer: existe uma ligação lógica, e não causal (no sentido de Hume). Do mesmo modo eu não posso enunciar os motivos da minha acção sem ligar esses motivos à acção de que são o motivo. Há uma explicação entre motivo e projecto, que não entra no esquema da heteregoneidade lógica da causa e do efeito. Por conseguinte, neste jogo de linguagem, se eu emprego a mesma palavra "porque": "ele fez isto porque" é num outro sentido de "porque". Num caso, pergunta por uma causa; no outro, por uma razão. E. Anscombe opôs fortemente os dois jogos de linguagem, nesses dois empregos das palavras why e because of. Num caso encontro-me na ordem da causalidade; no outro, na ordem da motivação». (Paul Ricoeur, Du Texte à l´Action, Paris, PUF, 1986, pp. 169-170; o negrito é nossa responsabilidade).

 

É artificial e errónea a separação entre motivo e causa, entre motivo e razão, delineada por Ricoeur neste texto. Motivo vem de motu, movimento: os motivos são as «molas» que impulsionam ou põem em movimento uma acção ou um acontecimento. Na óptica determinista, não há distinção entre motivo e causa: os motivos de uma acção são causas, objectivas ou subjectivas, dessa acção. A palavra causa deve, obviamente, ser entendida em sentido lato: há causas internas e causas externas de um fenómeno ou ser. A causalidade é espécie dentro do género motivação. Outra espécie deste género é a acausalidade, o indeterminismo. E uma outra espécie do género motivação é sincronismo (ocorrência simultânea de fenómenos diversos sem que algum seja causa de outros).

 

Em resumo: há distinção entre motivo e causa, mas não da forma extrínseca, anti dialéctica, que Ricoeur e outros sustentam. Toda a causa é motivo mas nem todo o motivo é causa. A causa é parte de um todo chamado motivo.

 

A hiper-análise ou raciocínio fragmentário, de que Ricoeur e outros padecem, separa também artificialmente intenção e motivo, como sucede na seguinte passagem de um Manual de Filosofia do 10º ano:

 

« A procura do sentido da acção remete para a indagação das suas causas, motivos e intenções;«a intenção deve distinguir-se do motivo: a intenção tem a ver com a consciência que o agente tem dos seus actos, com o significado por ele imprimido às suas acções; o motivo com a formulação de uma explicação que as permita compreender. A intenção remete ainda para o campo da estratégia e, enquanto tal, entra nos terrenos da ética. Finalmente, enquanto procura expor razões, a acção remete para o plano da argumentação» (Rui Alexandre Grácio, José Manuel Girão, Razões em jogo, 10º ano de Filosofia, Texto Editora, Lisboa 1997, página 146; o negrito é nossa responsabilidade).

 

O erro de hiper-análise neste texto reside em separar motivo de intenção quando, na realidade, o motivo ou força/causa que desencadeia uma acção inclui a intenção. Há motivos intencionais e motivos não intencionais. A intenção não é extrínseca ao motivo: é uma das modalidades deste. Em termos aristotélicos: motivo é género e intenção é uma sua espécie. Intenção  é sempre um motivo, um motivo subjectivo, uma causa final, teleológica, na linguagem de Aristóteles.

 

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 00:48
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