Há, em Hegel, uma ressonância gnóstica ou neoplatónica quando fala da materialização do espírito divino, da autoconsciência que desce à matéria que ela mesma produz.
Sobre a categoria, que em Aristóteles é uma substância ou particularidade objectiva (exemplo:cavalo, lugar, tempo, posição em pé ou sentado, etc) e em Kant é estrutura subjectiva (exemplos: unidade, pluralidade, causa-efeito), escreveu Hegel:
«A autoconsciência desventurada alienou a sua independência e pugnou por converter o seu ser para si em coisa. Retornou com isso da autoconsciência à consciência, quer dizer, à consciência para a qual o objecto é um ser, uma coisa; mas isto, o que a coisa é, é autoconsciência, é, portanto, a unidade do eu e do ser, a categoria. Enquanto o objecto é determinado assim para a consciência, ela tem razão. A consciência, do mesmo modo que a autoconsciência, é, em si, propriamente razão; mas somente da consciência para a qual o objecto se determinou como a categoria pode dizer-se que tem razão; mas algo distinto disto é ainda saber o que é razão. A categoria, que é a unidade imediata do ser e do si próprio, tem necessariamente de percorrer ambas as formas e a consciência observadora é precisamente aquela ante a qual a categoria se apresenta em forma de ser. (...) A pura categoria, que é para a consciência na forma do ser e da imediatez, é o objecto ainda não mediado, somente presente, e a consciência um comportamento, deste modo, não mediado. O momento daquele juízo infinito é o trânsito da imediatez à mediação ou negatividade. Portanto, o objecto presente determina-se como um objecto negativo e a consciência como a autoconsciência relativamente a ele, ou a categoria, que percorreu a forma do ser no observar e põe-se agora na forma do ser para si, a consciencia não quer já encontrar-se de um modo imediato, mas fazer surgir a si mesma através da sua actividade. »
(Hegel,Fenomenología del espíritu, pag 206, Fondo de Cultura Económica, México; o destaque a negrito é posto por mim).
Note-se que a autoconsciência é Deus que, depois, se exterioriza e converte em coisa, objecto material, ser, e mais tarde regressa a si convertendo-se em consciência (humana). O pensar da consciência nega o conhecimento sensorial, o dado imediato, e por isso, é pura negatividade. Exemplo: vejo o tampo da mesa liso e homogéneo, é o ser imediato, mas racionalizo e concebo que se compõe de átomos com núcleos, órbitas electrónicas e espaços vazios, isto é, concebo a essência do tampo da mesa, negando a lisura e homogeneidade do tampo.
Por este texto, vemos que a categoria é o modo como o objecto se apresenta à consciência, a relação de dois graus entre o ser material e a subjectividade: como ser, mediante a sensação, - e neste caso é objectiva - e como essência, através da reflexão - e, neste caso, é subjectiva, ou melhor, intersubjectiva. Quem faz a mediação do objecto, isto é, a transcrição do seu ser para a nossa consciência? É a essência, a reflexão. Porque a essência é reflexão do ser.
Nota: Este é o post nº 600 deste blog que teve início em Fevereiro de 2006 e que combate, em nome da verdade e do rigor filosóficos, os equívocos de filósofos, catedráticos e professores liceais de filosofia. O blog combate ainda a relativa ininteligência das universidades e do mundo da cultura oficial na rejeição da astrologia histórica, da medicina holística e naturopática, e de outras doutrinas verdadeiras mas marginalizadas pelos néscios cujos doutoramentos nada valem, no mundo real dos sábios que não é o dos diplomas mas das ideias criativas e profundas.
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O "paradoxo dos grãos de milho" é um argumento aceite como válido pela filosofia analítica anglo-saxónica. Blackburn enuncia-o assim:
«Paradoxo dos grãos de milho - Uma das versões do paradoxo sorites ainda que esteja associada ao paradoxo de Zenão, visto que diz respeito à criação de uma quantidade finita a partir de exemplos suficientes de "nada". Um único grão de milho não faz qualquer ruido quando cai; e para qualquer número n, nx0= 0. Mas a queda de um número finito de grãos de milho, ou por outras palavras, uma multiplicação destes ruídos zero, provoca um ruído finito discernível».
(Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, pag 321-322, Gradiva, 2007; o destaque a negrito é posto por mim).
Trata-se de um pseudoparadoxo: parte de uma premissa errada, a de que a queda de um grão de milho não provoca ruído nenhum. É falso. Essa queda gera um ruído que está abaixo do limiar auditivo do ouvido humano normal e, por isso, é inaudível mas não é um ruído zero. A acumulação de pequenas quantidades de ruído dos muitos grãos de milho ao cair, a sua junção irrompendo num dado instante, gera um ruído de que o ouvido humano se apercebe. É a lei dialética do salto qualitativo: a adição gradual, em quantidade, é o intermédio, a mediação entre o nada e o tudo, entre uma qualidade e a sua contrária, entre a tese e a antítese.
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