Segunda-feira, 18 de Janeiro de 2016
Ontologia dos Peratas: O Pai, o Filho e a Matéria

 

De acordo com o bispo Hipólito de Roma, autor de «Refutação de todas as heresias», publicada cerca do ano 222, a corrente gnóstica dos Peratas (péros, em grego, significa limite) sustentava a divisão do universo em três partes: o Pai, o Filho e a Matéria. Escreveu Hipólito:

 

«Segundo eles, o universo consiste em Pai, Filho e matéria. No espaço que medeia entre a  matéria e o Pai, tem a sua sede o Filho, o Logos, a serpente em perpétuo movimento junto ao Pai imóvel, a qual move a matéria. O Filho ora se volta para o Pai e recebe as potências na sua própria pessoa, ora assume as potências e se volta para a matéria e esta, por si mesma carente de qualidade e de figura, recebe do Filho a configuração das formas, formas com as que o Filho tinha sido previamente configurado pelo Pai.»

 (Los gnósticos, volume II, Hipólito de Roma, Refutación de todas las herejías, página 80, Biblioteca Clásica Gredos, Madrid).

 

É interessante constatar a ideia do Cristo Serpente ou Cristão Dragão Celeste que contraria a imagem que o cristianismo oficial fornece do Salvador oposto ao demónio simbolizado pela Serpente. E apesar de este texto sugerir o contrário, este Cristo não actua como o demiurgo em Platão o deus operário que não cria a matéria, mas imprime nela, segundo Platão, as formas arquetípicas. Há uma quarta entidade, situada entre Cristo e a matéria, que é o demiurgo, o arconte, que toma as formas perfeitas existentes no Filho, a serpente celeste e comete o erro de imprimir, através de um fluxo, essas formas na matéria em devir permanente. Escreve Hipólito:

 

«Assim, pois - prosseguem - quando o Senhor diz «Vosso Pai que está nos céus» refere.se àquele de quem o filho assumiu as formas para as introduzir neste mundo. Quando diz «vosso pai, desde o princípio, é homicida» refere-se ao arconte e demiurgo da matéria, o qual recolheu as formas fornecidas pelo Filho e engendrou as coisas deste mundo, desde o princípio é homicida. A sua obra opera a corrupção e a morte.»

«Assim pois - prossegue - ninguém pode salvar-se nem ascender a não ser por meio do Filho, que é a serpente.»

 

(Los gnósticos, volume II, Hipólito de Roma, Refutación de todas las herejías, páginas 81-82, Biblioteca Clásica Gredos, Madrid; o destaque a bold é posto por nós).

 

Sendo a matéria corruptível e fonte de corrupção, os gnósticos salvam-se, com a sua racionalidade, da enorme falácia teológica das igrejas católica, protestantes e judaica que é considerar Deus o autor de todas as coisas visíveis e invisíveis, isto é, não só dos céus, dos mares e das paisagens terrestres belas, da beleza e da saúde juvenil mas também dos vulcões, dos furacões e dos tsunamis que matam pessoas, da velhice decrépita, das criaturas disformes, dos cancros e outras doenças.

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Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013
Teste de Filosofia do 10º Ano B, final de Novembro de 2013

 

O presente teste de filosofia centra-se nas rubricas do programa de Filosofia do 10º ano de escolaridade «1.1 O que é a filosofia», «1.2. Quais são as questões da filosofia», do módulo I «Iniciação à Actividade Filosófica»- nas quais se incluem as leis da dialética (tríade, contradição principal, dois aspectos da contradição) as noções aristotélicas de hylé, eidos e proté ousía - e na rubrica 1.2 «Determinismo e liberdade na acção humana» do módulo II do programa «A acção humana e os valores - na qual se incluem os conceitos de indeterminismo biofísico com livre-arbítrio (designado "libertismo" por alguns) e e determinismo biofísico sem livre-arbítrio (determinismo "radical"), as noções de hierarquia e polaridade de valores, e a teoria das quatro modalidades ou esferas de valor de Max Scheler.

 

.Agrupamento de Escolas nº 1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA B
28 de Novembro de 2013. Professor: Francisco Queiroz

 

I

 

«.Deu-me prazer beber o batido de morango, e senti-me mais vigoroso, enquanto contemplava a beleza daquela rapariga. Senti ciúmes quando um rapaz se aproximou dela e pensei que a essência mulher está presente num número quase infinito de entes e que o amor de Cristo me pode salvar de qualquer desilusão e quebra no percurso da vida.»

 

1-A) Identifique a que esfera de valor, em Max Scheler, pertence cada um dos valores inerentes às expressões a negrito.

 

1-B)  Aplique a lei da contradição principal da dialéctica ao conjunto das quatro esferas de valores teorizadas por Max Scheler .

 

 

2) Relacione, justificando:

 

A) Acto e potência, em Aristóteles, e lei do salto qualitativo..
B) Hierarquia de valores e lei dos dois aspectos da contradição.

C) Indeterminismo biofísico com livre-arbítrio e determinismo biofísico sem livre-arbítrio ("determinismo duro").
D)  Mundo do Mesmo, Mundo do Semelhante, Noésis e Dianóia, em Platão. .
E) Hylé, Eidos e Proté Ousía, em Aristóteles, e lei da tríade..

 

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES

 

 

1) a) Deu-me prazer beber é um valor da esfera sensível, do prazer e da dor instintivos; senti-me mais vigoroso, é um valor da esfera dos valores vitais; enquanto contemplava a beleza é um valor estético da esfera dos valores espirituais; senti ciúmes é um valor da esfera dos valores vitais; pensei que a essência mulher está presente é um valor do conhecimento da verdade (filosofia) da esfera dos valores espirituais; o amor de Cristo, é um valor da esfera do santo e do profano (VALE DOIS VALORES).

 

1) b) A lei da contradição principal, que estabelece que um sistema de muitas contradições se pode reduzir a uma só, composta por dois grandes blocos, deixando eventualmente de fora algumas na zona neutra, pode aplicar-se assim às quatro esferas de valor de Max Scheler:  de um lado, no mesmo polo, a esfera dos valores sensíveis (o prazer e a dor físicos; o útil e o inútil) e a esfera dos valores vitais e sentimentais (sentimento de juventude ou de velhice, de vitória ou de derrota, paixão amorosa, ciúme, vingança, sentimento do nobre, do vulgar, etc., ), porque derivam das emoções e sensações; do outro lado, no outro polo, a esfera dos valores espirituais (belo e feio; bom e mau, justo e injusto; verdadeiro e falso descoberto pela filosofia e ciências) e a esfera do santo e do profano (Deus, espaço e tempo sagrados; matéria eterna, inexistência de Deus) porque ambas se centram no intelecto dirigido ora para o campo físico-social ora para o metafísico. (VALE TRÊS VALORES).

 

2) A) Acto, é segundo Aristóteles, a realidade presente de algo. Potência é a possibilidade de vir a ser tal coisa em acto. A acumulação lenta e gradual, em quantidade, de sucessivos actos - exemplo: exercícios físicos em ginásio - faz com que um dia o corpo musculoso que cada um gostaria de ter e que só existe em potência, em perspectiva, se torne real, em acto, momento que constituirá um salto qualitativo (VALE TRÊS VALORES).

 

2) B)  Hierarquia de valores é uma escala de valores desde os superiores aos inferiores, passando pelos intermédios. A lei dos dois aspectos da contradição diz que nesta existem dois aspectos, em regra desigualmente desenvolvidos, o dominante e o dominado, que às vezes invertem as posições. Ora a hierarquia de valores implica contradição em que, por exemplo, o bem é aspecto dominante e o mal é aspecto dominado, a paz é valor dominante e a guerra valor dominado, o belo é valor dominante e o feio valor dominado (VALE DOIS VALORES).

 

2) C) Indeterminismo biofísico com livre-arbítrio é a teoria segundo a qual a natureza não tem leis constantes de causa-efeito (exemplo: a água dos rios congela no verão, a gravidade deixa de funcionar as vezes e os objectos flutuam no ar) e o homem dispõe de liberdade de escolha racional dos seus actos e valores. Determinismo biofísico sem livre-arbítrio é o oposto: a natureza fisica  tem leis fixas,  não é livre, e o homem também não, age por instinto, sem reflexão profunda. (VALE TRÊS VALORES).

 

 

2) D) O mundo do Mesmo é o mundo Inteligível dos arquétipos de Bem, Belo, Número, Triângulo, etc., essências imateriais que são sempre as mesmas, nunca mudam. É o Nous ou razão intuitiva  que através da Noese (intuição inteligível) apreende os arquétipos. O Mundo do Semelhante é o do céu visível, dos astros em movimento, dos números móveis, do tempo. É apreendido na sua totalidade pela Dianóia ou inteligência matemática e analítica que raciocina e realiza operações matemáticas. A Aisthesis ou Sensação só apreende, em parte, este mundo intermédio. (VALE TRÊS VALORES)

 

2) E) A lei da tríade estabelece que um processo dialéctico se divide em três fases: A hylé é a matéria-prima universal indeterminada - não é água, nem ar, nem fogo, nem terra, nem éter, etc., - que só existe em potência, pode ser classificada como tese; as formas eternas de cavalo, árvore, homem, montanha, isto é, aos diferentes eidos ou essências que existem algures na imanência podem ser consideradas a antítese, porque são a negação da hylé. A síntese é o composto (synolón) , nascido da união entre a hylé e o eidos (forma comum ou essência) e que é, em muitos casos, a proté ousía ou substância primeira, indivíduo concreto. Assim, cada um de nós é uma proté ousía, resultante da fusão da hylé com o eidos Homem. (VALE TRÊS VALORES)

 

 

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Sábado, 14 de Setembro de 2013
Questionar a «nova concepção do tempo» em José Reis

No seu livro «Nova Filosofia», publicado em 1990, José Reis, um catedrático de filosofia da universidade de Coimbra, propõe uma «nova concepção do tempo», que fica bastante aquém do que Aristóteles escreveu sobre o tempo na «Física». Escreveu José Reis:

 

«O tempo é, como já acontece sempre que olhamos para a sucessão das coisas sem qualquer concepção meta-física, essa simples sucessão. »

«Mas,é claro, não basta abstrair - quando efectivamente já abstraímos - das concepções meta-físicas: é preciso destruí-las, vendo por dentro toda a questão. E aqui, no que toca à causalidade, tudo começou pela espacialização do tempo. Porque o imediato é conceber o futuro - o momento temporal que antes de mais nos interessa para a causalidade - como aquilo que ele é no presente, ou seja, como nada, é então esse nada que, na articulação que fazemos entre os momentos temporais, passa ao presente. O presente, porém, é o ser; como se transforma tal nada em ser? Eis que os fenómenos privilegiados da força e do movimento nos trazem a potência; sendo por definição o ser em forma de nada, ela serve-nos à maravilha: as coisas vêm dessa potência. Só que acontece que essa potência é mesmo  nada; e admitindo que fosse alguma coisa, nunca seria suficiente para as coisas. E apenas há as coisas. As coisas, no seu tempo próprio e só nele. As coisas que - não derivando da potência de que eram dotadas as coisas anteriores, potência que por sua vez derivava (bem como as primeiríssimas coisas) duma Potência eterna - são o absoluto. (José Reis, Nova Filosofia, pag 77, Edições Afrontamento, Porto; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Comecemos por questionar a definição de tempo como «simples sucessão das coisas». Há a sucessão espacial das coisas - por exemplo, uma fila de peças de dominó encadeadas umas nas outras, em sucessão, mas que eu fotografo no mesmo instante - e a sucessão temporal, em que os momentos se eliminam uns aos outros - por exemplo, as modificações que o meu corpo experimenta dia a dia, mês a mês. José Reis não faz esta distinção, com clareza.

 

 

«O ser é o presente» - eis um erro de José Reis, baseado na confusão entre ser-existência (o presente) e ser-essência (o passado, o presente e o futuro de determinada forma ou essência).   Quando dizemos, por exemplo, que «o ser na doutrina de Nietzsche é a vontade de poder, movendo-se no círculo do eterno retorno» estamos a perspectivar o ser como passado-presente-futuro, não podemos reduzi-lo apenas ao acto presente.

 

Se não investigássemos o passado e prevíssemos o futuro, se não possuissemos a visão holística e histórica do que foi e previsivelmente será (por indução), não poderíamos saber o que é o ser. José Reis é um actualista (só o momento actual é real): o seu combate ao essencialismo, à permanência das essências, assemelha-se ao de David Hume, o pai da moderna filosofia analítica, e ao de Wittgenstein. A pretensão de «destruir a meta-física para ver as coisas por dentro» é uma tarefa inglória: o futuro associa-se sempre a uma certa dose de metafísica e ninguém, em bom juízo, se dissocia de pensar o futuro, a potência da sua vida e das vidas de outros.

 

O passado e o futuro fazem parte da essência do tempo, de qualquer tempo de qualquer ente. A essência do tempo não coincide, pois, com a existência: engloba esta como o momento actual mas engloba também o sido e o porvir, a potência. A essência é o sido, o momento presente, e a potência (o futuro em esboço). Ora o ser é essência: passado, presente, futuro, ainda que destes três momentos só um seja acto (o presente) e outro tenha sido acto (o passado).

 

Quanto à espacialização do tempo que José Reis aponta como um erro do pensar filosófico, gerador da ideia da causalidade, ela é inevitável e não constitui um erro. Einstein falava do espaço-tempo, não do tempo separado do espaço. O tempo não é, na minha óptica, o espaço globalmente considerado mas as mudanças contínuas de posição (kinésis, em grego) ou de forma (aloiósis, em grego: alteração) dos corpos e figuras que ocupam o vasto espaço. Divergindo da minha conceptualização do tempo, Aristóteles não define o tempo como um movimento mas como um acidente intrínseco ao movimento, o número que marca este :

 

«É então evidente que não há tempo sem movimento nem mudança. Logo é evidente que o tempo não é um movimento, mas não há tempo sem movimento.» (Aristóteles, Metafísica, Livro IV, 218 b, 25-30)

 

«Assim pois, quando percebemos o agora como uma unidade, e não como anterior e posterior no movimento, ou como ele mesmo relativamente ao anterior e ao posterior, então não parece que tenha transcorrido algum tempo, já que não houve nenhum movimento. Mas quando percebemos um antes e um depois, então falamos de tempo. Porque o tempo é justamente isto: número do movimento segundo o antes e o depois».(Aristóteles, Metafísica, Livro IV, 219 b, 1-5; o destaque a negrito é da minha autoria).

 

 

Sobre a «refutação da causalidade necessária» realizada por Hume e reafirmada por José Reis, basta dizer que as leis da natureza, as leis da física e da astrofísica demonstram que a causalidade existe. Ninguém, de bom senso, se atreveria a beber amoníaco ou a atirar-se de um avião em voo sem páraquedas porque sabe que tais actos seriam causa de morte ou de gravíssimos danos no seu corpo.

 

A ABOLIÇÃO DO SER ETERNO: PODE PROVAR-SE?

 

No seu ver anti-metafísico, José Reis sustenta que o absoluto não existe como eternidade mas é apenas o ser temporal, finito. Decreta, pois a abolição do ser eterno. Mas como pode José Reis garantir, com fundamento, que não há um ser-essência eterno? O seu ver anti metafísico é muito limitado. É um empirismo rasteiro, de visão curta. Escreve Reis:

 

«O ser temporal é, pois, porque só se pode pensar, durante o tempo em que ele existe, como ser e não como nada, tão absoluto como o ser eterno.»

«E mais: ele não é só tão absoluto como o ser eterno, ele é mesmo o único absoluto. Não havendo causalidade, como agora sabemos, e sendo esse ser eterno exigido apenas como causa do ser temporal, este, longe de ser si mesmo um nada sempre à espera da esmola do ser eterno, é que é até o único absoluto. Por muito que custe aos nossos hábitos, é ele agora a medida de tudo. Há só esse ser temporal, tal como ele é na sua temporalidade, isto é, na sua sucessão - o ser temporal, repitamo-lo, não é temporal porque seja de si mesmo o nada mas só porque é uma sucessão - e é tudo.» (José Reis, Nova Filosofia, páginas 78-79, Edições Afrontamento; o destaque a negrito é posto por mim).

 

O ser temporal é temporal porque é uma sucessão, diz José Reis . Mas o movimento da esfera celeste que acompanha o tempo e de que Aristóteles fala na «Física» é eterno e é sucessão posicional. Eterno não significa necessariamente imóvel, sem sucessão. Por conseguinte, definir o temporal pela sucessão é insuficiente. Há um movimento eterno, intemporal, e movimento é sucessão posicional.

 

Dizer que o ser temporal - com início e fim no tempo - é tão absoluto como o ser eterno é dizer que o finito é tão absoluto quanto o infinito. É certo que o infinito não existe, em acto, segundo Aristóteles. Há um limite em todas as coisas, até no imenso universo. Mas enquanto essências o eterno é o absoluto e o temporal não é o absoluto mas o relativo. Como existência, o presente é o absoluto, como essência o «agora» não é absoluto porque se relaciona com o sido e o porvir.

 

Aristóteles distinguiu bem o ser, do tempo, com clareza superior à de Heidegger e de José Reis:

 

«Todas as coisas se geram e se destroem no tempo. Por isso, enquanto alguns diziam que o tempo era o mais sábio, o pitagórico Paron chamou-o, com clareza, de "o mais néscio", porque no tempo esquecemos. É claro, então, que o tempo tomado em si mesmo é mais precisamente causa de destruição do que de geração, como já se disse antes, porque a mudança é em si mesma, um sair fora de si, e o tempo só indirectamente é causa de geração e de ser.  Um indício suficiente disso está no facto de que nada se gera se não se move e actua, enquanto que algo pode ser destruido sem que se mova, e é, sobretudo, de esta destruição que se diz ser obra do tempo. Mas o tempo não é a causa disto, mas dá-se o caso de que a mudança se produz no tempo» .

( Aristóteles, Física, Livro IV, 222 b, 15-20; o destaque a negrito é posto por mim).

 

O PASSADO SÓ EXISTE ENQUANTO O PENSO AGORA?

 

 

José Reis sustenta que o passado só existe enquanto o pensamos agora. Na linha descontinuísta de David Hume, que combateu as noções de necessidade/ causalidade infalível e de continuidade das coisas em todo o tempo, Reis postula os momentos do tempo como desligados entre si de modo que um nunca é causa do outro. Dando o exemplo de olharmos sucessivamente as seis faces de uma caixa - e cada vez que vemos uma é o ver imediato - escreveu:

 

«Uma vez que só agora o penso, esse passado só agora existe. Supor que a face, porque ela durante esse tempo não foi vista e,uma vez que estava ocupado em ver as outras faces, nem sequer foi pensada, existiu lá em absoluto desligada do pensamento  é precisamente esquecer que ela só existiu lá, e existiu sem ser vista nem pensada, porque agora a penso lá dessa maneira; sem isso pura e simplesmente não haveria lá nada . Por muito que custe aos nossos hábitos, esse passado da face só agora existe, durante o tempo em que o penso. (...) O agora, digamo-lo assim, é só esse passado; mas, se tirarmos o agora, esse passado, seja ele uma duração de segundos ou de milénios, pura e simplesmente desaparece. - É irremediável. Se houvesse causalidade e Deus criasse o mundo, Ele não criaria as coisas que nós depois veríamos de tempos a tempos mas criaria as coisas vistas e vistas durante o tempo e segundo o modo como se vêem: criaria o agora em que a face se vê pela primeira vez, criaria o agora em que ela se vê pela segunda vez e criaria o agora em que ela se pensa no intervalo. Só isso existe.» (José Reis, Nova Filosofia, página 129-130, Edições Afrontamento; o destaque a negrito é posto por mim). )

 

Refutar estas teses idealistas não é difícil: o passado não existe no agora, nem sequer existe, porque já passou; no agora existem apenas a lembrança ou a idealização ou vestígios  físicos do passado, isto é, de uma imensidão de agoras  ab-rogados.

 

José Reis é um exemplo de junção entre filosofia analítica e fenomenologia, ambas nascidas do idealismo de David Hume.  

 

 

 

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Quarta-feira, 11 de Setembro de 2013
José Reis e a «refutação» da teoria da potência, de Aristóteles

No seu livro «Nova Filosofia», José Reis, um catedrático de filosofia da universidade de Coimbra, tentou refutar a teoria do acto e da potência de Aristóteles. 

É sabido que Aristóteles definiu dois modos de cada ente: o acto , isto é, aquilo que o ente é no presente (por exemplo: este sobreiro é sobreiro desenvolvido em acto); a potência, isto é aquilo  que virá a ser, em princípio, no futuro ( exemplo: a semente de um sobreiro é o sobreiro, como árvore, em potência). José Reis argumenta que a potência já está contida no acto ou realidade presente e não extravasa esta e, por isso, «não existe». Escreve:

 

« E eis o que é a potência: as próprias coisas, que já aí estão , mas não se vêem, porque estão implicitadas nelas mesmas.

 

«§ 19  Destruição da potência

 

E eis porque não há a potência: porque essa implicitude, só é tal, verdadeiramente, quando for o nada.

É muito simples. A potência são as próprias coisas (as coisas que depois vão aparecer), nas suas determinações exactas, nem mais nem menos, não é verdade? Pois bem, então, ou essas determinações estão aí ou não estão. Se não estão, óptimo, não estão e acabou. Se estão, por pequeninas ou vagamente que se lá pensem, isso mesmo já é um acto, já é a explicitude, e não a potência, a implicitude que se queria; esta mesma só, rigorosamente, o nada.

É irremediável. A potência não passa de uma ambiguidade. Dizemos que já lá temos as coisas, mas em absoluto não as podemos ter porque, por minimamente que elas já lá estejam, que elas já lá estejam nas suas próprias determinações, elas já não são a potência, mas o acto. (...) Redondamente,não há potência.» ( José Reis, Nova Filosofia, páginas 47-48, Edições Afrontamento, Porto; o negrito é colocado por mim ).

 

 

Dizer que a potência não existe é negar o processo de transformação do ovo de galináceo em galo. As determinações do galo adulto já estão contidas, embrionariamente, no ovo mas este não é de modo nenhum, o galo adulto. Essa diferença entre ovo e galo adulto, esse processo de desenvolvimento por vir é a potência. As formas em potência estão no futuro. Potência significa forma futura . Dizer que a potência não existe é dizer que o futuro não existe. Isso pode ser um ponto de vista enviesado de filosofia analítica, fragmentadora, mas não é o ponto de vista da dialética, holística: o futuro existe em potência e desfaz-se a cada instante no acto presente.

 

José Reis não refutou em nada a teoria de Aristóteles do acto e da potência. Esta última, a potência, possui um pouco de acto (em todo o Yang há um pouco de Yin, diz a filosofia chinesa do Tao) e o que José Reis fez foi isolar esse aspecto estático de acto esquecendo o aspecto do devir dinâmico, do futuro, que é o aspecto principal da potência. Reis não possui aqui, como em outros domínios, um pensamento dialético, holístico e dinâmico.

 

A POTÊNCIA NÃO É NÚMENO, AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ JOSÉ REIS

 

 E escreve ainda José Reis a propósito de haver um pinheirinho minúsculo contido em cada pinhão:

 

«Dirão: a potência não se pode observar. Certo, a potência é um númeno, algo só pensado, e não um fenómeno e, como tal, não se pode observar.Mas deveria poder sê-lo...» .(José Reis, Nova Filosofia, página 49) 

 

José Reis não domina o conceito kantiano de númeno. Não o distingue de conceito empírico. A ideia de pinheiro, só pensada, nunca é um númeno porque tem forma: tronco, ramagem, pinhas, etc. O númeno é um ente imaterial, fora do espaço e do tempo, incognoscível, que não tem forma, como por exemplo, Deus, liberdade, mundo como totalidade. A potência (dynamis, em grego) é um conceito empírico ou uma disposição dinâmica da natureza biofísica  a que corresponde uma sucessão de conceitos empíricos: o sobreiro em potência é um conceito mentalmente visualizado, a expectativa do que virá a ser esta semente de sobreiro que tenho na mão.

 
 

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Quinta-feira, 15 de Setembro de 2011
Aristóteles: o erro àcerca das essências só ocorre por acidente

 

Não há dúvida de que Aristóteles era um platónico «envergonhado». Postulava que as formas, como, por exemplo, azul, cavalo, homem, existiam desde a eternidade. Se existiam anteriormente às coisas materiais, constituíam um mundo inteligível similar ao de Platão - com a única diferença de que as formas em Platão eram singulares e únicas e em Aristóteles são singular-colectivas, anteriores aos objectos mas actualizáveis nestes. Senão atente-se nesta passagem:

 

«Mais exactamente, a verdade e a falsidade consistem nisto: a verdade em captar e enunciar a coisa (pois enunciar e afirmar não são o mesmo); enquanto que ignorá-la consiste em não a captar (já que não tem lugar o erro acerca do quê-é, a não ser acidentalmente) e o mesmo sobre as substâncias carentes de composição: não é possível, certamente, o erro acerca delas; e todas elas são em acto, não em potência, já que, se não fosse assim, gerar-se-iam e destruir-se-iam, mas o que é mesmo não se gera nem se destrói, pois teria que gerar-se a partir de outra coisa. Assim, pois, a respeito das coisas que são uma essência, e que são actos, não é possível errar, mas captá-las ou não» (Aristóteles, Metafísica, Livro IX, 1051 b, 20-30; o negrito é de minha autoria).

 

Que significa que o erro sobre a essência só pode ocorrer acidentalmente ? Vou dar um exemplo de como interpreto esta frase. Suponho que todos apreendem as essências de sete, dezanove e trinta e três. Mas, embora a generalidade das pessoas saiba que multiplicar o número-essência 7 pelo número-essência 19 dá como resultado o número-essência 153,  pode ocorrer que uma, por acidente, cometa o equívoco de considerar o número-essência 163 como resultado da multiplicação.

 

.As essências estão em acto em si mesmas e em potência para os objectos físicos que virão a surgir no tempo - esta é a leitura dialética da posição de Aristóteles. Ao dizer que «o que é mesmo não se gera nem se destrói» Aristóteles revela-se um platónico: a essência é eterna e imutável e tem de subsistir, em acto, fora dos objectos físicos, para além de existir nestes. No entanto, o Estagirita não crê no mundo inteligível de Platão acima do céu visível, com os arquétipos. Fez este mesmo mundo descer à imanência, imergir na matéria prima universal ou hylé.

 

 

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Quarta-feira, 20 de Julho de 2011
Tudo é matéria, física, infra-física ou supra-física

 

Desenvolvo aqui uma ideia que me ocorreu há meses e me parece algo inovadora na história da filosofia (será?): o ser é matéria, se por matéria se entende o conteúdo indeterminado de algo. Como os dois princípios fundamentais de todos os entes são forma e matéria, isto é, essência/determinação e ser/indeterminação até o próprio Deus tem uma forma e uma matéria: a matéria será o pensamento-sentimento e a forma o sistema de arquétipos e raciocínios que constituem o próprio ente divino.

 

Aristóteles considera o ser como um predicado. Mas uma matéria não é um predicado: é um substante universal (note-se que o substante universal é a argamassa da qual se formam as substâncias, ousíai, isto é as essências individuadas).

 

Nesta perspectiva, a hylé ou matéria-prima universal indeterminada que dá origem ao fogo, água, terra, ar, hylé que para Aristóteles é não-ser , em sentido relativo, - é ser, substrato de tudo, sujeito. Mas o ser que Aristóteles coloca como predicado é substante "por cima"  isto é, superestrato ou no meio, mesoestrato. Todas as coisas são, isto é existem. Existir é uma matéria subtil - que pode ser espírito, vida, luz, electromagnetismo, energia - ou uma matéria visível, densa e palpável, como a matéria física. O existir não é, portanto, algo separado da matéria física ou da forma. Até os erros existem no mundo da imaginação, esse oceano de plasticidade que ora comunica com o mundo real ora com os mundos irreais e absurdos que são os mundos da matéria inteligível no caos.

 

Aristóteles usou magnificamente os termos matéria inteligível e matéria sensível. Em vez de matéria inteligível poderia escrever ser inteligível. Ser é matéria, isto é, a textura indeterminada de qualquer coisa espiritual, vital, energética, física.

 

Uma outra questão é a da génese dos objectos a partir da matéria prima universal no aristotelismo: se esta é potência pura, isso significa que é uma espécie de matéria inteligível que não tem concreção, está fora da phisis (natureza biofísica móvel) . Seria a forma que lhe daria concreção. Mas isso não faz muito sentido: a meu ver, a forma não confere carácter ontológico mas apenas eidológico. A matéria prima, na minha perspectiva, não está no nada mas constitui uma espécie de ganga no caos da qual as formas extraem objectos ao plasmarem-se nela. A matéria-prima não pode estar em potência de modo absoluto - se assim fosse, era a criação ex nihil (a partir do nada) que repugna ao espírito grego. A matéria-prima está em acto enquanto algo informe que tem massa, densidade, impenetrabilidade. Aristóteles não afirma isto mas, a meu ver, a lógica seria essa. Não deve ser a forma a puxar ou explicitar as propriedades da matéria. Esta já tem de ser um em si que se entrecruza com outro em si, hierarquicamente superior: a forma. A forma limita-se a configurar uma matéria física já existente.

 

O equívoco na filosofia de Aristóteles é não considerar o ser como a verdadeira matéria universal - o substracto, mesoestrato e superestrato - absolutamente indeterminada, que origina a hylé e tudo o mais. No entanto, Aristóteles chega a formular a ideia de que o género - grupo mais vasto e sem forma perfeitamente definida - está para a espécie como a matéria está para a forma. Mas, ao que parece, não formulou a ideia do ser como matéria universal que estaria para os diferentes géneros como a matéria está para a forma, talvez por recear que o "ser" (predicado)  e a "hylé" (sujeito, substracto) se confundissem. De facto, a hylé é uma espécie dentro do género universal ser: é o ser material informe, inexistente segundo Aristóteles, existente em minha opinião, como matéria no caos.

 

A matéria, em sentido universal, expande, estende-se em campos infimitos e a forma, ao contrário, segmenta, corta em fatias e contrai. Logo o ser é essa matéria e não surpreende a máxima da escola eleática de que «tudo está cheio de ser.»

 

 

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Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2011
Confusão em Aristóteles ao separar figura de predicação e acto e potência dela

 

No riquíssimo livro, no plano filosófico, que é a "Metafísica", Aristóteles distingue as figuras da predicação do acto e da potência delas, revelando, pelo menos aparentemente, alguma falta de clareza. Escreveu o Estagirita:

 

 « Posto que "o que é" e "o que não é" se dizem, em um sentido segundo as figuras da predicação, em outro sentido segundo a potência ou o acto de estas, ou os seus contrários, e em outro sentido o que  é verdadeiro ou é falso no sentido mais fundamental, o qual tem lugar nas coisas segundo estejam unidas ou separadas, de modo que diz a verdade o que julga que o separado está separado e o que sendo unido está unido, e diz falsidade aquele cujo juízo está articulado ao contrário das coisas, (...) Desde logo, tu não és branco porque seja verdadeiro o nosso juízo de que és branco, mas, pelo contrário, porque tu és branco, dizemos algo verdadeiro ao afirmá-lo.»

 

(Aristóteles, Metafísica, Livro IX, 1051a 30-35, 1051 b, 1-10; in pags 389-390 da versão espanhola de "Metafísica" de Editorial Gredos, tradução de Tomás Calvo Martínez; o negrito é posto por mim).  

 

Qual é a diferença entre as figuras de predicação e a potência ou o acto de estas? Não existe diferença. Fora do acto -realidade actual- e da potência - realidade virtual futura- não há outro modo de as coisas, entre estas as figuras de predicação, serem. O acto e a potência incluem ambos a figura de predicação, esta ora está num, de certo modo, ora está noutro, não subsiste fora deles. Portanto, a formulação desta questão, por Aristóteles, no texto acima, é equivoca.

 

Um primeiro problema hermenêutico no texto acima é o de saber o que Aristóteles entende por figura de predicação (schêma tês kategorías). Se se tratasse das figuras do silogismo, teorizadas em «Analíticos Primeiros», estruturaria a resposta do modo que exponho a seguir. 

Vejamos a primeira figura de predicação, classificada, como as outras três, em função da posição do termo médio nas duas permissas do silogismo regular( sendo P o termo maior ou primeiro, M o termo médio, que está contido no primeiro, S o termo último ou menor). 

 

P-M

M-S

P-S

 

 Todos os europeus não são asiáticos.

 Alguns asiáticos são chineses de Macau.

 Alguns europeus não são chineses de Macau.

 

 

(Nesta figura de predicação, Europeu é o termo maior, Asiático o termo médio e  Chinês de Macau o termo menor)

 

Esta figura de predicação corresponde a uma realidade em acto. E a figura está em acto enquanto inferência lógica concreta, com referentes. A figura está em potência enquanto esquema abstracto P-M, M-S, P-S. 

 

No entanto, por figura de predicação pode entender-se outra coisa distinta da figura do silogismo, como se depreende das seguinte passagens da "Metafísica":

 

«Enfim, certas coisas são um numericamente, outras especificamente, outras genericamente e outras por analogia: numericamente são-no aquelas coisas cuja matéria é una, especificamente aquelas cuja definição é una, genericamente aquelas cuja figura de predicação é a mesma e, por fim, por analogia as que guardam entre si a mesma proporção que guardam entre si.» (Aristóteles, Metafísica, Livro V, 1016-b, 30-35).

 

«Assim, a forma e a matéria são heterogéneas e também o são os predicados que correspondem às diversas figuras de predicação de "o que é" ( uns, com efeito, significam quê-é ; outros que é de certa qualidade e outros segundo as distinções expostas anteriormente.»

(Aristóteles, Metafísica, Livro V, 1024-b, 10-15).

 

Neste caso, figura de predicação significa o género, a substância primeira ( o quê-é) e os seus acidentes, ou seja, as categorias do ente. Por exemplo, animal é o género de António Damásio (substância primeira).  

Aliás, Tomás Calvo Martínez, tradutor da Metafísica, escreveu em nota:

 

«27. A expressão "figura da predicação" (schêma tês kategoría) refere-se usual e tecnicamente às distintas categorias (géneros supremos). BONITZ (238-39) propõe que nesta ocasião se interprete no sentido mais amplo e menos técnico de "predicado", a fim de integrar na doutrina proposta a unidade genérica correspondente aos géneros intermédios. Pelo contrário, Ross (I, 304-305) propõe interpretar a expressão no seu sentido usual e técnico, o que nos daria uma referência à unidade genérica entendida como pertença à mesma categoria.» ( Aristóteles, Metafísica, pag 222, nota do tradutor, Editorial Gredos).

 

 Nesta outra interpretação de figura da predicação, como género (exemplo: animal) ou como substância primeira (exemplo: António Damásio), o argumento é o mesmo que expus acima: o género e a substância primeira, como outras figuras da predicação, não são distintos do acto e da potência de si mesmos, ou são acto ou potência. 

Portanto a frase de Aristóteles « Posto que "o que é" e "o que não é" se dizem, em um sentido segundo as figuras da predicação, em outro sentido segundo a potência ou o acto de estas, ou os seus contrários» encerra, em si, uma equívoca duplicação de entidades.

 

Aristóteles coloca, no texto citado no início deste artigo, um terceiro sentido da dicotomia «o que é/ o que não é»: o de as coisas estarem unidas na realidade - isso seria o verdadeiro - ou de estarem desunidas - isso seria o falso. Mas esse terceiro sentido não é afinal o segundo,  o acto e a potência da figura de predicação na realidade exterior ou os seus contrários? A meu ver, é.

 

A unidade não tem mais realidade que a pluralidade ou desunião. Ao dizer que "o que é" se exprime no que está unido, Aristóteles visava, talvez inconscientemente, dizer que a verdade é a unidade entre o captado ou inteligido e a realidade externa. Mas, na realidade exterior, no mundo das coisas, estar unido ou desunido possui, em ambos os casos, realidade ontológica, carácter de "o que é".

  

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Segunda-feira, 13 de Setembro de 2010
Dois significados no termo aristotélico Acto

O acto, (energeia) em Aristóteles, é simultaneamente duas coisas distintas e indissociáveis:  a forma ou figura de algo e o momento presente. Acto é, pois, forma espacial e instante presente, laço entre espaço figurado e fragmento do tempo.

 

O tempo, por si só, é acto, no presente. As formas e os compostos forma-matéria que subsistem neste instante são também acto. Duas coisas diferentes, a forma espacial e o instante presente assumem a condição de acto. Mas como determinar que o instante é presente se não intuirmos as formas (a inclinação da luz a uma dada hora, a côr das coisas, etc.)?  

 

E as essências eternas e imóveis - exemplo: a rosa, o triângulo, o pão - estão em acto perpétuo, não o acto do composto, do objecto físico, palpável - este está em potência, isto é, por vir a ser - mas o acto da forma, da figura-contorno.

 

Acto designa pois essência (forma espacial) e existência (tempo vazio, ou forma espacial no presente, isto é, essência exteriorizada). As formas passadas, desaparecidas, representam uma potência negativa, o inexistente que não pode voltar a existir. Mas nessa potência negativa está a essência-forma que foi acto. Está? Ou esteve? Quando falamos de Napoleão - uma forma humana, uma essência individual do século XIX - e da batalha de Waterloo - um acontecimento, uma essência militar fugaz - pomos em acto na imaginação algo que já foi acto real.

 

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Sábado, 6 de Fevereiro de 2010
Ter tempo para algo: A gestação das formas do intelecto, da acção interpessoal, dos objectos

Ao dizer «tenho tempo para isto ou para aquilo» significo: posso efectuar tal ou tal acção ou deixar que tal coisa actue sobre mim– toda a acção é criação ou transformação de uma forma material, vital, social ou espiritual. Dar uma aula é uma sucessão de formas mentais e verbais – o discurso do professor e dos alunos, as definições, as correlações entre estas – que exige tempo, isto é, duração dessas formas. Portanto, ter tempo é criar, em potência, ou deixar desenvolverem-se formas, em potência: produzir ideias, raciocínios, imagens ou deixar que aconteçam, e no plano material e social, é manipular ou fabricar objectos, movimentar-se, fazer discursos, interpelar ou abraçar pessoas, etc. O tempo de que se dispõe é a duração da execução de uma tal acção ou seja o acto de plasmação de uma tal forma. O tempo é actualização do ser, passagem da potência ao acto. É manifestação do ser.

 

 

O tempo de trabalho na produção de ideias, serviços ou bens culturais e materiais determina, em princípio, ou deveria determinar, o nível de remuneração do trabalhador. Essas ideias, serviços ou bens culturais e materiais, são formas, minimamente estáveis, executadas e vigentes no tempo. Uma cadeira ou um automóvel são pensados automaticamente na sua coisidade, no ser das suas formas essenciais, e, secundariamente, são também pensados em termos de tempo de trabalho que exigiu a produção das suas formas.

 

  

 

HEIDEGGER NÃO CONCEBEU O TEMPO COMO PROPRIEDADE DA FORMA ESPACIAL

 

  

 

Heidegger esforçou-se por retirar o tempo do campo dos instrumentos de análise ontológica:

 

 

«O "tempo" funciona há muito como critério ontológico, ou melhor ôntico, da distinção ingénua entre as diversas regiões dos entes. Deslindam-se os entes "temporais" (os processos da natureza e a gesta da história) dos entes "intratemporais" (as relações espaciais e numéricas). Costuma-se destacar o sentido "intemporal" das proposições  em relação  ao curso "temporal" das orações que as enunciam. Encontra-se ademais um "abismo" entre o ente "temporal" e o eterno "supratemporal" e tenta-se franqueá-lo.»  (Heidegger, El Ser y el Tiempo, Fondo de Cultura Económica, Pág. 27).

 

 

Mas toda a crítica de Heidegger, de que «a ontologia tradicional confundiu o ser com o tempo», passa por alto a natureza do tempo como propriedade das formas, isto é, permanência destas, passa por ignorar o carácter intrinsecamente temporal do ser. Heidegger continua prisioneiro do dualismo de Kant que postula o  espaço, como sentido externo, e o tempo como sentido interno. Por isso, a concepção heideggeriana do ser é estática, imobilista como seria a de Platão se circunscrevesse rigorosamente o ser ao mundo do Mesmo. E a sua distinção entre ôntico-existente - por exemplo: «o tempo é infinito onticamente» - e ontológico-existencial ou existenciário - no exemplo: «o tempo real é finito ontologicamente» - é algo artificial porque o ôntico é a manifestação do ontológico que transporta dentro de si.

 

É por isso que, ao caracterizar a ontologia de Nietzschze, Heidegger distingue como ser a vontade de poder e como sua modalidade o eterno retorno que seria a existentia, a manifestação temporal externa. O equívoco heideggeriano está em que o ser é tanto a vontade de poder (ser em si) como o eterno retorno (ser por si e para si). Como seria possível conhecer o ser como vontade de poder, que, na teoria de Nietzschze, tem duas faces - a vontade de poder dos aristocratas esclavagistas ou feudais, antiliberais até à medula, e a vontade de poder da plebe, incluido a burguesia liberal e a populaça democrática ou mesmo anarquista e comunista na sua forma extrema - se na serpente circular do tempo não se manifestassem, alternadamente, estas duas faces? O ser inclui o tempo, desdobra-se neste.

 

O vínculo entre tempo e forma é indissociável: o tempo é a permanência, mais ou menos efémera, das formas das coisas, formas que são o ser. Como a permanência ou duração pertence às formas das coisas, ao ser, o tempo pertence ao ser, constitui a camada periférica deste.

 

Faz sentido distinguir um tempo psicológico de um tempo extra animam, objectivo, pois as formas psíquicas gozam de grande autonomia em relação às formas físicas.

 

Max Scheler falou na existência de uma duração sem sucessão. Tal só é possível na duração eterna ou eternidade, fora do tempo mutável, sinuoso. Porque a eternidade é da mesma natureza - ou seja duração - que o tempo historicamente delimitado: é a infinitude deste. Aliás, um dos problemas centrais da filosofia é justamente o de saber se a eternidade é real em acto ou apenas uma fantasia, uma potência ilusória.

 

A duração é a característica essencial do tempo.

 

 

 

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Domingo, 24 de Janeiro de 2010
Cuestionando el insustancialismo de las cosas y del «yo» en la filosofía de Ortega

En una de sus lecciones de metafísica, Ortega habla de dos mesas: la mesa primaria, del realismo natural, que los sentidos nos ofrecen (de madera o de vidrio, rectangular o circular, etc., que veo e toco aquí) y la mesa científica, del realismo crítico, pensada, casi «insustancial», porque está llena de espacio vacío y átomos moviéndose sin cesar, diferente a las sensaciones que la primera mesa nos produce. Y, reflexionando sobre una y otra, acaba concluyendo que ambas no tienen ser sino serventía para el hombre, en un caso el hombre común, incluso el salvaje, en otro caso el hombre científico:

 

 

 

«Y ahora pregunto: cuando – leyendo a Eddington – digo que me acerco a la mesa para escribir, ese hacer y esa situación de mi vida que tales palabras enuncian ¿puede consistir en que me acerco a unos electrones? Un salvaje puede también acercarse a la mesa , ya que no para escribir, no para sentarse sobre ella, y ese salvaje, ¿se acerca también a unos electrones?»

 

«Pero lo mismo vale para la mesa como sustancia. En rigor, la mesa primaria no es uno ni lo otro ni nada. No tiene ser por si: está ahí facilitando o dificultando mi vida, como elemento de ella, me sirve o me desirve, me favorece o me perturba. Cabía decir que eso, favorecerme, es el ser de la mesa. Sin embargo y ¿si huyo porque hay fuego? La mesa me estorba. Y aun ese mismo ser – ser facilidad, ser dificultad – no es ella, sino que depende de lo que yo tenga que hacer: escribir o huir.»

 

«Por tanto, la circunstancia, por lo pronto y como tal, no tiene ser; ese mínimo que parecería tener no es de ella, sino de mí. Depende lo que la circunstancia sea de quién sea yo: el que tiene que escribir o el que tiene que correr.»

 

«Eso transfiere a mí el problema del ser de las cosas. Para responder a ¿que son las cosas? Tengo que preguntarme ¿qué soy yo?»

 

«Pero yo soy el que tiene que habérselas con la circunstancia, el que tiene que ser en ella. Lo que yo puedo y debo ser depende, pues, a su vez, de ella.»

 

«El hombre y su circunstancia pelotean el problema del ser – se lo devuelven uno al otro – lo que indica que el problema del ser es el de lo uno y lo otro, el del hombre y de su circunstancia; el del Todo.»

 

El hecho radical e irremediable es que el hombre viviendo se encuentra con que ni las cosas ni él tienen ser; con que no tiene más remedio que hacer algo para vivir, que decidir su hacer en cada instante, o lo que es igual, que decidir su ser, y esto incluye, como hemos visto, el ser de las cosas.» ((Ortega y Gasset, Unas lecciones de metafísica, Revista de Occidente en Alianza Editoral, Pág 119-120; la letra negrita es añadida por mí). 

 

 

 

Ortega separa aquí, en modo artificial, la causa formal - el qué, o quid-  del ser - o consistencia existencial - de la mesa como si solo la causa final - la serventía de algo, el para qué - concediera ser a las cosas. La mesa no tiene ser, consistencia en si misma: solo tiene ser para mí, instrumental. Es una deriva hacía el idealismo pragmático. Es el pragmatismo acoplado a la fenomenología, cambiando esta en un insustancialismo movilista.

 

Ortega se halla así en la línea de Jean Paul Sartre, aunque no coincidan en todo, pero no en la de Heidegger y la tradición platónica que sostienen que el ser precede el agir – Zubiri diría: la actuidad - el ser o acto primero,previo a la potencia - precede a la actualidad y la actualización.

 

Heidegger díce que el ser-ahí, cada hombre, lleva dentro el ser y que las cosas ante los ojos, llevan, en otro modo, también el ser pero Ortega tiene posición distinta: el hombre y las cosas no poseen ser, esto solo existe en la interconexión hombre-mundo: es el Todo, la vida.

 

En Ortega, el movimiento de la dualidad origina el ser, la unidad, que es la vida. En Platón, el uno y la díada del pequeño y de lo grande constituyen de suyo  el ser y originan, después, el movimiento y las cosas móviles y efímeras. Ortega sustituye la ontología esencialista por la ontología existencialista insustancialista.

 

  

 

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