Quinta-feira, 20 de Outubro de 2016
Teste de filosofia do 10º ano de escolaridade, turma A (Outubro de 2016)

Eis um teste de filosofia do 10º ano que explora a rubrica «Os grandes temas da filosofia».

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A

 

20 de Outubro de 2016. Professor: Francisco Queiroz

I

“Poderá classificar-se a teoria de Platão como um dogmatismo crítico, de teor metafísico e ético. O modo de pensar e viver dos filósofos-reis, na Polis ideal de Platão, opunha-se, pelo menos aparentemente, ao ceticismo, pragmatismo e ao subjetivismo propagado pelos sofistas.”

 

1)Explique, concretamente este texto.

 

2)Relacione, justificando

A) Yang, Yin e Tao no taoísmo

B) Mundo do Mesmo ou Inteligível, Mundo do Semelhante e demiurgo em Platão.

C) Unidade da essência e multiplicidade das aparências empíricas nas teorias cosmológicas de Heráclito de Éfeso e Anaxágoras.

D).Ascese em Platão e as teses de que «filosofar é aprender a morrer» e «o corpo é o cárcere da alma.

 

 

1) Dogmatismo crítico é toda a teoria que assenta em certezas construídas com a ajuda de dúvidas, do ceticismo, uma teoria que exigiu reflexões profundas. As teorias científicas em geral são dogmatismos críticos: afirmar que o número atómico do hidrogénio é 1 e o do oxigénio 8 exigiu experiências e cálculos matemáticos, são dogmas que passaram o crivo da crítica. O dogmatismo de Platão é metafísico, trata do invisível e inaudível, na medida em que postula que há um mundo de modelos perfeitos, imóveis e eternos (Bem, Belo, Justo, Sábio, Cubo, Esfera, Homem, Mulher, etc) acima do céu visível. É crítico porque sustenta teses que exigem muita reflexão como, por exemplo, «o tempo é a imagem móvel da eternidade», «conhecer é recordar». É ético porque fala dos modelos eternos do Bem e do Justo. (VALE QUATRO VALORES). Os filósofos-reis ou arcontes, na pólis de Platão, eram homens e mulheres, dotados de alta virtude intelectual e moral, que faziam as leis e governavam a cidade. Não podiam ter prata nem ouro nem privilegiarem os seus filhos, por isso viviam em comum e faziam troca de casais, de modo a não saber quem era o pai de cada criança. Ao inspirarem-se nos arquétipos do Mundo Inteligível rejeitavam o ceticismo, doutrina  que duvida de tudo, incluindo o mundo dos Arquétipos, o pragmatismo, doutrina que diz que a verdade se limita ao mundo empírico e prático, devendo pôr-se de parte os princípios metafísicos mais ou menos impossíveis de serem postos em prática e o subjectivismo, doutrina que afirma que a verdade não é objetiva, varia de pessoa a pessoa. Estas doutrinas eram comuns entre os sofistas, filósofos do período antropológico da Grécia antiga, em regra professores, advogados, juristas e políticos que ensinavam retórica e cobravam dinheiro (VALE QUATRO VALORES).

 

2) A) O Tao é a mãe do universo, algo de obscuro e silencioso que circula por toda a parte e é o modelo do céu e divide-se em duas ondas formando uma sinusoidal: o Yang (alto, calor, dilatação, verão, som, sol, vermelho, movimento, exterior) e o Yin (baixo, frio, contração, inverno, silêncio, lua, azul, imobilidade, interior). A sucessão dos dias e das noites, do trabalho e do repouso, das sementeiras e colheitas, representa o ritmo yang-yin, faz parte do Tao do universo. (VALE TRÊS VALORES).

 

2) B) Mundo Inteligível (kosmos noéthos) é o mundo dos Arquétipos ou modelos eternos de Bem, Belo, Justo, Sábio, Números, Homem, Mulher, etc, acima do céu visível. É incriado. Mundo do Semelhante (kosmos homóios) é o mundo do céu visível, do tempo e das operações matemáticas, composto pelo Sol e astros incorruptíveis em movimento. O demiurgo é o deus operário que fez o Mundo do Semelhante e o mundo do Outro ou Sensível, este último feito de corpos físicos corruptíveis (pedras, árvores, rios, planícies, animais, etc) tomando como modelo os arquétipos de Astro, Árvore, Montanha, Rio, etc. (VALE TRÊS VALORES)

 

2)C) Na teoria de Heráclito, há uma essência una (unidade da essência) em todas as coisas: o fogo. As árvores, as pedras, os animais, a terra, etc.,- ou seja as múltiplas aparências empíricas, as coisas que vemos e tocamos - são fogo condensado, arrefecido, às vezes liquidificado ou sublimado. Na teoria de Anaxágoras, um mesmo objecto visível, macroscópico - exemplo uma cenoura- é composto de milhares de princípios ou formas minúsculas da mesma natureza,chamados princípios homeoméricos, - a cenoura é composta de milhares de pequeníssimas cenouras invisíveis. Um mesmo princípio homemomérico - a essência fígado humano, por exemplo - pode estar presente microscopicamento na multiplicidade das cenouras, e das beringelas, que são aparências empíricas ou objectos visíveis que, ingeridas, fortalecem o fígado humano.(VALE TRÊS VALORES)

 

2) D) A ascese é a ascensão da parte superior da alma humana, o Nous, ao Mundo Inteligível, enquanto está ligada ao corpo humano vivo.  Há vários métodos de ascese: filosofia, porque esta nos ensina a morrer para os bens materiais e a fama («Que importa passares a vida a acumular ouro se ao morrer deixas tudo? Pensa, filosofa sobre a rapidez da vida»); matemática, porque se baseia na contemplação dos Arquétipos de Números Um, Dois, Três, Quatro Cinco, etc, e de Cubo, Esfera, Cone, etc; música, na medida em que nos eleva espiritualmente, não se trata de qualquer tipo de música; ginástica, em particular o ioga; jejum, na medida em que domina a gula e outras paixões do corpo. (TRÊS VALORES)

 

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Sábado, 24 de Julho de 2010
O convencionalismo ético em Epicuro, muito antes de Nietzsche

O filósofo grego antigo Epicuro tinha uma concepção pragmática da justiça, da acção justa e injusta e do prazer. Ao contrário de Max Scheller e de todos os filósofos da ética "ontológica", que sustentam que há uma esfera de valores subsistente por si, Epicuro adoptou a perspectiva antropológica dos sofistas, o lema «O homem é a medida de todas as coisas», de Protágoras. Escreveu Epicuro:


«VIII- Nenhum prazer é em si mesmo mau. Contudo, as coisas que produzem alguns prazeres trazem consigo perturbações que são muito maiores do que os prazeres.»

«XXXI- A justiça natural é o meio de reconhecer o que é útil para não infligir prejuízos uns aos outros nem sofrê-los.» (...)

«XXXIII - A justiça não é algo em si mesmo, mas tão-só um pacto surgido, outrora, agora e sempre, de relacionamento mútuo entre os grupos humanos de modo a não infligirem prejuízos uns aos outros nem sofrê-los.»


«XXXIV-  A acção injusta não é má em si mesmo mas unicamente pelo medo que resulta da suspeita de que não passará despercebida aos que estão encarregados de punir estes actos.» (...)

«XXXVI- Numa acepção geral, "justo" é o mesmo para todos, a saber, o que convém à vida dos homens no intercâmbio das suas relações. Não se segue, porém, que a mesma coisa seja justa para cada um (em particular) dependendo da região e de muitas outras condições.» (Epicuro, Cartas, Máximas e Sentenças, Edições Sílabo, pags 122-127; a letra negrita é posta por mim.) 


Epicuro defende, pois, nestas citações o convencionalismo ético: o bem e o mal não existem em si mesmos, são puras convenções, tal como a justiça. Representam apenas situações práticas, favoráveis ou desfavoráveis, ao conjunto da sociedade ou a cada indivíduo.

Mas o mais revolucionário em Epicuro e, neste ponto não é convencionalista mas ontólogo, é o afirmar que todo o prazer é bom ou, pelo menos, não é mau. Assim o prazer do pedófilo é bom tal como o do serial-killer - apenas são maus porque acarretam a condenação da sociedade e um castigo pesado, físico, psíquico e monetário para os que praticam

Quem pensa que foi Nietzschze quem no século XIX operou a "transmutação de valores" , trocando o bem pelo mal e viceversa, engana-se: Epicuro já o fizera na Antiguidade, juntamente com sofistas e cépticos.


 

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Quinta-feira, 26 de Novembro de 2009
Sofismas no diálogo «Parménides ou das Ideias», de Platão - I

O diálogo de Platão «Parménides ou Das Ideias» é um modelo na arte da sofística ou falsificação da investigação filosófica autêntica. Todos os parafilósofos e pseudofilósofos que cavalgam hoje cátedras universitárias, redacções de revistas e sociedades de filosofia, gabinetes editoriais, são, como é óbvio, sofistas do século XXI e alguns, em especial os que se acoitam sob a tenda da "filosofia da linguagem" e das "lógicas", rever-se-ão nesta personagem Parménides deste diálogo que utiliza o mesmo termo com sentidos distintos. No excerto seguinte, Platão fabricou conscientemente uma argumentação muito hábil em torno dos conceitos do "mesmo" e do "outro", visando provar que este último nunca pode residir no «mesmo».

 

«PARMÉNIDES

Portanto, o uno é diferente das outras coisas.

 

ARISTÓTELES

Exacto.

 

PARMÉNIDES

Diz-me agora, se «o mesmo»e «o outro»   não serão contrários.

 

ARISTÓTELES

São, sem dúvida.

 

PARMÉNIDES

E será possível que «o mesmo» resida no «outro» e o «outro» no «mesmo»?

 

ARISTÓTELES

Não, não é possível.

 

PARMÉNIDES

Pois se o «outro» não pode nunca residir no «mesmo», não há nenhum ser em que o «outro» exista durante algum tempo. Com efeito, se estivesse nele durante algum tempo, o »utro”, durante esse tempo, estaria no «mesmo». Não te parece?

 

ARISTÓTELES

Sim.

 

PARMÉNIDES

Desde que o «outro» não se encontra nunca no «mesmo», também nunca se encontrará em nenhum ser.

 

ARISTÓTELES

É certo.

 

PARMÉNIDES

O «outro», portanto, não existirá nem no que não é uno, nem no que o é.

 

ARISTÓTELES

Certamente que não.

 

PARMÉNIDES

Portanto, não será, pelo «outro» que o uno difere do que não é uno, e o que não é uno difere do uno.

 

ARISTÓTELES

Não.

 

PARMÉNIDES

Também não será, por si mesmos, que o uno e o que não é uno são reciprocamente diferentes, se nenhum deles participa do diferente.»

 

(Platão, Parménides ou Das Ideias, pag 74-75; nas frases o negrito é de nossa autoria ).

 

O principal truque sofístico desta peça retórica reside no duplo sentido da palavra mesmo: por um lado, representa substância, algo idêntico a si, propriedade inerente a todas as coisas, inclusive às outras coisas; por outro lado, é categoria de relação, o pólo do «isto»/«mesmo» que se opõe ao pólo do «outro»/«aquilo». Nesta segunda acepção, o outro é contrário exclusivo de o mesmo, e de facto não podem coexistir, mas na primeira acepção não, ou seja, podem coexistir.

 

O «mesmo» e o «outro» não são contrários excludentes (que se repelem como água e fogo) quando se tratam de substância e acidente desta. Assim uma árvore é um mesmo em relação a si e um outro em relação a um cão e um cão é outro em relação à árvore mas um mesmo em relação a si. Logo o ´«outro» pode coexistir com o «mesmo» no mesmo ente- coexistência dialéctica, respeitando o princípio da não contradição.

 

Ao dizer «O outro”», portanto, não existirá nem no que não é uno, nem no que o é» a personagem Parménides comete um erro profundo. O «outro» é uma noção relacional e qualifica algo que é uno ou que não é uno.

 

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