Quinta-feira, 26 de Novembro de 2020
Teste de filosofia 11º ano (Novembro de 2020)

 

Eis um teste de filosofia sem questões de escolha múltipla. Elas existem nas provas de exame nacional em Portugal e, em média, 30 por cento delas estão mal concebidas. 

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C

23 de Novembro de 2020. Professor: Francisco Queiroz


I

“As categorias são conceitos que prescrevem leis a priori aos fenómenos e, portanto, à natureza como conjunto de todos os fenómenos…O entendimento reduz à unidade o diverso das intuições empíricas.» (Kant, Crítica da Razão Pura)

 

1) Explique estes pensamentos de Kant.

 

       2) Explique, como, segundo a gnosiologia de Kant, se formam o fenómeno GIRASSOL, o conceito empírico de GIRASSOL e o juízo a priori «Doze mais seis é igual a dezoito».

      

 3) Relacione, justificando:

A) As sete relações filosóficas em David Hume e as formas a priori da sensibilidade e do entendimento na teoria de Kant.

B) Chora em Platão, Hylé em Aristóteles, Caos sensorial em Kant, Tábua Rasa em Locke.

C) Realismo crítico em Descartes e Idealismo, Ceticismo e Subjetivismo no sofista Górgias..

D) Razão e entendimento na doutrina de Kant.

E) As impressões de sensação e de reflexão e ideias de «eu», «alma» e «substância» em David Hume.

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO MAXIMAMENTE EM 20 VALORES

1) As categorias impõem leis aos fenómenos da sensibilidade , isto é, aos objectos físicos. Exemplo: a evaporação da água de um lago e o sol a incidir sobre este só se tornam na lei «o calor do sol é causa da evaporação» devido à categoria de causa-efeito existente no entendimento. (VALE UM VALOR). O entendimento recebe, por exemplo, milhares de imagens de ROSA (é o diverso da intuição empírica) e abstraindo das diferenças entre elas constrói um conceito empírico de ROSA (a unidade).

 

2) O númeno ou objecto metafísico afecta de alguma maneira a sensibilidade fazendo nascer nesta um caos empírico de matéria indeterminada e as formas a priori de espaço (figuras, extensão) e tempo (duração, simultaneidade, sucessão) moldam essa matéria transformando-a no fenómeno GIRASSOL , que é o objecto visível ou coisa para nós. (VALE DOIS VALORES). As imagens do fenómeno são levadas pela imaginação às categorias de unidade, pluralidade, realidade e outras do entendimento ou intelecto ligado ao mundo empírico e aí são reduzidas à unidade, a um conceito único de GIRASSOL (VALE  DOIS VALORES). O entendimento retira do tempo as intuições de seis, doze e dezoito, eleva-as a conceitos a priori e usando as formas dos juízos apriori afirmativos e apodíticos produz o juízo «doze mais seis é igual a dezoito».(VALE DOIS VALORES). 

 

3) A David Hume escreveu: «Há sete espécies de diferentes de relação filosófica: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. Podem dividir-se estas relações em duas classes:as que dependem inteiramente das ideias que comparamos entre si e as que podem variar sem qualquer mudança de ideias. (David Hume, Tratado da Natureza Humana, pag 103, Fundação Calouste Gulbenkian). Estas relações são estruturas a priori tal como as formas a priori da sensibilidade em Kant que são espaço e tempo (em Hume: relações de tempo e lugar). A causação, em Hume, é a categoria de causa-efeito em Kant (DOIS VALORES).

 

3) .B. O que há de comum entre estas quatro entidades é o não terem forma mas serem matéria que vai ser moldada por formas: a Chora é um espaço obscuro, uma matéria no caos, que irá ser moldada pelo demiurgo com formas semelhantes aos arquétipos do mundo inteligível; a Hylé é a matéria prima universal em Aristóteles, algo que não existe mas passa a existir-se ao unir-se às formas eternas; o Caos Sensorial, em Kant, nasce na sensibilidade por influência do númeno e é moldado pelas figuras do espaço a priori e pela duração e sucessão do tempo; a Tábua Rasa é a consciência vazia ao nascer, sem formas, apta a receber estas. (VALE DOIS VALORES).

 

3,C) O realismo crítico de Descartes sustenta que existe um mundo exterior aos seres humanos quase desmaterializado por completo. Nele só existem formas e tamanhos dos objectos, número e movimento - são as qualidades primárias, objectivas. As cores, sons, sabores, cheiros, ductilidade, calor e frio, etc, são qualidades subjectivas ou secundárias, ilusões interiores à mente humana. Isto coincide parcialmente com o idealismo de Górgias que disse «Nada existe». O cepticismo que Descartes usou existe na seguinte máxima de Górgias« Se algo existe é incognoscível». E o subjectivismo, doutrina que diz que a verdade varia de pessoa a pessoa, está na máxima de Górgias «Se é cognoscível, não pode ser comunicado a outrém». (VALE TRÊS VALORES).

 

3) D. A razão em Kant é a faculdade das ideias que se dirigem supostamente aos númenos, objectos metafísicos incognoscíveis (Deus, alma, liberdade,  mundo como um todo) . É livre, incondicionada, porque está desligada do mundo dos fenómenos, da natureza física e por isso gera antinomias: «Deus existe, Deus não existe», «Há liberdade, não há liberdade», etc. O entendimento é a faculdade das regras, tem a tábua das categorias e a tábua dos juízos puros como formas a priori, pensa os fenómenos (objectos materiais) existentes na sensibilidade externa, isto é, no espaço. É o gerador da matemática e das ciências em geral, é condicionado pela sensibilidade, faculdade que sente mas não pensa (VALE DOIS VALORES).

 

3) E) Para David Hume as fontes principais do conhecimento são as impressões de sensação (exemplo: ver uma planície, ouvir música, cheirar uma rosa) e as impressões de reflexão (exemplo: conservar a memória da planície, da música, do cheiro da rosa). A ideia é uma cópia pálida destes dois tipos de impressões. Hume é idealista porque não garante a realidade de objectos físicos exteriores. Alguns dizem que é céptico. Atribui grande importância à imaginação que com o princípio da invariância faz crer que há substâncias permanentes fora de nós como a nossa casa, a nossa escola, a Europa, etc, e faz.nos crer que temos uma substância chamada «eu», de facto inexistente, e outra chamada «alma».

 

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Nota- O autor deste blog está disponível para ir a escolas e universidades dar conferências filosóficas ou participar em debates. 

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publicado por Francisco Limpo Queiroz às 18:23
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Quarta-feira, 22 de Fevereiro de 2017
Teste de filosofia do 11º ano (14 de Fevereiro de 2017)

 

 

Eis um teste de filosofia do 2º período lectivo no ensino secundário em Portugal.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A

14 de Fevereiro de 2017 Professor: Francisco Queiroz

I

“.Em Bachelard, o racionalismo dialético adequa-se à lei do salto de qualidade pois supera os obstáculos epistemológicos para alcançar o ultra-objecto. As quatro fases do método hipotético-dedutivo estão fora do âmbito da razão mas não do entendimento, segundo Kant.”

 

1) Explique estes pensamentos.

 

2) Explique, como, segundo a gnosiologia de Kant, se formam o fenómeno OLIVEIRA, o conceito empírico de OLIVEIRA e o juízo a priori «A soma dos três ângulos internos de um triângulo é 180º».

      

3) Relacione, justificando:

A) As sete relações filosóficas em David Hume e as formas a priori da sensibilidade e do entendimento na teoria de Kant.

 

B) Os três tipos de conhecimento em Bertrand Russel e três tipos de res em Descartes.

 

C) Princípio da falsificabilidade em Popper, conjectura, corroboração.

 

D) Idealismo, teoria da tábua rasa e ideias de «eu», «alma» e «substância» em David Hume.

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO MAXIMAMENTE PARA 20 VALORES

 

1) Segundo o filósofo francês Gaston Bachelard, a opinião, isto é, o senso comum, não pensa, isto é, traduz necessidades em conhecimentos, fabrica a explicação que mais lhe convém. Exemplo: a maioria das pessoas que sentem frequentes dores de cabeça não perdem tempo a investigar a causa dessas dores, tomam um comprimido de farmácia que faz desaparecer o sintoma mas não a causa que lhe está subjacente. Na ciência nada é dado porque tudo ou quase tudo é construção racional. Exemplo: a teoria do espaço-tempo de Einstein, que diz que o espaço encurva na proximidade de grandes massas não nos é dada pelos orgãos dos sentidos, é pensada na razão. O racionalismo é a doutrina segundo a qual a razão é a fonte principal ou única de conhecimento desprezando as percepções empíricas. É pelo raciocínio (racionalismo) que o facto bruto é transformado em facto científico, isto é , num facto racional ou empírico-racional cuja essência é o ultra-objecto: a cor do céu diurno não é azul, o azul existe apenas no interior da nossa mente; o mármore não é frio, é bom condutor de calor e rouba calor à mão que nele pousamos, etc. O obstáculo epistemológico em Bachelard é todo o entrave ao conhecimento científico: a primeira impressão, a experiência inicial,  o realismo natural ( o mundo exterior como parece ser: o céu é azul, o mármore é frio, etc, o preconceito do senso comum, a falta de tecnologia apropriada (exemplo: a falta de telescópios, microscópios, reagentes químicos, máscaras antigás, fatos de amianto, bússolas, aparelhos de refrigeração, etc.) o preconceito racial ou religioso, etc. Pode dizer-se que o racionalismo enfrenta o obstáculo epistemológico segundo a lei do salto de qualidade: a acumulação lenta, em quantidade, de um factor num fenómeno conduz, em dado instante, a um salto brusco de qualidade. Esta lei aplica-se à descoberta do ultra-objecto, isto é, um objecto invisível, no todo ou em parte, como por exemplo, os quarks up e down, constituintes supostos do protão.(VALE QUATRO VALORES).O método hipotético-dedutivo baseia-se na indução amplificante, inferência que Popper não aceita como válida, e tem quatro fases: observação ou ocorrência do problema, hipótese, dedução matemática da hipótese e verificação experimental com confirmação ou não da hipótese. Na doutrina de Kant, a razão é a faculdade de pensar a metafísica, os númenos, e está totalmente desligada dos fenómenos físicos que são objecto do método hipotético-dedutivo. Na mesma doutrina, o entendimento é a faculdade que pensa os fenómenos (as esferas, as roldanas, os planos inclinados, os tubos de ensaio com reagentes, etc) e portanto é ele que concebe o método experimental. (VALE TRÊS VALORES)

 

2) O númeno ou objecto metafísico, geralmente fora do espírito humano, afecta de alguma maneira a sensibilidade fazendo nascer nesta um caos empírico de matéria indeterminada e as formas a priori de espaço (figuras, extensão) e tempo (duração, simultaneidade, sucessão) moldam essa matéria transformando-a no fenómeno oliveira, que é o objecto visível ou coisa para nós. As imagens do fenómeno, isto é, de centenas de oliveiras, são levadas pela imaginação às categorias de unidade, pluralidade, realidade e outras do entendimento ou intelecto ligado ao mundo empírico e aí são reduzidas à unidade, a um conceito único de oliveira. Na forma a priori do tempo, na sensibilidade existem os números (90, 180, etc), na forma a priori espaço da sensibilidade existe a intuição pura de triângulo, estas intuições são elevadas ao entendimento, às categorias de unidade, pluralidade, totalidade, necessidade e estas categorias com a ajuda da tábua de juízos puros, em particular do juízo apodíctico, produzem o juízo a priori «A soma dos três ângulos internos de um triângulo é 180º » (VALE TRÊS VALORES).

 

3) A) As sete relações filosóficas são, segundo David Hume: identidade, semelhança, relações de tempo e de lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. É discutível saber se são noções a posteriori, ou seja, que surgem na experiência sensorial e não antes desta, ou se são formas a priori, isto é, estruturas vazias que estão antes da primeira experiência. As formas a priori da sensibilidade, em Kant, são: o espaço, cujo conteúdo é extensão e figuras geométricas, e o tempo, cujas determinações são duração, sucessão, simultaneidade e números.

É fácil detectar correspondências entre Hume e Kant: as relações de tempo e de lugar, em Hume, correspondem ao espaço e tempo à priori em Kant; a proporção de quantidade ou número, em Hume, equivale aos números contidos no tempo, em Kant.

 

As categorias, em Kant,  são formas a priori do entendinento, isto é, mecanismos inatos do pensamento, anteriores a toda a experiência sensorial, como por exemplo, unidade, pluralidade e totalidade (categorias da quantidade). São 12 e constituem a seguinte tábua:

«TÁBUA DAS CATEGORIAS»

I

Da quantidade:

Unidade

 Pluralidade

   Totalidade

           2                                                                                   3

Da Qualidade                                                              Da relação

Realidade                                                                    Inerência e subsistência

Negação                                                                      ( substancia et accidens)

Limitação                                                                    Causalidade e dependência

                                                                                                     (causa e efeito)

.....................................................................................Comunidade

                                                                                    (acção recíproca entre

                                                                                     o agente e o paciente)

                                                                         4

Da Modalidade:

Possibilidade-Impossibilidade

Existência-Não-existência

Necessidade-Contingência

 

 

Podemos fazer corresponder a relação filosófica de causação (determinismo), em Hume, à categoria de necessidade (lei infalível de causa-efeito)  em Kant. Também podemos estabelecer correspondência entre a relação filosófica de identidade e a categoria de inerência e subsistência (substância e acidente). As formas a priori do entendimento incluem as categorias e os juízos puros (afirmativos, negativos, assertóricos, apodícticos, etc) que são doze (VALE TRÊS VALORES).

 

3-B)As três res ou substâncias primordiais em Descartes são: a res divina, Deus, espírito criador do universo, fonte das outras duas; a res cogitans ou pensamento humano sobre ciências, filosofia, senso comum, etc; a res extensa, isto é, a matéria, abstracta e indeterminada, constituída por comprimento, largura e altura dos corpos, destituída de cor, som, cheiro. Os três tipos de conhecimento segundo Bertrand Russell são: o saber-fazer, que é um conhecimento empírico-técnico, como andar de bicicleta, nadar, jogar futebol; o conhecimento por contacto, isto é, empírico directo, como ver uma planície alentejana, ouvir uma música dos «Discípulos», saborear gaspacho e opinar «O gaspacho é uma sopa fria de tomate agradável ao paladar»; o conhecimento proposicional, isto é, racional ou empírico-racional, como por exemplo, «O quark up tem carga eléctrica positiva 2/3 ao passo que o quark down tem carga negativa 1/3», «Portugal entrou na Comunidade Económica Europeia em 1 de Janeiro de 1986». contrariando muitas vezes as percepções empíricas. Podemos fazer corresponder a res cogitans ao conhecimento proposicional porque são pensamento(VALE TRÊS VALORES).

 

3-C) 3) B) Conjectura é uma suposição, uma hipótese. O conjecturalismo é a teoria de Popper segundo a qual as teorias das ciências empíricas, as leis induzidas, não passam de suposições, de hipóteses falíveis, pois é impossível verificar todos os casos concretos correspondentes a dada lei ou tese. Assim, por exemplo, a tese de que o átomo de enxofre tem 16 electrões é uma mera hipótese e não uma verdade indiscutível. A indução (amplificante) é a generalização de alguns exemplos empíricos similares de modo a construir uma lei universal e necessária. Popper rejeita este raciocínio indutivo dizendo que só seria legítimo se fosse possível a verificação de todos os casos correspondentes a essa lei induzida, mas só é possível a corroboração, isto é, a confirmação de alguns casos. O princípio da falsificabilidade  é a teoria de Popper segundo a qual uma teoria «científica» deve ser falsificada, posta em questão, através de testes experimentais rigorosos e de discussão racional, e ser aceite provisoriamente enquanto resistir a esses testes.. (VALE DOIS  VALORES).

 

3) D) O idealismo, isto é, a doutrina que diz que o mundo material exterior à mente humana não existe, é ilusório, é base da teoria de Hume. Por exemplo, o"eu" em David Hume não é uma realidade, mas uma ideia ilusória, uma vez que somos apenas uma corrente de percepções empíricas a que a memória e a imaginação atribuem um núcleo invariável chamado «eu». Do mesmo modo, a   substância (exemplos: as substâncias cadeira ou nuvem) é uma ideia fabricada pela nossa imaginação servindo-se das sete relações filosóficas que são disposições sensório-intelectuais a priori da mente humana: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. A ideia de permanência, de continuidade entre as percepções empíricas forja as ideias de eu e de substância. As relações de tempo e lugar não estão em objectos materiais fora de nós mas são um modo de ver e pensar inerente à nossa mente - e isto é idealismo. David Hume é empirista  porque sustenta que as nossas impressões de sensação ou percepções empíricas (exemplo: a visão de um gato, o sabor da açorda alentejana) são a fonte das nossas ideias. Sustenta a teoria da tábua rasa que diz que ao nascer a mente humana vem vazia de conhecimentos. (VALE DOIS VALORES).

 

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publicado por Francisco Limpo Queiroz às 19:18
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Terça-feira, 4 de Maio de 2010
Confusões de Zubiri sobre intelecção, posição, desvelação e transcendentalidade, brilhantismo de Zubiri sobre a essência

 

 

Xavier Zubiri manifestou alguma falta de clareza ao opor a sua intelecção sensiente, um conceito chave da sua teoria mista de fenomenologia e platonismo,  às teorias do conhecimento como posição, intenção e desvelação que ele atribui respecivamente a Kant, Husserl e Heidegger.

 

Zubiri escreveu:

 

«Antes de tudo, intelecção não é um acto que as coisas inteligidas produzem sobre a inteligência. Este acto seria assim uma actuação. É o que muito graficamente Leibniz chamou comunicação de substâncias. Assim para Platão e Aristóteles a inteligência seria uma tábua rasa, ou como eles disseram um ekmageion , uma superfície mole encerada em que nada está escrito. O escrito está escrito pelas coisas, e esta escritura seria intelecção. É a ideia que correu por toda a filosofia até Kant. Mas isto não é a intelecção; é em suma o mecanismo da intelecção, a explicação da produção do acto de intelecção. Que as coisas actuem sobre a inteligência, é algo inegável. Mas não do modo como pensaram os gregos e os medievais, mas ao modo de «impressão intelectiva» (...…)

 

«A filosofia moderna mais que à produção do acto de intelecção atendeu, como disse, ao acto em si mesmo. É óbvio que na intelecção está presente o inteligido. Mas esta ideia geral pode entender-se de distintas maneiras. Pode pensar-se que o estar presente consiste em que o presente está posto pela inteligência para ser inteligido. Este presente seria “estar posto”. Claro, não se trata de que a inteligência produza o inteligido. Estar presente seria “estar posto”. Posição significa que o inteligido, para poder ser inteligido, necessita etar proposto à inteligência. E é a inteligência a que faz esta proposição. Foi a ideia de Kant. A essência formal da intelecção consistiria então em posicionalidade. Mas pode pensar-se que a essência de estar presente não é estar “posto”, mas ser  término intencional da consciência. Estar presente consistiria em presença intencional. Foi a ideia de Husserl. Intelecção seria tão só um referir-me ao inteligido, seria algo formalmente intencional; o próprio inteligido seria mero correlato de esta intenção. Em rigor, a intelecção é para Husserl só um modo de intencionalidade, um modo de consciência, entre outros. Em um passo ulterior, pode pensar-se que estar presente não é formalmente nem posição, nem intenção, mas desvelação. Foi a ideia de Heidegger. Mas a intelecção não é formalmente nem posição, nem intenção nem desvelação, porque em qualquer dessas formas o inteligido “está presente” na intelecção. »(...)

 

«Posição, intenção, desvelação são, no melhor dos casos, maneiras de estar presente. Mas não são o estar presente enquanto tal. O posto "está" posto; o entendido "está" entendido; o desvelado "está" desvelado. O que é esse "estar"? Estar não consiste em ser o término de um acto intelectivo, seja ele qual for. Mas "estar" é um momento próprio da própria coisa; é ela que está. E a essência formal da intelecção consiste na essência de esse estar.»

 

(Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Realidad, Alianza Editorial, Pág. 134-136; a letra negrita é acrescentada por mim).

 

«A intelecção é certamente um dar-se conta, mas um dar-se conta de algo que já está presente. É na unidade indivisível destes dois momentos que consiste a intelecção. A filosofia grega e medieval quiseram explicar a apresentação como uma actuação da coisa sobre a faculdade de inteligir. A filosofia moderna circunscreve a intelecção ao dar-se conta. (...)

 

«Na intelecção «está» presente em mim algo de que "estou" a dar-me conta. O "estar" é um carácter "físico" e não somente intencional da intelecção.» (Zubiri, ibid, Pág 22; a letra negrita é colocada por mim)

 

  

 

Não é exacto que a filosofia grega só tenha visto o inteligir como acção da coisa exterior sobre o sujeito humano. Platão já no Teeteto expôs um princípio básico da fenomenologia:

 

«Parece-me, então, de concluir que nós somos ou mudamos, conforme o caso, numa relação mútua, porque estamos ligados um ao outro pela inevitável lei do nosso ser e não estamos ligados a mais nada, nem sequer a nós mesmos. Só resta, portanto, esta ligação mútua, de modo que, se afirmamos que uma coisa existe, é para alguém, ou de alguém, ou relativamente a qualquer outra coisa que devemos afirmar que é o que muda; o que não podemos dizer nem deixar dizer a ninguém é que uma coisa existe ou muda em si e por si mesma.» (Platão, Teeteto, Editorial Inquérito, pp 61-62).

 

 

A meu ver, Zubiri delineia no texto acima uma definição confusa de posição, posicionalidade: "o inteligido está proposto à inteligência e é esta quem faz a proposição, ou seja, a inteligência propõe o inteligido... a si mesma". Ora posição diz-se do realismo, do idealismo e da fenomenologia: posição significa a posição do mundo material face à consciência do sujeito, fora desta (realismo), dentro desta (idealismo)  correlativos sem se saber se o mundo é imanente ou transcendente (fenomenologia). Nada disto transparece com clareza na escrita de Zubiri.

 

Existe aliás uma aparente incoerência visível no discurso de Zubiri: acima diz que «é óbvio que na intelecção está presente o inteligido» e abaixo diz a intelecção não é formalmente nem posição, nem intenção nem desvelação, porque em qualquer dessas formas o inteligido “está presente” na intelecção. »

 

Ao identificar a teoria de Kant como posição - que o é, de facto - e sustentar que esta consiste em que o inteligido se propõe à inteligência, Zubiri erra rotundamente. Em Kant, a inteligência – entendida como o conjunto sensibilidade-entendimento, sem esquecer que "a sensibilidade não pensa, sente" – produz ou cria o inteligido (exemplo: a casa, o mar, o gato) em cooperação com o númeno (o inteligível em potência), «interior» e «exterior». A posição de Kant é o idealismo material: o mundo da matéria está contido intra animam, dentro da psique do sujeito que é vastíssima e transcende infinitamente o corpo físico. E a sensibilidade, na ontologia kantiana, ao contrário do que diz o próprio Kant, não é mera receptividade mas sim espontaneidade criadora dos fenómenos ( árvores, planícies, casas, etc).

 

Ao dizer que “a intelecção não é formalmente nem posição, nem intenção nem desvelação, porque em qualquer dessas formas o inteligido “está presente” na intelecção”  Zubiri mergulha no oceano da sofística. Que a intelecção não seja posição concreta A, B ou C, entende-se: há intelecção no realismo, no idealismo e na fenomenologia. Que não seja “intenção”, isto é, intuição pura ideal ou sensorial, já não é compreensível. Inteligir é apreender é estar, de algum modo, no objecto.

 

Contra o que Zubiri afirma, em Kant e em Husserl existe igualmente desvelação, isto é, o rasgar do véu das aparências ou de algumas aparências para deixar à vista o poliedro da essência do objecto.

 

Ao referir a intelecção como apreensão do real Zubiri está implicitamente a defini-la como um movimento da inteligência e dos sentidos para captar uma realidade primordial e prévia – por conseguinte nada o diferencia, basicamente, de Husserl ou Heidegger. O reísmo de Zubiri é, contudo, distinto da fenomenologia, a meu ver.

 

Estaria Zubiri a procurar, na linha de Sartre em "O ser e o nada", anular a consciência individual, o para si, como se o ser material exterior fosse auto-intelectivo, e a consciência estivesse imersa nele e não o inverso? Seria então um monismo: haveria uma fusão entre o ser material e a consciência, uma espécie de pampsiquismo que dissolveria a dualidade sujeito-objecto.

 

Medite-se na frase: «A essência formal da intelecção consiste na essência desse estar (da coisa).»  Significa, a meu ver,  que a intelecção capta a estrutura da coisa, a essência, mas não a coisa, que é essência mais inessência, isto é, notas ou características secundárias.

 

A frase «o estar é um carácter "físico" e não somente intencional da intelecção» é fabulosa . Vejo um sobreiro diante de mim: a intelecção do sobreiro engloba o estar físico deste? A minha percepção-intelecção é física, como sugere Zubri, ou é psíquica e referente a um objecto físico como é habitual pensar? Zubiri funde, de certo modo, o estar em si mesmo que é próprio da matéria física e que não possui qualquer intelecção com o "estar em mim" da matéria física enquanto pura imagem visual, sonora, táctil, olfactiva,térmica, etc, ou puro conceito. A meu ver, só este segundo "estar" reside na intelecção.

 

DOIS SENTIDOS OPOSTOS DO TERMO TRANSCENDENTALIDADE, UM EM KANT OUTRO EM ZUBIRI

 

A intelecção sensiente é a apreensão, simultaneamente sensorial e intelectual, da essência dos objectos físicos, das suas relações, etc. Zubiri colheu este conceito na fenomenologia - de Heidegger, Husserl e Scheler - que privilegia, num primeiro momento, a intuição unitária, e só depois o raciocínio.  Zubiri escreveu:

 

«Dizíamos, com efeito, que o próprio real é o actualizante da intelecção sensiente. Isto significa que é o real que determina e funda a comunidade. Certamente, sem intelecção não haveria actualidade. Mas que o que há seja actualidade do real é algo determinado pelo próprio real. Ora bem, realidade é formalidade dada em impressão de realidade. E essa impressão, segundo vimos, é actualidade aberta, é abertura respectiva, é transcendentalidade. Portanto, o real enquanto determinante da actualidade da intelecção senciente determina esta como algo estruturalmente aberto. A actualidade comum é assim transcendental, e a sua transcendentalidade está determinada pela transcendentalidade da realidade do real. A actualidade comum é formalmente actualidade transcendental porqueo é a impressão de realidade, isto é,porque a impressão é senciente. Kant dizia-nos que a própria estrutura do entendimento confere conteúdo transcendental (transzendentaler Inhalt) ao entendido. Mas não é assim. Em primeiro lugar, porque a transcendentalidade não é um carácter próprio do entendimento, mas da intelecção senciente; e, em segundo lugar, porque esta intelecção é transcendental por achar-se determinada pelo próprio real em actualidade comum com a dita intelecção. Esta actualidade é, pois, não só comum, mas transcendental. A comunidade da actualidade é uma comunidade em que a intelecção senciente está respectivamente aberta ao real impressivamente inteligido. E é por isso que a própria intelecção senciente é transcendental. Não é transcendental enquanto momento conceptual, nem tampouco por ser constitutiva do real como objecto. É transcendental porque, por ser actualidade comum, a inteligência senciente fica aberta à realidade na mesma abertura segundo a qual o próprio real é aberto enquanto realidade.» (Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Realidad, Alianza Editorial, Pág. 166-167; a letra negrita é posta por mim)

 

A  refutação que Zubiri faz do conceito de "transcendentalidade" em Kant é uma pseudo-refutação: Kant dá ao termo transcendental um sentido de "estar fora da experiência", fechado num casulo lógico-formal interno - o espaço e o tempo a priori são transcendentais, isto é, existem puros e virgens, sem objectos, sem história, sem mundo empírico - ou fechado na transcendência - Deus, mundo como uma totalidade - ao passo que Zubiri dá ao conceito de transcendentalidade o significado de "abertura", "conexão do real com a realidades" " conexão da intelecção sensiente com as realidade", isto é, exactamente o oposto do sentido de fechamento em Kant. Como pode, pois, Zubiri criticar Kant se não se dá conta da anfibologia do termo "transcendental" , de que o usa num sentido diferente do atribuido por Kant?

 

Não se percebe muito bem por que razão Zubiri diz que o entendimento não é transcendental - no sentido zubiriano de expansivo, comunicante, aberto a realidades - mas só a inteligência senciente o é. Poderia, ao menos, reconhecer um carácter expansivo, semi holístico no entendimento que liga tantas ideias e noções díspares - um carácter "transcendental", na linguagem zubiriana.

 

Note-se que o termo abertura usado por Zubiri como sinónimo de transcendentalidade é, provavelmente, extraído de "O ser e o tempo" de Heidegger onde constitui um conceito chave da fenomenologia. Realidade e real são, como se depreende do texto, coisas diferentes para Zubiri: a flor da realidade, que primordialmente está fechada, abre-se em pétalas de real, e esta abertura é transcendentalidade.

 

A CONFUSA OPOSIÇÃO ENTRE RACIONALISMO ONTOLÓGICO E IDEALISMO

 

 

 

Zubiri distingue entre ser real ( exemplo: a couve) e ser copulativo (exemplo: a couve é verde, a couve está na horta), o que já Heidegger fizera, e escreve:

 

 «Platão, Leibniz, Hegel são o pôr em marcha da identidade entre ser real e ser copulativo. A entificação do real e a logificação da intelecção, são os dois fundamentos da filosofia clássica, que não por acaso conduziram seja ao racionalismo ontologista,  seja ao idealismo. Mas isto é insustentável.» (Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Logos, Alianza Editorial, Pág. 382) 

 

 

A divisão operada por Zubiri entre racionalismo ontologista e idealismo é confusa. Embora Zubiri o ignore, Hegel é ambas as coisas: é idealista formal – as formas das coisas são «conceitos» da Ideia absoluta – e racionalista ontológico – a razão ou ser absoluto governa a história, o devir das coisas. O racionalismo não se opõe ao idealismo mas sim ao anti racionalismo, em particular ao intuicionismo.

 

 

 

A  DISTINÇÃO ENTRE REALIDADE, REAL E SER

 

 Para Zubiri, há uma tríade: realidade (tese), ser (antítese)  e real (síntese). O real, que é simultaneamente formal e substancial, estabelece a ponte entre a realidade primordial, sem conteúdo concreto, e o ente ou ser ulterior (exemplo: esta laranja, aquela casa).

 

«Portanto o inteligido, a coisa, não é formalmente ente. Não se pode entificar a realidade, mas pelo contrário há que reificar o ser. Então inteligir é algo anterior a todo o logos, porque o real está já proposto ao logos para poder ser declarado. Na sua virtude, inteligir não é formalmente julgar, não é formalmente dizer o que o real “é”. Não se pode logificar a intelecção, mas justamente ao contrário há que inteligizar o logos, isto é, conceptuar o logos como um modo, como uma modalidade do inteligir, quer dizer da apreensão do real como real»

 

 «Não há pois oposição entre inteligir e sentir, mas há uma realidade estrutural: inteligir e sentir são somente dois momentos de um só acto: o acto de apreeender impressivamente a realidade. É a inteligência sensiente cujo acto é impressão de realidade»

 

  (Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Logos,Alianza Editorial,Pág. 50-51; a letra negrita é colocada por mim) .

 

O  real,  está antes do ser, ainda que participe neste, e antes de ambos, encontra-se a realidade, segundo Zubiri:.

 

«O término formal do inteligir não é o "é", mas sim a "realidade".  E então resulta que a realidade não é modo do ser, mas que o ser é algo ulterior à própria realidade. Na sua virtude, como disse umas páginas atrás, não há esse reale, mas sim realitas in essendo. Não se pode entificar a realidade, mas há que dar à realidade uma ulterioridade entitativa. A ulterioridade do logos vai "em uníssono" com a ulterioridade do próprio ser.» (Xavier Zubiri, Inteligência Senciente, Inteligencia y Realidad, Alianza Editorial, Pág. 225; a letra negrita é posta por mim.

 

Mas o que significa aqui o ser, na linguagem de Zubiri? É o ente dotado de vida ou existência material,- o ser como substantivo - como por exemplo, este céu azul, este sobreiro, aquela cidade de Lisboa. Zubiri exclui, pois, que a realidade possua ser ou seja, coloca-a na zona de um não ser, de um pré-ser. Aqui coloca-se, ao menos no plano da terminologia, contra Platão que identifica a realidade arquetípica com o ser.

 

«Porque já o vimos, realidade não é existência, mas realidade é ser em si. Quer dizer, não se trata nem do acto efectivo de existir, nem da aptidão para existir, mas de algo anterior a todo o acto e a toda a aptidão: do em si. O real é "em si"  existente, o real é "em si" apto para existir. Realidade é formalidade e existência diz respeito tão só ao conteúdo do real. E então o real não é ente, mas é o em si enquanto tal. Só sendo real tem o real uma ulterior actualidade no mundo. Esta actualidade é o ser, e o real nesta actualidade é o ente. Realidade não é ente; a realidade tem em si a sua entidade, mas tem-na tão só ulteriormente. Realidade não é formalmente entidade.»  (Xavier Zubiri, Inteligência Sentiente, Inteligencia y Realidad, Pág. 226; )

 

No excerto abaixo, Zubiri dissocia a essência da sua talidade, isto é, das suas determinações (exemplo: branco, redondo, rectilíneo) como se fosse possível dissociar, por exemplo, a essência de esfera da talidade de esférico, compacto:

 

«Porque a essência não só é aquilo segundo o qual a coisa é "tal" realidade, mas aquilo segundo o qual a coisa é "real". Neste sentido, a essência não pertence à ordem da talidade, mas a uma ordem superior: à ordem da realidade enquanto realidade. Este carácter - chamemo-lo assim, por agora; antes chamei-o formalidade, e voltarei a ele mais tarde - de realidade está acima da talidade...» (Xavier Zubiri, Sobre la Esencia, Alianza Editorial, Fundación Xavier Zubiri, pag 372; a letra negrita é posta por mim).

 

 Decerto, o real, o arquétipo, o ser ideal está antes do ser vital e material – essa é a posição de Platão que Zubiri, no fundo, adopta. Mas dissociar realidade (ser ideal)  do conceito de ser, entendendo este como ente vital e material, parece, se não um erro teórico, pelo menos uma ambiguidade. Zubiri reduz o conceito de ser à existência vital-material. Está no seu direito?  Sim, desde que explicite o sentido das suas significações. Aqui confrontamo-nos com a velha questão levantada por Rorty de os diversos sistemas filosóficos serem inconvertíveis entre si no plano da terminologia uma vez que, por exemplo, Zubiri atribui à palavra "ser" o significado de ente, coisa, ao passo que Heidegger confere a ser, com frequência, o significado de estrutura geral e não de ente.

 

   

 

O SER DO NÃO-SER EXISTE?

 

Ao comentar Platão, Zubiri escreveu:

 

« Contra o que Parménides pretendia, inexoravelmente, pela própria estrutura das ideias, há o ser do não-ser. E esse ser do não-ser é justamente o outro, a alteridade

 

«Na medida em que o homem diz uma coisa que não é verdade - três e cinco são sete - o que diz não é que não seja um ser: o sete é um ser, o que acontece é que é outro ser diferente do três e do cinco. E justamente aí está o não ser, o tó heterón. Diz o ser, mas "outro"». (Xavier Zubiri, El hombre: Lo real y lo irreal, Alianza Editorial, Pág 141; a letra negrita é acrescentada por mim).

 

Ao contrário do que sustenta Zubiri, Parménides tinha razão - o ser é, o não ser não é -  se se entender o ser como existir, isto é, "matéria" espiritual, vital ou física sem forma: o não ser é o não existir e não possui ser, é ausência pura. O ser do não-ser só existe quando o ser tem talidade, determinação, porque aí o não-ser é oposto a um ser determinado e constitui outro. Exemplo: o não ser da cor amarela existe e engloba as cores vermelha, azul, roxa, verde e por aí fora.

 

A CLAREZA BRILHANTE DE ZUBIRI SOBRE A ESSÊNCIA

 

Os equívocos que apontei não eliminam o brilhantismo da grande maioria das teses de Zubri , que fazem dele um grande filósofo,  como a tese de que essência é primordialmente estrutura dotada de substantividade (funcionamento holístico) e não substância dotada de substancialidade (agregado de partes, materiais ou não):

 

«A essência é princípio das notas constitucionais e das adventícias. Deixemos de momento estas ultimas. As notas constutucionais são aquelas que constituem a substantividade completa do real. Aquilo de que é princípio a essência é, pois, a substantividade. A substantividade é um sistema de notas dotado de suficiência na ordem da constituição; dentro deste sistema a essência é o sistema fundador, o sistema de notas constitutivas. »(...)

 

«Com isto fica fixada a posição desta tese frente a Leibniz e frente a Aristóteles. Frente a Leibniz porque a essência não é uma vis, mas pura estrutura. Só porque há uma estrutura essencial pode haver em alguns casos e aspectos da substantividade uma vis. Frente a Aristóteles, porque a essência não é um momento da substância mas sim da substantividade. Para Aristóteles, a realidade em sentido eminente é substância, e a sua essência é hilemórfica: uma forma substancial que actualiza uma matéria prima.(Prescindamos aqui de que para Aristóteles esta essência é sempre específica). Mas esta concepção, no meu modo de ver, não é suficientemente viável por duas razões. Primeiro, porque entre os momentos essenciais não há forçosamente uma relação hilemórfica. Os princípios substanciais de Aristóteles têm um carácter sumamente preciso: a forma é o determinante e a matéria é o determinável. Mas numa estrutura todos os seus momentos  "co-determinam-se" mutuamente; não há actualização de uma matéria por uma forma. Num ser vivo, os seus momentos essenciais (no caso do homem, alma e corpo) codeterminam-se mutuamente. Por esta razão não há composição de matéria e forma no preciso sentido aristotélico.(...) Um organismo não é uma substância; tem muitas substâncias e substâncias renováveis; enquanto que não tem senão uma única substantividade, sempre a mesma. A essência de um ser vivo é uma estrutura. É por isso que a estrutura não é uma forma substancial informadora: porque as suas notas se codeterminam mutuamente, e porque a estrutura não é substância mas substantividade

 

(Xavier Zubiri, Sobre la Esencia, Alianza Editorial, Fundación Xavier Zubiri, pag 511-513; a letra negrita é colocada por mim)

 

É, sem dúvida, notável esta passagem acima de Zubiri.

 

É ainda discutível a dissociação entre realidade e verdade:

 

«Enquanto o actualizado é real, constitui o que chamamos sem mais realidade; enquanto este real está intelectivamente actualizado constitui a verdade. Ambos os momentos do real não são idênticos; mas não são, como já vimos, independentes.»  (Xavier Zubiri, Inteligencia y Logos, Pág. 329)

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)

 

 

 

  

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 11:52
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