A noção de sublime como algo grandioso que reduz cada indivíduo que o experimenta a um ser insignificante é comum a Kant (Königsberg, 23 de Abril de 1724; Königsberg, 12 de Fevereiro de 1804) e ao seu discípulo Schopenhauer (Danzig, 22 de Fevereiro de 1788- Frankfurt, 21 de Setembro de 1860), ambos idealistas, filósofos que reduzem o mundo material a um conjunto de percepções e conceitos empíricos irreais por si mesmos.
Kant identificou três categorias do sublime: o sublime magnífico (exemplo: um palácio de paredes revestidas a oiro e pedras preciosas); o sublime nobre (exemplo: uma catedral gótica vazia de decorações, simples e espiritual); o sublime terrível (exemplo: rios de lava escorrendo de um vulcão, a visão do inferno povoado de demónios e almas humanas a arder como em 13 de Julho de 1917 a Virgem Maria terá, supostamente, dado aos 3 pastorinhos de Fátima). Escreveu Schopenhauer:
«Muitos dos objectos da nossa intuição provocam o sentimento do sublime, pelo facto de que, por causa da sua grande extensão, da sua grande antiguidade, da sua longa duração, nós sentimo-nos, perante eles, reduzidos a nada e absorvemo-nos apesar de tudo no gozo de os contemplar: a esta categoria pertencem as montanhas muito altas, as pirâmides do Egipto, as ruínas colossais da antiguidade.»
«A nossa teoria do sublime aplica-se igualmente ao domínio moral, particularmente àquilo que se chama um carácter sublime. Aqui, ainda, o sublime resulta do facto de a vontade não se deixar atingir de modo nenhum pelos objectos que parecem destinados a abalá-la, mas pelo contrário, o conhecimento conserva sempre a supremacia. Um homem com tal carácter considerará, portanto, os homens de uma maneira objectiva, sem ter em conta as relações que eles podem ter com a sua própria vontade; ele notará, por exemplo, os seus vícios, mesmo o ódio e a injustiça em relação a si, sem ser por isso tentado a detestá-los por sua vez; verá a felicidade deles sem a conceber com inveja; reconhecerá as suas boas qualidades, sem, contudo, querer entrar mais na sua intimidade; perceberá a beleza das mulheres, mas não as desejará. » (Arthur Schopenhauer,O mundo como vontade e representação, Editora Rés, pp 270-271, o bold é posto por nós).
Isto corresponde, pelo menos aparentemente, ao estado de ataraxia (ausência de paixões de amor ou ódio, de ressentimentos e desejos de vingança e de poder sobre os outros) dos antigos filósofos gregos estóicos e epicuristas.
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Kant distinguiu o belo do sublime. Parece-me correcto definir o sublime como algo grandioso e perfeito do ponto de vista metafísico e intelectual e o belo como algo pequeno, limitado, perfeito do ponto de vista físico-visual. Convém dizer que o Inferno da mitologia cristã é o sublime terrível: é perfeito enquanto lugar do mal ou seja maximamente imperfeito do ponto de vista do bem. Há portanto uma perfeição em dois sentidos: a perfeição do paraíso e do mundo dos arquétipos de Platão, perfeição do bem, em sentido positivo, e a perfeição dos infernos de Platão ou do catolicismo, com rios de lava levando as almas dos condenados e monstruosos diabos, perfeição do mal, em sentido negativo. Aparentemente pelo menos, o sublime é Yang, expansão, transcendência e o belo é Yin, contração, imanência.
Dentro do sublime, Kant distinguiu três modalidades: o sublime terrível que mistura a admiração da grandiosidade com o temor ou o horror (exemplo:um precipício imenso, a cratera de um vulcão a vomitar lava), o sublime nobre em que a admiração da grandiosidade se mistura com a nobreza assente na simplicidade, (exemplo: uma catedral gótica, sem decorações interiores) o sublime magnífico (exemplo: um palácio residencial recoberto a oiro e pedras preciosas). Escreveu:
«Os carvalhos altos e a sombra solitária no bosque sagrado são sublimes, as plantações de flores, sebes baixas, e árvores recortadas, formando figuras, são belos. A noite é sublime, o dia é belo. Os temperamentos que possuem o sentimento do sublime, quando a tremulante luz das estrelas rasga a parda sombra da noite e a lua solitária está no horizonte, são atraídos pouco a pouco pela calma silenciosa de uma noite de verão, a sensações supremas de amizade, de desprezo do mundo, de eternidade. O resplendor do dia infunde afãs de actividade e um sentimento de regozijo. O sublime comove, o belo encanta. O semblante do homem que se encontra em pleno sentimento do sublime é sério, às vezes rígido e ensombrado. Pelo contrário, a viva sensação do belo declara-se no olhar pela sua esplendorosa serenidade, por sorrisos rasgados e por um claro regozijo. » (Inmannuel Kant, Observaciones acerca del sentimiento de lo bello y de lo sublime, pag.32)
«O sublime há-de ser sempre grande, o belo pode também ser pequeno. O sublime há-de ser simples, o belo há-de ser limpo e adornado. Uma grande altura é sublime do mesmo modo que uma grande profundidade, só que esta vai acompanhada da sensação de estremecimento e aquela de admiração. Pelo que esta sensação pode ser sublime-terrível, e aquela nobre. A basílica de São Pedro em Roma é magnífica. Porque no seu desenho, que é grandioso e simples, está a beleza de tal maneira expandida, como o oiro, os mosaicos, etc, que, sem embargo, a sensação de sublime actua maximamente nele, dando um resultado magnífico. Um arsenal há-de ser nobre e simples, um palácio residencial magnífico, e um palácio de recreio belo e decorado.»
«Um longo período é sublime. Se se trata de um tempo passado é nobre; se se prevê para um futuro incalculável, tem então em si algo de terrível. Um edifício da mais remota antiguidade é venerável.» (Kant, ibid, pag 34-35; o destaque a negrito é posto por mim)
A AMIZADE, O MORENO E A VELHICE SÃO SUBLIMES, O AMOR SEXUAL, O LOIRO E A JUVENTUDE SÃO BELOS
«O entendimento é sublime, o engenho é belo. A audácia é sublime e grandiosa, a astúcia é pequena mas bela. Cromwell dizia que a precaução é virtude de alcaides. A veracidade e a sinceridade são simples e nobres, a piada e a lisonja complacente são delicadas e belas. (..)
«A amizade guarda em si principalmente o carácter do sublime, mas o amor sexual é do belo. (..) A tragédia distingue-se, em meu entender, da comédia principalmente porque na primeira desperta o sentimento do sublime, e na segunda o do belo.» (pag Kant, ibid, pag 37-38; o destaque a negrito é posto por mim).
«Com uma grande estatura ganha-se prestígio e respeito, com uma pequena gana-se melhor a confiança. Até a cor morena e os olhos negros estão mais vinculados ao sublime, e os olhos azuis e a cor loira ao belo. Uma idade um tanto avançada avém-se antes com as características do sublime, mas a juventude com as do belo. (...)» (Kant, ibid, pag 39; o destaque a negrito é posto por mim).
Se os velhos são, potencialmente, sublimes, devido à sua sabedoria, à profundidade da sua reflexão alicerçada em experiência de vida, há que ter presentes que neles o belo esbate-se, degrada-se, e uma certa fealdade física os caracteriza. Kant não parece ter sublinhado explicitamente esta relação inversamente proporcional entre a sublimidade e a beleza física, ou seja, a proporcionalidade directa entre a sublimidade e a fealdade, no caso dos seres humanos.
A FILOSOFIA, RACIONAL E METAFÍSICA, E O HOMEM SÃO SUBLIMES, O SENTIMENTALISMO E A MULHER SÃO BELOS
No caso da filosofia, considera sublime o seu pendor metafísico, noológico, e belo mas menor, o seu pendor lógico-sofístico, de que hoje no século XXI a filosofia analítica é o paradigma.
«A representação matemática da magnitude imensa do universo, as considerações da metafísica acerca da eternidade, da providência, da imortalidade da alma contêm certa sublimidade e dignidade. Ao contrário, a filosofia também se desfigura, em subtilezas muito vazias, e a aparência de solidez não impede que as quatro figuras de silogismo merecessem ser referidas como deformações grotescas de escola.»
«Entre as qualidades morais só é sublime a virtude verdadeira. (...) Certo sentimentalismo, que com facilidade se junta a um sentimento de compaixão, é belo e amável, pois manifesta uma benévola participação na sorte de outros homens, à qual levam igualmente os princípios da virtude. Só que esta paixão de bem natural é, sem embargo, débil e sempre cega.» (Inmanuel Kant, Observaciones acerca del sentimiento de lo bello y de lo sublime, pag. 43-44, Alianza Editorial; .o destaque a negrito é posto por mim)
A mulher é associada ao belo - basta pensar na maquilhagem, nos brincos, nos colares e pulseiras, nos cuidados do cabelo, na exuberância da roupa feminina - e o homem ao sublime - pense-se no homem de barba por fazer, desalinhado na roupa, mas com o pensamento em altos ideias abstractos.
«A mulher tem um sentimento inato mais intenso para tudo o que é belo, lindo e adornado. Já na sua infância, as meninas desfrutam ao ataviar-se e comprazem-se a embelezar-se. São muito limpas e muito sensíveis a respeito de tudo o que dá asco. (...) O belo sexo tem sem dúvida tanta inteligência quanto o masculino, só que é uma inteligência bela; a nossa deve ser uma inteligência profunda, como expressão para significar o mesmo que sublime .(Inmanuel Kant, Observaciones acerca del sentimiento de lo bello y de lo sublime, pag. 68-69, Alianza Editorial; o destaque a negrito é posto por mim) ».
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