O Manual português "Um Outro Olhar sobre o Mundo" do 11º Ano de Filosofia contém um certo número de confusões conceptuais. Vejamos algumas.
O APRIORISMO CONSISTE EM PRODUZIR CONHECIMENTOS FORA DA EXPERIÊNCIA
«O apriorismo defende que os conhecimentos provêm da sensibilidade e do entendimento, capacidades a priori do sujeito que actuam numa matéria que lhes é exterior.» (Maria Antónia Abrunhosa, Miguel Leitão, "Um Outro Olhar sobre o Mundo", 11º Ano de Filosofia, volume 2, Edições Asa, pag 34; o bold é nosso).
Eis uma confusa definição de apriorismo. Podemos dizer que o empirismo defende que os conhecimentos provêm da sensibilidade - ou da sensibilidade e do entendimento - mas isso não faz dele um apriorismo.
A priori quer dizer, antes da experiência e independentemente desta. Ora isto é omitido na definição. Não se percebe na definição a frase: «Capacidades que actuam numa matéria que lhes é exterior...» Os autores visavam, decerto, definir apriorismo a partir da teoria de Kant. Mas engendram confusão, nada mais que confusão.
DOGMATISMO : EMPIRISTA E RACIONALISTA
Diz ainda o manual:
«O dogmatismo considera que o homem tudo pode conhecer, mesmo em áreas em que não é possível a observação.» (Maria Antónia Abrunhosa, Miguel Leitão, "Um Outro Olhar sobre o Mundo", 11º Ano de Filosofia, volume 2, Edições Asa, pag 34).
Esta é uma definição imperfeita do dogmatismo, teoria que afirma o conhecimento baseado em certezas. Há um dogmatismo racionalista e metafísico que se adequa à definição dada, mas há um dogmatismo empirista que dela fica excluído. O dogmatismo empirista, como por exemplo, o positivismo lógico não concebe que o homem possa conhecer tudo: a metafísica é um domínio incognoscível, «sem sentido» verificável.
DESCARTES E LEIBNIZ NÃO TENDEM PARA O DOGMATISMO?
Em um dos exercícios propostos neste manual pergunta-se o valor de verdade da seguinte frase:
«2. Descartes e Leibniz são pensadores com tendência para o dogmatismo».
(Maria Antónia Abrunhosa, Miguel Leitão, "Um Outro Olhar sobre o Mundo", 11º Ano de Filosofia, volume 2, Edições Asa, pag 34; )
E na página 165 vem a resposta: assegura-se que a proposição "2" é falsa...
Então Descartes, sem embargo de gerar a dúvida hiperbólica, não tem tendência para o dogmatismo? Postular que o mundo se baseia em duas substâncias - res cogitans e res extensa - não é dogmatismo? É óbvio que é.
E Leibniz não foi dogmático, ao teorizar as mónadas, unidades indivisíveis dotadas de percepção, como os constituintes elementares da realidade? É óbvio que foi.
Então, ao contrário do que sustenta o manual, Leibniz e Descartes foram criadores de sistemas filosóficos dogmáticos, apesar de manejarem o cepticismo.´
Há demasiada superficialidade no modo como este manual concebe e utiliza estes conceitos filosóficos.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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