Aristóteles afirmou, na linha do seu mestre Platão, que as coisas eternas, imóveis e imutáveis, escapam ao tempo. Este segundo Platão, era a "imagem móvel da eternidade" mas, segundo Aristóteles, é o "número do movimento". É o movimento que faz envelhecer as coisas e não o tempo, que é apenas o «cronómetro» desse movimento.
«Por outro lado, "ser no tempo" é ser afectado pelo tempo, e assim costuma-se dizer que o tempo deteriora as coisas, que tudo envelhece pelo tempo, e que o tempo faz esquecer, mas não se diz que se aprende pelo tempo, nem que pelo tempo se chega a ser jovem e belo; porque o tempo é, por si mesmo, mais precisamente, causa de destruição, já que é o número do movimento, e o movimento faz sair de si o que existe.» (Aristóteles, Física, Livro IV, 221 a, 30; 221 b, 5; o negrito é de minha autoria).
Note-se a expressão «o movimento faz sair de si o que existe». Como não ver nela uma inspiração para a filosofia de Hegel que abundantemente falou do «sair de si» e do «ser fora de si»? Não é por acaso que Hegel nutria uma manifesta admiração por Aristóteles.
Assim, o tempo é, de certo modo, subjectivo ou intersubjectivo. É o medidor intelectual do movimento mas não é este. E ao referir-se, num tom platónico, às coisas que são sempre, isto é aos arquétipos, na concepção de Platão, ou às formas eternas e imóveis incorporadas no mundo material, segundo Aristóteles, este escreveu:
«É evidente que as coisas que são sempre, enquanto são sempre, não são no tempo, já que não estão contidas no tempo, nem o seu ser é medido pelo tempo. Um sinal disto é o facto de que o tempo não as afecta, já que não existem no tempo.»
«E posto que o tempo é a medida do movimento, será também a medida do repouso, já que todo o repouso está no tempo. Porque ainda que o que está em movimento tem que mover-se, nem tudo o que está no tempo se tem de mover, já que o tempo não é um movimento, mas o número do movimento, e o que está em repouso pode ser também no número do movimento; porque nem tudo o que está imóvel existe em repouso, mas somente o que está privado de movimento mas pode ser movido por natureza, como se disse antes.» (Aristóteles, Física, Livro IV, 221 b, 5-10; o negrito é posto por mim)
Aristóteles admite, habilmente, que o tempo mede o movimento e o repouso mas erra, aparentemente, ao dizer que todo o repouso está no tempo. As formas imóveis e eternas transcendem o tempo e estão em repouso (êremía, stásis), - a menos que este último termo só se aplique às coisas da .natureza dotadas de movimento e haja outro termo para designar a imobilidade absoluta, como será o caso na terminologia aristotélica.
E de facto, numa passagem mais adiante, Aristóteles mostra que circunscreve o termo repouso aos entes da natureza física:
«Portanto, tudo o que não existe nem em movimento nem em repouso não existe no tempo, porque « ser no tempo» é «ser medido pelo tempo», e o tempo é a medida do movimento e do repouso.» (Aristóteles, Física, Livro IV, 221 b, 20-23; o negrito é posto por mim)
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Na «Estética» Hegel desenvolve pensamentos de grande profundidade sobre a relação íntima do espaço com a pintura e a escultura, por um lado, e sobre a relação íntima do tempo com a música, por outro lado.
«As figuras da escultura e da pintura estão justapostas no espaço e formam por essa justaposição uma totalidade real ou aparente. Mas a música não pode produzir sons senão provocando um movimento vibratório em corpos dispostos no espaço. Essas vibrações só dizem respeito à música pela sua sucessão, de maneira que os corpos sensíveis participam da música, não pela sua forma espacial, mas pelos seus movimentos no tempo e pela duração desses movimentos. Ora todo o movimento de um corpo se efectua no espaço, de modo que as figuras da escultura e da pintura, mesmo estando aparentemente em estado de repouso, conservam o direito de representar o movimento; porém, a música não utiliza esta espacialidade para exprimir o movimento, mas serve-se para as suas produções unicamente do tempo durante o qual se efectuam as vibrações de um corpo.
Mas o tempo, como vimos já, não é como o espaço, um lado a lado positivo; é, pelo contrário, uma exterioridade negativa; como supressão do lado a lado, da esquerda e da direita, é punctiforme e, como actividade negativa, é a supressão de tal ponto no tempo e a sua substituição por um outro, que por sua vez é suprimido, para dar lugar a um outro ainda, e assim seguidamente. Na sucessão destes momentos do tempo, cada som particular deixa-se fixar em parte como uma unidade, mas pode também ser posto em relações quantitativas com outros momentos, o que torna o tempo numerável. Por outro lado, no entanto, como o tempo representa o aparecimento e a desaparição ininterrupta destes momentos que, tomados como simples momentos, são abstracções não particularizadas, não diferindo umas das outras, o tempo surge também como uma sequência regular e uma duração indiferenciada.» (Hegel, Estética, Pintura e Música, Guimarães Editores, pags 220-221; o bold é nosso)
Entre as muitas reflexões profundas do grande Hegel, note-se a do tempo punctiforme: o tempo pode representar-se por um único ponto, cujo conteúdo vai, presumivelmente, mudando a cada fracção de segundo, ao passo que o espaço se representa por linhas, figuras, volumes. Assim, o tempo parece ser a dimensão oculta da realidade que percebemos visualmente.
De salientar a noção do tempo como o suprimir do lado a lado, da relação direita-esquerda. E o facto de, ao contrário de São Tomás de Aquino que define o tempo como o número do movimento - concepção de certo modo irrealista, matemática do tempo, como se a essência deste fosse a numeração Hegel afirma a autonomia do tempo face à numeração, o que significa que a essência do tempo não é número, mas sucessão e duração.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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