Quarta-feira, 16 de Setembro de 2020
Equívocos de Hegel: o uno é tão abstrato como a forma universal?

 

"Fenomenologia do Espírito" é um livro enfadonho de Hegel (Estugarda, 27 de agosto de 1770 – Berlim, 14 de novembro de 1831), excessivamente esquemático, a prefigurar o raciocínio fragmentado da filosofia analítica, e com subtis paralogismos, sem embargo de conter algumas ideias notáveis. O mestre alemão da dialética na universidade de Berlim na primeira metade do  século XIX, que Schopenhauer classificava de charlatão, tem, na verdade, erros teóricos, ambiguidades,  na sua exposição. 

 

No texto abaixo afirma Hegel, por exemplo, que o uno e a forma da universalidade são contrários e igualmente abstractos. Isto é um erro. E fala na forma do uno. Mas o uno tem forma? O uno é sem forma e esta inscreve-se no uno, não é abstrata, ou pelo menos, não é  tão abstracta como ele. Do sem forma à forma universal (e esta é: o triângulo, o hexágono, o círculo, o cubo, a esfera, a pirâmide, etc.) vai um passo no sentido do concreto. Entendendo habitualmente o termo autoconsciência como a consciência do indivíduo isolado, Hegel escreveu:

 

«3.A contradição na autoconsciência»

«O trânsito opera-se da forma do uno à forma da universalidade, de uma abstração a outra, do fim do puro ser para si que rejeitou a comunidade com outros, ao puro contrário, que é com isso um ser em si igualmente abstrato.» 

(G.W.F. Hegel, Fenomenología del Espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pag. 216)

 

NÃO HÁ MEDIAÇÃO ENTRE A VIDA E A MORTE? O PRAZER É UM MEDIADOR COM A ESSÊNCIA?

 

Hegel sustenta erradamente que não há mediação entre a vida e a morte. Então e o estado de vida vegetativa, o coma? Não é um mediador entre a vida e a morte? Hegel escreveu:

 

«Este trânsito do ser vivo à necessidade carente de vida manifesta-se ante ele, portanto, como uma inversão sem mediação alguma. O mediador tinha que ser aquilo  em que ambos os lados formavam uma unidade, em que a consciência, portanto, reconhecia um momento no outro, reconhecia o seu fim e o seu operar no destino e o seu destino no seu fim e no seu operar, reconhecia a sua própria essência em esta necessidade. Mas esta unidade é para esta consciência precisamente o próprio prazer ou o sentimento simples, singular e o trânsito do momento de este seu fim ao momento da sua verdadeira essência é, para esta consciência, um puro salto ao contraposto; com efeito, estes momentos não se entrelaçam no sentimento mas no puro si mesmo, que é um universal ou o pensamento. »

(Hegel, ibid, pág. 217; o destaque a negro é posto por mim)

 

Por que razão o prazer é o mediador, se se contrapõe à essência, isto é, ao outro, à comunidade? Há uma certa ambiguidade nestas reflexões. 

 

A filosofia de Hegel move-se mecanicamente em um mecanismo triádico, assenta em três ideias básicas: o em si, isto é, o ser, abstracto e universal; a essência, isto é, o  contrário do em si, o ser desdobrado, o ser que se contêm a si e ao outro ; o para si, isto é, o ser que desfaz o desdobramento e se recolhe, enriquecido pela experiência, pelo contacto com a comunidade.

 

O MOVIMENTO DE ALIENAÇÃO É SIMULTANEAMENTE LIBERDADE DO SER E NECESSIDADE?

 

Ao referir-se à forma superior do espírito, isto é, ao espírito absoluto que é a filosofia ou a racionalidade de Deus/ Ideia Absoluta, Hegel escreve: 

«3.O espírito concebido no seu retorno à imediatez, que é ali

 

«Assim pois, no saber do espírito, fechou-se o movimento de configuração, ao ser ele mesmo afectado pela diferença superada da consciência. O espírito conquistou o puro elemento do seu ser ali, o conceito. O conteúdo é, segundo a liberdade do seu ser, o si mesmo que se aliena ou a unidade imediata do saber de si mesmo. O puro movimento de esta alienação constitui, considerado enquanto ao conteúdo, a necessidade de este.»

(Hegel, ibidem pág.471)

 

Há, nestas passagens de Hegel, uma incoerência: primeiro, afirma que o conteúdo - exemplifiquemos: o Estado surgido da revolução francesa de 1789-1799 é um conteúdo em que o Espírito Deus se aliena ou separa de si mesmo - surge como liberdade do ser, depois diz que a alienação quanto ao seu conteúdo é necessidade, isto é, lei obrigatória, infalível que exclui a liberdade. Conteúdo livre e ao mesmo tempo necessário. Há aqui uma violação do princípio da não contradição...Tudo isto se permite a Hegel porque é grande na linguagem abstracta onde o transvase ilegítimo de conceitos ocorre.

 

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Quarta-feira, 12 de Junho de 2019
Hegel: clareza e obscuridade nos seus textos

 

Há teses de Hegel que são notáveis e compreensíveis na Fenomenologia do Espírito, como por exemplo a seguinte:

 

«O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se completa mediante o seu desenvolvimento. Do absoluto, há que dizer que é essencialmente resultado, que só no final é o que é de verdade, e em isso precisamente estriba a sua natureza, que é a de ser real, sujeito ou devir de si mesmo. »

(G.W.F. Hegel, Fenomenología del espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pág. 16; o destaque a negrito é colocado por nós).

 

Hegel sustenta que no princípio está o Espírito, o mais universal de tudo. Adiciona ao teísmo da primeira fase do Espírito, o panteísmo da segunda fase (Deus é as árvores, os rios, as plantas e os animais «irracionais») e o panenteísmo da terceira fase (Deus é a humanidade nos seus diferentes povos e tipos de estado, de arte, de religião e de filosofia, evoluindo para a liberdade e ao mesmo tempo Deus é espírito puro, transcendente, no Além). O resultado acima referido é a terceira fase, a da humanidade, que resulta da união e síntese entre a fase de Deus pensante e a fase de Deus impensante, alienado em natureza física em corpos físicos.

 

Hegel fala de quatro etapas na fenomenologia do Espírito, isto é, nas sucessivas formas que este vai assumindo: consciência, autoconsciência, razão e espírito. Ponho reservas a esta divisão: a autoconsciência já é, em si mesma, razão. Hegel dá a seguinte definição de autoconsciência:

 

«Mas de facto, a autoconsciência é a reflexão, que desde o ser do mundo sensível e percebido, é essencialmente o retorno a partir do ser outro. Como autonsciência é movimento(....) A diferença não é, e a autoconsciência é somente a tautologia sem movimento do eu sou eu.»

 

(G.W.F. Hegel, Fenomenología del espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pág. 108; o destaque a negrito é colocado por nós).

 

Fixemo-nos: quando Descartes intui «eu penso logo existo» isso é autoconsciência; quando Albert Camus infere que a vida humana é destituída de sentido pois não há Deus nem é possível garantir o triunfo perene da verdade e da justiça para toda a humanidade isso é autoconsciência.

 

Mas há numerosos parágrafos da Fenomenologia que são ambíguos devido às múltiplas divisões que ele introduz no mesmo conceito tipo bonecas russas Matrioska, umas dentro das outras. Veja-se  por exemplo, esta passagem em que se refere à substância ética:

 

«A substância é, deste modo, espírito, unidade autoconsciente do si mesmo e da essência; mas ambos têm também o significado da estranheza de um face ao outro. O espírito é consciência de uma realidade objectiva para si livre; mas a esta consciência se enfrenta àquela unidade do si mesmo e da essência, à consciência real se enfrenta a consciência pura. Por um lado, mediante a sua alienação,  a autoconsciência real passa ao mundo real e este retorna àquela; mas, por outro lado, superou-se precisamente esta realidade, a pessoa e a objectividade. Esta estranheza é a pura consciência ou essência

(G.W.F. Hegel, Fenomenología del espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pág. 287; o destaque a negrito é colocado por nós).

 

Na primeira frase da citação acima a substância aparece como a unidade entre o si mesmo e a essência. Ora o que é o si mesmo senão o espírito do indivíduo? Neste caso, a essência terá de ser a objectividade, a realidade, o bem e o mal que se encontram fora da consciência. Mas na última frase da citação Hegel muda o significado de essência, que no início era lei exterior, realidade exterior para... consciência pura. Não bate certo.

(G.W.F. Hegel, Fenomenología del espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pág. 108; o destaque a negrito é colocado por nós).

 

Estamos pois perante um exercício de sofística em que Hegel, sem embargo do seu brilhantismo, é pródigo.

 

AUTOCONSCIÊNCIA EM GERAL E AUTOCONSCIÊNCIA LIVRE, O PARADOXO DE "O SER SÓ PARA A CONSCIÊNCIA" SER SIMULTÂNEAMENTE "REAL EM SI MESMO"

 

Vejamos um entre muitos exemplos da falta de clareza, ou pelo menos da falta de concreção do pensamento de Hegel:

 

«A razão é a certeza da consciência de ser toda a realidade; de este modo exprime o idealismo o conceito da razão. Do mesmo modo que a consciência que surge como razão abriga de um modo geral imediato esta certeza, assim também o idealismo a exprime de modo imediato; eu sou eu, no sentido, no sentido de que o eu que é o meu objecto, é objecto com a consciência do não ser de qualquer outro objecto, é objecto único, é toda a realidade e toda a presença, e não como na autoconsciência em geral, nem tão pouco como na autoconsciência livre, já que ali é só um objecto vazio em geral e aqui somente um objecto que se retira dos outros que continuam a governar junto dele. Mas a autoconsciência só é toda a realidade não somente para si mas também em si ao devir esta realidade ou mais exactamente ao demonstrar-se como tal. E se demonstra assim no caminho pelo qual, primeiro no movimento dialétco da suposição, da percepção e do entendimento , o ser outro desaparece como em si, e logo no movimento que passa pela independência da consciência no senhorio e na servidão, pelo pensamento da liberdade, a libertação céptica e a luta da libertação absoluta da consciência desdobrada dentro de si, o ser outro enquanto é para ela, desaparece para ela mesma. Apareceriam sucessivamente dois lados, um em que a essência ou o verdadeiro tinha para a consciência a determinabilidade do ser e outro em que a sua determinabilidade era ser somente para elaMas ambos os lados se reduziam a uma verdade, a de que o que é ou o em si só é enquanto é para a consciência e o que é para ela é também em si

(G.W.F. Hegel, Fenomenología del espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pág. 144; o destaque a negrito é colocado por nós.)

 

Percebe-se neste texto o que significa a tese de Hegel de que no idealismo «o ser outro desaparece como em si»: no idealismo material ou ontológico, a árvore, a casa ou o cão que em relação a mim são ser outro  que desaparecem em si, isto é, desaparecem como realidades independentes de mim, reduzem-se a simples ideias na minha mente que é o universo inteiro.  Mas Hegel não define o que é a autoconsciência livre - é o pensamento de alguns filósofos destacados do vulgo?- e em que se distingue da autoconsciência em geral - esta já sabemos ser reflexão e não absorção acrítica das percepções do mundo exterior.

 

A última frase do texto «Mas ambos os lados se reduziam a uma verdade, a de que o que é ou o em si só é enquanto é para a consciência e o que é para ela é também em si.» é em si mesma um paradoxo: Hegel começa por dizer que o que é ou existe só é para a consciência - posição do idealismo e da fenomenologia: a árvore que vejo só é real para a minha consciência - e depois contradiz-se ao dizer que o que existe para a consciência existe também em si mesmo, como realidade independente - posição do realismo: a árvore está fora da minha mente e subsiste quer eu a veja e pense ou não.

 

O ESPÍRITO, SUBSTÂNCIA ÉTICA, VERSUS A SUBSTÂNCIA QUE SÓ SURGE NELE QUANDO O ESPÍRITO AGE

 

Ideias que Hegel repete são a do desdobramento da consciência e a da luta entre a essência e a autoconsciência, entre o universal e o singular. Hegel define o espírito assim, ora identificando-o como substância ora diferenciando-o desta:

 

«Mas a essência que é em si e para si e que ao mesmo tempo é ela mesma real como consciência e se representa a si mesma é o espírito

«A sua essência espiritual já foi definida como a substância ética; mas o espírito é a realidade ética. É o si mesmo da consciência real, à qual se enfrenta, ou que mais precisamente se enfrenta a si mesma, como mundo real objectivo, o qual, sem embargo, perdeu para si mesmo toda a significação de algo estranho, do mesmo modo que o si mesmo perdeu toda a significação de um ser para si, separado, dependente ou independente de aquele.  O espírito é a substância e a essência universal, igual a si mesma e permanente - o inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de todos - e o seu fim e a sua meta, como o em si  pensado de toda a autoconsciência».

 (G.W.F. Hegel, Fenomenología del espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pp. 259-260; o destaque a negrito é colocado por nós.)

 

Esta passagem, relativamente obscura - Como é que o si mesmo perdeu toda a significação de um ser para si? Refere-se a quando Deus se alienou em natureza física e deixou de pensar? -  está em contradição com a seguinte:

 

«Na sua verdade simples, o espírito é consciência e desdobra os seus momentos. A ação cinde-o em substância e em consciência da mesma, e cinde tanto a substância como a consciência. A substância, como essência universal e como fim, enfrenta-se consigo mesma como a realidade singularizada...»

(G.W.F. Hegel, Fenomenología del espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pág. 261; o destaque a negrito é colocado por nós.)

 

A incoerência está em considerar o espírito como substância ética, depois como realidade ética e por último dizer que o espírito é apenas consciência e só a ação o cinde  em substância e consciência de esta. Substância era qualidade do espírito, eterno e imóvel, tese primeira, mas só surge quando o espírito se põe em ação e divide em substância e consciência, tese segunda. Há aqui imprecisão conceptual.

 

O espírito é o quarto degrau mas engloba os outros três degraus. Há aqui uma visão eclética, algo confusa: espírito é tomado em dois sentidos diferentes, ora como consciência em geral, mesmo não ética, ora como essência ética:

 

«Aqui, onde se põem o espírito ou a reflexão de estes momentos em si mesmos, a nossa reflexão a respeito deles pode recordá-los brevemente conforme a este lado; os ditos momentos eram a consciência, a autoconsciência e a razão. O espírito é pois consciência em geral, que abarca em si a certeza sensível, a percepção e o entendimento»

(G.W.F. Hegel, Fenomenología del espíritu, Fondo de Cultura Económica, México, 2007, pág. 26o; o destaque a negrito é colocado por nós.)

 

Há falta de concreção no pensamento hegeliano, oscilações de vagueza em conceitos como essência, substância, ser em si, ser para si. Talvez por isso Schopenhauer classificasse Hegel de «charlatão», do mesmo modo que nós acusamos Heidegger de um certo grau de charlatanismo retórico em O Ser e o Tempo.

 

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Terça-feira, 13 de Dezembro de 2016
Teste de Filosofia do 11º ano de escolaridade (6 de Dezembro de 2016)

 

Eis um teste de filosofia do 11º ano de escolaridade, o último do primeiro período lectivo.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A

6 de Dezembro de 2016. Professor: Francisco Queiroz

I

“Alguns diretores de cinema são norte-americanos.

Alguns norte-americanos são racistas.

Os racistas não são directores de cinema.».

1-A) Indique, concretamente, três regras do silogismo formalmente válido que foram infringidas na construção deste silogismo.

1-B) Indique o modo e a figura deste silogismo.

II

“Um só caminho nos fica – o Ser é! Existem milhares de sinais de sinais demonstrativos de que o Ser é incriado…Ser e Pensar é um e o mesmo”(Parménides de Eleia).

 

2-A) Explique o que é o Ser segundo Parménides, com base no texto e em outras fontes, e relacione Ser com realismo, idealismo e fenomenologia.

 

3)Relacione, justificando:

A) Ser fora de si e ser para si, em Hegel, e lei do salto qualitativo.

B) Espírito de um Povo, Espírito do Mundo e Holismo, em Hegel

C) Percepção Empírica, Conceito, Juízo e Intuição Inteligível.

D) Falácia depois de por causa de e indução amplificante.

E) Idealismo, Realismo Crítico e os quatro passos gnoseológicos do raciocínio de Descartes.

 

CORREÇÃO DO TESTE DE AVALIAÇÃO COTADO PARA 20 VALORES

 

I

A) Três regras infringidas da validade do silogismo acima foram: de duas permissas afirmativas não se pode extrair uma conclusão negativa; nenhum termo pode ter maior extensão na conclusão do que nas premissas (alguns racistas na permissa menor/ os racistas  na conclusão); o termo médio (norte-americanos ) tem de ser tomado pelo menos uma vez universalmente e está tomado apenas no sentido de «alguns» e não de «todos». (VALE TRÊS VALORES).

 

1-B) O modo do silogismo é IIE, a figura é PS (predicado e predicado refere-se à  posição do termo médio nas premissas) ou 3ª figura.(VALE UM VALOR).

 

2)  A ontologia de Parménides de Eleia diz que a única realidade é o ser, um ente uno, imóvel, imutável, esférico, invisível, imperceptível, eterno, que não foi nem será porque é eternamente o mesmo e diz que «ser e pensar são um e o mesmo». A mudança das cores, o nascimento, o crescimento, o decrescimento e a morte, a sucessão das estações do ano e todas as mudanças são aparências, ainda que o ser possa estar subjacente a elas, escondido atrás delasA interpretação realista desta  frase «ser e pensar são um e o mesmo». é: o pensamento é idêntico ao ser, é espelho do ser material ( e aqui podemos «ler» o ser como realismo, doutrina que sustenta que o mundo de matéria é real em si mesmo). A interpretação idealista da mesma frase é: o ser é pensamento, nada existe fora da ideia absoluta que é o ser, e o mundo de matéria, com a mudança das estações do ano, o nascimento e a morte não passa de ilusão (idealismo é a teoria que afirma que o mundo material é irreal é como um sonho dentro da minha ou das nossas imensas mentes). A fenomenologia é a doutrina céptica no seu fundo que afirma que a mente humana e a matéria são correlatas não se sabendo se o mundo material existe em si mesmo ou não. (VALE QUATRO VALORES)

 

 3-A) Para Parménides, o ser é invisível, imóvel, imutável, exclui as aparências empíricas. O ser é significa a sua eternidade e imutabilidade: não principiou, não acabará. Para Hegel, o ser é invisível e visível consoante as épocas, é mutável, inclui as aparências empíricas (o verde das árvores, o calor do sol, etc) e   desdobra-se em três fases, segundo a lei da tríade: fase lógica, Deus sozinho antes de criar o universo o espaço e o tempo (é a tese ou afirmação, o primeiro momento da tríade); fase da natureza ou do ser fora de si, na qual Deus se aliena ou separa de si mesmo ao transformar-se em espaço, tempo, astros, pedras, montanhas, rios, plantas e deixa de pensar (é a antítese ou negação, o segundo momento da tríade); fase da humanidade ou do espírito ou do ser para si, em que a ideia absoluta/Deus emerge com a aparição da espécie humana, que é Deus encarnado evoluindo em direção a si mesmo, por sucessivas formas de estado, desde o despótico mundo oriental (um só homem livre, o faraó ou o imperador oriental) passando pelo mundo greco-romano (alguns homens são livres, os escravos e os servos não) até ao mundo cristão da Reforma protestante onde todos os homens são livres (é a síntese ou negação da negação). A lei do salto qualitativo postula que a acumulação lenta e gradual em quantidade de um dado aspecto de um fenómeno leva a um salto brusco ou nítido de qualidade nesse fenómeno. Podemos dizer que na fase do ser fora de si foram surgindo, uma a uma, as espécies vivas de plantas e animais (acumulação em quantidade, lenta) até que com o aparecimento do homem se deu o salto de qualidade. (VALE TRÊS VALORES).

 

3-B) Espírito de um povo é o conjunto da sua filosofia, dos seus mitos, da sua organização política e social, do seu direito, arte, religião, literatura, folclore. O espírito do povo português inclui catolicismo com devoção a Fátima, chico-espertismo individualista (fuga aos impostos, etc.) ao passo que o espírito do povo sueco inclui protestantismo, amor à natureza florestal, trabalho em equipa descentralizada.  O espírito do mundo é a soma dos espíritos de todos os povos do mundo e isso é holismo, visão de conjunto que lê as partes a partir do todo (VALE DOIS VALORES).

 

3-C) Percepção empírica é um conjunto organizado de sensações que, em regra, serve de base ao conceito, isto é, ideia de uma coisa ou classe de coisas (ver muitos cavalos leva à formação do conceito de cavalos). Juízo é uma afirmação ou negação, ligando entre si por um verbo dois ou mais conceitos. Intuição inteligível é a captação instantânea de uma realidade ou irrealidade invisível, metafísica ou cisfísica (VALE DOIS VALORES).

 

3-D) A falácia depois de por causa de é o erro de raciocínio  que atribui uma relação necessária de causa efeito a dois fenómenos vizinhos por acaso (exemplo: «Há 10 dias vi um gato preto e caí da bicicleta, há 5 dias vi outro gato preto e perdi a carteira, ontem vi um gato preto e o meu telemóvel avariou, logo ver gatos pretos dá-me azar). A indução amplificante é a generalização de alguns exemplos empíricos similares segundo uma lei infalível (Ex: Depois  de 1000 experiências, induzimos que os corpos largados no ar caem para a Terra). Ambas generalizam. (VALE DOIS VALORES).

 

3-E) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos, racionalismo esse que é uma forma de radicalidade filosófica. O idealismo, doutrina que postula que a matéria é irreal, não passa de conjunto de sensações ou ideias, está presente no segundo e no terceiro passos, e o realismo crítico, que afirma que vemos de forma distorcida o mundo real exterior, está no quarto passo:

 

Dúvida hiperbólica ou Cepticismo Absoluto( «Uma vez que quando sonho tudo me parece real, como se estivesse acordado, e afinal os sentidos me enganam, duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo »).

 

Idealismo solipsista («No meio deste oceano de dúvidas, atinjo uma certeza fundamental: «Penso, logo existo» como mente, ainda que o meu corpo e todo o resto do mundo sejam falsos»).

 

3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe).

 

Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, de figuras, tamanhos, números, movimentos, existe fora de mim»). Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores e que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos e uma matéria indeterminada. (VALE TRÊS VALORES).

 

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Sábado, 29 de Março de 2014
Teste de filosofia do 10º B (Março de 2014)

 

Eis um teste de filosofia, o segundo do segundo período lectivo. Evitaram-se as escorregadias questões de escolha múltipla que, em muitos casos, não permitem ao aluno exibir e desenvolver o seu saber filosófico. A última questão sobre a ideia absoluta segundo Hegel espelha o facto de a turma ter escolhido estudar os valores religiosos.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA B
27 de Março de 2014. Professor: Francisco Queiroz

 

 

 I

 

“Todos consideram o belo como belo,
é nisso que reside a sua fealdade.
Todos consideram o bem como bem,
é nisso que reside o seu mal.

 

Porque o ser e o nada engendram-se.(…)
Por isso o santo adopta
A táctica do não-agir
E pratica o ensino sem palavra.”

 

LAO TSE

 

1) Explique o significado deste poema característico do taoísmo, indicando se nele há Yang e Yin.

 

II

 

 2) Relacione, justificando:

 

A)  Esfera dos valores vitais e esfera dos valores espirituais em Max Scheler.

 

B) Imperativo categórico em Kant, autogestão e situação original na teoria de Rawls.

 

C) Empirismo, e racionalismo.

 

D) Gematria e objectivismo intra-anima.

 

E) As três fases da Ideia Absoluta na História, segundo Hegel, e teísmo, panteísmo e panenteísmo.

 

 

 

CORRECÇÃO DO TESTE DE FILOSOFIA (COTADO PARA 20 VALORES)

 

1) Ao dizer que a fealdade do belo reside no facto de todos o considerarem belo, o filósofo nega o objectivismo estético, o triunfo do pensamento da maioria sobre a minoria e afirma a preponderância da subjectividade de cada um. É um paradoxo aparente. O taoísmo permanece um individualismo quietista, baseado no não-agir. O mesmo sucede com o bem: o filósofo nega o unanimismo ético, isto é, o diz que o facto de todos acharem "bem" um determinado ente ou acção torna estes maus. Em todo o Yang (fogo, verão, dilatação) há um pouco de Yin (água, inverno, contracção) e viceversa: em todo o belo há algo de feio e em todo o feio há algo de belo. O «ser e o nada engendram-se» significa a dialéctica da vida: o «ser humano» nasce do nada e ao morrer transforma-se em nada. Sabendo que tudo devém e desaparece, o santo taoísta, seguidor do Tao - isto é ao ritmo ondulatório da natureza: semear-regar-colher, inverno-primavera-verão-outono,vaivém das ondas, etc - do universo, pratica o não agir: não se exibe, não procura ir à televisão ou ser eleito para cargos políticos ou económicos em empresas. não faz grandes viagens, não lança guerras, etc. Pratica ainda o ensino sem palavras, através do gesto, do olhar e de uma (não) acção exemplar.  O Yang (fogo, dilatação, movimento) está no poema expresso no ensino sem palavras, que exprime o movimento de transmissão de ideias,  e o Yin (água, contração, repouso) exprime-se no repouso do não agir.(VALE QUATRO VALORES).

 

 

2) A) Segundo Max Scheler, a esfera dos valores vitais refere-se aos estados anímicos e inclui os valores de: nobre e vulgar, amor-paixão e ciúme, cólera, inveja, sentimentos de vitória e de derrota, de juventude e de velhice, de coragem e cobardia, de vaidade e humildade, de saúde e de doença, etc. Opõe-se-lhe a esfera de valores espirituais, essencialmente intelectual, que inclui os valores estéticos (belo, feio, sublime, horrível), os valores éticos (bem, mal, justo injusto) e os seus derivados do direito (legal, ilegal, etc) os valores do conhecimento da verdade (filosofia) e os derivados deste (ciências: matemática, física, biologia, história, etc). (VALE TRÊS VALORES).

 

2) B) O imperativo categórico ou verdadeira lei moral, gerado pelo eu numénico ou racional, enuncia-se assim: «Age de modo que a tua acção seja como uma lei universal da natureza», que a todos se aplica com imparcialidade, incluindo a ti mesmo. Autogestão, conceito anarquista, significa a gestão das fábricas, hipermercados, lojas, bairros, escolas feita pelos próprios trabalhadores, moradores ou estudantes dessas empresas ou instituições: a assembleia reune, decide os salários, as escalas de trabalho e férias, sem patrões nem directores.Situação original é, em John Rawls, uma situação ideal de democracia de base em que toda uma população de uma cidade ou região se reune para debater e aprovar leis, sob um véu de ignorância, isto é, ignorando a profissão e a importância social e financeira de cada um. Estes três conceitos possuem em comum a noção de democracia basista fundada na liberdade individual. (VALE TRÊS VALORES)

 

2-C) Empirismo é a corrente gnosiológica que sustenta que as nossas ideias são cópias desbotadas das percepções empíricas, estas últimas são a principal ou única fonte de conhecimento. Racionalismo é a corrente gnosiológica que sustenta que a principal ou única fonte das nossas ideias é a razão, o raciocínio, marginalizando ou negando mesmo as percepções empíricas, e que as nossas ideias não são cópias das percepções sensoriais. São duas correntes opostas. (VALE TRÊS VALORES).

 

2-D) A gematria é uma teoria da Kaballah (Cabala ou tradição secreta judaica) que estabelece que cada letra do alfabeto equivale a um número e que Deus fez o mundo com as 22 letras do alfabeto hebraico. Exemplo: A=1, B=2, C=3, D=4, E=5, etc...A objectividade intra anima é o facto de a generalidade de as pessoas partilharem entre si a mesma opinião, a mesma percepção de algo, ainda que este algo não seja perceptível ou palpável, de forma indiscutível, na realidade exterior. Pode considerar-se que a gematria é um objectivismo intra anima, uma verdade comum a todos os iniciados na Cabala, que não é aceite por muitas pessoas ditas «mais terra a terra». (VALE DOIS VALORES).

 

2-E) Hegel divide a história universal da ideia absoluta ou Deus em três fases:  a fase lógica ou do ser em si, na qual só existe um espírito, Deus, antes de criar o universo material o espaço e o tempo, espírito ou ideia absoluta que se limita a pensar (isto corresponde ao teísmo, doutrina segundo a qual há um ou vários deuses independentes da natureza física); a fase da natureza ou do ser fora de si em que Deus se aliena em matéria bruta, isto é, se transforma em astros, sol, montanhas, rios, rochas, plantas e animais não humanos (isto corresponde ao panteísmo, doutrina que sustenta que Deus é a natureza física e biológica); a fase da humanidade ou do ser para si, em que Deus renasce, como espírito livre, em forma de homens que lentamente, progridem em direcção à liberdade de espíriro que é regresso à primeira fase. (esta terceira fase corresponde ao panenteísmo, doutrina que afirma que Deus é tudo, a natureza material, a humanidade e é Ele mesmo como espírito transcendente). Este progresso exprime-se através de três formas de estado sucessivas- no início, o despotismo oriental, em que só um homem é livre, séculos depois o estado greco-romano, em que só alguns homens são livres e por último o estado do cristianismo reformado por Lutero em que todos os homens são livres de examinar a Bíblia sem a manipulação do clero católico romano, completado em 1789-1799 pela revolução francesa que implantou a democracia baseada na liberdade, igualdade e fraternidade (VALE CINCO VALORES).

 

 

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Quarta-feira, 11 de Setembro de 2013
Confusões de José Reis sobre ser e ver em Kant, Hegel e Heidegger

No seu livro «Nova Filosofia», publicado em 1990, José Reis, um catedrático de filosofia da universidade de Coimbra, produz um vórtice de confusão sobre o que são ser e ver nas doutrinas de Kant, Hegel, Heidegger e outros filósofos. Aferrando-se ao pressuposto idealista de que o ver do sujeito tem a primazia sobre o ser dos objectos físicos exteriores, Reis revela-se incapaz de perceber, verdadeiramente, o ponto de vista de alguns filósofos consagrados como Kant e Hegel.

 

Uma tese basilar de Reis, de recorte fenomenológico, decalcada de «O ser e o nada» de Sartre, é a de que não há conhecimento.

 

«E agora sim, se não há conhecimento e se, como é óbvio, também não o havia ao princípio, como surgiu ele? Se ao princípio não havia nem sujeito nem objecto, não havia nem o ver de um lado nem o ser para ver do outro, antes só havia o ser já visto (que, por ser já visto, recordemo-lo, dispensa o ver) como surgiram eles? É o problema: o problema da origem do conhecimento, com toda a história subsequente.» (José Reis, Nova Filosofia, pag 169, Edições Afrontamento, Porto).

 

Sustentar que o conhecimento não existe porque não há a dualidade sujeito-objecto é dizer:

A) Que havia ou há o autoconhecimento instintivo,. que não admite dúvida, por intuição.

B) Ou, em alternativa,  que há apenas as coisas, desaparecendo o sujeito. Esta é, explicitamente, a posição de José Reis.

 

É, numa certa interpretação, a tese de Parménides de que «ser e pensar são um e o mesmo», o pensamento é o autoconhecimento do ser. Isto é, no fundo, a tese de Heidegger de que o conhecimento é a desocultação do ser, ser que vive em grande parte dentro do ser-aí ou consciência individual de cada homem. José Reis não parece sublinhar a paternidade heideggeriana desta tese que ele mesmo veicula.

 

Mas enquanto Heidegger mantem como fontes de investigação o passado e o futuro, Reis reduz o ser a uma mera percepção-inteleção actual (nem sequer existe o «eu») e ao respectivo referente visível (as coisas: a casa, o automóvel, etc) no momento presente, suprimindo o «ser para ver», a metafísica, o prescrutar a transcendência ou simplesmente o desconhecido:

 

«O ser é já visto, não só sempre mas também de si mesmo, e, não há, em absoluto, mais ver nenhum. (...) Quando se tiver percebido - justamente através dessa fórmula - que não havendo mais nenhum ser para ver (quer no tempo, quer de si mesmo) também não há mais ver nenhum, será claro que tudo o que há é tão-simplesmente o ser e que podemos, que podemos, que devemos, pura e simplesmente varrer o ver do nosso vocabulário.  Se se quiser, e entretanto, substitua-se o ver por haver; embora nem sempre dê frases particularmente elegantes (sobretudo se se mantèm o sujeito do ver: eu vejo a porta= eu há a porta), poderá ajudar-nos a compreender o que há.

«Não desapareceu tudo portanto. Só desapareceu o para ver e consequentemente o ver, do ser para ver.» (José Reis, Nova filosofia, pag 128, Edições Afrontamento; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Temos, pois, uma ontologia instantaneísta actualista: tudo o que existe está no agora, visível e palpável. Nem Deus cabe nisto. Nem a consciência humana geradora do mundo material, como no idealismo de Berkeley, Kant e outros, subsiste. É o materialismo do instante presente.

 

 

 

UMA INCOMPREENSÃO SOBRE A REVOLUÇÃO KANTIANA NA GNOSIOLOGIA

 

Sobre Kant, José Reis escreveu, após distinguir, sem exemplificar, númenos de fenómenos:

 

«A representação foi pois, historicamente, o grande problema do conhecimento. Já que este último, no seu essencial, isto é, no ver e no ser para ver, é uma impossibilidade que em si nada tem a ver com a representação, poderia sem dúvida chegar-se à sua destruição sem se passar por esta representação. Mas isso é o reino dos possíveis, não é o real; o que é facto é que foi pela representação que tal aconteceu: foi por ela que em Descartes se descobriu o ver e foi por ela que em Kant se descobriu o ser como o absolutamente outro.» (...)

«E então o nosso problema agora é este: onde está a revolução kantiana? Já o dissemos. Em ter descoberto o ser como o absolutamente outro.» (José Reis, Nova Filosofia, páginas 203-204, Edições Afrontamento; o destaque a negrito é posto por mim).

 

 

Tomemos o ser no seu sentido mais plenamente usado em filosofia: essência permanente, principial e eterna. Note-se que Reis fala no "ser" sem o definir claramente. Chama-se a isto vagueza, imprecisão conceptual.

 

 É um erro dizer que «a revolução kantiana consiste em ter descoberto o ser como absolutamente outro». É justamente o inverso que sucedeu: a revolução gnosiológica de Kant consistiu em reduzir o universo das coisas materiais a mera criação da mente humana, a um conjunto de fenómenos (montanhas, mesas, rios, animais, corpos humanos, etc) interiores à vastíssima mente humana. O ser permanente e eterno para Kant é dual: por um lado, é os númenos; e por outro lado, é o espírito de cada homem composto de sensibilidade (onde se formam os fenómenos materiais), de entendimento (onde se formam os conceitos e juízos de base empírica como, por exemplo, o conceito de casa, ou de base matemática a priori, como, por exemplo, o juízo "Dois mais sete é igual a nove") e de razão transcendental (onde se formam as ideias de Deus, liberdade, alma imortal e de outros númenos).

 

Por conseguinte,  Kant descobriu e postulou, na linha do idealista George Berkeley, o homem como inventor e criador, dentro da sua imensa mente, da matéria, do mundo material - idealismo. Logo, o ser para Kant não é absolutamente outro: se exceptuarmos os númenos, o ser para Kant é o sujeito cognoscente em si mesmo, pois não é posto ou criado por Deus, mas é autosubsistente e nele, no seu campo perceptivo chamado sensibilidade, se geram as paisagens urbanas e rurais ou marítimas e os entes visíveis.

 

NA TEORIA DE KANT, O HOMEM CRIA OS FENÓMENOS, NÃO OS RECEBE

 

José Reis supõe erroneamente que, na doutrina de Kant, o homem recebe os fenómenos, como imagem distorcida, dos númenos. Escreve:

 

«A substância, em Kant, não é como ainda em Locke, uma coisa criada por Deus à imagem e semelhança da Sua ideia, uma coisa exterior à ideia que dela tem Deus, mas, ao contrário, há só a ideia. Criar, com efeito, é ver originariamente.  Por isso, a substância pelo seu lado positivo (nós só a pensamos de forma vazia) se chama númeno. E por isso o que nós conhecemos se chama fenómeno, aquilo que nos aparece: nós, ao contrário de Deus, cujo ver cria as coisas, só as recebemos.  Para Deus, não pode haver coisas: aquilo que, aparecendo-lhe, lhe seria transcendente.»(José Reis, Nova Filosofia, pag 201)

 

Ao contrário do que sustenta José Reis, para Kant, não há só a ideia, não há só uma ideia: Deus. Há vários númenos ou ideias reais, objectivas mas incognoscíveis: Deus, almas racionais, liberdade, mundo como um todo. Reis atribui a Kant a tese de que «o ver de Deus cria as coisas». É um erro. Para Kant, que nisto é distinto de Hegel e de Berkeley, Deus não criou as coisas, os céus, os mares, as árvores, os animais, o corpo do homem. Estas coisas são criações do sujeito cognoscente, de cada espírito humano, dotado de formas a priori da sensibilidade (espaço e tempo),  de fornas a priori do entendimento (categorias e juízos puros),  e de ideias da razão, metafísicas, livres.

Sobre o espaço, por exemplo, Kant sustentou que ele é criação subjectiva do sujeito homem e não de Deus:

 

«a. O espaço não representa qualquer propriedade das coisas em si, nem essas coisas nas suas relações recíprocas; quer dizer que não é nenhuma determinação das coisas inerentes aos próprios objectos e que permaneça mesmo abstraindo de todas as condições subjectivas da intuição. (...)

« b. o espaço não é mais do que a forma de todos os fenómenos dos sentidos externos, isto é, a condição subjectiva da sensibilidade, única que permite a intuição externa.» (Kant, Crítica da Razão Pura, pag 67, Fundação Calouste Gulbenkian)

 

 

Ademais, o texto de Reis acima sofre de incoerência: Deus «cria as coisas ao ver originariamente», mas para Ele, «não há coisas porque lhe seriam transcendentes. 

 

KANT ERA REALISTA?

 

José Reis considera erroneamente Kant um realista:

 

«Significa, em primeiro lugar, que Kant continua um realista, e um realista que não vê nada do problema cartesiano, porque nem a absoluta alteridade do ser (para além da sua simples transcendência) o leva a duvidar da sua existência.» (José Reis, Nova Filosofia, pag. 204, Afrontamento; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Um realista postula que a matéria é exterior aos espíritos humanos e subsistente por si mesma, seja criada por deuses ou não. Kant, que se intitulou «realista empírico» que é o mesmo que «idealista transcendental»,  negou a realidade da matéria em si mesma:

 

«Deve, portanto, haver certamente algo fora de nós a que corresponde esse fenómeno a que chamamos matéria. Porém, na qualidade de fenómeno, não está fora de nós, mas simplesmente em nós, como um pensamento» (Kant, Crítica ds Razão Pura, pagina 362, Fundação Calouste Gulbenkian; o negrito é posto por mim).

 

Kant é idealista: a matéria é como pensamento, isto é mera sensação. Kant duvida do ser material como duvida do ser espiritual transcendente, o númeno. Foi, portanto, mais longe que Descartes. Este colocou a res extensa - a forma espacial, sem cor, nem peso, nem cheiro, nem densidade - fora da mente do sujeito ou res cogitans e, nessa medida ainda figura no campo do realismo, quase idealista, mas Kant colocou dentro da res cogitans a res extensa. Reis é que não percebeu, deveras, a ontognosiologia idealista de Kant.

 

 

HEGEL DESTRUIU O SER ABSOLUTAMENTE OUTRO?

 

José Reis escreveu ainda sobre a doutrina de Hegel:


 

«§ 71  Hegel


 

«E estamos em Hegel. Que levando a sério o ser absolutamente outro de Kant, o destruiu. E o destruiu, sem dúvida, em nome do ver: é porque ele é nada para nós que ele é nada. Mas, precisamente, esse ver é só suposto, não é tematizado e em consequência problematizado. O problema em Hegel, tal como em Kant, é só o da recepção-alteração do ser. É porque esse ser, ao ser recebido em nós, se altera radicalmente, que ele é nada. (...) O ser não se destrói pois porque pura e simplesmente não se vê - o ver nem se tematiza -  mas porque, tendo de ser recebido, é em absoluto alterado. (...)»

 

«Hegel, como pós-kantiano que é, passa pois também completamente ao lado do verdadeiro problema do conhecimento. O seu sistema, por mais monumental que seja, continua a ser um desvio. Se Hegel não se desviasse, se tematizasse o vere prestasse atenção ao que efectivamente se vê (para só nos referirmos ao problema do conhecimento) nem sequer daria o primeiro passo.» (José Reis, Nova Filosofia, pag. 205, Edições Afrontamento; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Há diversos erros capitais neste texto de Reis. Começa por não definir o que é para Hegel, o ser.

 

Ora este termo tem dois sentidos para o grande filósofo alemão: ser-existência que na sua pureza absoluta é igual ao nada, porque apenas é, sem qualidades nenhumas; ser-essência universal ou ideia absoluta em Hegel -ou Eu Absoluto, não humano - que é prévio ao ver humano e se desdobra em três fases, a do ser em si (Deus antes de criar o universo, o espaço e o tempo) , a do ser fora de si (panteísmo: Deus transformado em astros,montanhas, plantas e animais, ou seja, em natureza biofísica) e a do ser para si (panenteísmo: Deus renascido em humanidade que progride em direção à liberdade de espírito. Nada disto José Reis compreendeu.

 

 

A frase «O ser não se destrói pois porque pura e simplesmente não se vê» é uma adulteração do pensamento de Hegel: a humanidade - os antigos aristocratas e escravos  gregos e romanos, os senhores feudais e os servos da Idade Média, os artífices da Renascença, o proletariado moderno - é o ser para si, o ser que volta a si, e é e foi visível e tangível.

 

A frase «(o ser) tendo de ser recebido, é em absoluto alterado» é incompreensível no quadro da doutrina de Hegel. Recebido por quem, se a própria humanidade, o sujeito cognoscente é ser, é uma parte do ser?

 

Hegel escreveu:

«Deus é a Ideia absoluta da razão, não um ser-posto, fantasia, não simplesmente algo de possível; é Ideia necessária não posta por um pensar estranho.

«O conhecimento de Deus é imediato e mediato»  ( Georg Friederich Hegel, Propedêutica Filosófica, pag 235, Edições 70, Lisboa) .

 

«Deus é 1. o ser em todo o ser, simplesmente primeiro e imediato. Este ser é apenas a abstração de toda a determinidade, o indeterminado, o imóvel (Hegel, ibid, pag. 336).

 

«A natureza vegetal é o começo do processo individual ou subjectivo de autoconservação ou efectivamente orgânico que, no entanto, não possui ainda a força plena da unidade individual, porque a planta, a qual é um indivíduo, possui apenas partes que podem, por seu turno, considerar-se como indivíduos independentes.» (Hegel, Propedêutica filosófica, pag 52, Edições 70; o destaque a bold ).

 

Nestes excertos de Hegel há a teoria realista do conhecimento, culminando 1800 anos de história das igrejas cristãs: a natureza vegetal é anterior ao homem, Deus não é uma fantasia, uma possibilidade, é uma realidade anterior aos homens e geradora destes que são incarnação de Deus, na terceira fase. E neste ponto Hegel é radicalmente diferente de Kant visto que este duvida da existência de Deus que rotula de númeno, ser incognoscível. Como pode José Reis dizer que Hegel, que lhe é superior intelectualmente, passou ao lado do verdadeiro problema do conhecimento? Em Hegel, o ser suplanta o ver e este é apenas uma dimensão do ser. Isto é uma ontologia e uma teoria do conhecimento: uma ontognosiologia, a que Hegel chama «idealismo absoluto» mas que, em rigor, é um ideal-realismo.

 

HEIDEGGER QUIS PENSAR O SER COMO NADA OU RECONHECEU O PODER DE O SER NADIFICAR?

 

Sobre Heidegger escreve José Reis :

 

 «Heidegger quis e bem pensar o ser como nada, porque quis pensar o ser antes do ver. E levado por essa evidência que conhecer é ver o que antes não se via, manteve, com uma consciência absolutamente tranquila, apesar de se tratar de um nada, o seu projecto até ao fim». (José Reis, Nova Filosofia, pag. 213; o destaque a negrito é posto por mim ).

 

Não é exacto que Heidegger pensasse o ser como nada. O ser tem uma estrutura, tem regras próprias que impõe ao homem:

 

«O ser é a protecção que guarda o homem em sua essência ex-sistente, de tal maneira, para a sua verdade, que ela instala a ex-sistência na linguagem. É por isso que a linguagem é particularmente a casa do ser e a habitação do ser humano.» (Heidegger, Carta sobre o humanismo, pag. 118, Guimarães & C.ª Editores, Lisboa). 

 

Se o ser é uma protecção do homem não é um nada, obviamente. E se vive na linguagem como sua casa é porque é o conjunto de referentes da linguagem ou, pelo  menos, as regras internas linguísticas. O nadificar ou reduzir a nada, próprio de um momento da dialética, exerce-se no seio do ser mas não é todo o ser. Escreveu Heidegger:

 

 

«O nadificar desdobra o seu ser no ser, e de maneira alguma, no ser aí, na medida em que este ser aí é pensado como a subjectividade do ego cogito(...)

«O nadificar no ser é essência daquilo que eu nomeio o nada. Por isso, porque pensa o ser, o pensar pensa o nada.» (Heidegger, Carta sobre o humanismo, pag. 116-117, Guimarães & C.ª Editores, Lisboa; o destaque a negrito é posto por mim).

 

    

Os grandes filósofos são raros nas cátedras universitárias de hoje. E José Reis não é um grande filósofo, sem embargo de ser uma inteligência acima da média entre os académicos. A grande maioria das cátedras são dominadas por indivíduos medianos, razoavelmente ou mesmo altamente eruditos, mas intelectualmente confusos, em maior ou menor grau, com apreciável poder retórico. Na área da filosofia, pode dizer-se que as universidades são inimigas da grande filosofia, da verdade, pois os absurdos, as deturpações do pensamento original de certos filósofos e os lugares-comuns são frequentes nas teses de doutoramento e nas lições de cátedra.

 

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Terça-feira, 4 de Dezembro de 2012
Teste de filosofia do 11º ano de escolaridade (Novembro de 2012)

Eis mais um teste de filosofia para o 10º ano de Filosofia em Portugal. Estou entre  os professores que não cedem à vaga simplista das perguntas de escolha múltipla que os adeptos da intelectualmente pobre filosofia analítica, lobby poderoso junto do Ministério da Educação e das Editoras, conseguiram impor no modelo de exames nacionais. Ensinamos conceitos, conteúdos aos alunos e não apenas regras da lógica, ossos sem carne a revesti-los. Produzimos, suscitamos  a relacionação dos conceitos, sem os complexos de «ensinar hstória da filosofia» que minam a impensante maioria dos professores de filosofia actuais.

  

 

Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja

 

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A

 

30 de  Novembro de 2012.            Professor: Francisco Queiroz

 

 

 

I

 

«O ethos, o pathos e o logos são ingredientes do discurso retórico. A falácia ad hominem e a falácia do homem de palha não parecem recorrer à ideia da indução amplificante como o faz a falácia depois de por causa de. A tese relativista de que «o homem é a medida de todas as coisas», de Protágoras, não conduz necessariamente ao cepticismo

 

 

 

1) Explique, concretamente, este texto.

 

  

2) Relacione, justificando:

 

 

A) As quatro formas de Estado na história, segundo Hegel, e tese de que «o finito deve ser superado», em Hegel.

  

B) A astúcia da razão, em Hegel, e a lei dos dois aspectos da contradição.

 

 

C) Princípio do terceiro excluído e silogismo disjuntivo..

 

 

3) Disserte livremente sobre o seguinte tema:

 

 

«As diferenças entre o ser de Parménides, o ser em Hegel, e a substância, essência e acidente em Aristóteles

 

 

 

 

 CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES

 

1) O discurso retórico é uma construção linguística de bem falar mas nem sempre de bem pensar: por isso, importa distinguir entre a retórica falaciosa, enganosa, como Platão a entendia, e a retórica correcta,não falaciosa. O ethos é o carácter do orador (exemplo: «Toda a minha vida defendi a ecologia, denunciei as fábricas poluentes»), o pathos é o sentimento de paixão posto no discurso (exemplo: «Lutai! Não deixeis que vos tirem o que é vosso), o logos é a razão, o conteúdo racional do discurso (exemplo:«Em toda a coisa, está presente o uno e o múltiplo») (NOTA: ESTA FRASE VALE TRÊS VALORES). A falácia ad hominem é o erro de raciocínio que consiste em atacar pessoalmente o interlocutor em vez de atacar as suas ideias (exemplo: «Quando era jovem ele era militante da extrema-esquerda, fanático...»), a falácia do homem de palha é o vício de argumentação que consiste ao atribuir ao interlocutor posições que ele não defende (exemplo a respeito de um teórico que quer introduzir a acupunctura e a naturopatia nos hospitais públicos: «Ele quer acabar com os hospitais e a classe médica que receita químicos e faz cirurgias»). Nenhuma delas recorre à indução amplificante que é a generalização, em lei infalível, de alguns exemplos empíricos (exemplo: «Aplicamos a cura de beber água destilada em 1000 pessoas e todas melhoraram, logo beber um litro e meio ou dois de água destilada por dia melhora a saúde de todos os seres humanos»). Mas esta ideia é manejada na falácia depois de por causa de, que transforma dois fenómenos vizinhos por acidente numa «lei de causa-efeito necessária» (exemplo: «No domingo vi um gato preto e perdi 50 euros, hoje vi um gato preto e parti um farol da moto, logo ver gatos pretos dá azar». (NOTA: ESTA FRASE VALE TRÊS VALORES). O relativismo diz que a verdade e os valores variam de acordo com os homens de cada classe social, de cada sociedade, etnia, época mas isso não leva obrigatoriamente ao cepticismo, corrente que duvida de tudo ou de quase tudo (as percepções empíricas fornecem alguma verdade, no cepticismo antigo). (NOTA : ESTA FRASE VALE DOIS VALORES).

 

2 - A) As quatro formas de Estado, na fase do ser para si ou Deus incarnado em humanidade são, na teoria de Hegel: mundo oriental, em que só um homem é livre, o imperador, e todos são seus súbditos; mundo grego, em que só alguns homens são livres e há uma multidão de pequenos Estados com leis próprias; mundo romano, em que só alguns homens são livres e há uma lei única sobre um vasto império; mundo cristão reformado, em que todos os homens são livres, o que principiou com a revolta do monge Lutero em 1517 proclamando o direito de qualquer homem interpretar livremente a bíblia e culminou com a revolução francesa de 1789-1799 que instaurou a liberdade, a igualdade e a fraternidade. A tese de Hegel de que «o finito deve ser superado», isto é, ultrapassado, exprime-se no facto de os Estados serem finitos e se sucederem uns aos outros: o Estado Oriental despótico cessou, vieram as democracias esclavagistas gregas, etc. (VALE TRÊS VALORES).

 

2- B) A astúcia da razão é a manipulação das paixões e dos raciocínios dos homens de Estado feita pela razão universal (Deus) para levar a cabo o seu plano. Exemplo: como a revolução francesa de 1789 imergia no caos, a razão universal escolheu um general ambicioso, Napoleão Bonaparte, para golpear as direitas monárquicas e as esquerdas republicanas e levar a França a invadir o resto da Europa espalhando os princípios do liberalismo. A lei dos dois aspectos diz que numa contradição (em rigor: numa contrariedade) há dois aspectos, em regra desiguais, o dominante e o dominado, que podem trocar de posição. Neste caso, o aspecto dominante é a Razão Universal e o dominado os homens de estado como Napoleão ou outros mas a Razão será sempre o polo dominante (VALE TRÊS VALORES). 

 

2- C) O princípio do terceiro excluído diz que uma qualidade ou um ente ou pertence ao grupo A ou ao grupo não A, excluindo terceira hipótese . O silogismo disjuntivo possui também uma disjunção que, em regra, não é a do terceiro excluído mas outra. Exemplo:

«Ou és filósofo de profissão ou és músico.

És músico.

Logo,não és filósofo». (VALE DOIS VALORES)

 

3) O ser de Parménides é uma essência una, eterna, imutável, homogénea, contínua, limitada, incriada, invisível, - simbolizada na esfera. O nascimento e a morte, as cores, o devir, são ilusões.«O ser é e o não ser não é» afirmou Parménides, rejeitando a dialética de Heráclito. «Ser e pensar são um e o mesmo» -dizia Parménides. Neste ponto, coincide com Hegel. Este, ao contrário de Parménides, apresentou o Ser em movimento formando uma tríade: tese, Ser em si ou Deus antes de criar o mundo; antítese, Ser fora de si ou Deus alienado em natureza biofísica (reinos vegetal, animal); síntese, Ser para si, ou Deus encarnado em humanidade e progredindo, através da moral, do direito, do Estado, da filosofia, em direção à liberdade de espírito, fim da . Em Aristóteles, o ser, isto é, o existir, o pertencer a algo, participa nas essências ou formas eternas - que não estão no inexistente mundo inteligível de Platão mas sim nos objectos materiais, nas substâncias, que são um composto formado da forma da espécie (eidos) e da matéria-prima universal (hyle). A substância é a essência individualizada, isto é, a essência mais os acidentes, isto é, aspectos acessórios e transitórios das coisas (exemplo: Rir e chorar são acidentes na essência do rosto humano que, em regra, se mantém sério). Logo, só em Hegel o ser sai fora de si. (A RESPOSTA VALE QUATRO VALORES: HÁ OUTRAS RESPOSTAS VÁLIDAS POSSÍVEIS).

 

 

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Quinta-feira, 19 de Abril de 2012
Estética de Hegel: a luz, a cor e a pintura no quadro das artes

 

A Estética, de Hegel, é um livro de um grande pensador, atento àos aspectos multiformes das artes plásticas (pintura, escultura, arquitectura) e não plásticas (poesia, teatro, música, dança). Hegel escreveu na sua teoria da cor e da luz incolor:

 

«Com efeito, a luz como dissemos não existe, senão em relação a outra coisa diferente dela, e particularmente à treva. Mas nesta relação os dois princípios, longe de se oporem um ao outro, formam uma unidade, uma combinação de luz e treva. A luz, assim toldada e obscurecida, mas penetrando e iluminando, por sua vez, a treva, forma o princípio da cor, que é o material próprio da pintura.A luz em si é incolor;é a indeterminação pura da identidade consigo mesma; a cor que, em relação à luz, é já qualquer coisa de relativamente escuro, e, por conseguinte, diferente da luz, é um obscurecimento a que se associa o princípio da luz, para formar uma unidade, e é ter-se uma falsa e péssima ideia da luz o considerá-la como composta de diferentes cores, quer dizer de diferentes escuridades.»

 

(Hegel, Estética, Pintura e Música, pag 42-43, Guimarães Editores, 1962; o destaque a negrito é de minha autoria)

  

Assim, Hegel opõe-se à ideia de que a luz (branca) se decompõe, ao refractar-se num prisma, nas sete cores do arco-íris. Estas seriam pois externas à luz, brotariam das diferentes escuridades das diversas zonas do prisma.  

 

Prossegue Hegel:

 

«As formas, as distâncias, a delimitação, os contornos, enfim todas as relações espaciais e todos os diferentes modos de manifestação no espaço, são produzidos na pintura pela cor, cujo princípio ideal está igualmente em condições de representar conteúdos ideais e permite traduzir, com o auxílio de oposições mais ou menos profundas, de delicadezas e transições várias, os mais ligeiros matizes dos objectos representados. O que podemos assim obter, graças à cor, é verdadeiramente admirável. Eis, por exemplo, dois homens totalmente diferentes: cada um representado pela consciência que tem de si prórprio e pelo seu organismo animal, uma totalidade espiritual e corporal, e todavia, toda esta diferença se reduz num quadro a simples diferenças de cores. Aqui termina uma cor, ali começa outra e, graças a isto, tudo surge ante a nossa vista: a forma, a distância, os jogos fisionómicos, a expressão, tudo o que cada homem tem de mais sensível e mais espiritual. E esta redução, dissemos já, não deve ser considerada como um expediente, como um defeito, mas antes pelo contrário: a pintura negligencia intencionalmente a terceira dimensão, para substituir a realidade puramente espacial pelo princípio mais elevado e mais rico da cor.» (...) (Hegel, Estética, Pintura e Música, pag 42-43, Guimarães Editores, 1962)

 

Eis, no texto acima, duas teses extraordinariamente interessantes de Hegel: é a cor que produz as formas - a cor que estamos habituados a encarar como um conteúdo que preenche o espaço vazio da forma, já é, em si, uma forma; o princípio da cor substitui a representação tridimensional do espaço, sendo mais rico que esta, o que significa que a cor é porta de acesso ao mundo espiritual mais do que a forma trimidensional de uma estátua.

 

A PINTURA É A ARTE QUE MELHOR LIGA A INTERIORIDADE À EXTERIORIDADE

 

Hegel compara entre si, do ponto de vista da forma e do conteúdo, as diferentes artes:

 

«A primeira coisa a considerar e sobre a qual importa chamar a atenção é que a pintura restringe as três dimensões do espaço à superfície. A concentração total dessas dimensões seria representada por um ponto, o que significaria a supressão da justaposição e a instabilidade consecutiva desta supressão que corresponde a um ponto do tempo. Mas é somente na música que esta negação se encontra realizada de uma forma consequente. A pintura, pelo contrário, deixa subsistir o espacial, ao suprimir apenas uma das três dimensões, e ao fazer da superfície o elemento das suas representações. Esta redução das três dimensões às duas da superfície está implicada no princípio da interiorização que se não pode manifestar no espacial como interioridade senão reduzindo a totalidade exterior, em vez de a deixar subsistir na sua completa extensão. (...)»

«Já a escultura, em lugar de ser uma simples reprodução, imitativa da realidade natural, corporal, era uma criação do espírito exercendo-se sobre a natureza e eliminando, por esta razão, das suas figuras, tudo o que não correspondia ao conteúdo que se tratava de exprimir.  Entre as particularidades eliminadas pela escultura, a cor era uma delas, de modo que permanecia apenas a abstração da figura sensível. Na pintura sucede o contrário, porque ela tem por conteúdo a interioridade espiritual que não pode manifestar-se exteriormente senão como parecendo retirar-se do exterior para reentrar em si mesma

(Hegel, Estética, Pintura e Música, pag 32-34, Guimarães Editores, 1962; o destaque a negrito é posto por mim).

 

A fina inteligência deste texto acima destaca que a música corresponde à ausência de espacialidade, tal como o ponto, ao passo que a pintura implica o espaço a duas dimensões. Enquanto a escultura é uma exterioridade, um fora de si, a pintura é um passar do exterior ao interior,  porque não é tridimensional e força a imaginar a realidade através de aparências.

A comparação entre música, pintura e escultura sugere-me a analogia com as três fases da Ideia Absoluta ou Deus concebidas por Hegel: a primeira, a fase do ser em si, ou Deus sozinho antes de criar o mundo, em que não há espaço nem tempo, poderia ser associada à música; a segunda, a fase do ser fora de si, ou Deus exteriorizado, alienado em natureza física e biofísica, em estrelas, montanhas, plantas e animais, seria simbolizada pela escultura; a terceira, a fase do ser para si, em que Deus encarna em humanidade a qual através do pensamento e da acção intenta volver a Deus espírito seria simbolizada pela pintura.

 

 

« Do ponto de vista da generalidade, existem diferenças entre as artes; têm umas um carácter mais ideal, são outras mais acessíveis à percepção exterior. As produções da escultura, por exemplo, são mais abstractas do que as da pintura; a poesia, os poemas épicos são, por um lado, dotados de menor vida exterior do que uma verdadeira representação dramática mas, por outro lado, ultrapassam a arte dramática graças ao seu conteúdo concreto...»

«Como todavia, é o espírito que realiza numa forma exterior, o conteúdo que tem um interesse intrínseco, cabe perguntar, também neste caso, qual seja o significado preciso da oposição entre o ideal e o natural. » (Hegel, Estética, o belo artístico ou o ideal, pag. 32, Guimarães editores, 1962; o destaque a negrito é posto por mim).

 

O espírito a que o texto se refere é o espírito do mundo, ou seja, a ideia absoluta (Deus) incarnada em humanidade, a ideia absoluta na sua terceira fase, de ser para si. As outras duas fases anteriores são como já disse: o ser em si ou ideia absoluta, Deus antes de criar o universo, o espaço e o tempo; o ser fora de si, isto é, Deus alienado em natureza biofísico, transformado em astros, montanhas, planícies, minerais, vegetais e animais, à excepção do homem.

 

 

E prossegue Hegel:

 

«Assim, com efeito, a pintura não deve introduzir no seu domínio senão o que, contariamente à escultura, à poesia e à música, ela é capaz de representar mediante e através das figuras e das formas exteriores, quer dizer, a concentração do espírito, cuja expressão permanece inacessível à escultura, enquanto que a música é incapaz de dar uma concreta expressão exterior da interioridade e a própria poesia se limita a uma imagem imperfeita da forma sensível. A pintura, pelo contrário, está em condições de lançar uma ponte entre a interioridade e a exterioridade, de ligar um ao outro o interior e o exterior, de exprimir exteriormente a interioridade total. Portanto tem por conteúdo, tanto a vida da alma com toda a profundidade dos sentimentos que nela se agitam, como as particularidades vincadas dos caracteres e tudo o que é característico em geral; (...) todavia a particularidade específica deve  estar como que gravada, enraízada na fisionomia, e ser parte integrante da forma exterior.» (Hegel, Estética, Pintura e Música, pag 51, Guimarães Editores, 1962; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Na obra de pintura, o conteúdo é o sentimento geral, o ideal universal, - tese - a forma são os traços e as cores do quadro, o exterior-antítese. A síntese é o carácter do indivíduo, a particularidade específica, misto de visível e de invisível, que se espelha nos traços do rosto, nas cores da figura.

 

 

 

 O VERMELHO É A COR MASCULINA DA REALEZA, O AZUL A COR FEMININA DA MATERNALIDADE

 

 

 

As cores exprimem o espírito, o ideal universal e o subjectivo particular.

 

«A cor comporta igualmente uma oposição do claro e do escuro que vão reagindo um contra o outro, reforçando-se ou aniquilando-se reciprocamente. Apesar da sua intensidade, o vermelho e o amarelo são em si mais claros que o azul. Isto diz respeito à própria natureza das diferentes cores que Goethe expôs com mestria. Efectivamente, no azul é o escuro que domina e só aparece como azul depois de ter atravessado um meio mais claro, mas não inteiramente transparente. O céu, por exemplo, é escuro, tanto mais escuro, quase negro, quanto mais nos elevamos; mas visto através de um meio transparente, embora perturbador, como é o do ar atmosférico das regiões mais baixas, parece azul, e tanto mais azul quanto o ar é menos transparente. No amarelo, pelo contrário, é o claro que age através dum meio nublado, mas que o deixa transparecer. O fumo, por exemplo, é um destes meios; quando olhamos através do fumo qualquer coisa negra que atrás dele se encontra, mas que ele deixa ainda transparecer, o fumo toma uma cor azulada; toma pelo contrário uma cor amarelada ou avermelhada, quando se encontra ante um meio claro. O vermelho em si é a cor real e concreta, resultando da interpenetração do azul e do amarelo que formam, por seu turno, um par de cores opostas. O verde pode igualmente ser considerado como o produto de uma combinação análoga, mas de uma combinação que não vai até à fusão total, até à formação de uma unidade concreta; resulta muito simplesmente de uma supressão das diferenças, que se traduz por uma neutralidade calma, saturada. Estas cores são as mais puras, as mais simples, as cores fundamentais. »

 

«Há um simbolismo das cores. Devemos procurar um sentido simbólico na maneira como as aplicavam os antigos pintores, sobretudo no emprego do azul e do vermelho. O azul, pelo facto de ter por princípio o escuro que não opõe qualquer resistência ( enquanto que é o claro que resiste, que produz, que vive e anima) corresponde a uma maneira de considerar as coisas mais doce, mais reflectida, mais calma; o vermelho simboliza o princípio varonil, dominador, real; o verde, o indiferente e o neutro. Conformemente a esta simbólica, Santa Maria, quando é representada sentada sobre um trono na qualidade de Rainha do céu, está revestida de um manto vermelho, ao passo que traz um manto azul, quando é representada como Mãe

 

(Hegel, Estética, Pintura e Música, pags 96-98, Guimarães Editores, 1962; o destaque a negrito é posto por mim).


 

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

 

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

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