Uri Gordon, nascido em 30 de Agosto de 1976, teórico anarquista israelita, professor na universidade de Durham, descreve assim o percurso do anarquismo nos séculos XIX, XX e XXI:
«E de facto, os períodos nos quais o movimento anarquista esteve maior e mais activo foram aqueles de escalada da luta social. Os anos entre 1848 e 1914 ferveram com actividade revolucionária, e deram à luta anarquista o seu dinamismo e senso de urgência. Porém, após duas Guerras Mundiais, aconteceu de tudo com o anarquismo menos desaparecer da cena. A eliminação física da maioria do movimento anarquista europeu pelas ditaduras bolchevique e fascista, e a repressão e deportação durante a Ameaça Vermelha norte-americana entre 1918 e 1921, arruinaram o movimento internacional. Alguns orgãos e publicações anarquistas europeias foram relançadas depois de 1945, e em países latino-americanos como Argentina e Uruguai onde, a despeito de ditaduras e dos desaparecimentos, a cultura e tradição anarquistas conheceram menos rupturas, o início dos anos 1950 foi o pico dos movimentos trabalhistas e estudantis anarquistas. Mas acima de tudo, é justo dizer que a presença anarquista na paisagem política depois da Segunda Guerra Mundial foi apenas uma pálida sombra do que tinha sido 50 anos antes. O boom económico pós-guerra na Europa ocidental e nos Estados Unidos viu o Estado de bem-estar social domesticar boa parte da luta social, enquanto a Guerra Fria colocou o capitalismo ocidental contra o comunismo oriental num sistema internacional bipolar, criando um imaginário político no qual a opção anarquista "nem Wahington nem Moscovo" se tornou invisível. No Sul Global, as lutas anticoloniais foram, em grande parte, nacionalistas ou marxistas, embora tenha havido claras influencias anarquistas em líderes como Mohandas Gandhi e Julius Nyerere (Marshall 1992: 422-7, Mbah and Igariwey 2001, Adams 2002b).»
«Nos anos 1960, entretanto, a linha que teceria a forma da nova onda anarquista começou a ficar mais grossa. A partir de 1964, encontros de jovens anarquistas foram realizados na Europa, com estudantes franceses e italianos, o Provos holandês e exilados da Espanha. Logo depois, novos movimentos sociais começaram independentemente a promover valores e táticas anarquistas, especialmente na França com o movimento estudantil e operário de Maio de 1968, e nos Estados Unidos com o movimento contra a guerra do Vietname e a contracultura.» (...)
«Os anos 1980 viram um aumento na diversificação dos movimentos sociais pelos direitos gays tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, com organizações lésbicas e bissexuais amarrando as pautas feministas e gays, e reclamando o seu lugar num campo até àquele momento predominantemente masculino (Taylor e Whittier 1992, Martel 1999, Armstrong 2002). (...) Estas dinâmicas foram levadas adiante sob o guarda-chuva da Nação Queer, fundada no Verão de 1990, que enfatizava a diversidade e a inclusão de todas as minorias sexuais. Em meados dos anos 1990, mulheres e homens negros queer fundaram as suas próprias organizações e os movimentos radicais desenvolveram uma crítica holística ao racismo, ao heterossexismo, ao patriarcado e à classe.» (...)
«O anarquismo contemporâneo está assim enraízado nessas convergências das lutas radicais do feminismo, ambientalismo, antirracismo e queer, que finalmente se fundiram no final dos anos 90 com a onda de protestos contra as políticas e instituições da globalização neoliberal. Isso levou o anarquismo, na sua reaparição, a ligar-se a um discurso mais generalizado de resistência, gravitando em torno do conceito de dominação. A palavra dominação ocupa hoje um lugar central na linguagem política anarquista, designando o paradigma que governa tanto as relações políticas micro quanto macro».
(Uri Gordon, Anarquia Viva! Política Antiautoritária, Da Prática para a Teoria Vol 1/2, Respigações Ali Ferri Corti, pp. 26-27; o destaque a bold é posto por nós).
Há, porventura, uma diferença essencial entre o anarquismo proletário da Catalunha e Aragão, vivo na guerra civil de Espanha em 1936-1937, que agia no sentido do povo em armas e da tomada do poder de Estado à burguesia, e o anarquismo interclassista de hoje que engloba operários, estudantes, minorias sexuais, okupas de casas e fábricas vazias, e que me parece, em alguma medida, compatível com o capitalismo social-democrata, constituindo uma bolsa de oposição no seio deste.
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