Quinta-feira, 1 de Maio de 2014
Equívocos no manual «Filosofia 11º ano» da Plátano Editora (Crítica de Manuais Escolares - LIX)

 

 

Algumas imprecisões integram o livro do professor  Filosofia 11º ,de Luís Rodrigues,  com Fernando Rua como consultor científico, da Plátano Editora.

 

A FILOSOFIA ´DISTINGUE-SE DA CIÊNCIA PELO MÉTODO? OU PELO DOMÍNIO EM QUE SE AVENTURA?

 

Lê-se no manual:

 

«1. O que distingue a filosofia de outros saberes?»

«A filosofia é uma forma de saber racional que se distingue de outros saberes, especialmente da ciência pelo método - à argumentação crítica sem recurso a testes empíricos ou provas formais.» (Luís Rodrigues,  Filosofia 11º , Fernando Rua como consultor científico,  Plátano Editora, pág 266).

 

Crítica minha: o que distingue, essencialmente, a filosofia da ciência não é a ausência de recurso a testes empíricos - a filosofia usa-os, como por exemplo, ao referir os 6 milhões de judeus exterminados na 2ª Guerra Mundial pelos nazis, no caso da filosofia antinazi; ao referir os exemplos de Júpiter em Peixes nas revoluções liberal de esquerda 24 de Agosto de 1820, radical de 14 de Maio de 1915 e antifascista de 25 de Abril de 1974 no caso da nossa filosofia da astrologia histórica. Ademais, a ciência argumenta criticamente muitas vezes sem provas empíricas como é o caso da teoria do Big Bang: há quem defenda que há galáxias com 70 000 milhões de anos o que contraria a tese de o Big Bang se ter dado há 15 000 milhões de anos.

 

O que distingue a filosofia, das ciências, é o movimento do pensamento filosófico na metafísica, no reino além dos factos positivos, visíveis e palpáveis. As ciências estão todas impregnadas de filosofia - desta ou daquela filosofia. Por exemplo, dizer que a vacina (vírus e toxinas) «ensina o corpo a defender-se contra futuros ataques de certa doença» é pura filosofia subjectiva que já foi incorporada no senso comum. Cada filosofia prolonga a investigação das ciências além da fronteira do visível e do palpável, e por isso decompõe-se, como a luz branca, em múltiplas «cores» ao atravessar o prisma limite do mundo visível. Há muitas filosofias sobre o mesmo tema testável. Platão faz residir as essências no mundo inteligível, Aristóteles fá-las residir no mundo da matéria, cujo fundo é também metafísico. O método racional, tanto quanto possível assente em dados empíricos, é comum à filosofia e às ciências, ainda que estas recorram a métodos particulares.

 

A FILOSOFIA NÃO É SUBJECTIVA?

 

Diz o manual:

 

«2. Podemos dizer que a filosofia é subjectiva?

Não. Há verdades objectivas em filosofia porque esta não é o reino da pura e simples opinião. O problema é alcançar a resposta objectivamente verdadeira a uma questão básica e fundamental.» (Luís Rodrigues,  Filosofia 11º , Fernando Rua como consultor científico,  Plátano Editora, pág 266).

 

Crítica minha; a filosofia é um misto de subjectividade e objectividade. Por isso,é parcialmente incorrecto dizer que não é subjectiva. O existencialismo, de Kierkegaard a Sartre, acentua a subjectividade do indivíduo como a fonte da filosofia livre e criadora. Dizer que o nosso eu racional tem capacidade para dominar, em certa medida, os instintos mais baixos é uma verdade objectiva mas dizer, como o filósofo estóico Marco Aurélio, que se pode permanecer impassível enquanto nos torturam ou cortam aos pedaços é uma tese subjectiva.

 

AS CONFUSAS PERGUNTAS DE ESCOLHA MÚLTIPLA

No caderno do professor, que faz parte do Filosofia 11º ano de Luís Rodrigues, figuram questões de escolha múltipla mal formuladas. Eis exemplos.

 

«Considere os enunciados seguintes. Selecione a alternativa correcta.

 

1.1 A. Deves cumprir o prometido.

       B. Não há homens em Marte.

       C. Precisarias de ajuda.

       D. Não achas que me fizeste esperar muito?

        (Luís Rodrigues,Caderno do professor, Filosofia 11º ano, Plátano Editora, pág 56) 

 

Segundo o autor só a frase b é proposição.

 

Crítica minha: há duas proposições ou frases declarativas, a B e a C («Precisarias de ajuda»). A frase «precisarias de ajuda» pode ser tomada como uma frase assertiva: «Sem dúvida, precisarias de ajuda naquela conjuntura», o que é o mesmo que dizer, como uma proposição 

 

1.2  A.  A guerra na Síria é imoral e fraticida.

        B. Qualquer vacina contra a malária tem de ser barata.

         C. Em geral, os quadros de Miró têm menos valor do que os de Picasso.

         D. O aquecimento global pode ameaçar a subida do nível do mar.»

   (Luís Rodrigues,Caderno do professor, Filosofia 11º ano, Plátano Editora, pág 56).

 

Segundo Luís Rodrigues, só a hipótese A está certa.

 

Crítica minha: As quatro respostas estão certas, são todas frases declarativas. Não sabemos o que Luís Rodrigues entende por proposição mas reduziu, sem dúvida, o conceito desta de forma inaceitável. Dizer que «os quadros de Miró valem menos que os de Picasso» não é uma proposição? Ora vamos lá a pensar seriamente, Luís Rodrigues! A proposição é uma afirmação ou negação construída sobre a realidade efectiva ou sobre a possibilidade. Dizer «é possível que o aquecimento global faça subir o nível do mar»  é uma proposição porque se ancora em duas contrárias entre si: «o aquecimento global faz ou fará subir o nível do mar» ; «o aquecimento global não faz ou não fará subir o nível do mar». Como pode uma proposição englobante - pois a possibilidade abarca o "sim" e o "não" - deixar de ser proposição? Como podem a tese e antítese comstituirem proposições e a síntese não?  

 

Este tipo de perguntas de escolha múltipla formam um terço das questões da prova de exame nacional de filosofia do 11º ano. E, em regra, este possui algumas dessas questões mal formuladas.

 

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Sexta-feira, 19 de Abril de 2013
Equívocos no Filosofia 10º ano da Plátano Editora (Crítica de Manuais Escolares- XLIV)

No «Filosofia 10º ano», manual do professor, da Plátano Editora, para o ensino secundário em Portugal, editado em Março de 2013, cujo autor é Luís Rodrigues- tendo Álvaro Nunes como consultor científico - abundam definições equívocas.

 

O OBJECTIVISMO MORAL NÃO DEPENDE DE PONTOS DE VISTA COLECTIVOS?

 

Escreve Luís Rodrigues sobre o objectivismo moral:

 

«Os objectivistas acreditam que os juízos de valor podem ser verdadeiros ou falsos - têm valor de verdade - e que essa verdade ou falsidade não depende dos pontos de vista, de sentimentos ou de gostos, sejam estes individuais ou colectivos. Esse valor de verdade é independente da opinião ou do ponto de vista de cada pessoa ou de cada cultura. Assim se considerarmos os juízos «A eutanásia é moralmente errada» e «A eutanásia é moralmente correcta» temos, segundo os objectivistas, de reconhecer que um dos juízos é falso.» (Luís Rodrigues, Filosofia 10º ano, manual do professor, pag. 80, Plátano Editora).

 

Luís Rodrigues esquece ou ignora que a palavra objectivismo possui dois sentidos: verdade patente a todos, intra anima, isto é, dentro das mentes, intersubjectiva (exemplo: sete mais dois é igual a nove é um juízo objectivo mas depende das mentes, um retardado mental não conseguirá obter esta abstração); verdade extra anima, fora das mentes humanas, realidade em si mesma. Como é habitual, os partidários da filosofia analítica consideram unidimensionalmente o sentido de uma palavra, sem se aperceberem de outros sentidos que ela encerra.

 

Podemos  dizer que a teoria atómica não é objectivismo? A partir do momento em que se instituiu universalmente que o número de massa do hidrogénio é um e o do oxigénio é oito estamos perante verdades objectivas, no sentido sociológico: a maioria dos cientistas, dos académicos, dos editores, dos políticos decreta e toma isto como verdade e quase toda a gente o aceita. O objectivismo moral emana da opinião da larga maioria das pessoas numa comunidade regional, nacional ou mundial. Por exemplo, o juízo «É crime agredir fisicamente ou matar bebés» é objectivismo moral mas depende de sentimentos colectivos, ao contrário do que sustenta Rodrigues. Há sempre psicopatas capazes de torturar ou matar bebés, o que retira universalidade absoluta a esse juízo moral.

 

 

CONFUNDIR RELATIVISMO COM ABSOLUTISMO DA IDEOLOGIA DOMINANTE

 

Repetindo os equívocos de Peter Singer, Blackburn e outros adversários da dialética  hegeliana ou marxista sobre o que é relativismo, escreve Rodrigues:

 

«As convicções da maioria dos membros de uma sociedade são a autoridade suprema em questões morais. O relativismo cultural acerca de assuntos morais afirma que o código moral de cada indivíduo se deve subordinar ao código moral da sociedade em que vive e foi educado. Os juízos morais de cada indivíduo são verdadeiros se estiverem em conformidade com o que a sociedade - a maioria dos seus membros - a que pertence considera verdadeiro. »(Luís Rodrigues, Filosofia 10º ano, manual do professor, pag. 81, Plátano Editora)

 

Ora, o relativismo não defende nada disso. Apenas sustenta a pluraridade de pontos de vista - o que Nietzsche designou por perspectivismo, isto é, que a verdade é relativa às classes sociais e aos indivíduos, varia de classe a classe social, de grupo a grupo, de indivíduo a indivíduo. A instituição do casamento gay e lésbico, em França,  é um exemplo de relativismo, porque pressupõe que há várias verdades no campo sócio-sexual e não apenas a verdade da maioria heterossexual (absolutismo). A definição de relativismo que Luís Rodrigues dá é errónea: o relativismo é o espraiar das diferenças no seio de cada sociedade e não o afunilamento da submissão à ideologia dominante, ao sentir e pensar da maioria dos cidadãos. Tão mal pensam os "analíticos"! Entendem, erroneamente,  por relativismo o monolitismo, o absolutismo, à escala nacional. E entendem tanbém por relativismo a variação, a diversidade, à escala internacional, o que está certo. Enredam-se na incoerência.

 

 

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Terça-feira, 28 de Outubro de 2008
Confundir a Indução com a Dedução (Crítica de Manuais Escolares- XXXII)

No Manual português «Filosofia 10º ano» de Luís Rodrigues lê-se:

 

«Um argumento indutivo é válido quando é improvável (ou muito pouco provável), mas não impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.»

Consideremos o seguinte argumento:

Todas as pessoas que comeram no restaurante Zodíaco ontem à noite ficaram doentes.

Logo, a comida estava estragada.

Trata-se de um bom argumento indutivo.» ( Filosofia, Volume 1, Luís Rodrigues, Plátano Editora, pag 54-55).

 

Crítica minha:  definir o raciocínio indutivo como aquele em que é bastante improvável que sendo as premissas verdadeiras a conclusão seja falsa é sinal de uma certa vacuidade intelectual; esta definição nebulosa também se pode aplicar ao raciocínio de analogia.

E o exemplo referente ao restaurante Zodíaco parece ser uma dedução e não uma indução. Vejamos o corpo total dessa dedução, desocultando a premissa oculta :

 

Todas as pessoas que ficam doentes após comer num restaurante é por ingerir comida estragada.

Todas as pessoas que comeram no restaurante Zodíaco ontem à noite ficaram doentes.

Logo, a comida estava estragada.

 

Vê-se pois, uma vez mais, que os manuais de filosofia no ensino secundário em Portugal - a maior parte dos quais gerados pelos parafilósofos analíticos da Sociedade Portuguesa de Filosofia, lobby poderoso no mundo editorial - abundam em erros que os professores criteriosos devem, inteligentemente, desmontar nas aulas. 

 

 

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