Diversos autores da área da lógica proposicional, vinculados a alguma filosofia analítica, sustentam, de forma errónea, que os argumentos indutivos (que partem de casos particulares para uma lei geral) não são válidos. É certo que há induções inválidas (exemplo: «Passei na Amareleja de automóvel, vi apenas dez pessoas na rua, todas sexagenárias, e induzo que todos os habitantes da Amareleja são da terceira idade») mas há muitas induções, ditas generalizantes ou amplificantes, que não são inválidas porque assentam numa impressionante repetição de dados correlativos, forjando conexões aparentemente necessárias de causa-efeito.
Na linha dos que classificam toda a indução como «argumento inválido», o manual de filosofia «Logos, 10º ano», da Santillana-Constância editora, diz o seguinte:
«Argumentos não-válidos»
«Vamos agora contrastar estes argumentos com um de outro tipo:
( I ). A Terra sempre girou em volta do Sol
(Portanto), Amanhã , a Terra girará em volta do Sol.
«Onde está a diferença? Enquanto nos anteriores, se as premissas fossem verdadeiras, era impossível (por mais imaginação que tivéssemos) pensar que a conclusão fosse falsa, aqui, continuando a admitir que a premissa é verdadeira, não podemos ter a certeza da verdade da conclusão: a Terra ou o Sol, ou ambos, podem ser destruídos, a rota da Terra pode alterar-se em virtude de algum acontecimento cósmico súbito, etc.»
«Isto não quer dizer que I não nos conduza, com um elevado grau de força, à sua conclusão. Se I for verdadeira, conforme parece ser o caso, isso confere um altíssimo grau de probabilidade à conclusão. Mas não pode assegurar, acima de qualquer possibilidade contrária, a verdade da conclusão.»
«Este argumento não é, pois, válido. Ainda assim é um óptimo argumento». (in Logos, 10º ano de Filosofia, de António Lopes e Paulo Ruas, Consultor Científico: António Pedro Mesquita, editora Santillana-Constância, 2007, pags 26-27; o negrito é nosso).
Estes autores confundem argumento válido com argumento infalível.
O que é validade ? É verdade, efectiva ou provável, actual e potencial. Mas estes autores, como outros em lógica, restringem o conceito de válido à verdade indiscutível, universal, ao rigor dedutivo. Pela nossa parte, salientamos que o termo válido sugere o que funciona, que é verdadeiro ou verosímil. É ou não válida a hipótese de, nos próximos anos, a aviação dos EUA ou de Israel bombardear as instalações nucleares da República Islâmica do Irão? É válida mas não é confirmadamente verdadeira.
Válido é, conceptualmente, mais amplo que verdadeiro comprovado: válido é género da espécie verdadeiro e da espécie verosímil (provavelmente/ aparentemente verdadeiro).A dissociação entre os conceitos de válido e de sólido - note-se que um homem válido é um homem vitalmente sólido - está na base deste erro de identificar válido com infalível. Além disso, por que razão haveria de ser mais segura, mais válida, a tese de a soma de os três ângulos internos de um triângulo ser 180 graus do que a tese o sol nasce todos os dias ?
Posso garantir que, sob o efeito estufa e da mutação cerebral da espécie humana, a soma dos três ângulos internos não possa ser 182 ou 185 graus e que as verdades matemáticas continuem validamente inalteraveis? De onde vem a infalibilidade matemática? É absolutamente real? Ou é um sistema de verdade relativa à época e à actual configuração do cérebro humano?
A indução amplificante ou generalizante é válida - se o não fôr, nenhuma ciência empírica ou empírico-formal (Biologia, Química, Física, Astronomia, etc) é válida, porque se apoia num número quase infinito de regulridades da mesma natureza (exemplo: sempre que misturamos um ácido e uma base, o resultado é um sal mais água). Os sentidos que, como fonte de conhecimento, são tão importantes como a razão garantem-nos a validade dessa indução.
Uma contradição flagrante é António Lopes e Paulo Ruas afirmarem que o argumento da repetição das auroras de 24 em 24 horas, ocorrida aparentemente desde há milhares de anos, que fundamenta o «nascer do sol amanhã», ser «óptimo» mas.. inválido. Óptimo e inválido? Se é inválido, nunca pode ser óptimo... a menos que eles queiram dizer - o inconsciente atraiçoou-os - que é óptimo no campo da validade teórica, da validade probabilística.
Em rigor, o que deveriam dizer é: trata-se de um argumento indutivamente válido e dedutivamente inválido. O conceito de válido é dialéctico, recebe modulações diversas, consoante o contexto - empírico (indutivo) ou não empírico a priori (dedutivo) - em que se encontre.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Hessen, um erudito alemão nascido em 1889, professor na Universidade de Colónia, autor do tratado «Filosofia dos Valores» que ainda hoje inspira muitos autores de manuais de filosofia, escreveu sobre o relativismo axiológico:
«Esta validade dos valores é contudo negada pelo relativismo axiológico. Segundo esta doutrina, todos os valores são relativos. Aquilo que para uns é valor pode ser para outros desvalor. Não há valores objectivos nem absolutos». (Johannes Hessen, Filosofia dos Valores, Arménio Amado Editor, Sucessor, Coimbra 1980, pag. 95).
Há um erro de Hessen nesta definição. Relativismo opõe-se a absolutismo, sem dúvida, mas não se opõe directamente a objectivismo.
Para o relativismo, não há valores absolutos mas há valores objectivos, isto é, valores aceites de forma unânime por uma esmagadora maioria de indivíduos de uma comunidade ou civilização, num dado tempo.
O absolutismo estético dirá: «O ideal de beleza feminina é imutável, é o mesmo em todas as épocas, regiões do mundo e comunidades». É uma modalidade de objectivismo estético.
O relativismo estético - não interpretado como sujectivismo - dirá: «A loura actriz norte-americana Marilyn Monroe é um modelo de beleza feminina ideal para os homens nascidos no século XX mas não o será, certamente, para os nascidos no século XXI.». É outra modalidade de objectivismo estético - o valor de beleza de Marilyn é objectivo (universal) mas relativo a um tempo e a uma cultura masculina (a segunda metade do século XX).
Por conseguinte, há um relativismo axiológico objectivista ( exemplo, extraído da ideologia democrática não sexista do século XXI: « A mulher e o homem são absolutamente iguais em direitos políticos, jurídicos, económicos, culturais, religiosos, etc, e iguais em competências») e há um relativismo axiológico subjectivista ou intersubjectivista (exemplo, extraído da ideologia neonazi: «O holocausto de 6 milhões de judeus pelo nazismo na II Guerra Mundial não existiu, é uma invenção dos historiadores judeo-maçónicos»).
O manual português «Logos, Filosofia 10º ano», entre outros, participa do mesmo paralogismo de Hessen ao opor, como contrários absolutos, relativismo e objectivismo:
«...há fundamentalmente duas teorias axiológicas:
«O relativismo que defende que não é possível estabelecer uma verdade universalmente aceite para os juízos de valor.»
«O objectivismo que afirma que deve ser possível, pelo menos em princípio (mesmo que não na prática) atribuir verdade ou falsidade aos juízos de valor» (in Logos, Filosofia 10º ano, de António Lopes e Paulo Ruas, Consultor Científico: António Pedro Mesquita, Santillana-Constância Editora, Lisboa 2007, pag. 92).
A confusão é grande nestas definições. Ressalta aliás a vacuidade da definição de objectivismo: «deve ser possível atribuir verdade e falsidade aos juízos de valor». Mas isso faz igualmente o relativismo! Por exemplo, o relativismo atribui ao luto pela morte de alguém de avançada idade na ilha de Madagáscar um valor de alegria e de recompensa divina (os parentes cantam e dançam) e em Portugal um valor de tristeza (os parentes choram).
O relativismo deve ser dividido em sincrónico (relativismo espacial, geográfico e cultural no mesmo instante)e diacrónico (relativismo temporal diferido). Se é diacrónico - isto é os valores mudam com o tempo, são relativos a tempos diferentes - nada impede que, no mesmo ano, na mesma década ou século, os valores sejam universais, objectivos. Infelizmente, estas distinções não são feitas pelos manuais de filosofia nem por Hessen e outros teóricos.
Universalismo objectivista e relativismo não se contradizem em absoluto pois, neste caso, são duas faces da mesma moeda. Exemplo de relativismo diacrónico universalista e objectivista: «A verdade é relativa às épocas mas objectiva e universal dentro de cada uma. Assim, a revolução francesa de 1789-1795 é universal e objectivamente considerada a mais poderosa transformação social e política no planeta, nas primeiras décadas do século XIX, mas, 100 ou 120 anos depois, a revolução bolchevique de 1917 na Rússia é classificada universal e objectivamente como a mais poderosa transformação social e política na Terra».
Relativismo não se opõe a universalismo e a objectivismo. Opõe-se, sim, a absolutismo.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica