Segunda-feira, 1 de Julho de 2013
Jean Baudrillard: o hiper-realismo e a simulação ou o papel perverso da síntese fechada e eclética

 

Em livro publicado há 31 anos, o  filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard, nascido em 27 de Julho de 1929, caracterizou o fenómeno do hiper-realismo, da simulação e dos simulacros, que, através dos media, a televisão em particular, domina desde os anos 70, pelo menos, as democracias ocidentais. A simulação é, por exemplo, o fingimento orquestrado de que as pessoas são donas do seu destino através de um cenário que lhes confere essa ilusão: comporta, por exemplo,  o  programa «Big Brother», o «Peso Pesado» e todos os programas de televisão que exibem grupos de pessoas na sua privacidade quotidiana, deixando o espectador "ver" a intimidade dos actores,  as engrenagens ocultas do poder familiar, grupal, dando "poder" ao espectador e aos actores.

 

A simulação comporta, igualmente, o protesto de massas controlado por dirigentes ordeiros, que fingem ser contra os governantes, a alta finança, os poderosos mas suavizam o protesto e desarmam-no.

É algo que é real e fictício ao mesmo tempo, que elimina a possibilidade de uma revolução anti capitalista genuinamente democrática que eleve a sociedade a um estádio novo, se este for possível.

 

Baudrillard escreveu, distinguindo entre dissimulação e simulação:

 

«Dissimular é fingir não ter ainda o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma pura ausência. Mas é mais complicado pois simular não é fingir: " Aquele que finge uma doença pode simplesmente meter-se na cama e fazer crer que está doente. Aquele que simula uma doença determina em si próprio alguns dos respectivos sintomas.» (Littré). Logo, fingir ou dissimular deixam intacto o princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada, enquanto que a simulação põe em causa a diferença do "verdadeiro" e do "falso", do "real" e do "imaginário". O simulador está ou não doente, se produz "verdadeiros" sintomas? Objectivamente não se pode tratá-lo nem como doente nem como não doente» (Jean Baudrillard, Simulacros e Simulação, páginas 9-10, Relógio d´Água).

 

 

«Hoje a abstracção já não é a do mapa, do duplo, do espelho e do conceito. A simulação não é já a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real. O território já não precede o mapa, nem lhe sobrevive. É agora o mapa que precede o território - precessão dos simulacros - é ele que engendra o território cujos fragmentos apodrecem lentamente sobre a extensão do mapa. É o real, e não o mapa, cujos vestígios sobrevivem aqui e ali, nos desertos que já não são os do Império, mas o nosso. O deserto do próprio real

 

«De facto, mesmo invertida, a fábula é inutilizável. Talvez subsista apenas a alegoria do Império. Pois é com o mesmo imperialismo que os simuladores actuais tentam fazer coincidir o real, todo o real, com os seus modelos de simulação. Mas já não se trata do mapa nem de território. Algo desapareceu: a diferença soberana de um para o outro, que constituía o encontro da abstracção. Pois é na diferença que consiste a poesia do mapa e o encontro do real. .Este imaginário da representação, que culmina e ao mesmo tempo se afunda no projecto louco de cartógrafos, de uma coextensividade ideal dos mapas e do território, desaparece na simulação  - cuja operação é nuclear e genética e já não espectacular e discursiva. É toda a metafísica que desaparece.» (Jean Baudrillard, Simulacros e simulação, pag 8, Relógio d´Água).

 

 

A metafísica, isto é, a crença num mundo ideal, diferente e «transcendente» a este como, por exemplo, uma democracia participativa radical individualista em que todos os cidadãos estão informados e controlam a governação, ou o comunismo, desaparece porque a simulação faz desabar o andar de cima da casa da idealização humana.

 

Exemplo de como a simulação absorve  a generalidade dos protestos sociais foram as grandes manifestações de 80 000 e 100 000 professores em 8 de Março e 8 de Novembro de 2007 em Lisboa, contra o novo e burocrático sistema de avaliação de professores desenvolvido pelo ministério da educação de Maria de Lurdes Rodrigues e o governo Sócrates: os professores manifestaram-se, os sindicatos tansportaram em autocarros os manifestantes e discursaram ameaçando a ministra (simulação) mas acabaram por esvaziar a luta aceitando um memorando de entendimento (17 de Abril de 2008, simulacro) e marcando um dia de greve (3 de Dezembro) sem sequência de luta (simulação).

 

O interessante traço da hiper-realidade é que as manifestações estavam a ser transmitidas em directo pela televisão a todo o país como se a classe dominante, a burguesia, representada pelo PS, PSD e CDS, se estivesse a criticar ou a destruir a si mesma. Os sindicatos, tal como os profissionais da informação, são agentes de simulacros: aparelhos, entidades, que fingem estar ou estão momentaneamente à esquerda, cativando o descontentamento dos professores e as quotas sindicais, e, depois, surgem à direita ao assinar acordos com o ministro da Educação, ao suavizar a contestação, ou ao modelar a informação televisiva, dando uma no cravo e outra na ferradura.

 

Baudrillard escreveu:

«Os media carregam consigo o sentido e o contra-sentido, nada pode controlar este processo, veiculam a simulação interior ao sistema e a simulação destruidora do sistema, segundo uma lógica absolutamente (...) circular. Não há alternativa, não há resolução lógica. Apenas uma exacerbação lógica e uma resolução catastrófica.» (ibid, pag 116)

 

 

São dois problemas distintos, mas interdependentes: a desaparição do ideal metafísico, densificando por completo o real; o abarcar horizontal de todo o campo das alternativas possíveis por uma mesma força, multifacetada, hidra de muitas cabeças, que domina os media.

 

É esta a visão dos estrategas da globalização do tipo clube de Bilderberg de George Soros, Henry Kissinger e Durão Barroso que, em reuniões anuais, secretas no seu conteúdo, escolhem, no centro-direita e no centro-esquerda, os políticos que lideram grandes partidos concorrentes entre si às eleições num dado país de modo a que, ganhe um ou ganhe outro, ganha sempre o mundialismo anti-pátrias de Bilderberg. Nas eleições de 20 de Fevereiro de 2005, em Portugal, tanto o primeiro-ministro e líder do PSD Santana Lopes como o líder do maior partido de «oposição», o PS, José Sócrates, eram membros do grupo de Bilderberg: tinham ido ambos à reunião de Seveso, Itália, em Junho de 2004, a convite de Francisco Pinto Balsemão, e, um ou vários meses depois, haviam ascendido à liderança dos respectivos partidos.

 

 

O hiper-realismo é a realidade sem o sonho, com a subversão, por elites manipulatórias, dos valores éticos, estéticos  e políticos das massas populares, é o pragmatismo no seu grau extremo. É a síntese fechada, englobando a tese e a antítese, de modo «pluralista»..

 

Sob um certo aspecto, o nacional-socialismo e o marxismo-leninismo-estalinismo são sínteses entre o capitalismo liberal ou social-democrata e o seu oposto, o socialismo baseado na autogestão das empresas: o nacional-socialismo ou fascismo de demagogia social ataca alguns grupos capitalistas (a finança judeo-maçónica, os republicanos democratas) e em simultâneo esmaga as organizações operárias (os anarquistas, anarco-sindicalistas, comunistas, socialistas de esquerda ou centro); o leninismo-estalinismo idem, ao fazer uma síntese entre a burguesia e o proletariado através da criação de estados totalitários em que a antiga burocracia capitalista se funde com a propriedade colectiva dos meios de produção (uma antiga reivindicação do anarquismo). Estas sínteses que se convertem em teses ditatoriais geram antíteses fortes.

 

Mas o hiper-realismo de aparência democrática e dialética não é a síntese que esmaga a tese a antítese, a síntese redutora, mas a síntese eclética, a síntese fechada, que não permite a criação de uma nova tese. Por isso, Baudrillard no final deste livro elogia o terrorismo anti estatal e anti capitalista como a solução digna dos oprimidos e explorados: a democracia formalmente instituída é uma farsa, um cenário de pluralismo controlado pela classe dominante.

 

  

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Domingo, 9 de Janeiro de 2011
Engels: o povo mais teórico da Europa e o socialismo

Engels teorizou um laço entre o movimento operário alemão e a filosofia de Kant, Schelling e Hegel, caracterizando o povo alemão como o mais teórico da Europa, o que parece, ainda hoje, ser verdade. Escreveu:

 

«Os operários alemães têm sobre os do resto da Europa duas vantagens essenciais. Em primeiro lugar, a de pertencerem ao povo mais teórico da Europa e terem conservado o sentido teórico que a chamada "gente culta" da Alemanha tão completamente perdeu. Sem a precedência  da filosofia alemã, nomeadamente de Hegel, o socialismo científico alemão - o único socialismo científico que jamais existiu - nunca teria nascido.  Sem esse sentido teórico entre os operários este socialismo científico nunca lhes teria entrado como entrou na massa do sangue (...)

«A segunda vantagem é a de os Alemães terem sido quase os últimos no tempo a entrar no movimento operário. Tal como o socialismo teórico alemão nunca esquecerá que está aos ombros de Saint-Simon, de Fourier e de Owen, três homens que apesar de todas as fantasias e apesar de todo o utopismo se contam entre as cabeças mais importantes de todos os tempos e anteciparam genialmente coisas cuja correcção nós agora demonstramos cientificamente  -assim também o movimento operário prático alemão não deve nunca esquecer que se desenvolveu aos ombros do movimento inglês e francês, pôde aproveitar-se simplesmente das suas

Friedrich Engels, Nota prévia a «A guerra dos camponeses alemães», in Marx e Engels, Obras Escolhidas 2, pag. 186, Edições Avante)

 

Sem contrariar Engels, pergunto: a aprendizagem de um proletariado nacional com a experiência de outros proletariados basta? Como explicar que o proletariado russo, que não acumulou a experiência do proletariado alemão, e atrás de si tinha a vida de combate de Lenine, Kropotkine e Bakunine, tenha superado, momentameamente, em 1917-1921, o proletariado alemão na revolução anticapitalista, engolida em poucos anos pela ditadura estalinista?  Não será necessário, para a revolução, a par da filosofia um impulso dionisíaco, irracional, um instinto revolucionário de massas, impossível de reflectir por completo no espelho da teoria e com uma importância tão grande quanto esta?

 

 

 

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