Terça-feira, 11 de Maio de 2021
Teste de filosofia 11º ano (Maio de 2021)

 

Eis um teste de filosofia isento de perguntas de escolha múltipla. Assim se obriga os alunos a desenvolver conceitos e teses e relacioná-los.

 

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C

7 de Maio de 2021.

Professor: Francisco Queiroz

I

“.O fenómeno religioso comporta o misterium, o fascinans, o tremendum e o ganz andere. Em Platão, há seis degraus na dialética do Belo. Para Kant, existe o Belo e o Sublime e neste último há três modalidades. O princípio da correspondência microcosmos-macrocosmos estava presente na construção da catedral medieval e na orgia da primavera a favor de boas colheitas de certos indígenas australianos. Este princípio exige conceber o umbigo do mundo e o eixo do mundo na cosmisação do espaço que se torna heterogéneo.”

 

1)Explique, concretamente este texto.

 

2) Relacione, justificando:

A) Hierofania, panteísmo e teísmo

B) Os três níveis de um Programa de Investigação Científica segundo Lakatos e o argumento da contingência e da necessidade de São Tomás para demonstrar Deus.

C) O argumento ontológico de Santo Anselmo e o argumento dos graus de perfeição de São Tomás e o estádio religioso em Kierkegaard

D) A arte como transfiguração do real e Apolo e Diónisos em Nietzsche.

 

CORREÇÃO DO TESTE COM COTAÇÃO MÁXIMA DE 20 VALORES

 

1) O fenómeno religioso comporta o misterium, isto é o mistério, o fascinans, isto é o encantamento que os seres humanos sentem ante divindades, o tremendum, isto é, o temor de castigos divinos, e o ganz andere, expressão alemã que significa totalmente diferente, quer dizer, a natureza humana é completamente diferente da natureza divina (VALE DOIS VALORES) .A dialética do Belo implica que diversos níveis da matéria e do espírito humano contêm sucessivos degraus do Belo: primeiro, diz Platão, deve-se amar um corpo belo, depois deve-se amar vários corpos belos e descobrir que há beleza em todos, depois amar a beleza das almas, em seguida amar as leis e costumes da cidade que são belas, encontrar a beleza das ciências e da filosofia e por último amar o Belo em Si Mesmo, que não participa de nada (VALE DOIS VALORES). Kant sustentou que o belo é pequeno, cheio de adornos, de encanto visual como um jardim com canteiros de flores multicolores, como o dia luminoso, como a mulher loura, como a lógica, como a juventude e o sublime é grande, grandioso, metafísico como um bosque alto de carvalhos, como a noite estrelada, como o homem moreno, como a filosofia metafisica, como a velhice. O sentimento do belo existe na faculdade do gosto que não é racional embora universal, existente em todas as pessoas. Kant preconizou haver três formas do sublimeo sublime terrível, como por exemplo, a visão de um vulcão a expelir lava ou de um precipício imenso; o sublime nobre, em que a grandeza se combina com a simplicidade, como uma igreja gótica vazia, sem altares doirados; o sublime magnífico em que a grandeza se mistura com riquezas materiais como um palácio com paredes de ouro ou a capela sistina do Vaticano. (VALE TRÊS VALORES). O princípio da correspondência microcosmo-macrocosmo das antigas filosofias estipula que «o que está em baixo é como o que está em cima, o microcosmo ou pequeno universo é o espelho do macrocosmo ou grande universo».Isto está presente que na construção dos castelos   Isto manifesta-se na astrologia, por exemplo: Júpiter em 9º do signo de Sagitário em 25 de Abril de 1983 (Sagitário é parte do céu, macrocosmo) causou a vitória eleitoral do PS de Mário Soares (microcosmo, Portugal). Também se manifesta na construção dos castelos templários em que a planta das muralhas (microcosmos) reproduz o desenho de constelações (macrocosmos). Está ainda presente na orgia dos australianos primitivos (microcosmos) que espelha a hierogamia ou união sexual do deus e da deusa no Céu (VALE DOIS VALORES). A cosmisação do espaço é a transformação do espaço caótico, sem limites definidos, em um espaço cósmico, um espaço organizado e hierarquizado com centro e periferia, metade direita e metade esquerda, etc. Isso faz-se primordialmente definindo o lugar do centro ou umbigo do mundo pelo qual passa, vertical, o axis mundis, ou eixo do mundo que pode tomar variadas formas. O axis mundis é a coluna que sustenta o céu aos ombros do gigante Atlas, na mitologia grega, o poste de madeira por onde o deus dos australianos Achilpas subiu ao céu e desapareceu, poste que a tribo nómada transporta consigo e implanta no centro do acampamento. São também axis mundis a montanha sagrada, a ilha de Avalon no centro do oceano, a árvore sagrada dos bascos e de outros povos, a cruz de Cristo crucificado no monte de Gólgota. (VALE DOIS VALORES).

 

2)A)Teísmo é o conjunto das concepções religiosas que supõem a existência de um ou mais deuses transcendentes à natureza biofísico, «no alto dos céus». Panteísmo é a concepção que sustenta que Deus ou deuses são imanentes à natureza, não estão fora desta, como por exemplo, o vento, o sol e a lua são deuses ou partes do deus-natureza física. A hierofania é a manifestação do sagrado e tanto existe no teísmo (exemplo: a capela das aparições em Fátima é sagrada) como no panteísmo (exemplo: a trovoada e o rugir das ondas do mar são sagradas, são o divino naturalizado). (VALE DOIS VALORES)

 

2.B) Os três níveis de um programa de investigação científica (P.I.C) são para Imre Lakatos: o núcleo duro (hard core), isto é, as teses imutáveis de uma ciência (exemplo: a série de números vai de menos infinito a mais infinito); o cinto protector (protective belt), isto é, as teses susceptíveis de revisibilidade ou eliminação (exemplo: o Big Bang foi o começo de tudo); a heurística, o conjunto de métodos e técnicas de investigação experimental (exemplo: a observação por microscópio, por telescópio, por câmaras em drones, etc.) o argumento da contingência e da necessidade de São Tomás para demonstrar Deus é o seguinte: como todas as coisas do mundo são contingentes, mutáveis, finitas ( nota nossa:  e isto corresponde ao cinto protector de Lakatos) tem de haver um ser necessário, imutável, eterno que escape à contingência (nota nossa: isto corresponde ao núcleo duro de um PIC) e esse ser é Deus. (VALE TRÊS VALORES).

 

2-C) O argumento ontológico de Santo Anselmo é o seguinte: Deus possui todas as perfeições, suprema misericórdia, suprema bondade, suprema justiça, logo tem de ter a perfeição de existir. O argumento dos graus de perfeição em São Tomás parte do mundo sensível e eleva-se até Deus: uma árvore é mais perfeita que uma pedra e o homem é mais perfeito que o boi logo a perfeição suprema é Deus. A monotonia do homem casado que personifica o estado ético em Kierkegaard e a necessidade do eterno faz o homem saltar ao estádio religioso, em que Deus é o valor absoluto, que não exige ser demonstrado (fideísmo) apenas importa salvar a alma e os outros pouco ou nada contam. Abraão estava no estádio religioso, de puro misticismo, quando se dispunha a matar o filho Isaac porque «Deus lhe ordenou fazer isso». O estádio religioso é o do puro existencialismo, doutrina que afirma que a existência vive-se em liberdade e angústia sem fórmulas (essências) definidas, buscando um Deus que não está nas igrejas nem nos ritos oficiais. Neste estádio, o homem casado pode abandonar a mulher e os filhos se «Deus lhe exigir» retirar-se para um mosteiro a meditar ou para uma região subdesenvolvida a auxiliar gente esfomeada. A escolha a cada momento ante a alternativa é a pedra de toque do existencialismo. Kierkegaard acentuava a noção de angústia, essa liberdade bloqueada, essa intranquilidade que surge antes ou durante muitos actos decisivos (exemplo: a angústia do aluno antes de saber a nota do teste, a angústia da mãe antes do parto, etc). Kierkegaard situa o paradoxo no interior do estado religioso e diz que se deve amar e seguir a vontade de Deus apesar de não compreendermos esta. (VALE DOIS VALORES).

 

2-D) O surrealismo, na medida em que projecta do inconsciente figuras fantásticas que não existem, como por exemplo, uma árvore com cabeça de mulher, transfigura a realidade. As artes plásticas - pintura, escultura, arquitectura - são do deus Apolo, deus da ordem e da beleza solar serena, segundo Nietzsche, e as artes não plásticas - música, dança, poesia, teatro - sáo de Diónisos, deus da desordem, das paixões, da embriaguez. Embora Nietzsche tivesse morrido em 1900, 25 anos antes do aparecimento do manifesto surrealista, podemos atribuir a este um carácter dionisíaco. (VALE DOIS VALORES)

Encontram-se à venda na livraria «Modo de Ler», Praça Guilherme Gomes Fernandes, centro da cidade do Porto, as nossas 0bras:

Dicionário de Filosofia e Ontologia, Dialética e Equívocos dos Filósofos, de Francisco Limpo Queiroz,

Astrologia Histórica, a nova teoria dos graus e minutos homólogos,de Francisco Limpo Queiroz,

Astrología y guerra civil de España de 1936-1939, de Francisco Limpo Queiroz

 

 



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 21:51
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Sexta-feira, 22 de Abril de 2016
O surrealismo de Heidegger no conceito de distância

 

Heidegger designou cada homem, a consciência individual de cada pessoa como o "ser aí" (Dasein). Mas este pensador alemão, nazi numa dada época, fora do comum na sua perspicácia, entrou no surrealismo, na liquidificação e confusão de conceitos, quando escreveu em «Ser e tempo»:

 

«O "ser aí" se mantém, enquanto "ser no mundo", essencialmente em um des-afastar. Não pode cruzar nunca este desafastamento, a lonjura do "à mão" para ele mesmo. A lonjura de algo "à mão" relativamente ao "ser aí" é sem dúvida algo que ele pode encontrar diante de si como distância, ao precisá-la em relação de uma coisa concebida "diante dos olhos" no sítio ocupado anteriormente por ele, "o ser aí". Este pode atravessar posteriormente o intervalo da distância mas só fazendo da própria distância uma distância des-afastada. O "ser aí" conseguiu tão pouco cruzar o seu des-afastamento, que mais precisamente o foi refazendo e refaz constantemente, porque ele mesmo é essencialmente des-afastamento , quer dizer, espacial. O "ser aí" não pode ir e vir dentro do círculo dos seus des-afastamento do caso, só pode mudar uns por outros. O "ser aí" é espacial naquele modo de descobrimento do espaço do "ver em redor" que consiste em conduzir-se relativamente aos entes que estão diante de si espacialmente assim des-afastando-os constantemente (Martin Heidegger, El Ser y el Tiempo, pag 123, Fondo de Cultura Económica; o destaque a bold é posto por nós).

 

Desafastamento é o mesmo que aproximação ou que imobilização ou congelamento da distância. Ao fixar o meu olhar numa montanha distante, estou a desafastá-la, a travar a sua desaparição do meu horizonte visual.  Heidegger entra em contradição quando afirma que cada homem, isto é, o "ser aí" «não pode cruzar nunca este desafastamento, a lonjura do "à mão" para ele mesmo» e, mais à frente, diz sobre o ser aí: «Este pode atravessar posteriormente o intervalo da distância mas só fazendo da própria distância uma distância des-afastada».

Primeiro, o ser aí não pode atravessar a distância que o separa dos entes em redor, por último já pode fazendo-o posteriormente. Porquê, posteriormente? E como se faz da distância uma distância desafastada ? Distância é um fenómeno objectivo ou é uma construção subjectiva do «ser aí»? Ao caracterizar o ser aí «essencialmente como des-afastamento, isto é, espacial» Heidegger identifica, o espaço com o desafastar. Mas não há espaço no afastamento? Nada disto é claro na prosa de Heidegger, muito avaro em exemplos concretos.

 

O que é fazer da distância uma distância desafastada, se afastamento está incluído no próprio conceito de distância? É possível encurtar a distância por meios extrasensoriais e intelectuais? Sim, se falarmos no domínio da telepatia e da clarividência. É possível desafastar os 305 quilómetros entre Porto e Lisboa ou estes são inamovíveis, reais, independentes do ser aí?

 

Heidegger brinca com as palavras, torna-as obscuras, dotadas de sentidos diversos, faz poesia e apresenta isso como ciência fenomenológica mas isso não mostra como a realidade é. O reino do verbo sem referentes sólidos é o grande pecado da filosofia: fala-se ou escreve-se «caro», com certa obscuridade, e escrevem-se livros de títulos sonantes, tiram-se doutoramentos. Desde que se tenha verbosidade retórica pode chegar-se às mais «altas teorias» e o público, que não entende, venera e cala-se. Heidegger era um filósofo? Sim, mas enquanto escritor surrealista, era um charlatão inteligente, em matéria de ontognoseologia...A filosofia está cheia de catedráticos pseudo-racionais.

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Segunda-feira, 19 de Setembro de 2011
Questionar George Steiner: a palavra rompeu com o mundo, na modernidade?

George Steiner, filósofo, professor universitário de literatura e poesia e crítico literário, nascido em 23 de Abril de 1929,  sustenta que o carácter da modernidade consiste na ruptura entre a palavra e o mundo. Por modernidade - ou pós modernidade, segundo outros - entende o simbolismo, o dadaísmo, o surrealismo, o estruturalismo, o relativismo contemporâneo em geral, o mundo onde os cânones estéticos e culturais se fragmentaram e pulverizaram num arco-íris. Escreveu:

 

«O cepticismo tradicional, o desafio poético à «dizibilidade" do mundo são eles próprios actos de linguagem e construções verbais. Pressupõem plenamente o acesso à inteligibilidade, à coerência narrativa, aos meios de persuasão dos instrumentos lexicais, gramaticais e semânticos que veiculam as suas dúvidas e negações. (...) Inconsistente nos seus próprios termos, na medida em que aspira à expressão, o cepticismo aceitou o pacto com a linguagem.»

«A minha convicção é que este pacto foi quebrado pela primeira vez, num sentido fundamental e consequente, na cultura e consciência especulativa europeia, centro-europeia e russa das décadas que vão de 1870 aos anos Trinta deste século. É a ruptura da aliança entre a palavra e o mundo que constitui uma das muito poucas revoluções do espírito na história do Ocidente e que assim define a própria modernidade.» (...)

 

«Em resumo, a primeira fase, que se estende desde os inícios da história e da expressão de ideias (com os pré-socráticos) até á última parte do século XIX, é a do Logos, do dizer do ser. A segunda fase é a que se lhe segue. Configurações e modalidades de operação decisivas da nossa condição moral, filosófica, psicológica, da nossa estética, das interacções plásticas entre a consciência e a pré-consciência, das relações entre as economias da necessidade e do desejo, por um lado, e das imposições sociais, por outro, deverão ser doravante entendidas como ocorrendo "depois da Palavra"» (George Steiner, Presenças Reais, páginas 89-90, Editorial Presença; o negrito é por mim colocado).

 

 

 

O que quer dizer Steiner com o «ocorrer depois da Palavra»?  Isso nunca ocorreu nem ocorrerá, a menos que atribua à Palavra o sentido de Bíblia, Vedas ou outro «livro sagrado» ou a menos que se refira à mera visualização de imagens - um filme sem palavras, uma estátua sem legenda. A palavra será sempre o correlativo da imaginação, da representação humana, a pedra angular do discurso. Declarar que há ou profetizar que haverá em vasta escala ou à escala total, na Terra o período «depois da Palavra» é uma ilusão. Veja-se a internet, onde apesar da profusão de imagens audiovisuais, é ainda a palavra, o discurso, que impera.

 

Julgo que não há ruptura alguma entre a palavra e o mundo, entendido em sentido amplo. O que há é a abertura do leque polissémico da palavra a vários mundos, quase todos ideais ou imaginários. O surrealismo, por exemplo, liga a palavra e a metáfora ao mundo onírico. Rompe apenas com o mundo natural, real - e na verdade, nem é a palavra que rompe, porque ao dizer «cavalo de água» o sentido de cavalo continua a ter o referente cavalo no mundo real  e o sentido de água continua a ter como referente o líquido incolor que povoa os oceanos, rios e lagos. A ruptura com o mundo real é feita pela expressão «cavalo de água», que transfigura os seus elementos, ambos reais. É o discurso que opera a ruptura, e não a palavra isolada. .

Rompendo com o mundo real sensível, a palavra organizada em discurso nunca rompe, em definitivo, com os mundos imaginários e ideais.  

 

A ROSA IDEAL POSSUI ESPINHOS E INCLUI A PALAVRA ROSA

 

 

Steiner isola o significante do significado, a forma fonética do referente que ela visa, tal como Saussure. E aponta o simbolismo hermético do poeta francês Mallarmé (1842-1898) como pioneiro :

 

 

 

«Esta mudança manifesta-se pela primeira vez no afastamento operado por Mallarmé da linguagem relativamente aos seus referentes exteriores e na desconstrução operada por Rimbaud da primeira pessoa do singular. Estas duas operações, e tudo o que implicam, minam os alicerces do edifício hebraico-helénico-cartesiano que albergava a ratio e a psicologia da comunicação na tradição do Ocidente. Por comparação com esta ruptura, até mesmo as revoluções políticas e as grandes guerras na Europa contemporânea se reduzem, arrisco-me a sustentá-lo, a fenómenos de superfície.»

 

 

«A palavra rosa não tem haste, nem pétala nem espinhos. Não é cor-de-rosa nem vermelha nem amarela. Não cheira. De per se, é um marcador fonético inteiramente arbitrário, um signo vazio. Nada, quer na sua sonoridade (mínima!), quer no seu aspecto gráfico, nos seus elementos fonéticos, história etimológica ou funções gramaticais, corresponde a seja o que for que julguemos ou imaginemos ser o objecto da sua referência puramente convencional. Deste objecto "em si próprio", da sua "verdadeira" existência ou essência, não podemos, como Kant nos ensinou, dizer estritamente coisa nenhuma. A fortiori, a palavra rosa não pode instruir-nos.» (George Steiner, ibid, pag 91).

 

 

 

Há aqui uma confusão de Steiner. A palavra rosa não possui haste e pétalas no plano ontológico-material, real, mas possui haste e pétalas mentais, no plano eidético-mental. É inseparável de uma imagem, uma vez dada a língua, ou seja, a articulação entre a voz/grafia e os objectos referentes. Sou da opinião de Platão, no «Crátilo»: as palavras, na sua estrutura de letras e fonemas, são pinturas dos objectos físicos exteriores. Rosa diz-se de uma matriz comum ROS/ RUZ em variadas línguas: roos em holandês, rosa em português, catalão, castelhano, italiano, rose em francês, norueguês e inglês, róza em polaco, rósza em húngaro, ruza em croata, ruze em eslovaco... . Mas há objecções: rosa diz-se steg em dinamarquês, gül em turco, ökade em sueco, triantáfilo em grego, trandafir em romeno, tela em maltês, objecções que fortalecem a posição dos que defendem a arbitrariedade do signo linguístico face ao significado. Seja como for é admissível que haja uma limitada pluralidade de significantes (palavras), entre eles ROS/RUS,  para designar o objecto rosa. É óbvio que estou a especular: afirmo que não há uma infinidade de significantes fonéticos para o objecto ROSA, mas apenas alguns. E pode provar-se o contrário?

 

Ao referir Kant, Steiner comete uma ambiguidade: supõe que a rosa-objecto é um númeno, isto é, um ente incognoscível, e que a palavra rosa está impossibilitada de descerrar o reposteiro que o oculta. A verdade é que Kant  não nos diz que a rosa seja incognoscível. Conhece-se o fenómeno rosa: uma planta dotada de haste, pétalas, espinhos. Rosa não é númeno, pois tem forma, ocupa espaço e está no tempo.

 

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