Está hoje em voga vincular o conceito de relativismo (a verdade varia de povo a povo, classe a classe social, etnia a etnis, religião a religião, época a época, etc) ao conceito de cepticismo ( não se conhece o grau de verdade de cada perspectiva moral, sócio-cultural, etc, valem todas o mesmo).
À essência do relativismo, que se exprime, em regra, no plano ético, por um dogmatismo crítico, flexibilista, - um descritivismo, termo nebuloso que nem a Wikipédia se atreve, de momento, a definir - não pertence o cepticismo igualitário ou igualizador de todas as posições.
Assim, sustento que há um relativismo sincrónico ou diacrónico, diferencialista. Exemplo: a posição de Hegel ao sustentar que em todas as religiões, até no homem que venera o crocodilo como deus, há um certo grau de apreensão da verdade de Deus («a verdade é o Todo das diferentes perspectivas» segundo Hegel) ainda que o protestantismo seja a melhor e mais verdadeira perspectiva de apreender Deus, posição que está longe do relativismo céptico do «não se conhece o grau de verdade de cada uma, valem todas o mesmo». O relativista diferencial entende possuir o essencial ou pelo menos a parte mais importante da verdade mas concede que existe verdade moral nas posições opostas à sua (Exemplo: «Sou a favor da heterossexualidade que considero ser a forma perfeita do amor mas admito que haja amor entre homossexuais e que estes possam ser felizes»).
E há um relativismo sincrónico ou diacrónico niilista, céptico. Exemplo: nenhuma religião é superior em grau de verdade às outras, dado que nalgumas religiões do mundo se crê na reencarnação e noutras não, numas veneram-se estátuas, noutras ícones e noutras rejeita-se as imagens, numas sacraliza-se o casamento monogâmico e moutras o poligâmico, logo valem todas o mesmo.
No fundo, o relativismo não é niilista: em si o relativismo é metaético, situa-se no terreno da gnosiologia ou da ontognosiologia (o ser indissociável do conhecer), o cepticismo ou niilismo normativo que se lhe justapõe é que é propriamente ético. O perspectivismo de Nietzschze é um relativismo - reconhece que não há uma verdade absoluta mas infinitas perspectivas de verdade. Essa é a base gnosiológica geral do relativismo. Mas concluir daí que não é possível optar porque «há muitas perspectivas, logo nenhuma é criticável» é adicionar cepticismo ao relativismo, não constitui a essência deste.
No artigo «O relativismo» de David Wong no Compêndio de Ética de Peter Singer não se encontra esta noção de relativismo diferencialista, meio termo (SÌNTESE) entre o absolutismo anti-relativista (TESE)- que entende que a verdade toda se circunscreve a um único canon, a uma única posição, e que as outras constituem erros, desvios (Exemplo: «A heterossexualidade é o padrão normal do comportamento humano, o único moralmente aceitável, sendo a homossexualidade e a bissexualidade meras aberrações, formas degeneradas de sexo onde o amor está ausente») - e o relativismo indiferentista ou seja o relativismo adicionado de cepticismo normativo (ANTÌTESE)
Wong classifica de relativismo metaético o que se designa por relativismo (ponto em que estamos de acordo):
«Esta doctrina es el relativismo metaético, porque versa sobre la relatividad de la verdad moral y de la justificabilidad. Otra especie de relativismo moral, también una respuesta común a conflictos morales profundos, es una doctrina sobre cómo debemos actuar hacia quienes aceptan valores muy diferentes de los propios. Este relativismo moral normativo afirma que es erróneo juzgar a otras personas que tienen valores sustancialmente diferentes, o intentar que se adecuen a los nuestros, en razón de que sus valores son tan válidos como los nuestros.»
(David Wong in Compendio de Etica, de Peter Singer, pags 593-594)
Além do relativismo, existe o absolutismo de valores, que possui toda a gama de informação sobre o mosaico de valores a nível mundial (exemplo: a Igreja Católica antes do Vaticano II estava informada sobre o conteudo de todas as religiões do mundo mas sustentava que «a salvação da alma só é possível dentro da Igreja Católica ) mas exclui toda e qualquer forma de ecletismo, de variabilidade dos conceitos de «bem», «mal», etc.
Assim há pelo menos três posições e não duas: relativismo indiferencista («Os valores mudam, valem todos o mesmo, somos forçados ao cepticismo») relativismo diferencialista («Os valores mudam, mas não valem todos o mesmo, não somos cépticos mas dogmáticos flexíveis, críticos») e anti relativismo ou absolutismo («Os valores são imutáveis, universais e absolutos, somos dogmáticos inflexiveis»). Em termos de tríade hegeliana, poderá dizer-se: absolutismo de valores é a TESE, relativismo indiferentista é a ANTÌTESE e relativismo diferencialista é a SÌNTESE.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Hessen, um erudito alemão nascido em 1889, professor na Universidade de Colónia, autor do tratado «Filosofia dos Valores» que ainda hoje inspira muitos autores de manuais de filosofia, escreveu sobre o relativismo axiológico:
«Esta validade dos valores é contudo negada pelo relativismo axiológico. Segundo esta doutrina, todos os valores são relativos. Aquilo que para uns é valor pode ser para outros desvalor. Não há valores objectivos nem absolutos». (Johannes Hessen, Filosofia dos Valores, Arménio Amado Editor, Sucessor, Coimbra 1980, pag. 95).
Há um erro de Hessen nesta definição. Relativismo opõe-se a absolutismo, sem dúvida, mas não se opõe directamente a objectivismo.
Para o relativismo, não há valores absolutos mas há valores objectivos, isto é, valores aceites de forma unânime por uma esmagadora maioria de indivíduos de uma comunidade ou civilização, num dado tempo.
O absolutismo estético dirá: «O ideal de beleza feminina é imutável, é o mesmo em todas as épocas, regiões do mundo e comunidades». É uma modalidade de objectivismo estético.
O relativismo estético - não interpretado como sujectivismo - dirá: «A loura actriz norte-americana Marilyn Monroe é um modelo de beleza feminina ideal para os homens nascidos no século XX mas não o será, certamente, para os nascidos no século XXI.». É outra modalidade de objectivismo estético - o valor de beleza de Marilyn é objectivo (universal) mas relativo a um tempo e a uma cultura masculina (a segunda metade do século XX).
Por conseguinte, há um relativismo axiológico objectivista ( exemplo, extraído da ideologia democrática não sexista do século XXI: « A mulher e o homem são absolutamente iguais em direitos políticos, jurídicos, económicos, culturais, religiosos, etc, e iguais em competências») e há um relativismo axiológico subjectivista ou intersubjectivista (exemplo, extraído da ideologia neonazi: «O holocausto de 6 milhões de judeus pelo nazismo na II Guerra Mundial não existiu, é uma invenção dos historiadores judeo-maçónicos»).
O manual português «Logos, Filosofia 10º ano», entre outros, participa do mesmo paralogismo de Hessen ao opor, como contrários absolutos, relativismo e objectivismo:
«...há fundamentalmente duas teorias axiológicas:
«O relativismo que defende que não é possível estabelecer uma verdade universalmente aceite para os juízos de valor.»
«O objectivismo que afirma que deve ser possível, pelo menos em princípio (mesmo que não na prática) atribuir verdade ou falsidade aos juízos de valor» (in Logos, Filosofia 10º ano, de António Lopes e Paulo Ruas, Consultor Científico: António Pedro Mesquita, Santillana-Constância Editora, Lisboa 2007, pag. 92).
A confusão é grande nestas definições. Ressalta aliás a vacuidade da definição de objectivismo: «deve ser possível atribuir verdade e falsidade aos juízos de valor». Mas isso faz igualmente o relativismo! Por exemplo, o relativismo atribui ao luto pela morte de alguém de avançada idade na ilha de Madagáscar um valor de alegria e de recompensa divina (os parentes cantam e dançam) e em Portugal um valor de tristeza (os parentes choram).
O relativismo deve ser dividido em sincrónico (relativismo espacial, geográfico e cultural no mesmo instante)e diacrónico (relativismo temporal diferido). Se é diacrónico - isto é os valores mudam com o tempo, são relativos a tempos diferentes - nada impede que, no mesmo ano, na mesma década ou século, os valores sejam universais, objectivos. Infelizmente, estas distinções não são feitas pelos manuais de filosofia nem por Hessen e outros teóricos.
Universalismo objectivista e relativismo não se contradizem em absoluto pois, neste caso, são duas faces da mesma moeda. Exemplo de relativismo diacrónico universalista e objectivista: «A verdade é relativa às épocas mas objectiva e universal dentro de cada uma. Assim, a revolução francesa de 1789-1795 é universal e objectivamente considerada a mais poderosa transformação social e política no planeta, nas primeiras décadas do século XIX, mas, 100 ou 120 anos depois, a revolução bolchevique de 1917 na Rússia é classificada universal e objectivamente como a mais poderosa transformação social e política na Terra».
Relativismo não se opõe a universalismo e a objectivismo. Opõe-se, sim, a absolutismo.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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