Heidegger inverteu o sentido tradicional da palavra fenómeno (phainomenon= o que aparece, o visível, audível e palpável, em grego). :
« O conceito fenomenológico de fenómeno entende por "o que se mostra" o ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados. E o mostrar-se não é um mostrar qualquer, nem muito menos o que se diz "aparecer". O ser dos entes é o que menos pode ser algo atrás do qual esteja algo que não apareça.»
«"Atrás" dos fenómenos da fenomenologia, não está essencialmente nenhuma coisa, mas sim, pode estar, oculto o que pode tornar-se fenómeno. E precisamente porque os fenómenos não estão dados imediata e regularmente, é necessária a fenomenologia. Encobrimento é o conceito contrário de "fenómeno".
«A forma na qual os fenómenos podem estar encobertos é variada. Em primeira instância, pode estar encoberto um fenómeno no sentido de estar ainda não descoberto. (...)»
«"Fenoménico" chama-se ao que se dá e é explanável na forma peculiar de enfrentar o fenómeno, daqui o falar-se de estruturas fenoménicas. "Fenomenológico" diz-se de tudo o que entra na forma de mostrar e explanar e o que constitui os conceitos requeridos nesta disciplina.»
« Fenómeno em sentido fenomenológico é só aquilo que é ser, mas ser é sempre ser de um ente: daqui que quando se visa libertar o ser, seja necessário fazer comparecer o ente na forma apropriada.» (Martin Heidegger, El Ser y el tiempo, páginas 46-47)
Kant já havia distinguido fenónemo de aparência - exemplo: o vinho é um fenómeno, mas a cor e o sabor do vinho são aparências - de tal modo que se poderia dizer que o fenómeno é um objeto ilusório ou semi-real, acidental, algo inaparente. Se em Kant o fenómeno é "o objeto indeterminado de uma intuição empírica" e se situa na sensibilidade, no espaço ou sentido externo, em Heidegger o fenómeno - não falamos do fenómeno psíquico mas dos fenómenos janela, casa, Estado, etc - situa-se no mundo, fronteira do eu com os objetos reais - «janela» entre o eu e os objetos exteriores, já que o cão e a abelha não têm mundo, só o homem possui mundo - ou é o conjunto de objetos intemporais e transmundanos equivalentes aos númenos em Kant e aos arquétipos em Platão.
A inversão do conceito tradicional de fenómeno feita por Heidegger é paralela a outras inversões terminológicas operadas por este pensador alemão : com Heidegger, existência deixa de ser o ato ontológico (o estar, a presença indeterminada) de qualquer essência e passa a ser a essência de cada ente, a forma fundamental, o ser plasmado no ente determinado. Heidegger quis notabilizar-se mudando, se não as regras do jogo do pensar filosófico, ao menos as fichas, a terminologia. Estava no direito de o fazer. Mas não foi transparente ao explicar estas mudanças terminológicas e isso rendeu-lhe uma aura suplementar de veneração junto do público que gosta do que é misterioso e admira o que não entende.
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
No excelente prefácio a «Modos de fazer mundos» do filósofo construtivista norte-americano Nelson Goodman, Carmo d´Orey, catedrático da Universidade de Lisboa, escreve:
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Uma das linhas de força da filosofia de Heidegger é a tentativa de destruição ou de rectificação da linguagem que foi sedimentando, ao longo dos séculos, no leito do rio da ontologia e da filosofia. Muitos méritos cabem a Heidegger nesta tarefa hermenêutico-etimológica. Recuperou a tradição que Platão expusera no «Crátilo» - as letras e as palavras como «pinturas», imagens, com fundamento analógico, das ideias e objectos físicos e que Aristóteles prosseguiu na «Metafísica» . Mas há esforços de Heidegger que, a meu ver, resultaram inúteis: é o caso, por exemplo, da tentativa de atribuir à palavra mundo um significado distinto do de «meio ou ambiente envolvente de numerosas entidades físicas ou espirituais».
«Mundo, todavia, na expressão «ser-no-mundo», não significa, de modo algum, o ente terreno, em oposição ao celeste, nem mesmo o mundano em oposição ao "espiritual". "Mundo", naquela expressão, não significa de modo algum, um ente e nenhum âmbito do ente, mas a abertura do ser. O homem é e é homem enquanto é o ex-sistente. Ele está postado, num processo de ultrapassagem, na abertura de ser, que é o modo como o próprio ser é; este projectou a essência do homem, como um lance, no cuidado de si. Projectado desta maneira, o homem está postado "na abertura do ser". Mundo é a clareira do ser na qual o homem penetrou a partir da condição de ser-projectado de sua essência. O "ser-no-mundo" nomeia a essência da ek-sistência, com vista à dimensão iluminada, desde a qual desdobra o seu ser o ex da ex-sistência. Pensada a partir da ex-sistência, mundo é, justamente, de certa maneira, o outro lado no seio da e para a ex-sistência.» ((Heidegger, Carta sobre o Humanismo, Guimarães Editores, Págs 99-100; a letra; a letra negrita é posta por mim ).
Em termos simples, o ser compara-se a uma floresta densa da qual é projectada a essência do homem numa clareira da floresta designada por mundo. Mas a clareira é, simultaneamente, interior e exterior ao eu humano. Interior, em parte: o mundo entra dentro do homem, na medida em que só este tem a percepção sensorial-intelectual da totalidade dos seres que o povoam; o mundo está fora do homem porque, como rede, se estende sobre e engloba os "entes diante dos olhos" (exemplo: nuvens, mares, florestas) , os «entes à mão» (exemplo: automóveis, talheres, computadores, utensílios à mão») e até o «ser aí» - cada homem - em certa medida.
Para Heidegger, o mundo não é o universo físico (mundo terreno) nem o espaço metafísico (mundo espiritual divino). Não é o âmbito do ente. O que é então? É a abertura do ser, a clareira do ser.
Mas isto é, de facto, algo incoerente. A abertura e a clareira são, apesar de Heidegger o negar, um âmbito, um espaço, físico ou meramente psíquico, onde são dispostos os entes (árvores, cães, planícies, casas, mares,etc) . Seja intra anima ou extra anima ou ambas a coisas de facto, é ambas as coisas - o mundo é sempre um âmbito, um vasto «círculo» ou «esfera» no seio do qual se plantam os entes.
O mundo pertence ao ser e ao homem, que é o ser-aí. Em O ser e o tempo, Heidegger disse expressamente:
«El mundo no es ontologicamente una determinación de aquellos entes que el ser ahí, por esencia, no es, sino un carácter del "ser-ahí" mismo.» ( Heidegger, El ser y el tiempo, Fondo de Cultura Económica, Pag 77).
O mundo é, por conseguinte, um campo sensorial-conceptual que só o homem ( ser aí) possui e no qual se projectam os objectos "físicos" ou "entes diante dos olhos". Idealidade do mundo mas não necessariamente dos objectos que o povoam, pois Heidegger diz:
«Los entes intramundanos son proyectados sin excepción sobre el fondo del mundo, es decir, sobre un todo de significatividad a cuyas relaciones de referencia se ha fijado por anticipado el curarse de en cuanto ser en el mundo. Cuando los entes intramundanos son descubiertos a una con el ser del "ser ahí", es decir, han venido a ser comprendidos, decimos que tienen "sentido"). .» ( Heidegger, El ser y el tiempo, Fondo de Cultura Económica, Pag 77; a letra negrita é nossa).
Isto significa que os entes intramundanos rios, campos, animais não fazem parte do ser do homem (ser aí) são-lhe exteriores ou, no mínimo, correlatos (exteriores-imanentes como gémeos siameses). Não sabemos, pois, se a matéria existe em si mesma. Sabemos, sim, que, na óptica de Heidegger, os objectos são exteriores ao ser-aí - mas serão ideias autobsistentes ou corpos físicos reais? Ou algo indeterminado? Na imagem heideggeriana do ser como floresta e do ser-aí (homem) como colocado na abertura ou clareira do ser (mundo) não se esclarece o lugar dos entes intramundanos: estão na clareira mas foram projectados. A partir de onde? Heidegger não o diz. Parece-me lógico que os entes intramundanos (exemplo: a nuvem, a pedra, a montanha) sejam projectados desde o interior da floresta densa onde subsistem, presumivelmente, como «árvores», algo comparáveis aos arquétipos platónicos.
Na passagem abaixo, Heidegger rejeita o realismo e a própria fenomenologia como corrente intermédia dos correlativos para afirmar um ontologismo ´- a realidade, nem material nem espiritual, fora do sujeito, é o ser - que tem, sem dúvida, a influência do idealismo kantiano, fazendo corresponder o ser ao númeno kantiano exterior ( objecto incognoscível, exterior, como Deus e mundo metafísico) e o ser-aí (Dasein) ao númeno kantiano interior (objecto interior, como alma imortal e liberdade).
«O homem jamais é primeiramente do lado de cá do mundo como um «sujeito», pense-se este como «eu» ou como «nós». Nunca é também primeiramente e apenas sujeito, que, na verdade, sempre se refere, ao mesmo tempo, a objectos, de tal maneira que a sua essência consistiria na relação sujeito-objecto. Ao contrário, o homem primeiro é, em sua essência, ex-sistente na abertura do ser, cuja aberta ilumina o «entre» em cujo seio pode «ser» uma «relação» de sujeito e objecto. » (Heidegger, Carta sobre o Humanismo,Págs 99-100).
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
El término "contorno" designa, al menos, tres cosas distintas: la línea formada por el límite de una superficie o figura dibujada; el territorio o conjunto de lugares y cuerpos físicos que rodean a otro; el conjunto de ideas, fuerzas, sentimientos que desde los otros, desde la esfera psico-social, involucran a un individuo.
En la filosofía de Max Scheler, contorno tiene un doble significado: la parte del cuerpo físico del individuo dada por su percepción exterior, en conjunto con los otros cuerpos humanos y cuerpos inorgánicos exteriores más cercanos que constituyen el mundo operante, influyente directamente, sobre el organismo; las fuerzas psico-sociales - las personas de los otros, los Yos psíquicos - que envuelven al individuo en un modo más próximo. Aténtese en el siguiente texto de Max Scheler, uno de los más complejos de su Ética en el que distingue, no siempre de forma meridianamente clara, los conceptos de individuo, organismo, persona, Yo corporal, Yo psíquico o alma, contorno, mundo, mundo exterior:
«Nótese bien el sentido propio de la distinción contorno-individuo (o lo que hace las veces de tal individuo, por ejemplo: hombre, mongol, etc) Esta distinción nada tiene que ver con aquella "yo"- "mundo exterior" de la esfera psíquica y física. La distinción "individuo-contorno" es indiferente al punto de vista psicofísico; de aquí que todo individuo tiene, a su vez, en su contorno psíquico y en si mismo un elemento "psíquico" y "físico". Pertenece al primero todo aquello psíquico ajeno que vive como operando sobre sí, sin que esto quiera decir que ha de ser percibido; todos los sentimientos y pensamientos que el individuo no vive como "suyos", individuales, es decir, con el sello especial de su individualidad, una esfera que coincide con todo aquello que puede ser explicado por el principio de asociación - cosa que no puede demostrarse aquí - . Al contorno físico del individuo pertenece su organismo en cuanto le es dado en el fenómeno de la percepción exterior - dentro del medio y provisto de sus notas de valor positivas y negativas. Por lo tanto, la diferenciación de un cuerpo orgánico con los cuerpos que le rodean nada tiene que ver con la oposición individuo-contorno. Pues esa diferencia existe dentro de la esfera de los objetos de la percepción exterior y divide sus fenómenos - según la relación de dependencia respecto a los cuerpos orgánicos o inorgánicos - en físicos, en un sentido amplio, y fisiológicos. (Nada tiene que ver tampoco esa diferenciación con la relación real de alma a alma). Ni menos tampoco tiene que ver con la relación del yo psíquico, inmediatamente vivido, y la esfera de la vitalidad y el yo corporal, - asiento de todas las sensaciones orgánicas y tendencias instintivas: tal, por ejemplo, "tengo hambre" -. Pues, en este caso, esta diferenciación se realiza dentro de la esfera de la percepción íntima y divide los fenómenos de esta en fenómenos de la Psicología pura y fisiológica, fenómenos puramente anímicos y fenómenos del "sentido íntimo" - según que dependan del yo y del yo corporal - (Véase para esto mi trabajo Uber Selbsttäuschungen). Empero, el organismo como unidad de forma nos es dado en total independencia, tanto de la percepción exterior cuanto de la percepción interior, como un todo y como un contenido inmediatamente intuitivo y materialmente idéntico (no sólo merced a la constante coordinación de los fenómenos de la percepción exterior e interior del mismo organismo.) Y esa unidad del organismo es la que representa la contraposición esencial al "contorno". Al "organismo" como unidad formal - no al organismo corpóreo - se contrapone la "persona" (a su vez como unidad de los actos, indiferente psicofísicamente, véase para esto la Segunda parte). Desde el punto de vista del objeto, empero, se contrapone a la "persona", no un "contorno", sino un "mundo" de cuyos elementos una selección tan sólo representa el "contorno", selección importante para la unidad corporal y vivida como operante en ésta. Tenemos así las siguientes antítesis que se han de separar con todo rigor:
1. Persona-Mundo.
2. Organismo-Contorno.
3. Yo-Mundo exterior.
4. Organismo corporal-Cuerpos inorgánicos.
5. Alma- Yo corporal». (Max Scheler, Ética, Pág 220-221; nota de pie de página; la netra negrita es introducida por nosotros).
Que críticas hay a plantear a nuestro querido Max Scheler?
Hay, al menos una, contradicción inconsistente en estas antítesis. Scheler sostiene la oposición organismo-contorno pero es una contradictio in adjecto: el contorno comporta la parte del organismo físico dada en la percepción exterior (las manos y la nariz y el rostro que veo en el espejo y toco, los brazos, las piernas, el tronco). Entonces, la oposición planteada en 2 no es entre organismo y contorno sino entre organismo psíquico y físico interior, a un lado, y contorno, incluyendo el organismo fisico exterior, el Yo corporal en su faceta exterior, a otro lado.
Otra cuestión que importa aclarar es la oposición Persona-Mundo. Scheler escribió:
«No podemos emplear la palabra "persona" en todos los casos en que corrientemente admitimos yoidad, animación o incluso conciencia del valor y de la existencia del propio yo (conciencia del propio valor, conciencia de sí mismo). La animación, por ejemplo, es propia de los animales, quienes poseen incluso una yoidad del tipo que sea. ( ) Mas tampoco el "hombre" en cuanto hombre define el círculo de seres para los que vale el concepto de persona. Sino que es sólo a un determinado grado de la existencia humana al que se aplica este concepto.» (Max Scheler, Ética, Pág. 621)
«1ºToda objetivación psicológica es idèntica a la despersonalización. 2º La persona es dada siempre como el realizador de actos intencionales que están ligados por la unidad de un sentido. Por consiguiente, nada tiene que ver el ser psíquico con el ser personal.» (Ética, Caparrós, Pág. 623; la letra negrita es añadida por nosotros).
Persona incluye a la capa superior de la yoidad y al espíritu extra persona individual, que es una región del no yo que penetra mutuamente al Yo en múltiples seres humanos. Ese espíritu es mundo, por supuesto no mundo físico, sino mundo de esencias ideales, de conexión de afectos, que transciende la yoidad. La transmisión del saber ético, artístico, filosófico, religioso en las familias, las comunidades vecinales, en los colegios, en libros, en la radiotelevisión, iglesias, etc, es una manifestación del espíritu, ese oceano de esencias personales y transpersonales. El loco, por ejemplo, no es persona. El niño no es aún persona. El animal mamífero no humano no es persona. aunque posee yoidad corporal y psíquica. De ahí que es algo probemática la oposición persona-mundo diseñada por Scheler: no debería ser antes la antítesis persona-mundo exterior?
Pues cuando se habla de mundo interior ¿está este incluido o no en la esfera de la persona? Me parece que sí, al menos en parte. Pero estos textos de Scheler no aclaran esta cuestión.
Además en estes textos parece que Scheler identifica individuo con organismo. Pero a nosotros se nos antoja que el individuo es más amplio que organismo porque además de contener esto engloba la persona, el espíritu individuado.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica