Os conteúdos deste teste de filosofia referentes a alquimia, cabala e princípio das correspondências macrocosmos-microcosmos integram-se na rubrica «Os grandes temas da filosofia» e são relativos a uma visita de estudo ao centro histórico de Sevilha em que se fará hermenêutica de monumentos antigos e seus pormenores artísticos.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA B
4 de Fevereiro de 2016. Professor: Francisco Queiroz.
I
“A filosofia da alquimia sustenta a divisa «solve e coagula» e a existência de três princípios/ substâncias do universo material. O templo cristão na idade média foi construído segundo o princípio das correspondências microcosmo-macrocosmo. O não agir do taoísmo exige não só a percepção empírica mas também o conceito empírico e a intuição inteligível".
1) Explique, concretamente este texto.
2) Relacione, justificando:
A) Seis esferas da árvore cabalística das Sefirós, as respectivas qualidades, cores e planetas associados a cada uma, e a planta do templo cristão medieval.
B) As quatro fases do processo alquímico e respectivas aves, por um lado, realismo e idealismo, por outro lado
C)Agir por dever e agir em conformidade com o dever em Kant e três partes da alma na teoria de Platão
D) Máxima e imperativo categórico em Kant e o princípio moral do utilitarismo em Stuart Mill.
3) O que é e para que serve a filosofia? Tem o direito de gerar metafísica? É dogmática? É céptica? É objetiva? É subjetiva?
Disserte sobre isto (mínimo: 7 linhas).
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES
1) A filosofia da alquimia, doutrina esotérica, hermética que sustenta o processo da Grande Obra ou criação laboratorial da pedra filosofal que concederia a imortalidade ao homem, dotando-o de um corpo astral desmaterializado como o mítico Adão Kadmon (metade homem e metade mulher), defende que há três princípios/ substâncias originárias do universo, o enxofre ou homem vermelho (princípio masculino), sólido, o mercúrio filosófico ou mulher branca (princípio feminino), volátil, e o sal, neutro. A divisa «solve e coagula» significa dissolver o enxofre, sólido, e coagular o mercúrio líquido ou gasoso que se esparge pelas esferas celestes de forma a obter o equilíbrio e a pedra filosofal, ou lapis vermelho (VALE TRÊS VALORES). O princípio das correspondências microcosmo-microcosmo da filosofia hermética sustenta que o que está em baixo é como o que está em cima, há uma analogia entre o microcosmo ou pequeno universo e o macrocosmo ou grande universo. Assim, o templo cristão da idade média obedeceu a essa lei: o macrocosmos seria um corpo gigantesco de Cristo de braços abertos que atravessaria o universo inteiro e o templo a construir seria um macrocosmos que imitaria, em forma de cruz, esse corpo macrocósmicos. A abside do templo, orientada a Este, ponto cardeal onde nasce o Sol (Cristo é o Sol espiritual) equivale à cabeça, o transepto aos braços abertos, o altar ao coração, as naves ao tronco e pernas de Cristo. (VALE DOIS VALORES) O não agir do taoísmo, isto é, o quietismo ético, doutrina que incita a ser contemplativo, a levar a vida simples de um camponês ou de um artesão e a desprezar a política, as expedições militares e as guerras, os grandes negócios e títulos universitários, exige a percepção empírica, isto é, ver tocar, saborear coisas e situações, o conceito empírico, isto é, a ideia extraída de percepções sensoriais (exemplo: o conceito empírico de guerra é abstraído das percepções de casas destruídas por bombas, corpos ensanguentados nas ruas, disparos ou espadeiradas contra pessoas). Exige também a intuição inteligível isto é um flash ou iluminação metafísica (exemplo: a intuição de que a maior virtude é seguir o Tao, o ritmo natural dos dias e das noites, etc). (VALE TRÊS VALORES)
2) A) A árvore das Sefirós (Esferas) é o diagrama do universo, segundo a Cabala (ensinamento secreto) judaica, uma «heresia» do judaísmo como religião de massas. Essa árvore de 10 esferas, que são 10 qualidades manifestas de Deus, é composta de um hexágono em cima, um triângulo debaixo deste e um ponto isolado no fundo. Podemos aplicar este diagrama à planta em cruz da catedral cristã fazendo coincidir Kéther, a primeira Sefiró, com a abside do templo, Binan e Guevurah com a extremidade esquerda do transepto, Hockman e Chesed com a extremidade direita do transpeto, Tiferet com o altar no pilar central.
KÉTHER (Coroa)
Planeta: Úrano
Esfera nº 1
Cor : Indefinida
BINAH: CHOCKMAH
Esfera nº 2 Esfera nº 3
Inteligência Sabedoria
Feminina Masculina
Saturno Neptuno
Cor Negra Cor iridescente
GUEVURAH CHESED
Esfera nº 5 Esfera nº 4
Justiça Misericórdia
Marte Júpiter
Cor: Vermelho Cor Azul
THIPHERET
Esfera nº 6.
Beleza.
Sol
Cor: amarelo ouro.
(VALE TRÊS VALORES)
B) As quatro fases da Grande Obra Alquímica que visa produzir o elixir da longa vida ou pedra filosofal em laboratório são: nigredo, ou fase negra, da putrefação da matéria transformada no laboratório a que corresponde o corvo; albedo, ou fase branca de separação das impurezas, a ave é o cisne; citredo, ou fase multicolor, de alguma dominancia do amarelo limão, a ave é o pavão; rubedo, ou fase vermelha na qual se dá a produção da pedra filosofal cuja ave é a fénix. O realismo é a corrente ontológica que sustenta que a matéria existe em si mesma fora dos espíritos humanos. Parece corresponder à realidade dos processos alquímicos, com as retortas, o atanor (forno), etc. O idealismo é a corrente ontológica que diz que o universo de matéria não passa de um conjunto de ideias ou percepções empíricas dentro da imensa mente de um ou vários indivíduos humanos.A alquimia tanto pode ser encarada de um ponto de vista realista (exemplo: o atanor ou forno do alquimista é real, está ali, etc) como do ponto de vista idealista ontológico (exemplo: o mundo material e o laboratório não passam de um sonho). (VALE TRÊS VALORES).
2-C) Agir por dever, na doutrina de Kant, é universalizar a sua máxima ou princípio subjetivo, agir de acordo com o imperativo categórico que cada um gera no seu eu racional: trata cada ser humano como um fim em si mesmo, alguém digno de respeito, e nunca como um meio para chegares a fins egoístas. Isto liga-se ao Nous ou parte superior, racional, da alma humana, em Platão, que contempla os arquétipos e dirige os filósofos.reis que vivem colectivamente, sem ouro nem prata, numa casa do Estado e fazem as leis. Também se liga ao Tumus ou parte intermédia da alma que representa o valor militar dos guerreiros, auxiliares dos filósofos-reis.
Agir em conformidade com o dever é cumprir a lei do Estado por medo de ser punido e liga-se à parte inferior da alma humana, a epythimia ou concupiscência, sede dos prazeres egoístas de enriquecer materialmente com ouro e prata, comer requintadamente, desfrutar vida luxuosa, etc. " (VALE DOIS VALORES).
2-D- O imperativo categórico ou verdadeira lei moral postula: «Age como se quisesses que a tua ação fosse uma lei universal da natureza». Resulta da universalização da máxima, da aplicação equitativa do princípio subjectivo moral de cada um ou máxima. Exemplo: se a minha máxima é «Combato a vacinação obrigatória porque as vacinas infectam o organismo» o meu imperativo categórico será «Vou difundir a ideia de que a vacinação é nociva e não me vacinarei nem as minhas filhas, quaiquer que sejam as sanções contra mim.» O princípio moral de Stuart Mill é, em cada situação, promover a felicidade da maioria das pessoas, mesmo sacrificando a minoria. Em regra, isto opõ-se ao imperativo categórico de Kant que é absolutamente equitativo e trata por igual todos os indivíduos. (VALE DOIS VALORES).
3) A filosofia é uma interpretação livre ou o conjunto das interpretações livres do mundo, dotadas de variáveis graus de especulação (teorização de assuntos difíceis ou impossíveis de demonstrar objectivamente). Naturalmente, gera metafísica, isto é, doutrina sobre os entes e fenómenos invisíveis e imperceptíveis, imaginários ou reais do universo (deuses, reencarnação, buracos negros do universo, ) e sobre as causas primeiras da vida e o sentido desta. A filosofia é dogmática, assenta em certezas, e simultaneamente é cética, instala-se na dúvida. É ao mesmo tempo objectiva (exemplo: os três mundos em Platão são objectivos no sentido em que podem ser compreendidos por toda a gente) e subjectiva na medida em que cada pessoa tem uma filosofia própria diferente das outras pessoas. (VALE DOIS VALORES).
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Na Crítica da Razão Pura, Kant desembainha a espada da crítica contra George Berkeley, a quem classifica de idealista dogmático. Atentemos entre outras passagens, na seguinte, em que diz ser absurdo considerar que o espaço e o tempo existam em si mesmos, como reais, se se considera que os objectos materiais são irreais:
«Com efeito, se considerarmos o espaço e o tempo como propriedades que, segundo a sua possibilidade, deveriam encontrar-se nas coisas em si e se reflectirmos nos absurdos em que se cai, desde que se admitam duas coisas infinitas, que não são substâncias, nem algo realmente inerente às substâncias, mas que devem ser contudo algo de existente e mesmo a condição necessária da existência de todas as coisas, já que subsistiriam, mesmo que todas as coisas desaparecessem, não se poderia mais censurar o bom do Berkeley por ter reduzido os corpos a simples aparência.» (Kant, Crítica da Razão Pura, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pag 85-86; o negrito é posto por mim).
Kant tenta diferenciar fenómeno de aparência ou ilusão e atribuiu esta última categoria ao idealismo de Berkeley. É uma falácia. Já tratei este tema em outros artigos deste blog. Escreveu Kant:
«Seria culpa minha se convertesse em simples aparência o que deveria considerar como fenómeno. Eis o que não acontece segundo o nosso princípio de idealidade de todas as nossas intuições sensíveis; só quando se atribui realidade objectiva a essas formas de representação é que se não pode evitar que tudo se transforme em simples aparência.»(Kant, Crítica da Razão Pura´, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pag 85; o negrito é posto por mim ).
Mas o que é atribuir realidade objectiva à representação? Kant fá-lo? Há uma objectividade realista e uma objectividade idealista. E Kant não as distingue, sequer... Aliás Kant diz o mesmo que Berkeley sobre os objectos físicos, pois não considera reais em si mesmos corpos como mesas, casas, árvores, átomos, sol, galáxia:
«Devíamos contudo lembrar de que os corpos não são objectos em si, que nos estejam presentes, mas uma simples manifestação fenoménica, sabe-se lá de que objecto desconhecido...de que, portanto, não é o movimento da matéria que produz em nós representações, mas que ele próprio (e, portanto, também a matéria que se torna cognoscível) é mera representação...»(Kant, Crítica da Razão Pura, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, nota da pag 363-364;o negrito é posto por mim). )
Eis a confissão de Kant: o fenómeno, o objecto ou a força material (o vento, o mar, a gaivota, a rocha, etc) é representação, é aparência de algo desconhecido. Se não são objectos em si, os corpos físicos são aparências. Não há meio termo: o fenómeno não é coisa em si, é ilusão tridimensional, é um conjunto de aparências. Kant tem exactamente a mesma posição de Berkeley, embora tente disfarçar o facto ao colocar «fenómeno» como meio termo entre coisa em si e aparência/representação. Mas de duas uma: o fenómeno ou é real ou não.
O idealismo de Kant é, no essencial, o mesmo de Berkeley, com a diferença essencial de Berkeley afirmar Deus como real e Kant atribuir a Deus uma existência duvidosa (agnosticismo) classificando-o como númeno. E as diferenças de Kant admitir a distinção ontológica entre qualidades primárias e secundárias e Berkeley não. E Kant construiu ainda as tábuas de categorias e de juízos puros, que são variações inessenciais do idealismo de Berkeley.
De duas uma: ou Kant era menos inteligente do que se pensa e interpretou mal Berkeley ou quis menorizar Berkeley, colhendo os louros de fundador do idealismo moderno, e foi desonesto, deturpando a filosofia do bispo irlandês. Aposto nesta última hipótese.
Uma das provas da indigência intelectual dos filósofos consagrados dos séculos XX e XXI - como Heidegger, Russell, Sartre, Quine, Kripke, Goodman e tantos outros - e dos professores de filosofia em geral é não perceberem sequer esta identidade essencial: o idealismo de Kant é, ontologicamente, igual ao idealismo de Berkeley. Que universidades são estas, incapazes de desmontar as falácias de Kant? Fechem-se as Faculdades de Filosofia! Não há nelas profundidade suficiente de pensamento. Só há títulos imerecidos, vaidades - exceptuando os títulos de alguns raros catedráticos de real valor, ultra minoritários no corpo docente.
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