Segunda-feira, 17 de Agosto de 2020
A fenomenologia em Schopenhauer, distanciando-se de Kant

 

Artur Schopenhauer( Danzig, 22 de Fevereiro de 1788 — Frankfurt, 21 de Setembro de 1860) o verdadeiro fundador da fenomenologia no século XIX, demarcou-se do idealismo (as coisas materiais são apenas percepções dentro da mente ou mentes humanas) e do materialismo (leia-se: realismo, a matéria existe fora de nós).  Escreveu:

 

«O erro fundamental de todos os sistemas estriba em ignorar esta verdade: que o intelecto e a matéria são correlativos, isto é que cada um deles só existe para o outro, que ambos se sustentam e se derrubam mutuamente, que um só é reflexo do outro, que propriamente são uma e a mesma coisa considerada de flancos opostos: e esta unidade - antecipo-o aqui - é o fenómeno da vontade ou a  coisa em si; portanto, ambos são secundários, e não há que buscar a origem do mundo em nenhum dos dois. Mas em consequência de essa ignorância todos os sistemas (exceptuando talvez o espinosismo) buscam a origem de todas as coisas em um de esses pólos. Assim estabelecem um intelecto (nous) como o absolutamente primeiro e criador (demiurgo), atribuindo a este uma representação das coisas e do mundo anterior à sua realidade, com o qual diferenciam o mundo real do mundo como representação, o que é falso

 

(Schopenhauer, El mundo como voluntad y representación, 2, Alianza Editorial, Madrid, 2016, pág 33; o destaque a negrito é posto por mim)

 

SCHOPENHAUER CONSIDERAVA A MATÉRIA ETERNA E IMPERECÍVEL AO CONTRÁRIO DE KANT QUE A CONSIDERAVA ONTOLOGICAMENTE ILUSÓRIA, SUBJECTIVA E PERECÍVEL

 

Kant considerou a matéria  como interior ao espírito do sujeito, perecível, não eterna, gerada na sensibilidade deste, fruto da ação do númeno (objecto ideal incognoscível: Deus, alma imortal, liberdade, totalidade abstracta do mundo) sobre o espaço e o tempo puros, vazios, que são as formas a priori da sensibilidade.

Mas Schopenhauer, que se considerava discípulo de Kant, postulou a matéria como algo eterno, exterior ao sujeito embora ligada a este por um cordão umbilical. Escreveu: 

 

«O mundo como representação, o mundo objectivo tem, por assim dizer, dois pólos, a saber: o sujeito cognoscente sem as formas do seu conhecer e a tosca matéria sem forma nem qualidade. Ambos são incognoscíveis: o sujeito porque é o que conhece; a matéria porque não pode ser intuída sem forma nem qualidade alguma. Sem embargo, ambos são as condições fundamentais de toda a intuição empírica. Assim frente à matéria bruta, informe e inerte (isto é, sem vontade) nunca dada na experiência, mas pressuposta nela, se levanta como contraponto o sujeito cognoscente, simplesmente enquanto tal, que é o pressuposto de toda a experiência. Este sujeito não está no tempo, pois o tempo só é a forma mais próxima do seu representar; a matéria que o confronta é eterna e imperecível e persiste através do tempo, mas não é propriamente extensa, porque a extensão dá forma, nem portanto é espacial. Tudo o resto se acha sumido em um constante nascer e morrer, enquanto o sujeito e a matéria constituem os dois pólos imóveis do mundo como representação.»

 

(Schopenhauer, El mundo como voluntad y representación, 2, Alianza Editorial, Madrid, 2016, pp. 32-33 ; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Schopenhauer foi extrair da filosofia de Aristóteles a noção de matéria sem forma eterna e indestrutível que o mestre grego designava por hylé e que só ganhava realidade quando unida às formas eternas (eidos) de cavalo, mulher, árvore, montanha, etc. existentes algures no mundo da imanência. Mas enquanto em Aristóteles a quase totalidade das formas ou essências (a forma árvore, a forma rio, a forma cão) eram exteriores à mente humana, em Schopenhauer essas formas eram introduzidas pelo sujeito ao apreender a matéria tosca e caótica ( exemplo: a pedra é pedra porque lhe damos essa forma com a nossa intersubjectividade).

 

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Terça-feira, 18 de Outubro de 2016
Teste de Filosofia do 10º ano, turma C (Outubro de 2016)

Eis um teste de filosofia do 1º período que se insere nas linhas abertas do programa de filosofia do 10º ano de escolaridade em Portugal.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

 

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA C

 

18 de Outubro de 2016. Professor: Francisco Queiroz

I

“Heráclito era panteísta mas Platão defendia um teísmo. A filosofia comporta metafísica, ética, estética e epistemologia. A racionalidade dos filósofos reduz a uma unidade ou a uma dualidade a multiplicidade das aparências empíricas.”

 

1)Explique, concretamente este texto.

 

2) Relacione, justificando:

A) Yang, Yin e Tao no taoísmo.

B) Epithymia em Platão e corpo como cárcere da alma.

C) Demiurgo, Arquétipo e teoria da participação, em Platão.

D) Subjectivismo e ideologia.

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES

1) Heráclito era panteísta, isto é, defendia que os deuses não existem acima e fora da natureza biofísica mas fundem-se com esta,estão dentro desta. Declarou: «Deus é a abundância e a fome, o dia e a a noite, o Inverno e o Verão; embora assuma múltiplas formas, à semelhança do fogo que, aspergido por aromas, toma o nome dos perfumes que exala». Platão era teísta, isto é, sustentava que Deus ou arquétipo do Bem estava fora da natureza física, num mundo inteligível, acima do céu visível e que um deus inferior, o demiurgo, desceu à matéria moldando nesta cópias das formas dos arquétipos de Árvore, Cavalo, Montanha, Homem, etc, criando assim o Mundo Sensível (Kósmos Asthetos) (VALE TRÊS VALORES). A filosofia ou arte de pensar racionalmente e especulativamente a vida, o mundo, o homem e as divindades comporta metafísica, isto é, especulação sobre o suprafísico e o infrafísico, o mundo incognoscível do «além» ou da psique humana, ética, isto é, doutrina do bem e do mal, do justo e do injusto na ação humana, estética, isto é, doutrina do belo e do feio, epistemologia, isto é, interrogação e reflexão sobre as ciências (ex: será que as vacinas previnem as doenças ou infectam o corpo?) (VALE TRÊS VALORES). A racionalidade, isto é, o pensamento lógico dos filósofos reduz a uma unidade, a uma só essência, as muitas aparências das coisas, os milhões de objectos físicos - é o caso da filosofia de Tales que diz que a água, uma única essência, é o constituinte de tudo, árvores, pedras, terra, animais, etc - ou a uma dualidade,isto é, a dois princípios opostos - é o caso da ontologia de Platão em que a dualidade engloba os arquétipos do Mundo Inteligível e a matéria caótica do Sensível (VALE TRÊS VALORES).

 

2) A) O Tao é a mãe do universo, algo de obscuro e silencioso que circula por toda a parte e é o modelo do céu e divide-se em duas ondas formando uma sinusoidal: o Yang (alto, calor, dilatação, verão, som, sol, vermelho, movimento, exterior) e o Yin (baixo, frio, contração, inverno, silêncio, lua, azul, imobilidade, interior). A sucessão dos dias e das noites, do trabalho e do repouso das sementeiras e colheitas, representa o ritmo yang-yin, faz parte do Tao do universo. (VALE TRÊS VALORES)

 

2)B) Epithymia ou concupiscência é, segundo Platão, a parte inferior da alma que contém os prazeres da carne (comer, beber, possuir propriedades agrícolas, ouro e prata) e acaba por prender o Nous ou parte superior da alma que aspira a subir ao Inteligível. Assim o corpo, a epithymia, com o peso das suas paixões materiais aprisiona a alma espiritual (VALE TRÊS VALORES).

 

2)C) Arquétipo é um modelo de perfeição - há os arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número Um, Número Dois, Triângulo, Cubo, Cone, Esfera, Homem, Mulher, Árvore, etc- imóvel, espiritual e eterno, num mundo acima do céu, que serve de modelo ao deus operário ou demiurgo na construção do mundo Sensível inferior. Este desce à matéria caótica e molda nela formas semelhantes às de cada arquétipo. Assim os cavalos físicos, as montanhas físicas participam ou imitam os arquétipos de cavalos e montanhas. (VALE TRÊS VALORES).

 

2)D)  Subjectivismo é a teoria que afirma que a verdade varia de pessoa a pessoa, é íntima, subjectiva. Ideologia é uma doutrina, um conjunto de ideias e valores, característicos de uma dada classe ou grupo social - exemplos: o liberalismo, o fascismo, o comunismo, o judaísmo, o islamismo -  que, podendo ser objectivos, isto é, professados por milhões de pessoas, implicam escolhas subjectivas (VALE DOIS VALORES).

 

 

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Terça-feira, 4 de Novembro de 2014
Teste de filosofia do 10º B (Outubro de 2014)

 

 

Eis um teste de filosofia . Evitamos as perguntas de escolha múltipla que, por vezes, enfermam de um deformado espírito de «minúcia» frequentemente manchado por falácias disjuntivas.

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA B
31 de Outubro de 2014. Professor: Francisco Queiroz

 

I

 

“Em Tales de Mileto, como em Empédocles, as múltiplas aparências empíricas ocultam uma ou quatro essências. As essências em Platão são transcendentes e em Aristóteles são imanentes. A teoria hilemórfica de Aristóteles sustenta que a proté ousía brota de dois princípios opostos, um dos quais existe originariamente em potência».

 

  1. Explique concretamente este texto.

II

 2. Relacione, justificando;

A) Filosofia, racionalidade, aletheia e metafísica.

B) Esfera dos valores vitais e sentimentais e esfera do santo e do profano, na teoria de Max Scheler

C) Três partes da pólis e três partes da alma humana, em Platão.

D) O tó tí, o tó on, o Mundo do Mesmo e o Mundo do Semelhante em Platão.

 

 

CORRECÇÃO DO TESTE COTADO PARA UM TOTAL DE 20 VALORES

 

1-) Em Tales de Mileto, as múltiplas aparências empíricas - exemplo: as montanhas, os céus, os rios, os animais, as árvores - são feitas de uma mesma essência que é a água, o arquê ou princípio material do universo segundo Tales. Deus, que não criou a água, moldou a partir desta o cosmos ou universo hierarquizado. Em Empédocles, as múltiplas aparências empíricas ou seja os muitos objectos que aparecem aos orgãos sensoriais são misturas de quatro arquês, o fogo, o ar, a água e a terra, em diferentes proporções. Essas misturas são feitas pelo Amor, força que une, e alteradas ou desfeitas pela Discórdia, ou força que separa (VALE TRÊS VALORES). As essências são as formas eternas e imutáveis tanto em Platão como em Aristóteles. Em Platão, elas são arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número Um, Número Dois, Triângulo, Homem, etc, existentes no mundo Inteligível acima do céu visível, por isso são transcendentes, estão além (trans) do universo físico. Em Aristóteles, as essências são formas eternas inerentes ou imanentes aos objectos físicos - exemplo: a essência sobreiro está em todos os sobreiros reais, físicos, porque não há mundo inteligível (VALE TRÊS VALORES). A teoria hilemórfica (hyle é matéria-prima universal; morfos é forma) de Aristóteles sustenta que cada coisa individual ou primeira substância (proté ousía) como, por exemplo, este cavalo cinzento, se forma da união entre a forma eterna de cavalo que existe algures e a hylé ou matéria-prima universal, indiferenciada, que não é água nem fogo nem ar, nem terra mas que passa a existir ao juntar-se à forma (VALE TRÊS VALORES).

 

2-A) A filosofia ou interpretação livre do mundo e da vida comporta racionalidade, isto é, lógica,  aletheia, isto é, desocultação da verdade, e metafísica, isto é,  busca da verdade, das primeiras causas em uma região ontológica do invisível e imperceptível que trata de coisas reais ou imaginárias como deuses e demónios, Big Bang e outras hipóteses de origem do universo, etc.(VALE TRÊS VALORES).

 

2-B)  A esfera dos valores vitais e sentimentais é a dos valores anímicos situada entre o prazer e a dor puros, vegetativos, e os valores intelectuais. Comporta os seguintes valores: nobre e vulgar, sentimentos de vitória ou de derrota, de juventude e de doença, de ciúme ou de tranquilidade afectiva, de coragem ou de cobardia,etc. A esfera do santo e do profano, a mais elevada de todas, tem como valores deus ou deuses, a santidade, a vida no além, o milagre, etc, ou em contrapartida, a exaltação da matéria como princípio do universo e dos valores profanos (o casamento civil, a república, etc) (VALE DOIS VALORES).

 

2-C)    A parte mais alta da alma humana é o Nous ou razão intuitiva que apreende os arquétipos. Equivale na pólis aos filósofos-reis que fazem as leis, vivem em uma casa do Estado, não podem ter ouro nem prata, e trocam de companheiras sexuais de modo a não saber de quem são os filhos e não se corromperem com favoritismos. (VALE DOIS VALORES). A parte média da alma é o Tumus ou Tymus ou coragem e honra e brio militar. Equivale aos guerreiros ou arcontes auxiliares que policiam a cidade, cobram os impostos, punem os malfeitores vivem em uma casa do Estado, não podem ter ouro nem prata, e trocam de companheiras sexuais de modo a não saber de quem são os filhos. A parte inferior da alma é a Epithimya ou Concupiscência, isto é, o desejo imoderado de comer, beber, possuir ouro e prata e propriedades fundiárias, entregar-se a orgias, etc. Equivale aos diferentes estratos da população desde os proprietários agrários de escravos até aos escravos, passando pelos comerciantes e artesãos. De um modo geral, podem enriquecer mas não podem eleger os filósofos-reis e os guerreiros para que estes governem de forma exemplar, incorruptível. ( VALE TRÊS VALORES).

 

2-D)    O tó tí é o quê-é ou seja a forma, essencial ou acidental, de algo. Exemplo: o tó tí da espiga de trigo é a forma desta e distingue-se do tó tí da espiga de milha e do tó tí do rosto humano. O tó ón é o ente, o que é, o existente, qualidade que é comum aos diferentes tó tís. O Mundo do Mesmo ou mundo dos arquétipos ou Ideias ou Modelos perfeitos, acima do céu visível, possui tó on e tó tí no que respeita a cada arquétipo: o tó tí do Triângulo é diferente do tó tí do Círculo e do tó tí do Belo. O Mundo do Semelhante ou mundo do céu visível, dos astros incorruptíveis - semelhantes neste aspecto aos arquétipos - e do tempo também possui tó ón - a existência dos planetas e do céu - e tó tí - a forma do Sol, a forma de Júpiter, as formas das constelações, etc (VALE TRÊS VALORES).

     

 

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Quinta-feira, 5 de Junho de 2014
Teste de Filosofia do 10º A (Junho de 2014)

  

Eis um teste de filosofia, para o terceiro período lectivo, para o 10º A.  Os alunos escolheram os valores religiosos e, neste âmbito, foram estudados o mito celta-cristão do Santo Graal, a lenda do rei Artur e da Távola Redonda, a espiritualidade gibelina e a espiritualidade guelfa, a heresia cátara dos séculos XII e XIII e o catolicismo romano, o budismo. Evitaram-se as escorregadias questões de escolha múltipla que, em muitos casos, não permitem ao aluno pensar multidimensionalmente, exibir e desenvolver o seu saber filosófico.

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
2014. Professor: Francisco Queiroz

 

"Se o cavaleiro representa o princípio espiritual da personalidade empenhado nas várias provas, o cavalo só pode representar aquele que “leva” esse princípio, isto é a força vital, que ele mais ou menos personifica”   (Julius Evola, “O mistério do Graal”, pág. 106)

 

1) Relacione este pensamento com Nous, Tumus e Concupiscência em Platão..

 

II

 

2) Relacione, justificando:

 

A) TEOLOGIA CÁTARA, TEOLOGIA CATÓLICA E MONISMO-DUALISMO
B) PLEROMA NA GNOSE DE VALENTIM E UM DOS MUNDOS EM PLATÃO.
C) SIMBOLISMOS DO ANDRÓGINO, DO LUGAR PERIGOSO, DE AVALON, DO REI-PESCADOR, NA LENDA DO GRAAL.
D) ASCESE GUELFA, ASCESE GIBELINA E POSIÇÃO FACE À CRUCIFIXÃO DE JESUS
E) DHARMAS, FORMAÇÃO DO EU E LEI DO KARMA NO BUDISMO.
F) VEIAS DO DRAGÃO, ALINHAMENTOS-LEI E PRINCÍPIO MICROCOSMOS-MACROCOSMOS, NA FILOSOFIA ESOTÉRICA ANTIGA.

 

 

 

CORRECÇÃO DO TESTE DE FILOSOFIA (COTADO PARA 20 VALORES)

 

1) O cavaleiro equivale, em Platão, ao Nous, razão intuitiva que apreende os arquétipos do Bem, do Belo, do Sábio, do Justo, etc, princípio espiritual teórico.Mas também se pode dizer que o cavaleiro equivale ao conjunto Nous-Tumus, sendo o tumus a coragem, o brio militar, que simultaneamente é um princípio espiritual e anímico. O cavalo equivale à Concupiscência ou parte inferior da alma, segundo Platão, onde se inserem os instintos de comer, beber, enriquecer em bens materiais, luxúria ou sensualidade exacerbada ou equivale ao conjunto Concupiscência- Tumus se considerarmos que a força vital se distribui por estas duas partes da alma, a média e a inferior.(VALE TRÊS VALORES).

 

 

2-A) A teologia cátara é dualista: há dois princípios originários do mundo, o Deus do Bem, que fez as nossas almas espirituais, e o Deus do Mal ou da Matéria que fez os nossos corpos . Para os cátaros a guerra e o sistema feudal aprovado e protegido  pela igreja católica de Roma são criações de Lúcifer. Por isso, os cátaros reuniam-se nas cidades do sul da França no século XIII, os seus perfeitos praticavam a castidade e difundiam dois sacramentos o melhoramentum (pedir a benção de joelhos) e o consolamentum (imposição de mãos, como baptismo sem água nem fogo). Os cátaros não veneravam a cruz, símbolo de escravidão à hierarquia católica, pois achavam impossível que o Deus do Bem incarnasse num corpo material feito pelo seu rival. Não aceitavam que a hóstia consagrada fosse o corpo de Cristo e falavam no pão supersubstancial (o pão espiritual) que pode ligar-se ao Graal. Foram reprimidos sangrentamente pela cruzada romana que em 1244 tomou a fortaleza de Montségur e lançou na fogueira homens, mulheres e crianças. A teologia católica é monista : foi um Deus único que fez as almas e o mundo material, sendo o mal existente neste atribuído ao livre-arbítrio dos homens, e sendo o papa o representante de Cristo. Os católicos dizem que «Deus não quer o mal mas permite-o». Os cátaros refutam esta interpretação: se apenas houvesse um Deus benévolo todo poderoso Ele não permitiria sequer o mal. (VALE TRÊS VALORES).

 

2-B) O pleroma, na gnose de Valentim, é o mundo superior da Luz, onde vivem originalmente os trinta Éons: sabedoria, inteligência, bondade, igreja, etc. Os Eóns são essências espirituais perfeitas, a primeira das quais é o Ingénito, ou Pai de todas as coisas, que, sendo andrógino, gerou os outros Eóns. Estes equivalem aos arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número, essências imóveis e eternas, que integram o Mundo Inteligível de Platão, situado acima do céu visível. (VALE TRÊS VALORES).

 

2-C) O simbolismo do andrógino, referido por Platão em «O banquete», consiste no seguinte: as primeiras raças humanas eram compostas de seres andróginos uma vez que o deus que as gerou era masculino na sua metade direita (correspondências: fogo, yang, razão) e feminino na sua metade esquerda (correspondências: água, Yin, intuição). Temendo a autosuficiência dessa raça humana primordial, o deus dividiu cada exemplar em dois, um masculino e o outro feminino, de modo a que cada um se sentisse incompleto e carente do outro.

 

O lugar perigoso é o aspecto misterioso e tremendo ou terrível do sagrado. «A natureza perigosa do Graal, em segundo lugar, se nos manifesta em relação com o tema do "local perigoso" e com a prova que este constitui para quem deseja assumir a parte do "herói esperado" e a função de chefe supremo da cavalaria da Távola Redonda. Trata-se do "lugar vazio" ou "décimo terceiro lugar" ou "lugar polar", a respeito do qual já tivemos oportunidade de falar; lugar sob o qual se abre o abismo, ou que é fulminado, quando se senta um indigno e um não-eleito.» (Julius Évola, O Mistério do Graal, Pensamento, pág 67).

 

Avalon ou Thule é, na lenda do Graal, a ilha giratória situada no polo, terra dos hiperbóreos, situada no eixo do mundo. É a ilha mágica de cristal, que possui a Árvore da Vida e o elixir da vida eterna (Avalon indica Maçã, na língua celta) e onde estaria, em certas descrições, o castelo do Graal, o cálice ou pedra sagrada que emitiria uma luz mais intensa que o Sol e restabeleceria a saúde a qualquer doente ou ferido de guerra. Ferido de morte, o rei Artur seria trasladado num navio a Avalon e aí ficaria a viver, na quarta dimensão. «Antes de mais, mencionou-se o episódio de Mordrain, raptado pelo Espírito Santo na "ilha torre" no meio do oceano. A ilha está deserta. Mordrain é exortado a manter-se firme em sua fé. Sucede-se a isso a tentação de uma mulher, e resulta claro que nela é o próprio Lúcifer quem age.»(Julius Évola, O Mistério do Graal, Pensamento, pág 105).

 

O simbolismo do rei-pescador representa o rei que perdeu o poder físico ou político, ou ambos, e procura reavê-lo a partir das águas (lembremos que Excalibur, a espada real, vem das águas onde emerge a mão da Dama do Lago que a entrega a Artur). «Ora, lendas árabes, de conhecimento comum na Idade Média ocidental através de versões espanholas, apresentam o tema do peixe relacionado com uma procura equivalente, no fundo, à do Graal como pedra real e pedra da potência. Trata-se de um anel com uma pedra, com as características de "um fogo que enche o céu e a Terra", símbolo do poder supremo. Salomão, tendo perdido esse anel, entra em decadência. O anel fora atirado ao mar. Salomão, pescando, o reencontra no ventre de um peixe e readquire assim o poder de um domínio visível e invisível (sobre homens, animais e demónios).» Julius Évola, O Mistério do Graal, Pensamento, pp 97-98 ). (VALE TRÊS VALORES)

 

2-D) Ascese é a ascensão da alma ao mundo espiritual superior mediante certa disciplina imposta ao corpo (imobilidade das posturas do yoga ou da meditação filosófica, jejum, treino militar, etc). Os gibelinos eram, no século XIII, os partidários do império romano-germânico em que um imperador de direito divino se sobrepunha aos reis e ao papa. A ascese gibelina é a da cavalaria templária: orar e combater pela fé, treinar-se militarmente. Diz-se que, tal como os islâmicos, os templários não acreditavam que Jesus Cristo tivesse morrido na cruz e, por isso, secretamente pisavam a cruz, símbolo dos escravos que se deixam morrer. Os guelfos eram os partidários do papa romano e defendiam a via ascética-contemplativa: adoração da cruz, jejuns, uso de cilícios, missas, etc. (VALE DOIS VALORES)

 

2-E) Na filosofia budista, os «dharmas» são qualidades impessoais - memória, imaginação, força física, capacidade visual e auditiva, etc - que flutuam no universo e se juntam, acidentalmente, ao núcleo eterno do "eu" individual para formarem a personalidade de cada indivíduo durante uma dada encarnação ou vida terrestre da alma (atomismo ontológico do budismo). Esta junção faz-se através da lei do karma ou lei da recompensa que se enuncia grosso modo, assim: «Se fores bom e justo nesta existência reencarnarás numa personalidade superiormente dotada, se fores mau e injusto na actual existência reencarnarás numa pessoa deficiente, profundamente infeliz ou num animal feroz ou desprezível». Por exemplo, alguém que nasça cego, desprovido do dharma da visão, deve-o à lei do karma que o obriga a pagar factura por comportamentos imorais em existências anteriores (VALE TRÊS VALORES).

 

2-F) As veias do Dragão é a expressão que designa um sistema de túneis e grutas no interior do planeta Terra que conduzem ao centro deste, o reino de Agharta, segundo o esoterismo milenar, que dispõe de um sol interior e de habitantes, onde vive Melquisedec, o rei do mundo. «No interior da Terra, circula um poderoso campo de energia, é o Feng-Shui e Lung-Mei dos Chineses, e foi conhecido como o caminho das correntes telúricas, também chamado "As Veias do Dragão". (Ernesto Barón, A mensagem cósmica arturiana, Centro de Estudos de Antropologia Gnóstica, pág.111) .

Os alinhamentos-lei são linhas geográficas que ligam entre si cidades e templos em lugares rurais, linhas que desenham polígonos imitando as constelações celestes. E isto é o princípio segundo o qual o microcosmos ou pequeno universo (exemplo: um templo, uma rede de estradas ou cidades) espelha o macrocosmos ( o grande universo, as constelações). 

 

«As linhas telúricas, Linhas-lei, tinham um traçado coerente com o formato das constelações. (...) Também descobriu-se que muitas cúpulas cheias de água que se encontram em numerosos megalitos reflectem as constelações, principalmente da Ursa Maior e da Ursa Menor. Porquê?»

«As pedras Ofitas integram-se maravilhosamente com os condutos intraterrestres. Essa energia é conhecida também como o Sangue do Dragão que o Mago Merlin, guia condutor do rei Artur, conheceu.» (Ernesto Barón, A mensagem cósmica arturiana, Centro de Estudos de Antropologia Gnóstica, pág.125) . (VALE TRÊS VALORES)

 

 Nota: Não é necessário o aluno saber de cor e escrever as citações de Julius Evola e Ernesto Barón que apenas foram inseridas na resposta para melhor a ilustrar.

 

 

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Sábado, 14 de Dezembro de 2013
Confusões de Adela Cortina: o absurdo da divisão das éticas em deontológicas e teleológicas, em de móbiles e de fins

 

Os catedráticos de filosofia, como Adela Cortina e tantos outros,  costumam dividir as éticas em deontológicas e teleológicas. Esta distinção é absurda: deontologia é uma das faces da ética, a face dos deveres e das regras a cumprir; teleologia é outra face da ética, a face das finalidades, do objectivo da acção moral. A ética de Kant é apresentada como «deontológica», a de Aristóteles como «teleológica», etc. Ora, na verdade, todas as éticas são deontológicas e teleológicas em simultâneo. Excepto, talvez, a ética que se resume a isto: «Faz o que te apetecer!». Esta ética possui um télos - a satisfação do ego do sujeito - e poderá, encapotadamente, albergar uma deontologia ao sabor da subjectividade de cada um: alguns, de tendência criminosa, preencherão a máxima «Faz o que te apetece, inclusive roubar e matar pessoas!» , outros aplicarão a máxima «Faz o que te apetece, excepto matar, roubar e violar».

 

A ética de Aristóteles, que Adela classifica como «ética de fins»,  é deontológica e teleológica, em simultâneo: deontológica porque incita a cumprir deveres, a ser virtuoso e a virtude é um hábito que é o meio termo entre dois vícios, teleológica porque visa a felicidade do indivíduo no quadro do bem-estar geral da sociedade. A ética de Stuart Mill, que Adela classifica como «ética de móbiles», é deontológica e teleológica, em simultâneo: deontológica porque incita a cumprir deveres, como o de proporcionar a felicidade à maioria das pessoas através de métodos moralmente aceitáveis, teleológica porque visa a felicidade dos indivíduos no quadro do bem-estar geral da sociedade

Adela Cortina escreve:

 

«Falar de um télos aristotélico não é aceitável, porque supõe adentrar-se numa presumível essência do homem. Sem embargo, a tendência ao prazer é observável, controlável e computável, e uma moral consagrada aos factos não tem mais que desejar. Com tudo isto, pretende-se apresentar o hedonismo como uma "ética de fim dominante"  que pretende reduzir todos os possíveis fins  a um só e como um teleologismo naturalista, que identifica tal fim com um natural: o prazer.» (Adela Cortina, Ética sem moral, Editorial Tecnos, Madrid, pag. 89)

 

Ética de fim dominante? Expressão ambígua. E o cristianismo ou o catolicismo genuínos que reduzem tudo ao fim da salvação da alma através da oração e de uma vida de sacrifício não será uma "ética de fim dominante", a salvação não hedonista do eu superior?

 

A ÉTICA DE NIETZSCHZE NÃO É TELEOLÓGICA?

 

Escreve Adela Cortina sobre a ética de Aristóteles, que classifica como "ética de fins", e a ética de Nietzshe:

 

«Apesar do empenho de Aristóteles em negar gradação às características essenciais, a ética de fins corre o risco de cair em uma moral das excelências inclusive essenciais. Neste sentido, e apesar do seu radical repúdio da teleologia, que impede considerar a ética nietzschiana como uma ética de fins, Nietzsche destaca, sim, uma qualidade humana - a capacidade criadora, cujo cultivo pode levar inclusive ao super-homem - A ética aristotélica, e a nietzschiana, coincidiriam nesse sentido.»

(Adela Cortina, Ética sem moral, Editorial Tecnos, Madrid, pág 50; o destaque a negrito é posto por mim)

 

Nietzschze repudiava radicalmente a teleologia, como sustenta Adela? Não é verdade. O super-homem é um alvo teleológico da humanidade triunfante segundo Nietzsche. A teleologia inscrita na ética de Nietzsche é o regresso ao reino da aristocracia greco-romana antiga, dos valores «autênticos», em que os senhores eram semideuses e fruiam a felicidade possível, governando, sem misericórdia nem princípios democráticos, a plebe (conjunto de classes desde a burguesia até aos escravos). E quanto à «capacidade criadora» exaltada por Nietschze que leva à condição de super-homem, não esqueçamos que era, em si mesma, uma capacidade destruidora da dignidade de outros seres humanos: os democratas humanistas, o proletariado, os escravos. O super-homem só existe na medida em que existe o infra-homem

 

A FALACIOSA DISTINÇÃO ENTRE ÉTICAS DE MÓBILES E ÉTICAS DE FINS

 

Adela Cortina sustenta a divisão das éticas em dois tipos: éticas de móbiles e éticas de fins.

 

«As éticas de móbiles investigam empiricamente as causas das acções; pretendem descobrir quais são os móbiles que determinam facticamente a conduta humana. O bem ou fim moral consiste para elas em satisfazer estas operações fácticas, que uma investigação psicológica pode descobrir. Este tipo de éticas costuma surgir do afã de recorrer a factos constatáveis como fundamento da moral, fugindo das explicações metafísicas ou transcendentais. (...)»

«Entre as éticas de móbiles caberia considerar como paradigmáticas o epicurismo, parte da sofística, e as distintas versões do hedonismo, muito especialmente a versão utilitarista. Os problemas que este tipo de éticas coloca resumem-se fundamentalmente na dificuldade que para uma fundamentação do moral supõe o subjectivismo dos móbiles».

(Adela Cortina, Ética sem moral, Editorial Tecnos, Madrid, pág 47; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Adela aponta o subjectivismo como o defeito das "éticas de móbiles". E  contrapõe a estas as "éticas de fins" que veiculariam objectivismo:

 

«As éticas de fins, por seu lado, superariam tais dificuldades, consciente ou inconscientemente, tratando de investigar, não tanto o que move de facto os homens a agir, mas sobretudo em que consistem o aperfeiçoamento e a plenitude humanas. (...)

«Nas éticas de fins poderíamos incluir Platão, Aristóteles ou os estóicos, naquilo que se refere ao mundo antigo, e as correntes que restauraram este tipo de éticas, tanto na Idade Média como na Contemporânea. As suas grandes vantagens consistem em poder pretender objectividade para o conceito de bem e fim que propõem, bem e fim ligado ao querer dos sujeitos, enquanto supõe o aperfeiçoamento para o qual a sua essência tende, e em iludir a falácia naturalista porque o "é" de que se deriva um "deve" não é empírico, mas já normativo.»

(Adela Cortina, Ética sem moral, Editorial Tecnos, Madrid, pág 48; o destaque a negrito é posto por mim)

 

Dividir as éticas em éticas de móbiles e éticas de fins é como dividir os automóveis em dois tipos: automóveis de motores e automóveis de volantes (o volante, enquanto manobrado, indica o fim geográfico a que o carro se dirige). É uma distinção artificial porque, tal como os motores existem em todos os automóveis que circulam,  os móbiles existem em todas as éticas, podendo ser mais ou menos explícitos. Por exemplo, a ética freudiana cujo fim consiste em desfrutar a vida, em particular a sexualidade, nos marcos de uma sociedade liberal de matriz cristã que condena a homossexualidade, investiga os móbiles da acção humana: o Eros polimorfo que se desenvolve em várias etapas e o super-ego que o condiciona ou contraria, influenciado pelo princípio de ética freudiana.

 

Também a ética platónica, cujo fim consiste em realizar a areté (virtude) própria de cada pessoa e estrato social - o fim do filósofo é apreender a verdade noética (o Bem, o Belo, o Justo, etc) e fazer leis justas para o governo da pólis; a finalidade do artesão é fabricar bons objectos e vendê-los a preço justo - e cujos móbiles são as três partes da alma humana, o Nous, ou razão superior, o Tymus, ou coragem e valor militar, e a Epytimia, ou desejos e prazeres do ventre, é uma ética simultaneamente de móbiles e de fins.

 

 

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Sexta-feira, 1 de Outubro de 2010
A existência é a proto-matéria, anterior às matérias física e suprafísica

Se o ser é mais extenso e transcendental, isto é, mais universal, que qualquer género, então é uma matéria, a matéria indeterminada que se divide em sensível e inteligível. Logo o ser puro - ou existência pura, destituída de forma - é uma matéria especial, a proto matéria, ontologicamente anterior à matéria prima sensível de Aristóteles (hylé).

 

Toda a determinação ou talidade é a impressão, cunhagem ou instalação de uma forma na massa infinita e absolutamente indeterminada que é o ser. Este não é somente um predicado universal de todas as coisas - exemplo: "A Torre de Pisa é (ser)", " Os oceanos são (ser; existem)" -  é também o sujeito (hypokeimenon) mais universal de todos. A existência é, portanto, uma matéria - mesmo a existência do pensamento ou de um Nous (espírito universal) independente de toda a matéria física.

 

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