Sábado, 9 de Maio de 2020
Dialética, transumanismo e singularidade, essencialismo, existencialismo

 

Eis algumas questões a que os alunos de filosofia podem responder se os professores forem suficientemente autónomos e inteligentes para rejeitar a filosofia analítica e a sua ridícula lógica proposicional e souberem explicar a dialética nas suas leis objectivas.

 

1) Enuncie e aplique a lei da contradição principal à segunda guerra mundial 1939-1945. 

 

Resposta: A  Lei da Contradição Principal da dialética diz que « Um sistema de múltiplas contrariedades é susceptível de ser reduzido a uma só contradição, designada por principal, colocando num polo um certo número de contrariedades, reduzidas à condição de secundárias entre si, e no outro as restantes, também secundárias entre si. Uma nova contradição principal surge depois em outra fase.»

 

Exemplo: na Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, a  contradição principal é haver dois blocos ou polos, por exemplo, a Inglaterra liberal não gostava da Rússia comunista mas aliou-se a esta para combater a Alemanha de Hitler:  num dos polos os Aliados ( França livre, Inglaterra, EUA, URSS, Brasil, etc) e no outro polo as potências do Eixo nazi-fascista-imperial ( Alemanha, Itália, Japão).

 

Terminada a guerra com a derrota deste Eixo, surgiu, em 1946-1950, uma nova contradição principal na política internacional, entre o bloco dos países ditos socialistas e aliados (a URSS, Roménia, Checoslováquia, Bulgária, Polónia, China, etc) e o bloco ocidental capitalista e países dependentes (EUA, Grã Bretanha, França, Itália, Alemanha Ocidental, etc). 

 

2) Aplique a lei da contradição principal à pandemia da Covid actual.

 

Resposta: os países do mundo (EUA, Itália, Portugal, etc) têm contradições entre si mas unem-se todos no mesmo polo ou bloco e no outro pólo está o Covid 19 invisível.

 

3) Aplique a lei da contradição principal à mutualização das dívidas públicas (todos a pagar as dividas dos mais pobres)  na UE em 2020.

 

Resposta: Há estados europeus (Portugal, Espanha, Grécia) com muito mais dinheiro a pagar ao Banco Central Europeu do que outros como a Holanda e a Austria. Assim os países mais pobres (Portugal, Grecia, Itália) unem-se num polo da contradição principal para pedir a criação de eurobonds (empréstimos a juros muito baixos fáceis de pagar) mas no outro polo da contradição principal estão os países ricos como Alemanha, Holanda, Austria. que não querem criar esses eurobonds.

 

4)  Exponha a lei da luta de contrários e aplique-a à estrutura do ser humano segundo a psicanálise de Freud.

 

Resposta: A  Lei da Luta de Contrários)  diz o seguinte: «Cada fenómeno ou ser tem, por essência, uma luta de contrários que constitui o motor de desenvolvimento desse fenómeno ou ser. Os contrários formam, entre si, na sua luta recíproca, uma unidade, mais ou menos instável, que constitui a totalidade desse fenómeno ou ser.» Freud dizia que no ser humano há uma luta entre o infra-ego (as paixões ou instintos do corpo: comer, beber, energia sexual, desejo de riquezas, violência sobre outros, etc.) e o super-ego (a consciência moral vinda da sociedade: não matar, não roubar, não violar, não ofender por palavras, etc.). Estes contrários lutam a cada dia dentro de nós e formam a nossa essência ou maneira de ser permanente.

 

5) Aplique a lei da luta de contrários às atitudes metafísica e pragmática. 

 

Resposta: A metafísica é, na acepção comum,  o mundo invisível do Além com os seus deuses, espíritos malignos, milagres, mitos da cosmogénese, se porventura esse mundo existe, e leva as pessoas a rezar a Deus, a acreditar no Paraíso ou na reencarnação e por vezes a perderem bons negócios. O pragmatismo é o uso prático e vantajoso do mundo empírico (das sensações: ver, saborear, tocar, etc.) o mundo das coisas práticas, do dinheiro, da realidade possível. Lutam entre si embora sejam conciliáveis na mesma pessoa. Por exemplo: uma igreja é metafisica se não pede esmolas aos fregueses mas só pede orações e opõe-se a uma igreja pragmática que pede 10 por cento do salário a cada freguês (se ganhas 900 euros ao mês tens de dar 90 euros à igreja).

 

6) Enuncie a lei do devir e aplique-a à lei da oferta e da procura vigente na UE

 

Resposta: A Lei do Devir diz : «Nada está estático e inalterável, tudo está em constante Devir, transformação». A lei da oferta e da procura da economia de mercado diz que quando há muita oferta de produtos e pouca demanda/procura, os preços descem (é o caso da gasolina neste mês) e quando há muita procura e pouca oferta os preços sobem. Assim a oferta e a procura estão sempre a mudar, isto é, em devir, em transformação.

 

7) Enuncie a lei do salto de qualidade e aplique-a à passagem da água do estado líquido ao estado gasoso e à passagem de situações pacíficas a revoluções.

 

Resposta: 4ª (Lei do Salto Qualitativo diz que : «A acumulação lenta e gradual, em quantidade, de um aspecto num fenómeno ou ser conduz, num dado momento, a um brusco salto de qualidade nesse fenómeno ou ser.»

Exemplos: a água vai aumentando de forma gradual, quantitativa, a temperatura (90º, 91º, 92º.93º,94º)  até que ao passar de 99º para 100º entra bruscamente em ebulição (salto qualitativo) passando ao estado de vapor; a acumulação gradual e lenta num país de greves económicas massivas, manifestações de rua, greve política e confrontos violentos com forças da ordem determina que, num dado instante, um governo, democrático ou ditatorial, se demita ou seja destituído (salto qualitativo), abrindo um novo ciclo político na sociedade.

 

8) Aplique a lei do salto de qualidade à formação dos conceitos de «sobreiro» e de «cavalo».

 

Resposta: a criança vê um sobreiro (percepção empírica: ver e tocar), vê outro e mais outro sobreiro, acumulação em quantidade de imagens do mesmo tipo, fecha os olhos e abstrai de pormenores deste e daquele sobreiro, dá o salto de qualidade ao formar a ideia ou conceito de sobreiro, ideia abstracta. Com o cavalo é o mesmo: acumula visões ou percepções empíricas de cavalo, etc.

 

9) Aplique a lei da tríade aos regimes políticos desde o fascismo de Salazar (1932-1974) até hoje e às estações do ano.

 

Resposta: A lei da tríade diz que «Num processo dialéctico há três fases: a tese ou afirmação , a antítese ou negação e a síntese ou negação da negação. A síntese não é a soma das duas anteriores, mas a sua superação e conservação fragmentária e o início de um novo processo triádico. A síntese é um volver no sentido da tese e transforma-se em tese de um novo processo dialético.»  Aplicada à política em Portugal: o fascismo de extrema direita é a tese (povo sem poder nenhum, só o partido dos ricos a mandar), a revolução anarquista e comunista de extrema esquerda em 1974-1975 é a antitese (o povo com o poder todo nas ruas, ocupando herdades, os patrões a fugir) e a democracia parlamentar, regime de centro (liberdade de partidos, o poder na mão dos ricos mas o povo pode fazer greve, manifestação de rua) é a síntese. Nas estações do ano é assim: o verão é a tese, o inverno e antítese, a primavera e o outono são síntese porque são meio termo misturam calor e frio.

 

10) Aplique a lei dos dois aspectos da contradição à situação dentro de uma fábrica e à política portuguesa dos últimos anos. 

 

Resposta: a Lei dos Dois aspectos da Contradição) diz: «Numa contrariedade há dois aspectos ou polos, em regra desigualmente desenvolvidos: o aspecto principal ou dominante e o aspecto secundário ou dominado. Em certas circunstâncias, há uma inversão de posições (salto qualitativo): o dominante passa a dominado e vice-versa.».

 

Exemplo: numa fábrica, durante o dia de trabalho normal, o aspecto principal da contrariedade é a administração e o aspecto secundário os trabalhadores das oficinas, que se subordinam ao ritmo de tarefas imposto; contudo, os dois pólos invertem-se, ao irromper uma greve com ocupação de fábrica e sequestro da administração, passando esta a ser, por algum tempo, o aspecto secundário e os operários revoltosos passam a ser o aspecto principal.  Na política portuguesa de 2005 a 2011, o PS governou sozinho e por isso foi o aspecto dominante e os outros partidos o aspecto dominado mas isto inverteu-se de 2011 a 2015 porque o PSD e CDS governaram coligados e passaram a ser o aspecto dominante e o PS o dominado e de 2015 até hoje o PS governa sendo por isso o aspecto dominante da contradição.

 

11) A astrologia, acredite-se nela ou não, aplica a lei do uno. Explique.

 

Resposta: A lei do uno diz «No universo nada está isolado, tudo se relaciona». A astrologia determinista (com leis exactas) diz que as posições dos planetas muito distantes criam os acontecimentos na Terra. Exemplo: Júpiter no signo da Virgem (150º a 180º de arco) dá a vitória ao PSD (caso das eleições legislativas de 1979, 1980, 1991, 2015). O planeta está unido através da sua radiação com a Terra.

 
Pergunta 12-Qual a diferença entre a singularidade tecnológica do transumanismo e a singularidade gravitacional da teoria de Einstein?
 
 
Resposta: A singularidade tecnológica prevista no transumanismo iluminista de Silicon Valey (EUA) é a época ou o ano em que os ciborgues e a inteligência dos supercomputadores ultrapassam a humanidade e dirigem o futuro desta, imprevisível. Alguns dizem que será em 2045. A singularidade gravitacional em Einstein é um ponto do espaço-tempo com densidade e massa infinitas como o Big Bang ou os Buracos Negros que atraem toda a matéria em seu redor e são imensamente densos (supõe-se; os físicos marxistas discordam, dizem que são apenas restos de estrelas ardidas). A singularidade tecnológica não é natural, resulta do avanço da ciência (supostamente) mas a singularidade gravitacional é natural.
 
 
Pergunta - Como actua a lei da acumulação em quantidade /salto qualitativo em ambas as singularidades?
 
 
Resposta - Os avanços da pesquisa científica na inteligência artificial, cibernética vão-se acumulando grau a grau, ano a ano, até que se dá o salto de qualidade: a máquina supera o homem e comanda-o (singularidade tecnológica). O ponto do espaço-tempo que segundo a teoria do Big Bang concentra a massa inteira do universo vai ficando cada vez mais denso até que explode e é o Big Bang.
 
 
Pergunta - Que analogia há entre a astúcia da razão em Hegel e a tese de que o Estado é tudo, o indivíduo é nada? 
 
 
Resposta: Em ambas as teses há uma razão universal (Deus)que manipula os homens. Na astúcia da razão Deus usa as paixões dos homens (exemplo: escolheu Napoleão em 1799, amante da ditadura não monárquica para meter ordem na revolução francesa que mergulhara no caos) . No caso do Estado, que é Deus incarnado em forma de Estado de um dado povo, os indivíduos dvem obedecer às leis do Estado. 
 
 
Pergunta - Por que razão a teoria de Hegel não pode ser considerada um existencialismo e a teoria de Kierkegaard pode?
 
 
Resposta: Porque a definição de existencialismo é: doutrina que supõe que a existência de cada indivíduo ou do colectivo vem antes da essência, isto é, não existe à partida um modelo, um arquétipo fixo que preside a todo o desenvolvimento ulterior e a. vida é imprevisível, feita de escolhas livres.
 
Ora em Hegel a mente de Deus sozinho, na primeira fase, delineia as essências (formas estruturais)  e isto é essencialismo (a essência vem antes da existência- Deus pensa o espaço, o tempo, os planetas e animais que virá a criar na fase seguinte a fase da natureza. E na terceira fase, a de Deus incarnado em humanidade, esta não é livre mas obedece ao plano divino, essencialista, que estabelece a sucessão de Estados (mundo oriental despótico, mundo greco-romano de só alguns homens livres, mundo cristão reformado por Lutero em que todos os homens são livres de interpretar a Bíblia traduzida para alemão). Apesar de teorizar que a liberdade de espírito é o fim da história, a  ideia de liberdade em Hegel é mais a de liberdade de um povo do que liberdade do indivíduo. Hegel vive na altura das revoluções nacionais libertadoras do colonialismo no primeiro terço do século XIX.
 
 
A teoria de Kierkegaard é um existencialismo porque enfatiza a liberdade individual, a escolha livre que o homem pode fazer em cada momento de um destes três estados: o estético (o Don Juan a saltitar de mulher em mulher, preso ao prazer momentâneo) o ético (o homem casado fiel à mulher que educa bem os filhos e cumpre as obrigações sociais, é um funcionário honesto, vai à missa, etc.) e o religioso (o asceta ou o místico a meditar isolado ouvindo a voz de Deus agindo contra a «boa moral» da maioria dos crentes em Deus como o padre Abel Varzim que, nos anos 40-50, visitava as prostitutas do Bairro Alto para as confessar e fazer rezar e comungar a hóstia e era incomodado pela PIDE de Salazar).
 
 
Pergunta- Esclareça os conceitos de angústia, desespero, paradoxo e alternativa (ou...ou) em Kierkegaard.
 
No existencialismo de Kierkegaard, doutrina da liberdade individual alcançável plenamente na união com Deus, o conceito de angústia é central: o homem vive ansioso por conhecer o futuro, por sentir ou temer a dor, a morte, a má sorte. O desespero é a frustração quando já não há nada a fazer. Exemplo: a angústia da neta antes da avó ser operada, o desespero da neta ao saber que a avó faleceu da cirurgia. O paradoxo é a contradição do pensamento. Exemplo: «Deus é infinitamente bom mas envia ao inferno as almas dos maus», «Quanto mais jejuns e sacrifícios fizeres neste mundo terreno mais alto e feliz serás no Paraíso». Kierkegaard diz que o cristão tem de aceitar o paradoxo: «É vontade de Deus que sofras, não te perguntes porquê». Kierkegaard é fideísta: Deus não se demonstra com o raciocínio como São Tomás de Aquino o fez mas Deus sente-se, prova-se através da fé (fides). A alternativa é a possibilidade de livre-arbítrio, de livre escolha a cada momento. Exemplo: «Ou continuo a ser um Don Juan, namoradeiro, ou me caso e sou fiel à esposa». 
 
 
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Terça-feira, 13 de Dezembro de 2016
Teste de Filosofia do 11º ano de escolaridade (6 de Dezembro de 2016)

 

Eis um teste de filosofia do 11º ano de escolaridade, o último do primeiro período lectivo.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A

6 de Dezembro de 2016. Professor: Francisco Queiroz

I

“Alguns diretores de cinema são norte-americanos.

Alguns norte-americanos são racistas.

Os racistas não são directores de cinema.».

1-A) Indique, concretamente, três regras do silogismo formalmente válido que foram infringidas na construção deste silogismo.

1-B) Indique o modo e a figura deste silogismo.

II

“Um só caminho nos fica – o Ser é! Existem milhares de sinais de sinais demonstrativos de que o Ser é incriado…Ser e Pensar é um e o mesmo”(Parménides de Eleia).

 

2-A) Explique o que é o Ser segundo Parménides, com base no texto e em outras fontes, e relacione Ser com realismo, idealismo e fenomenologia.

 

3)Relacione, justificando:

A) Ser fora de si e ser para si, em Hegel, e lei do salto qualitativo.

B) Espírito de um Povo, Espírito do Mundo e Holismo, em Hegel

C) Percepção Empírica, Conceito, Juízo e Intuição Inteligível.

D) Falácia depois de por causa de e indução amplificante.

E) Idealismo, Realismo Crítico e os quatro passos gnoseológicos do raciocínio de Descartes.

 

CORREÇÃO DO TESTE DE AVALIAÇÃO COTADO PARA 20 VALORES

 

I

A) Três regras infringidas da validade do silogismo acima foram: de duas permissas afirmativas não se pode extrair uma conclusão negativa; nenhum termo pode ter maior extensão na conclusão do que nas premissas (alguns racistas na permissa menor/ os racistas  na conclusão); o termo médio (norte-americanos ) tem de ser tomado pelo menos uma vez universalmente e está tomado apenas no sentido de «alguns» e não de «todos». (VALE TRÊS VALORES).

 

1-B) O modo do silogismo é IIE, a figura é PS (predicado e predicado refere-se à  posição do termo médio nas premissas) ou 3ª figura.(VALE UM VALOR).

 

2)  A ontologia de Parménides de Eleia diz que a única realidade é o ser, um ente uno, imóvel, imutável, esférico, invisível, imperceptível, eterno, que não foi nem será porque é eternamente o mesmo e diz que «ser e pensar são um e o mesmo». A mudança das cores, o nascimento, o crescimento, o decrescimento e a morte, a sucessão das estações do ano e todas as mudanças são aparências, ainda que o ser possa estar subjacente a elas, escondido atrás delasA interpretação realista desta  frase «ser e pensar são um e o mesmo». é: o pensamento é idêntico ao ser, é espelho do ser material ( e aqui podemos «ler» o ser como realismo, doutrina que sustenta que o mundo de matéria é real em si mesmo). A interpretação idealista da mesma frase é: o ser é pensamento, nada existe fora da ideia absoluta que é o ser, e o mundo de matéria, com a mudança das estações do ano, o nascimento e a morte não passa de ilusão (idealismo é a teoria que afirma que o mundo material é irreal é como um sonho dentro da minha ou das nossas imensas mentes). A fenomenologia é a doutrina céptica no seu fundo que afirma que a mente humana e a matéria são correlatas não se sabendo se o mundo material existe em si mesmo ou não. (VALE QUATRO VALORES)

 

 3-A) Para Parménides, o ser é invisível, imóvel, imutável, exclui as aparências empíricas. O ser é significa a sua eternidade e imutabilidade: não principiou, não acabará. Para Hegel, o ser é invisível e visível consoante as épocas, é mutável, inclui as aparências empíricas (o verde das árvores, o calor do sol, etc) e   desdobra-se em três fases, segundo a lei da tríade: fase lógica, Deus sozinho antes de criar o universo o espaço e o tempo (é a tese ou afirmação, o primeiro momento da tríade); fase da natureza ou do ser fora de si, na qual Deus se aliena ou separa de si mesmo ao transformar-se em espaço, tempo, astros, pedras, montanhas, rios, plantas e deixa de pensar (é a antítese ou negação, o segundo momento da tríade); fase da humanidade ou do espírito ou do ser para si, em que a ideia absoluta/Deus emerge com a aparição da espécie humana, que é Deus encarnado evoluindo em direção a si mesmo, por sucessivas formas de estado, desde o despótico mundo oriental (um só homem livre, o faraó ou o imperador oriental) passando pelo mundo greco-romano (alguns homens são livres, os escravos e os servos não) até ao mundo cristão da Reforma protestante onde todos os homens são livres (é a síntese ou negação da negação). A lei do salto qualitativo postula que a acumulação lenta e gradual em quantidade de um dado aspecto de um fenómeno leva a um salto brusco ou nítido de qualidade nesse fenómeno. Podemos dizer que na fase do ser fora de si foram surgindo, uma a uma, as espécies vivas de plantas e animais (acumulação em quantidade, lenta) até que com o aparecimento do homem se deu o salto de qualidade. (VALE TRÊS VALORES).

 

3-B) Espírito de um povo é o conjunto da sua filosofia, dos seus mitos, da sua organização política e social, do seu direito, arte, religião, literatura, folclore. O espírito do povo português inclui catolicismo com devoção a Fátima, chico-espertismo individualista (fuga aos impostos, etc.) ao passo que o espírito do povo sueco inclui protestantismo, amor à natureza florestal, trabalho em equipa descentralizada.  O espírito do mundo é a soma dos espíritos de todos os povos do mundo e isso é holismo, visão de conjunto que lê as partes a partir do todo (VALE DOIS VALORES).

 

3-C) Percepção empírica é um conjunto organizado de sensações que, em regra, serve de base ao conceito, isto é, ideia de uma coisa ou classe de coisas (ver muitos cavalos leva à formação do conceito de cavalos). Juízo é uma afirmação ou negação, ligando entre si por um verbo dois ou mais conceitos. Intuição inteligível é a captação instantânea de uma realidade ou irrealidade invisível, metafísica ou cisfísica (VALE DOIS VALORES).

 

3-D) A falácia depois de por causa de é o erro de raciocínio  que atribui uma relação necessária de causa efeito a dois fenómenos vizinhos por acaso (exemplo: «Há 10 dias vi um gato preto e caí da bicicleta, há 5 dias vi outro gato preto e perdi a carteira, ontem vi um gato preto e o meu telemóvel avariou, logo ver gatos pretos dá-me azar). A indução amplificante é a generalização de alguns exemplos empíricos similares segundo uma lei infalível (Ex: Depois  de 1000 experiências, induzimos que os corpos largados no ar caem para a Terra). Ambas generalizam. (VALE DOIS VALORES).

 

3-E) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos, racionalismo esse que é uma forma de radicalidade filosófica. O idealismo, doutrina que postula que a matéria é irreal, não passa de conjunto de sensações ou ideias, está presente no segundo e no terceiro passos, e o realismo crítico, que afirma que vemos de forma distorcida o mundo real exterior, está no quarto passo:

 

Dúvida hiperbólica ou Cepticismo Absoluto( «Uma vez que quando sonho tudo me parece real, como se estivesse acordado, e afinal os sentidos me enganam, duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo »).

 

Idealismo solipsista («No meio deste oceano de dúvidas, atinjo uma certeza fundamental: «Penso, logo existo» como mente, ainda que o meu corpo e todo o resto do mundo sejam falsos»).

 

3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe).

 

Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, de figuras, tamanhos, números, movimentos, existe fora de mim»). Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores e que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos e uma matéria indeterminada. (VALE TRÊS VALORES).

 

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Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013
Teste de Filosofia do 10º Ano, Turma A, Novembro de 2013

 

 O presente teste de filosofia centra-se  nas rubricas do programa de Filosofia do 10º ano de escolaridade «1.1 O que é a filosofia», «1.2. Quais são as questões da filosofia», do módulo I- nas quais se incluem as noções de realismo e idealismo, os conceitos aristotélicos de tó ón e tó tí, a teoria do acto a teoria dos três mundos, das três partes  e as doutrinas da participação e ascese em Platão, as noções aristotélicas de hylé, eidos e proté ousía - e na rubrica  1.2 «Determinismo e liberdade na acção humana» do módulo II do programa, na qual se inclui a noção de fatalismo.   

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Agrupamento de Escolas nº 1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
6 de Novembro de 2013.            Professor: Francisco Queiroz

I

 

«O idealismo ontológico opõe-se ao realismo ontológico e considera-se, em regra, que isso não é do domínio da ética nem da estética. Em filosofia, há pelo menos dois sentidos da palavra «ser»: o tó on e o tó tí, dos gregos.»

 

1) Explique, concretamente, este texto.

 

2) Relacione, justificando:

 

A) As três partes da alma e os três estratos sociais da pólis, em Platão.

B) O processo de constituição dos entes individuais (árvores, cavalos, etc.)  segundo Platão e segundo Aristóteles.

C)  Fatalismo e teoria do acto e da potência.

D)  A percepção empírica, o conceito e o juízo.

E) A teleologia e os movimentos dos corpos nas duas regiões do cosmos aristotélico.

 

 

    CORREÇÃO DO TESTE, COTADO EM 2O VALORES

 

 

1) O idealismo ontológico é a doutrina que sustenta que o mundo material não é real em si mesmo mas é um conjunto de percepções sensoriais e ideias dentro da imensa mente do sujeito humano e o realismo ontológico é a doutrina segundo a qual o mundo material é independente das mentes humanas, real em si mesmo. É usual considerar que isto não é domínio da ética, doutrina do bem e do mal, do justo e do injusto, nem do domínio da estética, doutrina do belo e do feio, do sublime  e do horrível. (VALE TRÊS VALORES). O tó on é o ente, algo que existe, «o que é», o quod. O tó tí é a forma, essencial ou acidental, «o quê-é», o quid: o cavalo distingue-se de árvore porque possuem tó tís diferentes (VALE DOIS VALORES). 

 

2) A)  A correspondência entre a alma humana e a pólis ou cidade-estado grega é a seguinte: o Nous, ou razão intuitiva, que apreende a verdade dos arquétipos, equivale à classe dos filósofos-reis, um grupo de homens e mulheres, honestos e intelectualmente muito dotados, que vivem em comum numa casa do Estado,  não formam casais fixos mas trocam de parceiro, de modo a não saber quem é o pai de cada filho, não possuem ouro e prata nem bens materiais e fazem as leis da cidade e emitem as ordens; o Tymus ou Tumus, coragem ou brio militar, equivale à classe dos guerreiros, um grupo de homens e mulheres com treino militar, que vivem em comum  numa casa do Estado,  não formam casais fixos mas trocam de parceiro, não possuem ouro e prata nem bens materiais e aplicam ao povo as leis e a justiça decretada pelos filósofos-reis, mantendo a ordem na cidade e prendendo os malfeitores; a Epytimia ou concupiscência,  o conjunto dos prazeres da carne (comer e beber em excesso, adquirir e possuir ouro, prata, etc.,), que corresponde à população em geral, composta por classes ricas, médias e pobres, desde os proprietários de grandes terras e comerciantes, aos artesãos, servos e escravos. Esta população pode manipular ouro e prata mas não pode eleger os filósofos-reis e os guerreiros que a governam e julgam, os quais permanecem incorruptíveis. (VALE QUATRO VALORES).

 

 

2) B) Segundo Platão, a formação dos primeiros entes individuais ocorreu do seguinte modo: o demiurgo ou deus arquitecto, com a ajuda dos deuses do Olimpo, desceu à matéria informe, à chorá, e moldou nesta as árvores, as montanhas, os rios, os cavalos, os homens à semelhança dos arquétipos de árvore, montanha, rio, homem, etc.,.Segundo Aristóteles a formação dos primeiros entes individuais consiste na união da hylé ou matéria-prima universal indeterminada com as formas eternas e imóveis (eidos) de árvore, montanha, homem, etc, sem a intervenção de Deus, o pensamento imóvel, nem dos deuses. Assim se gera o indivíduo, a substância primeira ou proté ousía.(VALE TRÊS VALORES).

 

2) C) O fatalismo é a corrente que afirma que tudo está predestinado, não existe livre-arbítrio nem acaso . O acto é realidade presente de algo, a potência é o futuro previsível desse algo. Exemplo: uma semente de pinheiro é semente em acto e pinheiro grande em potência. Segundo o fatalismo, a potência está univocamente predestinada: só pode ocorrer de uma maneira, eliminando as outras hipóteses. A fatalidade predestina tanto o acto como a potência de cada coisa. (VALE DOIS VALORES)

 

2) D) A percepção empírica é um conjunto ordenado de sensações - exemplo: a visão e o cheiro da rosa diante de mós - e o conceito empírico é a ideia que se forma, por abstração,  a partir de percepções similares - exemplo: a ideia de rosa que tenho, fechando os olhos ou não tendo nenhuma rosa diante de mim. O juízo é uma afirmação ou negação, ligando dois ou mais conceitos - exemplo: a rosa é vermelha e bela. (VALE DOIS VALORES)

 

 

2) E) A teleologia é a existência e o estudo das finalidades nos processos da natureza ou da supra-natureza. Na região inferior do cosmos aristotélico, isto é, no mundo sublunar de 4 esferas concêntricas, o télos ou finalidade do movimento dos corpos é regressar à origem do seu constituinte: por exemplo, a pedra lançada para a esfera do ar cai para a esfera da terra porque deseja voltar à origem. Na região superior do cosmos, isto é, no mundo das 54 esferas de cristal com astros feitos de éter incrustados, o  télos do movimento circular dos planetas e estrelas, fazendo girar as respectivas estrelas, é (tentar) atingir Deus, que está além da última esfera de estrelas. (VALE TRÊS VALORES)

 

 

 

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Segunda-feira, 11 de Novembro de 2013
Teste de filosofia do 11º ano, turma C, Novembro de 2013

 

Eis um teste de filosofia sem perguntas de resposta múltipla que exigem responder com cruzes e não desenvolvem a capacidade discursiva escrita do aluno.  

Agrupamento de Escolas nº 1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C
1 de Novembro de 2013.            Professor: Francisco Queiroz

 

1) Considere o seguinte silogismo:

 

«Algumas coisas belas são azuis.
«Os olhos da Catarina  são azuis».
«Os olhos da Catarina não são coisas belas».

 

Indique, concretamente, três regras da construção formalmente válida do silogismo que foram infringidas no silogismo acima.

 

2) Construa o quadrado lógico das oposições à proposição: «As mulheres de Castro Verde são independentes».

 

3) Relacione, justificando:

 A) Astúcia da razão, na doutrina de Hegel, e lei dialética dos 2 aspectos da contradição.

 

B) Ethos, Logos e Pathos, na retórica, e lei dialética da contradição principal.

 

C) Percepção empírica, Conceito empírico e pragmatismo.

 

4) Construa um silogismo condicional modus ponens e um silogismo modus tollens a partir da seguinte premissa: «Se reflectir, ultrapassarei o senso comum.»

 

5) Disserte livremente sobre o seguinte tema:

 

«As falácias e os argumentos não falaciosos: falácia depois de por causa de, falácia do homem de palha, argumento do apelo à ignorância, argumento/falácia ad populum, falácia da composição, falácia da divisão, argumento circular.

 

 

            CORRECÇÃO DO TESTE, COTADO PARA 20 VALORES

 

1) Eis três regras de validade infringidas no silogismo acima: o termo médio deve estar distribuído pelo menos uma vez (ora isso não sucede, sendo o termo médio «azuis»); nenhum termo pode ter na conclusão maior extensão do que nas premissas (ora o termo "coisas belas" é particular na premissa e universal na conclusão); duas premissas afirmativas não podem gerar uma conclusão negativa. (VALE DOIS VALORES).

 

2)     A         E

         

         I          O  

 

 

 

 

 A (proposição universal afirmativa),: As mulheres de Castro Verde são independentes.

 

 E  (proposição universal negativa):  As mulheres de Castro Verde não são independentes.

 

 I (proposição particular afirmativa): Algumas mulheres de Castro Verde são independentes.

 

 O (proposição particular megativa): Algumas mulheres de Castro Verde não são independentes. ( VALE DOIS VALORES)

 

  

3) a) A astúcia da razão, na doutrina de Hegel, é a manipulação das paixões dos grandes homens de Estado no sentido de os levar a conduzir o povo nesta ou naquela direcção. Exemplo: em 1799, a razão universal (Deus) usou a ambição e o carisma do general Napoleão Bonaparte para reduzir a cinzas a revolução popular iniciada em 1789 e, ao mesmo tempo, para impedir a restauração monárquica e criar a França burguesa do século XIX. Aplicando a lei dos dois aspectos da contradição que diz que em uma contradição  há dois aspectos, em regra desigualmente desenvolvidos, o principal e o secundário, à astúcia da razão, podemos dizer que Deus ou ideia absoluta é o aspecto dominante e os homens de Estado (Napoleão, Bismarck, Salazar, Álvaro Cunhal, etc) são o aspecto dominado, executam inconscientemente, através da sua paixão pela política, o que a ideia absoluta lhes pede. (VALE TRÊS VALORES).

 

 3) b ) Ethos é o carácter do orador na retórica ou arte de persuadir um público. Pathos é o sentimento colocado no discurso.Logos é o conteúdo intelectual, as ideias e raciocínios estruturantes do discurso. Segundo a lei da contradição principal, que resume a dois blocos a multiplicidade das contradições de um sistema, o Logos opõe-se ao bloco emocional formado pelo Ehos e pelo Pathos. (VALE TRÊS VALORES).

 

3) c) A percepção empírica é um conjunto ordenado de sensações e o conceito empírico é a ideia que se forma, por abstração,  a partir de percepções similares. O pragmatismo é a corrente filosófica de tonalidade empirista que preconiza ser prático e buscar a utilidade das coisas. Aparentemente o pragmatismo apoia-se nas percepções e conceitos empíricos. (VALE TRÊS VALORES)

 

4) Silogismo condicional tipo modus ponens:

 

Se reflectir, ultrapassarei o senso comum.

Reflecti.

Logo, ultrapassei o senso comum.

 

Silogismo tipo modus tollens.

 

Se reflectir, ultrapassarei o senso comum.

Não ultrapassei o senso comum.

Logo,não reflecti.     (VALE DOIS VALORES).

 

5)  As falácias são uma espécie dentro do género argumento:  são raciocínios incorrectos, equívocos, deliberados (sofismas) ou não (paralogismos). A falácia depois de por causa de é a que atribui uma relação necessária de causa efeito a dois fenómenos vizinhos por acaso. A falácia do homem de palha é a que falsifica o pensamento do nosso opositor de modo a assustar, como um espantalho assusta os pardais na horta, os que ouvem (exemplo: um homem disse «concordar com as nacionalizações de grandes empresas» e o adversário dele diz que «ele quer tirar a propriedade privada a toda a gente, sejam grandes, médios ou pequenos empresários»).  A falácia do apelo à ignorância é a que raciocina sobre um fundo desconhecido e o usa de forma tendenciosa (exemplo: Nunca ninguém viu Deus, logo Deus não existe). A falácia da divisão é a que atribui propriedades do todo a cada uma das partes (exemplo: «O povo alemão é rico, logo o mendigo alemão Hans, que dorme na rua, é rico»). A falácia da composição é a que generaliza precipitadamente atribuindo ao todo as características de uma parte (exemplo: «entre os animais, há muitos cavalos, logo todos os animais são cavalos»). O argumento ad populum é o que invoca a voz do povo ou o sentir maioritário da população (exemplo: «votamos em eleições porque a maioria do povo assim o quer, vacinamo-nos porque a população em geral o faz»). O argumento circular é aquele em que as premissas se fundam na conclusão, é um raciocínio em circuito fechado (exemplo: «Ela é bela porque é fisicamente agradável e é fisicamente agradável porque é bela») (VALE CINCO VALORES).

 

 

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Sábado, 17 de Dezembro de 2011
Teste de Filosofia do 11º ano de escolaridade em Portugal.

 

Eis um modelo de teste de filosofia para o 11º ano de escolaridade para o final do primeiro período letivo, que me agrada bastante.

 

 

 

TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA A

 

 

I

 

« As impressões podem dividir-se em duas categorias: as de sensação e as de reflexão. A primeira categoria surge originariamente na alma, a partir de causas desconhecidas. A segunda é, em grande parte derivada das nossas ideias, na seguinte ordem: primeiro uma impressão atinge os nossos sentidos e faz-nos perceber calor ou frio, sede ou fome, prazer ou dor de qualquer espécie. Desta impressão, a mente tira uma cópia…» David Hume (Tratado do Entendimento Humano)

 

 

 

1) É a teoria de David Hume um realismo gnosiológico? Ou outra corrente? Justifique, explicando, em particular, a expressão «a partir de causas desconhecidas».

 

 

 

2) Explique o que são as ideias, segundo David Hume, como se formam – em particular as ideias de “eu” e “substância”.

 

 

 

3) Exponha e problematize as sete relações filosóficas ou de conhecimento segundo Hume e o papel que desempenham.

 

 

 

4) Exponha os quatro passos do racionalismo de Descartes, que celebrizaram este filósofo, iniciados na dúvida hiperbólica, apontando alguma eventual incoerência..

 

 

 

5)Relacione, justificando:

 

A) Conhecimento por contato e conhecimento proposicional, segundo Ryle e Russel, e racionalismo/ empirismo.

 

B) Indução, por um lado, e falácias depois de por causa de, da composição e da derrapagem, por outro lado.

 

C) Lei do salto qualitativo e binómio percepção empírica/conceito.

 

 

 

6)Considere o silogismo :

 

«Alguns cubenses não são andaluzes».

 

«Os cubanos não são cubenses ».

 

«Os andaluzes não são cubanos».

 

 

A)Identifique o modo e a figura do silogismo. Justifique.

 

 

B)     Identifique e enuncie, em concreto, duas leis do silogismo regular formalmente válido que foram infringidas no silogismo acima.

 

 

 

 

 

 

CORREÇÃO DO TESTE (COTAÇÃO MÁXIMA. 20 VALORES)

 

1) A teoria de David Hume não é um realismo gnosiológico porque não postula existir um mundo de objetos materiais fora da nossa mente. Ou é  um idealismo similar ao de Kant e pioneiro em relação a este, uma vez que afirma que os objetos materiais como árvores, montanhas, animais, etc, são meras representações  em nós, de «causas desconhecidas» exteriores. Ou é  um ceticismo fenomenológico na linha de Pírron e Carnéades que se limita a descrever as aparências fazendo a epochê (suspensão do juízo) .

 

2) As ideias, segundo Hume, são junto com as impressões, as duas espécies de perceções que o espírito humano forma. Toda a ideia deriva de uma impressão, seja esta uma impressão sensível - exemplo: a ideia de maçã é uma cópia pálida das impressões sensíveis que são o objeto maçã, objeto esse não exterior ao espírito - ou seja uma impressão de reflexão- exemplo: a ideia de Deus é composta na base de impressões de reflexão e ideias como as de governante supremo, ser bondoso, criador, ser justo. Há ideias complexas e ideias simples. David Hume é um empirista:

«Não podemos formar uma ideia exata do gosto de um ananás, antes de realmente o saborearmos» (David Hume, Tratado do Entendimento Humano, pag 33, Fundação Calouste Gulbenkian).

 

«As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias; mas, como se supõe que as primeiras ideias derivaram de impressões, continua ainda a ser verdade que todas as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente, das impressões que lhes correspondem.» (David Hume, ibid, pag 35).

 

As ideias de "substância" e de "eu" derivam da ideia filosófica ou categoria de identidade, que supõe a permanência, a continuidade, e da relação filosófica de causação (determinismo, princípio segundo o qual as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos), entre outras. Não existe a substância, como por exemplo, maçã: a cor amarela, a forma redonda, o pedúnculo, o sabor açucarado são impressões sensíveis que se conjugam e, combinadas pela imaginação, fornecem a noção unitária ou ideia de substância maçã.

 

3)  David Hume escreveu:

     «Há sete espécies diferentes de relação filosófica: semelhança, identidade, relações de tempo e lugar, proporção de quantidade ou número, graus de qualidade, contrariedade e causação. Podem dividir-se estas relações em duas classes: as que dependem inteiramente das ideias que comparamos entre si e as que podem variar sem qualquer mudança de ideias.» (David Hume, Tratado do Entendimento, Humano, pag 103).

      

Estas sete relações são categorias ou estruturas lógico-ontológicas que, diferentemente do realismo aristotélico, se situam na mente do sujeito, no espírito humano. Se não possuíssemos em nós, a priori, a relação de semelhança não conseguiríamos perceber que um pinheiro e um sobreiro são coisas semelhantes enquanto espécies do género árvore. Se não possuíssemos em nós a relação de tempo não distinguiríamos entre o ontem, o hoje e o amanhã. As três relações mais estáveis, segundo Hume são as de identidade, tempo e lugar e causação.

 

 

4) Os quatros passos gnosiológicos que celebrizaram Descartes a partir da dúvida hiperbólica são os seguintes:

 

1º CETICISMO ABSOLUTO - Se quando estou a dormir me parecem verdadeiros os meus sonhos, quem me garante que, acordado, não estarei a sonhar? Assim tudo se me afigura duvidoso, ilusório: o mundo que vejo, os outros, as teorias da matemática e das ciências, Deus, o meu corpo e eu mesmo.. Não tenho certeza de nada.

2º  IDEALISMO MONISTA E SOLIPSISTA - Neste mar de dúvidas, surge-me a primeira certeza, uma ideia evidente: «Eu penso, logo existo» (COGITO ERGO SUM). Existo, como mente, não como corpo. Assim, sou único e sou tudo.

IDEALISMO PLURALISTA - Se existo e tenho a perfeição de pensar, há-de existir alguém mais perfeito que eu que me colocou essa perfeição: Deus, um espírito sumamente bom e perfeito, fonte da criação.

4º  REALISMO CRÍTICO-  Se Deus existe e é infinitamente bom e verdadeiro, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e toco: assim, embora as cores, sons, cheiros, sabores, sensações de duro e mole, de calor e frio, não existam nos objetos fora de mim mas apenas no meu cérebro, há, fora de mim, um mundo de matéria indeterminada dotado de corpos extensos com as respetivas formas e tamanhos, números e movimentos. 

 

A problematização destes argumentos oferece múltiplas vias. Eis uma delas: se Deus é o garante da verdade por que razão admite que nos enganemos sobre cores, cheiros, sons, dureza dos objetos mas não nos deixa enganar sobre as formas, os tamanhos e os movimentos? Eis outra: como sei que só possuo um certo grau de perfeição e não a perfeição toda, a ponto de remeter o que me falta para a existência de um Deus criador?

 

5) a) O conhecimento por contato, segundo Ryle e Russell, é o conhecimento direto das coisas, por via sensorial - exemplo: conheço a ponte sobre o rio Guadiana ao olhá-la, junto dela, e ao atravessá-la -  e parece articular-se com empirismo, doutrina segundo a qual as nossas ideias são provenientes, direta ou indiretamente, das perceções sensoriais. O conhecimento proposicional - definição algo ambígua, porque há conhecimento proposicional por contato; exemplo: «Estou a ver a água do rio a correr, límpida...» - articular-se-ia com o o racionalismo, corrente segundo a qual as nossas ideias são provenientes na totalidade ou em grande parte da razão, do raciocínio, mas também se articularia com o empirismo como se vê no exemplo que acabo de dar.

 

B) As três falácias referidas representam formas de indução pouco sólida, isto é, partem de um ou vários dados empíricos e generalizam: a falácia depois de, por causa de, que associa com caráter determinista, de vículo necessário dois acontecimentos vizinhos por casualidade (exemplo: vi um gato preto e duas horas depois perdi o porta moedas, uma semana depois voltei a ver um gato preto e horas depois bateram-me no automóvel, ver um gato preto dá-me azar); a falácia de composição atribui ao todo uma qualidade da parte (exemplo: Luisão, jogador do Benfica, é muito alto, logo toda a equipa de futebol do Benfica é feita de jogadores muito altos); a falácia da derrapagem encadeia sucessivamente ideias que vão perdendo gradualmente o encadeamento lógico-material entre si, o que é visível na conclusão (exemplo: vou a Madrid e visito a Puerta del Sol; na Puerta del Sol, encontro uma dinamarquesa loira a quem falo; a dinamarquesa leva-me a uma discoteca e vai comigo para o hotel; no hotel entramos na sala do bar e há um apagão geral em Madrid; logo, se vou a Madrid há um apagão elétrico geral).

 

5) c)  A lei do salto qualitativo  estabelece que uma acumulação lenta e gradual de um aspeto num fenómeno ou ente gera, num dado instante, um salto de qualidade desse fenómeno ou ente. Vou acumulando percepções empíricas de pinheiros, faias, sobreiros, isto é, imagens visuais de árvores e em seguida dá-se o salto qualitativo - a imagem presente nos sentidos é substituída por uma imagem intelectual- forma-se em mim o conceito ou representação abstrata de árvore. 

 

6) a) Modo do silogismo (classificação deste com as letras A,E,I,O segundo a qualidade e a quantidade em cada uma das 3 proposições que o compõem): OEE. E significa proposição universal negativa e O significa proposição particular negativa.

        Figura do silogismo (classificação deste segundo a posição do termo médio nas premissas, como sujeito ou predicado): primeira figura.

 

6) B) De duas premissas negativas nada se pode concluir.         

A conclusão segue sempre a parte mais fraca: havendo uma premissa particular («Alguns cubenses...») a conclusão deverá ser particular e não universal como sucede («Os andaluzes não são...»).

 

 

 

 

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