Aristóteles foi, a meu ver, o maior filósofo dialético da Antiguidade clássica grega. Definiu quatro tipos de opostos: os contrários, os contraditórios, os relativos e os privativos/possessivos. Há ainda os intermédios que fazem a mediação entre os contrários. Mas nesta divisão desdobrada num mesmo plano afigura-se-me haver, pelo menos, um paralogismo.
Ser e não ser é uma oposição de contradição mas é também uma oposição de posse e privação: o ser possui ser mas está privado de não ser e viceversa, o não ser está privado de ser. Afinal qual é a diferença? A oposição entre a possessão e a privação não é senão o lado formal da contradição, o enunciado abstracto desta, da dicotomia A e não-A. Ou se possui A ( e se está privado de não-A) ou se possui não-A (e se está privado de A).
Não há possessão /privação fora da contradição, a meu ver. Aristóteles escreveu:
«Por sua vez, a contrariedade primeira é possessão e privação, mas não qualquer privação (pois "privação" tem muitos sentidos), senão a completa. ( Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1055a, 30-35).
«A privação, por seu lado, é um tipo de contradição.» ( Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1055b, 1-5).
Questionemos Aristóteles. Por que razão só a contrariedade primeira é possessão-privação completa e a contrariedade segunda, como, por exemplo, mesa de madeira e fogueira, não é possessão e privação completa? A mesa de madeira está privada de fogo e possui moléculas de celulose e o fogo em si, nas suas partículas ígneas, está privado da mesa de madeira. Aristóteles situa, no texto acima, a privação-possessão como um tipo de contradição, uma espécie dentro do género contradição. Não está a ser exacto, a meu ver. Toda a contradição, incluindo a contrariedade, é, na sua estrutura, uma oposição entre posse e privação.
«E de certo modo a forma dos contrários é a mesma, posto que a substância da privação é a substância oposta, por exemplo, da doença a saúde, já que a ausência desta é a doença, e a saúde é, por sua vez, a noção que está na alma, quer dizer, o conhecimento.»( Aristóteles, Metafísica, Livro II, 1032b, 1-5).
Se a forma dos contrários é a mesma, o que os distingue? O conteúdo, a matéria (interior à forma). Assim há possessão e privação ao nível da forma, da essência, e ao nível da matéria, da existência. Neste último caso diremos, por exemplo, que há uma contradição entre estar e não estar nesta sala: estou nela às dezasseis horas de um dado dia mas às dezoito horas estou ausente. A contradição entre estar e não estar é diacrónica, os seus campos opostos desdobram-se no tempo, não são simultâneos, excepto no pensamento. Não é pois, possível, estudar o ser (entendido como essência) sem implicar o tempo (existência)- e isto contraria a linha de investigação heideggeriana, deficiente do ponto de vista dialético, porque atribui à ontologia tradicional a «confusão» entre ser e tempo, como se fosse possível isolar entre si estas duas dimensões .
Apesar de grande dialético, Aristóteles não conseguiu evitar estas duplicações do mesmo conceito: contradição (A versus não-A), possessão-privação (A versus não A). Ora a dialética divide cirurgicamente a realidade, as coisas, usando a díade (dualidade) e a tríade (trialidade). Há, no entanto, maior profundidade em Aristóteles, do que em Heidegger ou em Hegel, sem embargo de estes terem gerado doutrina filosófica distinta da do Estagirita. Em termos de estatura de pensamento: Aristóteles o maior, depois Hegel e, em terceiro lugar, Heidegger.
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Aristóteles distinguiu quatro tipos de oposição: a contradição, a contrariedade, a relação (os termos relativos) e a privação-possessão. Sem embargo de possuir uma agudeza de pensamento filosófico muito acima do comum, cometeu alguns equívocos antidialécticos, se entendermos por dialética a ciência da hierarquização dos géneros e espécies. O Estagirita escreveu:
« Por sua vez, a contrariedade primeira é possessão e privação, mas não qualquer privação (pois privação tem muitos sentidos), mas a que é completa. E as demais coisas dizem-se contrárias por estes contrários, umas porque os têm, outras porque os produzem ou são capazes de produzi-los, outras por ser aquisições ou perdas de estes ou de outros contrários.»
E se a contradição, e a privação, e a contrariedade e os termos relativos são modos de oposição, e o primeiro deles é a contradição e se na contradição não há termo médio, enquanto que pode have-lo entre os contrários, é evidente que contradição e contrariedade não são o mesmo. » (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1055a 30-35, 1055 b, 1-5; o negrito é de minha autoria).
Aristóteles começa por mostrar muito justamente que a oposição possessão-privação ( exemplo: ser / não ser) é a primeira forma de contradição - eu diria: é a contradição no sentido ontológico puro. Falta-lhe dizer que todas as outras formas de contradição - por exemplo (ser) branco / (ser) não branco ; terrestre/ não terrestre; feminino/ não feminino, etc) são simples concretizações eidéticas (são ser adicionado de uma dada essência ou de todas as outras) daquela contradição formal. Portanto, ao separar no segundo parágrafo da citação acima, a privação da contradição, («E se a contradição, e a privação...são formas de oposição».) Aristóteles mergulha no magma de uma certa confusão: a privação é um dos termos da contradição, é um fundo ontológico desta. Definir a contradição - algo é A ou é privação de A - é incluir privação na definição.
Em outra passagem de "Metafísica" , Aristóteles afirma, de forma algo confusa, que toda a contrariedade - oposição de contrários como por exemplo, água versus fogo - é privação, ainda que em seguida reconheça que só parcialmente é privação:
« Por outro lado, se as gerações na matéria se produzem a partir dos contráriose se geram, seja a partir da forma, quer dizer, da posse da forma, seja a partir de certa privação da forma e da estrutura, é evidente que toda a contrariedade será privação, mas seguramente nem toda a privação será contrariedade (e a causa disso estriba em que o que está privado de algo pode estar privado de muitas maneiras) posto que os contrários são os termos a partir dos quais se produzem as mudanças. Isto resulta evidente por indução. Com efecto, toda a contrariedade comporta a privação de um dos contrários, se bem que não da mesma maneira em todos os casos.» (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1055 b, 10-20; o negrito é colocado por mim).
Aristóteles deveria dizer que toda a contrariedade inclui privação e não que toda a contrariade é (está incluída em) privação. De facto, a contrariedade não é privação: é um conjunto posse-privação - como aliás, no excerto inicial mais acima, Aristóteles qualifica a contrariedade primeira - existência-inexistência, ser- não ser, A contrariedade é pois um intermédio entre dois géneros opostos: a posse e a privação, o ser e o não ser. Em cada momento, só uma parte da contrariedade é privação e em sentido relativo, não em sentido absoluto. A água é privação do fogo mas não é privação em sentido absoluto, não é nada. É negação, sob determinada modalidade, do fogo. Opor a água ao fogo não é o mesmo que opor o fogo ao nada.
AMBIGUIDADE NO CONCEITO DE RELATIVO
Há ainda uma ambiguidade grande no genial Aristóteles ao definir relativos:
«Algo se diz que é relativo:
(i) Em um sentido, como o dobro a respeito da metade, o triplo a respeito do terço, e em geral, o múltiplo a respeito do submúltiplo e o que excede a respeito do excedido;
II) em outro sentido, como que é capaz de aquecer a respeito do aquecível, o que é capaz de cortar a respeito do cortável e, em geral, o activo a respeito do passivo.(3) em outro sentido, como o mensurável a respeito da medida, do cognoscível a respeito do conhecimento e do sensível a respeito da sensação.
As citadas em primeiro lugar denominam-se relações "numéricas" e podem dar-se definida ou indefinidamente, seja a respeito dos números de que se trate, seja a respeito da unidade.» (Aristóteles, Metafísica, Livro V, 1020 b, 25-35).
Para haver uma terminologia lógica perfeitamente clara no quadro das oposições idealizado por Aristóteles, o termo relativos deveria designar a ligação entre uma espécie e os géneros a que pertence ou entre um ente individual e as espécies a que pertence e não designar os contrários. Tratar-se-ia assim de uma relação de internalidade, uma diferença moderada, distinta da relação entre contrários que, como diz Aristóteles, é uma diferença extrema. Mas tal não sucede quando Aristóteles denomina relativos o activo e o passivo. Estes são, frequentemente, contrários. Por exemplo: o homem activo copula com o seu contrário, isto é, a mulher passiva; o leão activo persegue, captura e despedaça a gazela, passiva, que lhe é contrária. Leão e gazela são relativos? Ou contrários? Ou ambas as coisas?. A ambiguidade aristotélica neste ponto está em chamar relativos tanto aos intermédios como aos contrários.
E abrindo o leque do seu pensamento multifacetado, escreveu ainda Aristóteles:
«O activo e o passivo são relativos segundo a potência activa e passiva, respectivamente, e segundo os actos de tais potências...» (Aristóteles, Metafísica, Livro V, 1021 a, 15-20)
«Ademais, algumas coisas são relativas segundo a privação da potência: assim, o im-potente, e todas as coisas que se exprimem desta maneira como, por exemplo, o in-visível.» (Metafísica, Livro V, 1021 a, 25-30).
Ora, impotente é contrário de potente, mas Aristóteles classifica-os de relativos neste excerto. E o mesmo sucede com visível e invisível, contrários entre si: Aristóteles classifica-os de relativos. A menos que a contrariedade e a contradição sejam consideradas espécies do género relativos, o que Aristóteles parece não ter postulado, há um erro antidialéctico ao considerar visivel e invisível só como relativos e não como contrários.
A EQUÍVOCA OPOSIÇÃO DO IGUAL AO GRANDE E AO PEQUENO
Sobre o igual, que Aristóteles posiciona como termo intermédio de maior e menor, lê-se na «Metafísica»:
«Ademais, Igual mostra-se como algo intermédio entre Maior e Menor, mas nenhuma contrariedade mostra ser intermédia, nem pode sê-lo por definição, posto que não seria completa se fosse termo intermédio de algo, mas antes, mais exactamente, é ela a que tem algo de intermédio em si mesma.» (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1056 a, 10-15).
«Mas não é privação necessariamente. Não é igual, com efeito, tudo o que não é nem maior nem menor, mas sim as as coisas que podem ser tal por natureza. O igual é, portanto, o não grande nem pequeno, mas o que por natureza pode ser grande ou pequeno. E opõe-se a ambos como negação privativa, e por isso é intermédio.» (Aristóteles, M, Livro X, 1056 a, 20-25; o negrito é de minha autoria).
Ora é falso que Igual seja intermédio entre grande e pequeno. Igual é uma noção obtida por comparação de entes e opõe-se a Desigual. Ambos pertencem ao género comparação. Grande e pequeno pertencem a outro género: tamanho, que se apoia no género comparação. O raciocínio vulgar confunde estes dois géneros.
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Agnosticismo é o mesmo que cepticismo? Será quádrupla e não tripla a estrutura geral da realidade? Agnósis significa, em grego, desconhecimento, sem conhecimento. Parece-me que há dois tipos de desconhecimento: o agnosticismo, ou seja, a privação do conhecimento; o cepticismo, ou seja, a negação do conhecimento. Mais uma vez me inspiro em Aristóteles, essa luminária genial da filosofia, que determinou duas vertentes do não ser: a privativa e a negativa. E há dois tipos de conhecimento: o dogmatismo positivo ( por exemplo: «o ser e tal ou tais entes, como o planeta terra, o electromagnetismo, a humanidade existem») e o dogmatismo negativo ( exemplo: «o ser e diversos entes como a Terra,o electromagnetismo e a humanidade não existem)».
A privação do conhecimento significa que nem sequer se faz ideia de que existe uma referência, um objecto, uma teoria a conhecer, numa dada área. Vive-se na pura ignorância: não há certeza, nem há dúvida. É a privação. É possível que certas tribos indígenas vivendo secularmente no meio da floresta da Amazónia ignorassem por completo, até ao século XIX ou mesmo até ao século XXI, a existência de outros povos e da civilização industrial mundial. Estariam em estado de agnosticismo puro.
Mas se um dos membros da tribo dissesse: «Vi, ao longe, gente estranha, com cor de pele diferente» surgiria a dúvida, o cepticismo, na mente de alguns dos seus ouvintes. O cepticismo encerra em si algum conhecimento: o conhecimento de uma ideia, hipótese, não confirmada pelos orgãos dos sentidos, a fonte mais segura da verdade. Erram, pois, aqueles que dizem que todo o conhecimento é factivo, isto é, de factos reais, irrecusáveis. O conhecimento de hipóteses, de sonhos não é factivo, indiscutível, mas é conhecimento de algo. Aquele que duvida da existência de entidades extraterrestres conhece a hipótese de estas existirem mas nega à hipótese o transformar-se em certeza (dogma). Usa, pois, o livre arbítrio. Mas o que nunca viu nem ouviu falar de extraterrestres nem lhe ocorreu essa ideia está aquém da dúvida: não chegou sequer ao patamar do cepticismo. Está em absoluto privado do dogma, nesse campo, ao passo que o céptico sente-se vizinho do dogma e conhece o dogma sem o adoptar. Assim, há três posições: agnose (privação do conhecimento), dúvida (negação existencial de um conhecimento) e dogma (afirmação de um conhecimento).
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Na Metafísica, Aristóteles estabelece três princípios na génese dos corpos sensíveis forma, privação e matéria mas correlaciona-os de forma equívoca.
«Assim pois, os elementos e princípios de estes são os mesmos (se bem que distintos para coisas distintas), mas não é possível dizê-lo a respeito de todas as coisas assim, sem mais, mas analogicamente, como quem diz que há três princípios: forma, privação e matéria. Não obstante, cada um destes é distinto para cada género: assim, branco, negro e superfície para a cor, luz, obscuridade e ar, dos quais se geram o dia e a noite.»
(Aristóteles, Metafísica, Livro XII, 1070 b, Editorial Gredos, pags 478).
É sabido este é um dos grandes conceitos do aristotelismo - que a matéria-prima (hylé) não existe em acto: é ser em potência, ou seja, fornece o conteúdo indeterminado a cada ser, conteúdo que a forma vai moldar e fazer passar à existência, ao acto. Por isso, Aristóteles admite, no texto seguinte, uma matéria geradora, à sua maneira, como substrato, do calor e do frio:
«Por conseguinte, nenhum elemento pode ser substância nem relação. Mas necessariamente teria que sê-lo. Logo não são os mesmos os elementos de todas as coisas.»
«Ou, como dizíamos, são-no em certo sentido e em certo sentido não, por exemplo, seguramente o calor é a modo de forma dos corpos sensíveis e o frio é, à sua maneira, a privação, enquanto que matéria será aquilo que, primeiramente, e por si, é em potência um e outro, e substâncias serão estas coisas, assim como as que procedem destas tendo estas como princípios, ou se algo dotado de unidade se gera a partir do calor e do frio, por exemplo, carne ou osso, já que necessariamente o gerado há-de ser distinto dos princípios.» (Aristóteles, Metafísica, Livro XII, 1070 b, Editorial Gredos, pags 477; o bold é nosso).
O calor define-se hoje como energia térmica em trânsito ou energia cinética elevada que circula em cada corpo e entre corpos diferentes e associa-se, grosso modo, a temperaturas do meio ambiente superiores a 15º -20º. Segundo a física actual, a temperatura de um sistema medida da energia cinética ligada ao movimento (vibração) aleatório das partículas que compõem esse sistema físico - é directamente proporcional à energia cinética média das partículas que o constituem.. E o frio é uma sensação subjectiva e intersubjectiva correspondente à baixa energia cinética dos corpos e, em termos de termómetro, a temperaturas do meio ambiente abaixo e pouco acima de 0 graus centígrados. Ao definir o frio como privação, Aristóteles erra: retira ao frio a sua essência ontológica o frio é algo por si, do mesmo modo que a imobilidade e o movimento lento de átomos e electrões são algo por si mesmos. Claro que o frio é privação de calor privação em sentido relativo mas não é privação absoluta, nada, como Aristóteles parece indiciar. Se o calor é uma forma, ligada à grande mobilidade dos electrões, o frio é igualmente uma forma contrária, ligada à baixa mobilidade das partículas invisíveis. Calor e frio são convertíveis entre si pela lei dialéctica da conversão da quantidade em qualidade.
A divisão dos princípios operada por Aristóteles é:
Forma Privação Matéria (ex:calor) (ex: frio) (ex: substrato do calor e frio)
De facto, a matéria um não ser convertível em ser deveria ocupar a posição intermédia entre a forma e a privação absoluta ou nada, sem embargo de matéria e forma serem contrários e o seu intermédio ou síntese ser o composto. (exemplo: a cadeira é um composto da forma e da matéria-prima ou hylé subjacente à madeira que já é matéria derivada ou enformada).
A matéria é contrária à forma mas é também contrária à privação absoluta ou nada. Por sua vez a forma, por si eterna - como diz Aristóteles «ninguém produz nem engendra a forma, mas produz-se esta coisa singular, e gera-se o composto de matéria e forma» (Metafísica, Livro VIII, 10043b) é contrária à matéria e duplamente contrária à privação absoluta, ao nada.
Aristóteles sustenta, erradamente, que uma coisa só pode ter um contrário, no máximo: «Mas, em tal caso, uma só coisa terá dois contrários, o que é impossível.» (Aristóteles, Metafísica, Livro XII, 1056 a, Editorial Gredos, pags 410; o bold é nosso).
Sabe-se, por exemplo, contrariando a tese de Aristóteles, que a burguesia liberal tinha e tem por contrários a aristocracia feudal, por um lado, e o proletariado, por outro lado. E o proletariado tem diversos contrários: a burguesia liberal, a aristocracia feudal, a burocracia «marxista-leninista», estalinista, que gere os estados socialistas.
Portanto, a verdadeira divisão racional dos três princípios das coisas sensíveis é:
Forma Matéria Privação
(exemplos: (movimento dos electrões)
calor, frio)
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São verdade e falsidade contraditórios ou contrários?
Na concepção de Aristóteles, há uma diferença entre contraditório e contrário. A contradição, na terminologia aristotélica, é uma exclusão mútua de contrários sem termo médio - por exemplo: branco e não branco - ao passo que a contrariedade é uma coexistência de contrários através de um terceiro termo, o intermédio - por exemplo: branco e preto são contrários e têm o cinzento como intermédio.
«A contrariedade é diferença completa E se a contradição, e a privação e a contrariedade e os termos relativos são modos de oposição, e o primeiro deles é a contradição, e se na contradição não há termo médio, enquanto, sim, pode havê-lo entre os contrários, é evidente que contradição e contrariedade não são o mesmo. A privação, por seu lado, é um tipo de contradição.» (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1055a-b; o bold é nosso) .
Falso significa não verdadeiro (negação) e destituído ou privado de verdadeiro (privação). É uma oposição de privação: o falso é a ausência do verdadeiro. Podemos pois, arvorar o princípio do terceiro excluído: todas as entidades do universo, materiais ou imateriais, substâncias ou acidentes, géneros e espécies, são verdadeiras ou falsas. Não há terceira hipótese. Ainda que digamos com o positivismo lógico: «mas Deus, o Paraíso ou o Inferno são entidades incognoscíveis e, portanto, escapam à dicotomia verdadeiro-falso», diremos que só escapam, provisoriamente, a essa dicotomia no plano do sujeito cognoscente mas não no plano ontológico do «em si», pois de duas uma, ou é verdadeiro que Deus paraíso e inferno existem metafisicamente ou é falso.
Não há, por conseguinte, nada no universo, no homem ou no pensamento que possa escapar a figurar num dos pratos da balança verdade-falsidade, ou seja, realidade-irrealidade. O átomo, o quark e o leptão são partículas verdadeiras ou falsas tal como o seu conceito na mente humana é verdadeiro ou falso. Se as considerarmos como essências, como fazia Husserl com o seu método fenomenológico que retoma a epochê (suspensão do juízo), continuamos no plano da verdade enquanto essência ou forma ideal e transferimos para a potência (futuro) a sua existência no mundo real.
Há pois, dois géneros originais: o género verdade ou realidade e o género falsidade ou irrealidade.
A indecisão ou incognoscibilidade de algo é apenas a cortina que mascara os pólos verdadeiro e falso em toda a sua extensão. Essa incognoscibilidade faz parte do pólo do falso: é falso em potência. E faz igualmente parte do género verdadeiro: é verdadeiro em potência.
O incognoscível é pois, espécie dentro do género verdadeiro, se por verdadeiro se entende a apreensão necessária e infalível pela consciência da realidade imanente e transcendente a ela o incognoscível é o verdadeiro que em acto, isto é, no presente, é impossível de conhecer - e dentro do género falso - o falso que em acto, isto é, no presente, é impossível de conhecer. Constitui um género que atravessa transversalmente os outros dois, contrários entre si, e tem metade do seu conteúdo em cada um daqueles dois géneros. Assim o terceiro (o incognoscível) está, em acto, englobado no primeiro (verdadeiro) e no segundo (falso).
O incognoscível existe em acto por parte do sujeito mas só existe em potência quanto ao objecto. De facto, nada é potencialmente incognoscível se é real: apesar da limitação inerente aos seres humanos podemos imaginar mentes mais poderosas (Deus, deuses, anjos, humanóides extraterrestres) que acedam ao conhecimento integral. E ainda que não houvesse deuses, homens ou outras mentes cognoscentes, a verdade como realidade por si subsistiria, sem dimensão gnosiológica mas somente com caracter ontológico..
A solução é a seguinte: verdadeiro e falso são contrários no plano gnosiológico, uma vez que no conhecimento humano há dois contrários (verdadeiro e falso) e um intermédio (incognoscível, indeciso); verdadeiro e falso são contraditórios no plano ontológico porque cada entidade em toda a extensão do ser ou é verdadeira ou não é, não havendo termo médio. Neste último caso, verdadeiro não implica existir necessariamente uma ou várias consciências humanas ou outras para o apreender: é realidade em si, autosubsistente.
Verdadeiro é, pois, um termo com dois sentidos: ponte gnosiológica, infalível quanto à informação que transporta, entre a mente cognoscente e a realidade interior ou exterior (verdade para mim ou para nós); realidade em si, ontológica, autosubsistente, sem necessitar de mente que a apreenda (verdade em si mesma).
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