Para designar realismo natural ou ingénuo, isto é, doutrina segundo a qual a mente humana apreende sensorialmente o mundo exterior da matéria tal como ele é, alguns epistemólogos empregam o termo «realismo directo».
É o caso de Dancy, que escreveu (o negrito é nosso):
«O realismo directo defende que na percepção dos sentidos estamos directamente conscientes da existência e natureza do mundo físico que nos rodeia. Todos os realistas directos concordam acerca disto, do carácter directo das coisas. Diferem, todavia, no grau de realismo que estão dispostos a abraçar. O realista, no nosso sentido presente, defende que os objectos físicos são capazes de existir e retêm pelo menos algumas das propriedades que apreendemos terem, mesmo quando inapreendidos. A frase crucial é «pelo menos algumas» , e a questão é saber exactamente quais. Distinguiremos dois tipos de realismo, o ingénuo e o científico; dependendo da natureza do caso, contudo, pode haver muitas posições intermédias possíveis.»
«O realista directo ingénuo defende que os objectos inapreendidos são capazes de reter propriedades que apreendemos terem. Com isto, ele quer dizer que um objecto inapreendido pode ainda ter não só uma forma e tamanho mas também ser quente ou frio, ter uma cor, um gosto ou um cheiro, ser rugoso ou liso e fazer barulho ou ser silencioso. A ingenuidade desta posição está na palavra «todos». A posição torna-se menos ingénua à medida que «todos» se reduz a «quase todos» e depois a uma «maior parte» e assim por diante, mas é para nós mais simples vê-la no caso mais completo e mais extremo.»
«Oposto à forma ingénua de realismo directo, está o realismo directo científico. Esta versão científica considera que a ciência demonstrou que os objectos físicos não retêm, quando inapreendidos, todas as propriedades que apreendemos terem; pois a existência dessas propriedades depende da existência de um sujeito percipiente. Assim a cor, o gosto, o som e o cheiro não são propriedades independentes do objecto que ele possa reter inapreendido. O objecto só as possui em relação ao sujeito percipiente. O realista directo científico aceita o carácter directo da nossa percepção do mundo, mas restringe o seu realismo a um grupo especial de propriedades.»
«A distinção elaborada está próxima da distinção de Locke entre qualidades «primárias» e secundárias (ver J.Locke, 1961, Lv. 2, cap. 8). Locke defendia que as qualidades primárias da forma, tamanho, textura molecular e movimento têm um status diferente das qualidades «secundárias» como a cor, o calor, o cheiro, o gosto, etc (poderíamos chamar a estas propriedades «sensoriais»). ( Jonathan Dancy, Epistemologia Contemporânea, Edições 70, pag. 186-187).
O problema de Dancy é o de falta de espírito de síntese, de uma arquitectónica de pensamento dialéctica: aquilo que designa por realismo directo científico não é directo, mas indirecto porque é científico, isto é, porque descobriu que a cortina das cores, sons, cheiros, etc, não permite ver directamente o objecto físico exterior que é despido destas qualidades secundárias. Ele mesmo afirma que o realista científico «restringe o seu realismo (directo, subentende-se) a um grupo especial de propriedades» - por outras palavras, é um realista indirecto.
O mais grave é que Dancy duplica as definições a partir de diferenças milimétricas que, de facto, não existem: fala em realismo directo, ingénuo e natural; e em realismo indirecto, ingénuo e natural. É uma obscuridade de pensamento disfarçada num vasto entrançado de definições, com bifurcações que nunca mais acabam. Um exemplo de catedrático erudito, muito comum nas universidades, que subjuga os alunos pela monumentalidade da sua verborreia, das suas infinitas classificações mais ou menos desconexas Monumentos não de pedra mas de cartão, facilmente desmontáveis por um pensamento lúcido e crítico.
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