O que é a fenomenologia? Não tem uma definição única, ainda que a palavra venha do grego phainomenón, que significa o que aparece, o que se mostra. Vê-se como a generalidade dos "Dicionários de Filosofia" esbraceja, como náufrago no mar da imprecisão, ao definir esta corrente filosófica.
MÉTODO FENOMENOLÓGICO NÃO É O MESMO QUE ONTOLOGIA FENOMENOLÓGICA
É célebre, reproduzido em vários manuais de filosofia, o seguinte texto de Nicolai Hartmann:
«Análise do fenómeno do conhecimento
(Fenomenologia do conhecimento)
a) O FENÓMENO FUNDAMENTAL DA APREENSÃO
I) «Em todo o conhecimento, um «cognoscente» e um «conhecido», um sujeito e um objecto encontram-se face a face. A relação que existe entre os dois é o próprio conhecimento. A oposição dos dois termos só pode ser suprimida: esta oposição significa que os dois termos são originariamente separados um do outro, transcendentes um ao outro.» (...)
4) «A função do sujeito consiste em apreender o objecto; a do objecto consiste em poder ser captado pelo sujeito e sê-lo efectivamente.»
5) «Considerado do lado do sujeito, esta "apreensão" pode ser descrita como uma saída do sujeito da sua própria esfera e como uma incursão na esfera do objecto, a qual é para o sujeito transcendente e heterogénea. O sujeito apreende as determinações do objecto e captando-as, introdu-las, fá-las entrar na sua própria esfera.»
6) «O sujeito só pode captar as propriedades do objecto fora de si mesmo, porque a oposição do sujeito e do objecto só desaparece na união que o acto de conhecimento estabelece entre eles: mas ela permanece indestrutível.»
(Nicolai Hartmann, Les principes d´une méthaphisique de la connaissance, Tome I, pag 87-88, Aubier, Editions Montaigne, Paris, 1945; o negrito é posto por mim).
Sustento que esta descrição da fenomenologia do conhecimento feita por Hartmann não é fenomenologia, no plano ontológico, mas sim realismo natural. ou realismo crítico, uma vez que admite que o sujeito e o objeto (físico) são originariamente transcendentes um ao outro..
Há dois sentidos da palavra fenomenologia:
A) Sentido gnoseológico: método de conhecimento e aí é apreensão directa, intuitiva, das essências, prescindindo do ser, do plano ontológico-existencial. É o sentido que Husserl lhe atribuiu, classificando o método de "idealismo".
B) Sentido ontológico: posição equidistante do idealismo imaterialista e do realismo. A ontologia fenomenológica reconhece o sujeito e os objetos físicos como realidades semitranscendentes entre si, indissociáveis. Imagem imperfeita: a fenomenologia é dois irmãos siameses, sujeito e objeto, não separados cirurgicamente.
O apagamento do sujeito e sua fusão instantânea com o objecto, alienando-se nele, apontado no texto acima, parece uma concepção muito hegeliana do "eu". A consciência é uma lente transparente que serve para ver e captar o que está além dela, segundo Hartmann. Não tem conteúdos. Mas a quem dá a conhecer? A um sujeito que seria o umbral da porta da consciência. O importante é que a tese de Hartman consiste em que o conhecimento é um processo de acção sobre um objecto real, transcendente à consciência, de contacto com esse objecto, processo que depois é revertido na consciência na forma de objeto intencional.
Em minha opinião, é impossível o sujeito sair de si mesmo: mesmo que o espírito saia do corpo para captar as propriedades do objeto não sai de si mesmo, é sempre espírito ao entrar em contato com uma realidade exterior que lhe é estranha e que não apreende fotograficamente.
Hartman rema contra o idealismo imaterialista e o realismo ao afirmar:
«A fenomenologia contesta o "princípio da consciência". A consciência não está fechada sobre si mesma. É uma insensatez dizer que a consciência pode captar apenas os seus próprios conteúdos. O próprio conceito de conteúdo da consciência está errado. Não há conteúdo. Não há mais criação realizada pelo conhecimento, imagem do objecto na consciência, A expressão "Tenho qualquer coisa na consciência" é falsa. Todo o acto de consciência é intencional; consiste na captação de qualquer coisa; este qualquer coisa está sempre para além do acto ou do estado de consciência; isso é válido, mesmo se se trata de um objeto interno». Em suma, esta qualquer coisa é sempre um objecto intencional.» (Nicolai Hartmann, Les principes d' una metaphisique de la connaissance, pag 156, Aubier, Paris, 1945; o negrito é posto por mim)
E sobre o objeto intencional - exemplo: a imagem de uma casa que temos no nosso cérebro enquanto estamos a olhar a casa - escreve sobre a dificuldade em situá-lo:
«Apercebemo-nos imediatamente que aquém da esfera do sujeito, há imediatamente qualquer outra coisa, uma "criação": pouco importa evidentemente que se chame "imagem" ou "representação" ou outra coisa; pouco importa que se dê à esfera em que se encontra esta criação o nome de "consciência" ou qualquer outro. Mas quando se captou esta distinção fundamental para o fenómeno do conhecimento, é, pelo contrário, muito difícil precisar a que esfera pertence este objeto intencional de que tanto se fala. Não pertence certamente à esfera do ser-em-si como tal. Baixará para reentrar na da "imagem"? Do ponto de vista gnosiológico, não haveria nenhuma dificuldade, porque a imagem é qualquer coisa de completamente objetivo. Mas os fenomenólogos dizem-nos que não há nenhuma imagem. O objeto intencional tomaria então o lugar da imagem que se baniu?»
( Hartmann, ibid, pág. 157)»
A definição de fenomenologia de Hartman é contrária, em certa medida, à de Husserl. Este escreveu:
«A fenomenologia, pelo contrário, é um idealismo que não consiste mais do que na autoexplicitação do meu ego, como sujeito de todo o conhecimento possível, levada a cabo de modo consequente na forma de uma ciência egológica sistemática, e isto a respeito do sentido de tudo o que é, que deve poder ter justamente um sentido para mim, o ego. Este idealismo não está formado por um jogo de argumentação que deva ganhar o prémio da vitória em luta com os realismos. É a explicitação do sentido, levada a cabo num efetivo trabalho,de todo o tipo de ser que eu, o ego, seja capaz de conceber, especialmente do sentido de transcendência (que já me foi dado efetivamente pela experiência) da natureza, da cultura, do mundo em geral.» (Edmund Husserl, Meditaciones cartesianas. pags 113-114, Editorial Técnos, Madrid, 2006; o negrito é colocado por mim).
ONTOLOGIA: TRÊS ESFERAS DO SER REAL E UMA DO SER IDEAL
Hartmann pretendeu estruturar uma ontologia fenomenológica, a que chamou analítica e crítica, que acolhesse as zonas irracionais ou incognoscíveis do ser, e se distinguisse da ontologia dos escoláticos e dos racionalistas:
«A ontologia de que aqui se trata distingue-se nitidamente da antiga ontologia dos escolásticos e racionalistas. Esta pretendia ser imediatamente uma lógica do ser ( do existente). E quando concluía da essência à existência, era apenas a consequência normal do método empregue, a qual consistia essencialmente em hipostasiar a esfera da lógica. Em suma, esta ontologia era puramente construtiva, dedutiva e racionalista. (...)»
«Uma ontologia, que tem a pretensão de se ocupar do problema do conhecimento, deve ser analítica e crítica.». (Nicolai Hartmann, Les principes d´une métaphisique de la connaissance, pag 253, Tome I, Paris, Aubier; o negrito é colocado por mim).
Atentemos numa breve explanação sintética e parcelar da ontologia de Hartman, exposição que não aborda aqui as categorias do ser e as categorias do conhecimento nem outros temas. Há três grandes esferas do ser real, para Hartman: a do sujeito ou subjetiva, a dos objectos reais ou ser objetivo real, e a da transobjectividade ou ser transobjetivo. Entre as duas últimas ou ao lado da segunda parece situar-se uma quarta esfera: a esfera da idealidade, que contém em si três esferas, a esfera da idealidade estética, a maior, a da idealidade ética e a da idealidade lógica .
«Todo este conjunto ontológico que rodeia o sujeito e no qual se encontram todas as estruturas objetivas se distribui, conforme a natureza da relação que estas podem ter com o sujeito, em diferentes zonas; essas zonas estão, em geral, dispostas de forma concêntrica; os seus limites aproximam-se mais ou menos da esfera do irracional, segundo a natureza muito diferente do objeto em cada uma das esferas. Há apenas uma só e única esfera do ser; do mesmo modo só há também uma esfera do sujeito. Mas com estas esferas interfere uma esfera ideal igualmente única, no interior da qual às esferas de idealidade lógica e ética responde uma esfera mais vasta de idealidade estética. O conjunto apresenta a forma de um sistema complexo de esferas, cuja multiplicidade indefinida se adapta facilmente à estrutura ontológica fundamental do real.» (Hartmamnn, ibid, pag 294; o negrito é posto por mim)
«A única esfera do ser imediatamente acessível ao conhecimento filosófico é o "paço dos objetos" com as suas diferentes zonas e as diferentes esferas de ordem ideal que aí se inserem. O "paço dos objetos" é a região do ser à qual se refere antes de tudo o fenómeno do conhecimento.» (...) (Nicolai Hartman, Les principes d´une metaphysique de la connaissance, Tome I, pág 296, Aubier, Paris, 1945).
«Ela é a parte dos fenómenos no sentido primeiro e preciso do termo. Porque ela é a esfera dos objetos e os dados imediatos estão todos inerentes ao objeto como tal, não ao sujeito, nem já ao ser enquanto distinto do objeto. Igualmente todo o conhecimento mediato (por exemplo, o raciocínio) refere-se finalmente ao paço dos objetos, porque tem como termo essencialmente o próprio objeto, como tal. O conhecimento é naturalmente dirigido para o objeto. Para o fazer mudar de direção e o reconduzir ao sujeito, é necessário um ato de reflexão; e para o fazer ultrapassar o objeto, para o fazer atingir o transobjetivo, é necessário alargar a função do conhecimento, o que não é possível a não ser colocando os problemas de determinada maneira. Em resumo, o "paço dos objetos" é, no ser, a esfera que é de longe a mais racional. Quanto à esfera da idealidade, só aparece enquanto se cruza, por assim dizer, com o "paço dos objetos"; a esfera da idealidade é também uma esfera de objetividade pura.»
«No interior do "paço dos objetos" há contudo a introduzir na racionalidade diferenças essenciais de grau, segundo as zonas e o conteúdo dos seus problemas. A racionalidade de longe mais elevada encontra-se no paço dos objectos do conhecimento e a racionalidade mais fraca no dos objetos da estética; quanto à ética, esta possui uma racionalidade de qualquer modo intermediária. Assim, pois, o problema do conhecimento encontra-se completamente no centro da cognoscibilidade. Forma o ponto de partida necessário, é por ele que a pesquisa filosófica deve começar, porque constitui a parte onde há mais racionalidade.»
«Pelo contrário, as esferas situadas aquém e além do "paço dos objetos"- o sujeito e o ser transobjetivo - são dificilmente acessíveis. São de sua natureza estranhas ao conhecimento, afastam-se deste, por assim dizer, se bem que não seja, em um e outro caso, pelas mesmas razões. O que, nessas esferas, é suscetível de ser conhecido, nunca forma mais do que uma ínfima porção do seu conteúdo efetivo; estas esferas possuem, diríamos de bom grado, um mínimo de racionalidade. Podem, contudo, ser conhecidas em certa medida (ainda que não seja por meio do conhecimento do objeto); de outro modo, não poderia falar-se delas.» (, Hartmann, ibid, pag 297).
É evidente que a fenomenologia, tal como Hartman a concebe, supõe objetos físicos, reais em si mesmos, existentes fora da consciência do sujeito e apreensíveis por ela. Ao contrário do idealismo material de Kant, batizado de idealismo transcendental, em que os objetos físicos como mesa, árvore ou cavalo são criados dentro da mente exterior do sujeito - o espaço ou sentido externo- nela vivem e desaparecem, como conglomerados tridimensionais de sensações pensados pelo entendimento.
PODE COLOCAR-SE O MONISMO NO MESMO GÉNERO QUE O IDEALISMO E O REALISMO GNOSIOLÓGICOS?
Apesar de ser um pensador brilhante em muitos aspetos, Hartmann sofre confusões do ponto de vista dialético-gnosiológico, ponto de vista que é, no essencial, noologia. Assim coloca no mesmo plano, como espécies do mesmo género, realismo, idealismo e monismo:
«É necessário tomar uma consciência exata das relações que ligam os dois problemas, gnosiológico e ontológico, para evitar deslocar indevidamente as suas fronteiras e manter a investigação sobre as alturas da crítica. Entre as teorias existentes são as teorias realistas aquelas que melhor tomaram consciência desta relação; vêm depois as teorias monistas que guardam também uma certa consciência, ao menos em princípio. Mas as que menos a possuem são as teorias idealistas.» (Hartmann, ibid, pag 249; o negrito é posto por mim).
Monismo é uma definição formal, matemática, e realismo e idealismo são definições substanciais, físicas e metafísicas. Não pertencem ao mesmo género. Hartmann equivoca-se. E o que entende por monismo?
«O monismo explica a unidade de relação constitutiva do conhecimento afirmando que o sujeito e o objeto são, do ponto de vista da origem, essencialmente semelhantes. Nesta similitude já se encontra um pouco de ontologia, pelo facto que não somente o objeto mas também o sujeito é manifestamente qualquer coisa que é. O ponto central das meditações de Descartes, o cogito ergo sum, não deixa a este sujeito nenhuma dúvida. No cogito uma realidade é dada imediatamente à intuição como existente.» (Hartmann, ibid, pags 261-262; o negrito é posto por mim)
O cogito ergo sum de Descartes, em que o pensamento e o ser se fundem instantaneamente, numa intuição fundadora, é dado por Hartmann como um exemplo de monismo. Mas, de facto, esse momento é o idealismo solipsista, o idealismo monista: existe uma só consciência real, a minha, o resto - os outros , Deus, o mundo físico - é ilusão. Portanto, idealismo a e monismo não se opõem entre si , como duas espécies diferentes no seio do mesmo género. Há um idealismo monista e um idealismo pluralista como o de Kant (várias mentes humanas e ainda os númenos). Hartmann não concebeu isto, com esta claridade necessária.
EQUÍVOCOS DE HARTMANN SOBRE IDEALISMO E TRANSCENDÊNCIA
Hartmann é também equívoco na caraterização do idealismo transcendental de Kant no qual o termo Ideia designa a intuição inteligível de um objeto problemático pensado pela razão. E é equívoco na distinção entre a sua ontologia crítica e a de Kant. As Ideias principais, em Kant, são a de Deus, mundo (não o universo físico de planetas e estrelas mas a totalidade em que ele se insere), alma imortal e liberdade. Escreveu Hartmann:
«A nova ontologia analítica caracteriza-se pela síntese da "Ideia" kantiana, com o conceito de transcendência que se encontrava na antiga ontologia que era sintética. Afirmando a transcendência, suprimimos o idealismo; afirmando o caráter infinito da Ideia, suprimimos o dogmatismo racionalista. É a Ideia que torna a ontologia crítica e é o pensamento do ser que torna a Ideia ontológica.» (Hartman, ibid, pag. 263)
É ambíguo definir a ontologia escolástica como sintética. Afinal, a «Suma Teológica» analisa as propriedades do ente divino e do ente humano, os vícios e as virtudes deste último. Que quer dizer o termo sintético? Que parte de dogmas herdados da tradição, da fé, que carecem de ser analisados?
Não é verdade que afirmando a transcendência se suprime o idealismo porque grande parte das correntes idealistas assentam na transcendência de um ou vários espíritos em relação ao espírito do sujeito pensante. Hartmann revela-se obscuro nesta distinção noológica. A transcendência opõe-se somente ao idealismo solipsista («A minha consciência engloba o universo, nada há além dela») mas não ao idealismo pluralista ou multiconsciências. Kant era idealista e afirmava a transcendência de alguns númenos (Deus, mundo como totalidade) ao sujeito. Ademais, Kant já afirmava o caráter infinito da Ideia, não se vê em que medida a ontologia crítica de Hartmann «torna a Ideia ontológica» através do seu «pensar do ser»: o ser transobjetivo de Hartman corresponde mais ou menos integralmente aos númenos-Ideias de Kant.
UMA AMBÍGUA OPOSIÇÃO DESENHADA POR HARTMANN ENTRE REALISMO E ONTOLOGIA ANALÍTICA
Hartmann manifesta uma confusão intensa sobre o sentido da palavra realismo. Em gnosiologia, realismo designa o materialismo ôntico - não o materialismo ontológico ou protológico - isto é o facto de haver um mundo de matéria, real em si mesmo, fora das consciências humanas.
«A tendência realista que manifesta a nossa ontologia contém pois nela mesma os seus limites e esses limites impedi-la-ão sempre de degenerar em teoria realista.»
«O lado propriamente realista que apresenta a nossa ontologia consiste simplesmente numa dupla relação que a afeta. 1º Ela está em primeiro lugar na ligação mais estreita possível com o realismo espontâneo e científico; conserva esse realismo na medida em que não implica nenhuma concepção materialista da consciência (capítulo XIV, a e d)(...) 2º Além disso, a nossa ontologia apoia-se no facto de que o ser que está em questão pode ser percebido na direção do objeto e que ele aparece com os carateres de um transobjetivo.» (Hartmann, ibid, pag 267)
Este texto é um exemplo de retórica inconsequente, espelho da nebulosidade teórica de Hartmann: «a ontologia analítica...é de tendência realista mas não é realista», «o ser é percebido na direção do objeto», etc.. Perguntaríamos a Hartmann: a jarra e a mesa que vejo existem ou não fora da minha mente? Se respondesse afirmativo, Hartman defenderia o realismo gnosiológico. Mas ele preferiu escorregar na viscosidade do óleo da amiguidade. Ora o realismo não implica uma concepção materialista da consciência, ou seja, que a consciência é uma emanação transitória das células do cérebro e do sistema nervoso humano e desaparece com a extinção das células, a morte corporal. Hartmann confunde o realismo com o materialismo ontológico, doutrina segundo a qual o ser-essência geral, o princípio eterno de tudo é a matéria impensante.
HÁ UM IRRACIONALISMO FILOSÓFICO MAIS PROFUNDO QUE O IRRACIONALISMO MÍSTICO?
Hartmann teorizou que a camada de irracionalidade mais profunda do ser - o transinteligível - só pode ser alcançada ou tocada pela filosofia, que vai mais longe do que o sentimento místico religioso.
«Contudo, o irracional não é pura e simplesmente o incognoscível. Podemos conhecer as cores e os sons e contudo há neles qualquer coisa que não pode ser dita racional. Há portanto coisas que podem ser conhecidas e que, contudo, são irracionais. Por conseguinte, a racionalidade só se identifica com uma certa forma de cognoscibilidade.» (Hartman, ibid, pag 318; o negrito é posto por mim).
«O irracional no sentido filosófico da palavra não se identifica de modo nenhum com o irracional dos místicos. Este é objeto de revelação, de intuição, de apreensão extática, d´amor Dei intellectualis. Trata-se de um objeto que pode perfeitamente ser captado, ainda que não o seja pelo entendimento; o objeto dos místicos é objeto de visão, de experiência vivida, de entendimento. (...) Pelo contrário, quando se trata do transinteligível, está-se a lidar com qualquer coisa de que se não pode ter nenhuma intuição.»(...) «O irracional dos místicos é do alógico, não do transinteligível». (Hartmann, ibid, pag 319; o negrito é posto por mim).
« O transinteligível e com ele o "irracional por excelência" começa lá onde já não é possível recorrer a uma intuição, a uma inteleção, a uma experiência vivida, a um sentimento. O irracional de que se trata em ontologia está, portanto, situado numa camada mais profunda que o irracional dos místicos.» (Hartmann, ibid, pag 320; o negrito é colocado por mim).
É discutível esta tese. Porque não há-de o irracional transinteligível ser a mesma camada do ser, a última, a mais afastada, percepcionada de modo diferente por místicos e filósofos, os primeiros julgando conhece-lo através do amor e da iluminação da alma e os segundos reconhecendo que a razão não penetra esse transinteligível? «
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