Sexta-feira, 16 de Outubro de 2015
Incoerência de Aristóteles sobre o Uno e sobre Algo que é
No Livro X de Metafísica, capítulo segundo, Aristóteles sustentou que o uno não é substância mas sim um predicado:
«Devemos investigar,,, o que é a unidade e como há-de entender-se: se o uno em si é uma certa substância, como disseram primeiro os Pitagóricos e Platão depois, ou se mais precisamente há alguma natureza que lhe serve de serve de sujeito e como convém explicá-lo para maior clareza, e mais precisamente segundo o parecer dos filósofos da natureza. Alguns destes com efeito, afirmam que o Uno é a Amizade, outro que é o ar, outro que é o Ilimitado. Pois bem, se - como se disse nos tratados sobre a substância e acerca do que é - nenhum universal pode ser substância, se considerado em si mesmo: não pode ser substância a modo de unidade separada da pluralidade (já que é algo comum) é evidente que tão pouco pode sê-lo o uno: com efeito «algo que é» e «uno» são os predicados mais universais. Por conseguinte, nem os géneros são naturezas e substâncias separadas das demais coisas, nem «uno» pode ser um género, pelas mesmas causas pelas quais tão pouco pode sê-lo «o que é» e a substância.»(Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1053 b 10-20; o destaque a bold é posto por nós).
Aristóteles equivoca-se: «algo que é» constitui um sujeito, abstrato, não determinado, e não um predicado. Este último seria: «X é algo». Equivoca-se ainda ao dizer que «uno não pode ser género». Há dois sentidos da palavra uno, diferentes na extensão: o uno ou todo universal, de limites inimagináveis ou quase, e o uno ou todo de um género (exemplo: o uno de animal que engloba os leões, as serpentes, os peixes, etc.) o uno ou o todo de uma espécie (exemplo: o uno da espécie homem que engloba Beatriz, Francisco, Kelly, Pedro, etc) e o uno da proté ousía ou substância primeira, singular (exemplo: Lisboa é uma unidade, o mosteiro da Batalha é uma unidade).
Mais adiante, Aristóteles contradiz-se de novo ao transformar o uno em sujeito, em substante, como branco:
«Mais precisamente, nas cores o uno é uma cor, por exemplo, o branco, e os demais parecem gerar-se sucessivamente a partir dele e do negro e o negro é a privação do branco como o é também da luz a obscuridade (esta é, com efeito, privação da luz) de modo que se as coisas que são fossem cores, as coisas que são constituíriam um certo número, de quê?, evidentemente de cores, e o uno seria «algo que é uno» por exemplo o branco.» (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1053 b 25.30; o destaque a bold é de minha autoria).
Ora se o uno é o branco trata-se de uma substância segunda, de uma espécie, que se sobreleva às outras espécies (amarelo, azul, vermelho, etc) dentro do género cor. O branco tanto pode ser predicado como sujeito e aqui é, claramente, sujeito como no juízo: «O branco é a cor mãe de todas as cores». Assim o uno é simultaneamente sujeito e predicado conforme os juízos como sucede no juízo «O homem (um uno humano) é um animal (um uno não estritamente humano, pois engloba gato, cão, cavalo, etc).». Qualquer substância, isto é, qualquer ente concreto sujeito de um juízo - por exemplo: o mosteiro dos Jerónimos, o Alentejo, a indústria vidreira - é, de per si, um uno. E também cada cor - o amarelo, o laranja, etc - é um uno e pode ser sujeito - exemplo: «O tom amarelo da porta é agradável» - ou predicado - exemplo: «O ouro é amarelo».
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Domingo, 11 de Setembro de 2011
Confusões de Quintanilla sobre os objectos lógicos ou construtos
Miguel Angel Quintanilla (nascido em 21 de Abril de 1945, Segovia, Espanha), catedrático de Lógica e Filosofia das Ciências da Universidade de Salamanca, estabelece cinco tipos de objectos lógicos, numa classificação que, como demonstrarei, mergulha no magma antidialéctico do equívoco . Escreve o filósofo espanhol no seu «Breve diccionario filosófico»:
«Los objectos de que se ocupa la lógica son entidades conceptuales o constructos; em terminologia escolástica, entes de razón. Existen cuatro tipos básicos de constructos: los conceptos individuales o singulares, los conceptos de clase, los atributos o predicados y las proposiciones. A ellos hay que añadir las teorías o sistemas deductivos, que son conjuntos de proposiciones dotados de estructura deductiva.»
«Los conceptos singulares o individuales representan individuos, y en el lenguage se expresan mediante nombres proprios, pronombres y descripciones. Por ejemplo las expresiones "el actual rey de España" y "Juan Carlos de Borbón" son dos expresiones del español que designan conceptos singulares diferentes referidos al mesmo indivíduo.»
«Los conceptos de clase representan conjuntos de individuos y se expresan en el lenguaje mediante nombres de clases. Por ejemplo, los "hombres", las "mujeres", los "españoles" son expresiones linguísticas que designan conjuntos de individuos que comparten respectivamente las propiedades de ser humanos, de ser humanos del sexo femenino, etc. (...)
«Los atributos representan propiedades de individuo (o relaciones entre individuos) y se expresan en el lenguaje mediante predicados. El predicado del idioma español "estudiar" designa (aproximadamente) el mismo constructo que el inglés "to study" o el francés "étudier".(...)»
«Hay una estrecha relación entre clases y atributos y predicados. La extensión de un predicado es el conjunto de individuos que comparten la propiedad expresada por el predicado(...)»
«Las proposiones representan hechos, es decir, estados de cosas o acontecimientos y se expresan en el lenguaje mediante enunciados u oraciones declarativas.» (Miguel Angel Quintanilla, Breve diccionario filosófico, Editorial Verbo Divino, 1991, Pamplona, páginas 158-159; o negrito é colocado por mim).
Ao contrário do que sugere Quintanilla, o verbo "estudar" não é necessariamente um predicado. Em muitos casos, é sujeito da acção. Por exemplo: «Estudar enriquece o espírito» é uma frase em que o sujeito é estudar, o acto de alguém estudar, o estudante em acto, e o predicado é "enriquece.". Os conceitos de classe são, frequentemente, predicados. Exemplo: «Leonel Borrela é algarvio de nascimento e bejense por direito». As classes dos algarvios e dos bejenses integram o predicado desta frase cujo sujeito é Leonel Borrela (conceito individual).
A confusão na classificação de Quintanilla dos objectos lógicos básicos reside no facto de misturar entre si espécies de géneros diferentes: conceitos individuais e conceitos de classe pertencem ao género semântica e atributos ou predicados pertencem ao género sintaxe e proposição pertence a ambos os géneros, segundo a natureza da proposição
Não faz, pois, sentido classificar no mesmo nível como objectos básicos da lógica, conceito de classe e predicado. O primeiro possui um conteúdo determinado material ou ideal (exemplo: moluscos, lésbicas, asteróides, filósofos, dias de férias, teoremas matemáticos, franceses, liberais, comunistas, etc ) o segundo é meramemte posicional (P) e indeterminado no conteúdo (exemplo: S é P).
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Quinta-feira, 14 de Outubro de 2010
Aristóteles: o universal não é forma mas qualidade
Aristóteles sustentou, na "Metafísica", que o universal não é essência, isto é forma, nem substância primeira, isto é, objecto individualizado, mas sim qualidade.
«Se não é possível que nenhuma substância seja constituída por universais, já que estes significam algo "de tal qualidade", mas não uma realidade determinada, e se nenhuma substância pode ser tampouco um composto de substâncias efectivamente actualizadas, toda a substância carecerá de composição e, portanto, não haverá definição de substância nenhuma.» (Aristóteles, Metafísica, Livro VII, 1039 a).
Mas o que é o universal ? Há um universal indeterminado - o ser, o uno - e um universal semi indeterminado - o género, como por exemplo, género animal, género vegetal e género mineral. Cada género alberga diversas formas-espécies, mas qual é a forma do género? Não tem forma, na concepção aristotélica. Qual é a forma de animal? Animal tem formas muito distintas entre si.
«Assim, chama-se substância àquilo que não se diz de um sujeito, enquanto que o universal se diz sempre de um sujeito. Acaso será que não pode ser substância como o é a essência, mas, sem embargo, está contido nela, como por exemplo, "animal" está contido em homem e em cavalo? É claro, certamente, que dele haverá definição.» (Aristóteles, Metafísica, Livro VII, 1038 b; o destaque a negrito é posto por mim).
Neste texto acima, Aristóteles exemplifica o género com o conceito de animal e a espécie ou essência com a forma de cavalo.
Assim o universal, genérico ou transgenérico, é um predicado, uma qualidade, mas não uma substância pois esta implica uma forma determinada.
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Domingo, 12 de Julho de 2009
O Uno é predicado, como sustenta Aristóteles?
Aristóteles criticou Platão e os Pitagóricos por considerarem o Uno como uma substância, isto é, algo que subsiste por si, de modo individualizado. Segundo Aristóteles, o Uno não é substância nem é género (um grupo que engloba várias espécies de substâncias individuais; por exemplo: género animal, género figura geométrica, género cor) mas sim um predicado universal .
«Devemos investigar, do ponto de vista da substância (ousía) e da natureza, que tipo de realidade possui o Uno de acordo com o tratamento que fizemos na Discussão das Aporias, o que é a unidade e como há-de entender-se; se o uno, em si, é uma certa substância, como disseram os Pitagóricos primeiro e Platão depois, ou se, mais precisamente, há alguma natureza que lhe serve de sujeito, e como convém explicar isso para maior claridade, e mais precisamente segundo o proceder dos filósofos da natureza. Algum destes, com efeito, afirma que o Uno é Amizade, outro afirma que é o ar, ouro que é o Indeterminado (apeiron). Pois bem, se - como se disse nos tratados acerca da substância e acerca do que é - nenhum universal pode ser substância, se considerado em si mesmo não pode ser substância ao modo de unidade separada da pluralidade (já que é algo comum), é evidente que tampouco pode sê-lo o «uno»: com efeito, «algo que é» e «uno» são os predicados mais universais. Por conseguinte, nem os géneros são naturezas e substâncias separadas das demais coisas, nem «uno» pode ser um género, pelas mesmas causas pelas quais tampouco pode sê-lo «o que é» e a substância. »(Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1053b; o bold é nosso). (
)
Mas contradiz-se Aristóteles ao afirmar o seguinte:
«Mais precisamente, nas cores, o uno é uma cor, por exemplo, o branco, e as demais parecem gerar-se sucessivamente a partir dele e do negro, e o negro é privação do branco, como o é também da luz a obscuridade (esta é, com efeito, privação da luz) de modo que se as coisas que são fossem cores, as coisas que são constituiriam um certo número, mas de quê? Evidentemente, de cores, e o uno seria algo que é uno, por exemplo, o branco.» (...)
«E igualmente, no caso dos sons, as coisas que são constituiríam um certo número de letras e o «uno» seria uma letra vocal»
(Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1053b, 1054a; o bold é nosso).
«É pois evidente que em cada género, o uno é uma certa natureza, e que o uno não é substância de nenhuma delas, mas que, assim como no caso das cores há-de buscar-se o uno, como tal, em certa cor que é una, assim também o uno, como tal, no caso da substância, há-de buscar-se em certa substância que é una.» (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1054a; o bold é nosso).
O branco não é uma substância, para Aristóteles, mas um acidente, uma qualidade. Aristóteles achava impossível o branco existir em si mesmo: só existe na camisa branca, na parede branca e noutros objectos brancos, ou na mente do homem por abstracção. No entanto, branco é uma essência - uma qualidade comum a vários entes, neste caso, a vários acidentes ou particularidades acessórias das coisas - e ao conceber branco como fonte das cores, isto é como essência primordial em relação às essências de azul, amarelo, vermelho, verde, roxo e outras cores, Aristóteles está a adoptar uma posição idêntica à de Platão: preenche com um conteúdo substancial a forma vazia do Uno. De facto, o Uno é aqui concebido como essência (branco), ou seja, componente principal da substância ou conteúdo do acidente. É concebido como um sujeito eidético, um suporte de todas as cores, não apenas um predicado.
Uno é uma definição formal - por isso, é um universal acima dos géneros, isto é, uma determinação comum a tudo o que existe e se pensa: Deus é uno, a Terra é una, o calor é uno, o verde é uno, a árvore em geral é una, esta amendoeira é una, este «agora» é uno. Ao postular que uno é branco e não amarelo ou azul, Aristóteles rompe esse formalismo e transforma-o em essencialismo primigénio: «o uno é a essência primeira dentro de cada género». Certamente branco é duplamente uno, se aceitarmos que é a união de todas as cores - essencialismo primigénio- , mas nem por isso azul ou amarelo deixam de ser, em si mesmos, algo que é uno. Aristóteles admite que a espécie branco é «uno» mas nega que o género côr seja uno, ao afirmar acima «que nem «uno» pode ser um género, pelas mesmas causas pelas quais tampouco pode sê-lo «o que é» e a substância. » (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1053b). Isto é, em rigor, uma incoerência: acentua o significado de uno como espécie matriz de outras espécies - sentido intensivo - e e nega-o como género,aglomerado de espécies - sentido extensivo e holístico.
O Uno não é somente predicado, como diz Aristóteles. É a própria substância do ponto de vista formal, é o contorno geral de cada substância e o conteúdo dela enquanto indeterminado. O Uno é, pois, sujeito e predicado.
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
tags: algo que é,
aristóteles,
cor,
espécie,
essencialismo primigénioapeiron,
género,
platão,
predicado,
substância,
universal,
uno