O manual «Dúvida metódica», do 10º ano de Filosofia, da Texto Editora, da autoria de Sara Raposo e José Pires, e André Barata como consultor científico, contém alguns erros conceptuais.
A NÃO DISTINÇÃO, COM CLAREZA, ENTRE DETERMINISMO MODERADO E LIBERTISMO
Lê-se no manual:
«Um libertista defende que existe livre-arbítrio e que, portanto, algumas ações humanas são livres.»
«Que ações humanas são livres? As que não são causalmente determinadas, ou seja, que não são provocadas por causas anteriores às decisões ou escolhas do agente.»
(Sara Raposo e José Pires,«Dúvida metódica, Filosofia 10º ano», Texto Editora, pág. 122).
Em que difere esta noção da de determinismo moderado, se ambos defendem, como diz o manual na página 111, que «algumas ações humanas são livres»? Em nada.
A suposta diferença entre libertismo e determinismo seria, segundo os autores, o facto de o libertismo dizer que «nem todas as ações humanas são determinadas» e o determinismo moderado «defender que todas as ações humanas são determinadas» (pág 111). Ora isto é uma falsidade. Se o determinismo moderado, que inclui o livre-arbítrio, sustentasse que todas as ações humanas são determinadas então não englobaria livre-arbítrio, negar-se-ia a si mesmo. A ação de eu optar como comer uma maçã em vez de um doce carregado de açúcar branco, porque racionalizo previamente que a sacarose faz mal ao organismo, é uma escolha livre minha, não está determinada e inclui-se no determinismo moderado ( e já agora no imaginário libertismo que está associado a este determinismo mas que não passa de uma propriedade deste e não é corrente autómoma).
Na verdade, o libertismo (exercício do livre-arbítrio) não existe como corrente separada: é apenas uma propriedade comum ao determinismo biofísico com livre-arbítrio (vulgo determinismo moderado) e ao indeterminismo biofísico com livre-arbítrio. O libertismo concebido autonomamente é uma falácia. Coisa que nem John Searle nem estes autores e a generalidade dos professores de filosofia percebem.
UMA INTERPRETAÇÃO UNILATERAL DE RELATIVISMO
Lê-se no manual sobre o relativismo, doutrina que afirma que os valores morais variam de sociedade a sociedade ou de classe a classe social (algo que o manual não destaca) dentro de uma mesma sociedade:
«O relativismo alega que criticar os costumes de outros povos é sempre arrogante etnocêntrico (...)»
«A posição do relativismo, ao condenar todas as críticas (sem diferenciar entre críticas etnocêntricas e críticas construtivas e justificadas) dificulta ou impede o diálogo intercultural. »
«Por isso o relativismo é uma teoria implausível.»
(Sara Raposo e José Pires,«Dúvida metódica, Filosofia 10º ano», Texto Editora, pág. 172).
Como é que o relativismo é uma teoria implausível se a democracia liberal, com um arco de correntes políticas desde a extrema direita à extrema esquerda, é o modelo do relativismo? E nesta democracia os socialistas ou os liberais afirmam ser os melhores para governar e criticam os anarquistas, os comunistas e os fascistas mas aceitam a sua existência como expressão de sectores da população.
Relativismo não é dar razão por igual a todos. É reconhecer a diversidade política, cultural, religiosa, artística, sexual e afirmar a superioridade moral de um ponto de vista sobre os outros.
NENHUM TEMA VERDADEIRAMENTE FRACTURANTE COMO SERIA EXIGÍVEL EM FILOSOFIA
Estes manual e estes autores são meros instrumentos de propaganda da redutora filosofia oficial: a filosofia analítica, com a sua errónea lógica proposicional (só mentes estúpidas dizem que «Vou ao Porto ou vou a Lisboa» é diferente na estrutura lógica de «Ou vou ao Porto ou vou a Lisboa»). Fazem o discurso politicamente correcto, longe dos "extremismos", se exceptuarmos a dúvida hiperbólica cartesiana ou a teoria das conjecturas e refutações de Karl Popper. Não são filósofos mas funcionários de uma medíocre filosofia com a qual moldam a mente de alunos inteligentes.
Nenhum texto sobre astrologia histórica e não falta assunto filosófico: se o Partido Socialista venceu as eleições legislativas de 25 de Abril de 1983, com Júpiter em 9º do signo de Sagitário, e venceu as eleições legislativas de 1 de Outubro de 1995, com Júpiter em 10º do signo de Sagitário, e venceu as eleições de 6 de Outubro de 2019, com Júpiter em 18º-19º do signo de Sagitário, poderá dizer-se que Júpiter no signo de Sagitário (arco de 240º a 270º do Zodíaco) gera necessariamente vitórias do PS?
Nenhum texto questionando a vacinação e é tão oportuno fazê-lo.David Icke escreveu. «O processo de fabricação de vacinas inclui o uso de macacos, embriões de frangos e fetos humanos, além de estabilizadores como a estreptomicina, o cloreto de sódio, o hidróxido de sódio, o alumínio, o cloridrato, o sorbitol, a gelatina hidrolisada, o formaldeído,e um derivado do mercúrio chamado timerosal ...» (David Icke, «La conspiración mundial y como acabar con ella», Ediciones Obelisco, Barcelona, pag 819).
Os autores deste manual, como bons servos das multinacionais de farmácia, não contrapõem nada à teoria oficial.
Nenhum texto de Fernando Pessoa, poeta e filósofo da fenomenologia ou de outros pensadores portugueses metafísicos. Os autores deste manual de filosofia são estrangeirados, no mau sentido do termo. Não se dá importância ao que Pessoa escreveu:
«Não é possível uma futura civilização espanhola, nem uma futura civilização portuguesa. O que é possível é uma futura civilização ibérica formada pelos esforços da Espanha e de Portugal.»
«Todas as forças que se oponham a uma aliança, a um entendimento entre Portugal e Espanha devem ser desde já condenadas como inimigas. Essas forças são: os conservadores, sobretudo os católicos, e a Igreja Católica acima de tudo, que têm por ânsia íntima a união ibérica; a maçonaria, que é também estrangeira de origem, e é agora um organismo estranho metido na carne da Ibéria; a França, que com a sua cultura especial, tem envenenado, por excesso, a alma, ou as almas da Ibéria. A Inglaterra que politicamente tem espezinhado os países ibéricos.» (...)
«Para a criação da civilização ibérica é preciso a rigorosa independência das nações componentes dessa civilização. É um erro crasso supor que a fusão imperialista facilita a actividade civilizacional.»
(Fernando Pessoa, «Obra em prosa, Páginas de Pensamento Político-1, 1910-1919», Livros de Bolso Europa-América, páginas 135-136)
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© (Copyright to Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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Os professores que seguem a linha das "perguntas de escolha múltipla com uma só resposta certa, expressa num X colocado pelo aluno em uma das quadrículas", dão, frequentemente, erros na construção dos testes de filosofia. Falta-lhes a visão do uno que é própria da dialética: é comum isolarem a «verdade» numa única proposição de entre quatro, sem se aperceberem que formularam mais que uma resposta certa. Milhares de professores de filosofia cometem este tipo de erro de hiper-análise: vêem a árvore, mas não a floresta.
Presumo que a maioria dos que ensinam filosofia são de nível intelectual mediano ou mesmo medíocre. Há até causas sociológicas que ajudam a explicar este fraco nível: em geral, os professores entre os 30 e os 50 anos de idade não filosofaram nem lutaram como antifascistas antes de 25 de Abril de 1974, não conheceram as doutrinas marxista e anarquista, a dialética, o estruturalismo, nem a metafísica de direita tradicional (Guenón, Évola, Mircea Eliade, etc). São duas gerações deficitárias na amplitude do saber filosófico, sugadas, em muitos casos, pelo buraco negro da "filosofia analítica".
Eis algumas questões mal construídas em um teste de diagnóstico de filosofia do 10º ano de escolaridade em Portugal, de Setembro de 2011 extraído do blog «Dúvida Metódica», de Carlos Pires e Sara Raposo, que a propaganda falaciosa de Domingos Faria e outros amigos de Desidério Murcho e Aires Almeida apresenta como «um dos melhores blogs de filosofia na internet»(!):
1.3) A diversidade de opiniões existe, por exemplo, em relação a assuntos como:
A. A religião, a política e a geometria.
B. As relações sociais e os assuntos da vida.
C. A política e a geometria
D. A religião e a matemática.
E. Nenhuma das respostas anteriores é correcta.
Crítica: À primeira vista, ser-se-ia levado a supor que só a resposta B é correcta. Mas não é assim: a respostas A e C estão igualmente correctas porque na geometria há divergência de opiniões, há geometrias euclidianas e não euclidianas - por exemplo, a concepção de espaço curvo, ondulatório na teoria da relatividade de Einstein, supõe uma geometria não euclidiana e está longe de recolher a unanimidade de opiniões dos geómetras. A questão 1.3 está, pois,mal construída.
1,8) A passagem da teoria geocêntrica para a teoria heliocêntrica é um exemplo que permite demonstrar que:
A) Uma opinião numa época foi rejeitada numa época seguinte.
B) As opiniões mudam de época para época.
C) Todas as opiniões aceites numa época consideram-se erradas na época seguinte.
D) Algumas opiniões erradas consideram-se verdadeiras na época seguinte.
E) Nenhuma das respostas anteriores é correcta.
Crítica: A autora desta questão, Sara R., pretende que só uma das respostas é correcta. Ora, se reflectirmos bem, verificamos que tanto a resposta A) como a B) e a D) estão correctas. Portanto, esta questão está mal construída e vai penalizar alunos que responderam bem mas diferente da única reposta que se considera certa.
E, em um teste de Maio de 2011, de Sara Raposo, figuram as seguinte questões:
2.2 "...Concepção de Deus segundo a qual este é único, todo-poderoso, omnisciente, misericordioso, absolutamente bom, etc" expressa uma posição:
A) ateísta.
B) teísta.
C) religiosa
D) agnóstica
E) Nenhuma das alternativas anteriores é correcta.
Crítica: Há duas respostas correctas e não uma- supostamente a B) teísta - como pensou a autora da questão. O teísmo é espécie dentro do género religião. A resposta C) está também correcta: a crença no Deus único e misericordioso é uma posição religiosa. A questão 2.2 possui, pois, certa ambiguidade.
2.3 A alínea que constitui um exemplo de politeísmo é:
A) Alá.
B) Zeus.
C) os deuses gregos;
D) Jesus Cristo.
E) Nenhuma das alternativas anteriores é correcta.
Crítica: A autora do teste presume que só há uma resposta correcta: a C), os deuses gregos. Mas de facto há duas respostas correctas: a resposta B), Zeus, o pai dos deuses do Olimpo, está igualmente certa, visto que Zeus é apenas a figura mais importante do panteão dos deuses gregos, um politeísmo. Logo, a questão 2.3 é deficiente.
CONFUSÕES SOBRE DETERMINISMO
Sara Raposo, que com Carlos Pires tem a autoria do blog «Dúvida Metódica», escreveu no post «Se o determinismo radical for verdadeiro, salvar 155 pessoas não tem qualquer mérito, publicado em 3 de Fevereiro de 2009 nesse blog:
«A palavra “determinismo” exprime a ideia de que tudo o que acontece é o efeito ou o resultado de um acontecimento anterior. Assim, os acontecimentos não ocorrem devido ao acaso, têm sempre uma causa que, ao ser conhecida, nos permite compreender a razão de ser dos factos.
«Assim, dizemos que o acontecimento X causou o acontecimento Y (por exemplo: ao largar uma caneta, a existência da força gravítica é a causa da sua queda para o solo). Assim, torna-se possível, conhecido o nexo causal entre determinados fenómenos, prever a sua ocorrência, pois supomos que há uma relação necessária entre a causa e o efeito, o que significa que a presença de um conduz inevitavelmente à ocorrência do outro. Esta concepção filosófica permite descrever, segundo a teoria do determinismo radical, não só os fenómenos da natureza como também as acções humanas.» (Sara Raposo. «Se o determinismo radical for verdadeiro, salvar 155 pessoas não tem qualquer mérito»; o bold é posto por mim).
Definir determinismo como "a teoria que exprime a ideia de que tudo o que acontece é o resultado de um acontecimento anterior" é um erro, erro generalizado entre os filósofos analíticos. Esta errónea definição dada por Sara Raposo exprime, sim, o princípio da razão suficiente formulado por Schopenhauer - que poderíamos designar por causalismo: nada acontece sem uma causa - mas não o determinismo que postula que nas mesmas circunstâncias as mesmas causas A produzem sempre os mesmos efeitos B. Quando se diz que Deus criou o mundo por um acto livre existe um acontecimento anterior à criação - a vontade divina - mas não há aí qualquer determinismo, mas sim um «livre-arbítrio» divino, uma causa incausada. Ora o livre-arbítrio é causa de muitos acontecimentos e, onde ele existe, há causa sem determinismo.
NÃO SE PODE CONHECER O QUE É FALSO?
A propósito de conhecimento, pairam igualmente confusões neste blog «Dúvida Metódica». Carlos Pires escreve:
«Só se pode conhecer o que é verdadeiro, aquilo que de facto sucede. Aquilo que não sucede não pode ser conhecido, pois nada há para conhecer.
Tal como uma pessoa se pode enganar e julgar ver algo sem realmente estar a ver, também se pode enganar e julgar que conhece e afinal não conhecer.
Mas isso não significa que a pessoa tenha um conhecimento falso. É comum ouvirmos falar de conhecimentos falsos. No entanto, essa expressão não pode ser entendida literalmente, é apenas uma maneira de falar. Se conhecer é conhecer verdades, se não se podem conhecer falsidades, então não há conhecimentos falsos. Se uma crença é falsa, não é conhecimento. Se uma crença constitui conhecimento, não é falsa. Por isso, há crenças falsas mas não conhecimentos falsos.»
«Em suma: para haver conhecimento é preciso haver verdade. Esta é uma condição necessária do conhecimento.» (Carlos Pires, O carácter factivo do conhecimento, in «Dúvida Metódica»; o bold é posto por mim).
O termo conhecimento possui dois sentidos, como exige a dialética, disciplina estranha a Nigel Warburton, Simon Blackburn, João Branquinho, Desidério Murcho e outros divulgadores da filosofia analítica: o conhecimento de ideias e teorias, que são interpretações da realidade; o conhecimento da realidade, objectiva em si mesma. Por isso, é possível conhecer falsidades, que são ideias, imagens e teorias erróneas. Exemplo: pode conhecer-se a teoria da vacinação, uma falsidade científica que propaga a ideia de imunização através da inoculação de vírus vivos ou atenuados e toxinas no organismo humano; e pode conhecer-se a verdade objectiva de milhares de pessoas não vacinadas que nunca contraíram a "respectiva" doença, a verdade objectiva de pessoas com regimes de saúde natural (veganismo, macrobiótica, lacto-ovo-vegetarianismo, etc) que gozam de maior saúde do que os milhões de infectados por vacinas.
A tese de que "só pode conhecer-se a verdade" é antidialética e totalitária: não há verdade sem falsidade, conhecer a verdade implica conhecer ao menos o vulto da não verdade, isto é, da falsidade. Há duas noções de verdade em foco: a verdade em si mesma, objectiva, e a verdade como apreensão pelo sujeito (aletheia). Isto não é entendido por Carlos Pires nem pelos articulistas da «Crítica na rede», conhecido veículo de divulgação do confuso pensamento analítico em Portugal e Brasil.
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