Em artigo na revista "Crítica (na rede)", Luís Helvécio Marques Segundo, da Universidade de Ouro Preto, no Brasil, sustenta que «A filosofia não é mais importante que a física, ou a matemática, ou a história; tem exatamente o mesmo valor que qualquer outra atividade cognitiva.» Não partilho, exactamente, essa opinião.
Ser filósofo é mais vitalmente importante do que ser cirurgião ou vendedor de fruta mas, no momento de uma operação cirúrgica, a arte da cirurgia sobrepõe-se à filosofia e, no momento do abastecimento alimentar de uma comunidade, é mais importante possuir e disponibilizar a fruta do que saber a diferença ontológica entre o Sein e o Dasein na teoria de Heidegger. A filosofia, boa ou má, comanda tudo. Se a humanidade hoje está dependente de um imenso aparelho de cuidados de saúde que não impede, antes estimula, o crescimento das doenças, mediante a inoculação de vacinas nocivas e a ingestão massiva de medicamentos químicos, desvitalizadores, é porque uma deficiente filosofia é veiculada nos mass media, na literatura e no sistema de ensino, iludindo e manipulando milhões de pessoas.
Colocar a grande filosofia ao mesmo nível que a ciência médica deficiente é fazer o jogo desta última e permitir à classe médica e à indústria farmacêutica alienar biliões de pessoas com falsas noções de cura e de higiene. Só os filósofos possuem inteligência bastante para desmontar o erro de raciocínio que subjaz à crença na vacinação. Médicos-filósofos há poucos, médicos tecnocratas, de raciocínio falacioso, há muitos. Escreve ainda Marques Segundo:
«Finalmente, a contribuição mais importante da filosofia para nossas vidas comuns é a avaliação de argumentos. Avaliar argumentos não é uma atividade exclusiva da filosofia, fazemos isso também em outras áreas. No entanto, pelo fato de a filosofia ser uma disciplina de natureza a priori, i.e. feita pelo raciocínio apenas, a avaliação de argumentos é uma de suas tarefas principais; e sendo esta uma tarefa principal, é de se esperar um grande avanço nas técnicas de avaliação de argumentos. (Qualquer bom manual de lógica fornecerá uma quantidade razoável dessas técnicas.) Ao avaliar argumentos filosóficos, os filósofos dão atenção às ambigüidades da linguagem natural, procuram imprecisões e idéias escondidas, e tentam tornar algumas idéias mais plausíveis, entre outras atividades. Em suma, a filosofia torna nossa capacidade de pensamento muito mais precisa e eficaz. É de se esperar, portanto, que em situações corriqueiras onde estejam envolvidos argumentos, e.g. num debate presidencial, alguém que pense como um filósofo tenha mais probabilidades de avaliar corretamente tais argumentos e dizer se são bons ou não. O estudo da filosofia, portanto, fornece algo precioso ao ser humano: a capacidade para avaliar cuidadosamente as justificações que alguém tem para determinadas ações ou crenças.» (Luís Helvécio Marques Segundo, A filosofia é superior?, in Crítica, 20 de Novembro de 2010; o negrito é colocado por nós).
Na verdade, a tarefa principal da filosofia não é avaliar argumentos mas sim produzir uma panorâmica geral especulativa sobre a vida em geral, o universo (sua génese e funcionamento), o homem (sua natureza e finalidades) e as suas criações: a sociedade humana, a linguagem, a tecnologia, as ciências, a arte e a cultura em geral, a política, a teologia e a mitologia. A avaliação de argumentos é uma actividade colateral e nunca é feita de forma inteiramente científica: carrega, sempre, algum lastro ideológico. A formulação de Marques Segundo indica o desvio da filosofia para o plano da retórica, essa conspurcação do pensar profundo pelo "saber dizer". Certamente, Aristóteles, nos seus tratados de lógica, forneceu regras de avaliação de argumentos mas foi na "Física" e na "Metafísica" que produziu o essencial da sua filosofia que é especulação, interpretação e construção ontológica, cosmológica, antropológica e não... avaliação de argumentos.
Marques Segundo comete ainda um sério equívoco ao escrever, acima: «No entanto, pelo fato de a filosofia ser uma disciplina de natureza a priori, i.e. feita pelo raciocínio apenas, a avaliação de argumentos é uma de suas tarefas principais».
Em primeiro lugar, a filosofia não é uma disciplina unicamente a priori, mas de dupla vertente: a priori (antes e fora da experiência) e a posteriori (com e após a experiência sensível). Em cada momento nascem ou renascem problemas filosóficos, fruto do contacto da inteligência com as realidades empíricas (a posteriori): economia, política, comportamentos sexuais, informática e cibernética, astrofísica, cinema, teatro, medicina, química, moda, etc. Se a filosofia fosse somente a priori, seria imune à experiência (a posteriori), desdenharia esta: não rectificaria nada do que concebesse. É fácil de ver que a filosofia «hippie» (recusa do trabalho burocrático e do militarismo, vida livre em comunas, etc) se forjou na experiência (a posteriori) dos jovens marginais ao ritmo capitalista actual, a filosofia dos direitos dos animais nasceu a posteriori, observando o sofrimento de animais a serem espancados, feridos ou mortos por seres humanos...
Em segundo lugar a filosofia não é feita pelo raciocínio apenas, mas pela intuição inteligível (átomo, mónada, universo como uma esfera são intuições inteligíveis) e pelo conceito empírico (modelo real de socialismo venezuelano ou chinês em 2010, modelo real de capitalismo norte-americano ou canadiano em 2010 são conceitos empíricos).
E prossegue o académico de Ouro Preto:
«Mesmo não sendo a atividade intelectual mais importante — não há a mais importante! — a filosofia compõe, com certeza, uma parte interessante da investigação do quebra-cabeças da realidade.»
Equivoca-se. Há um largo consenso entre os pensadores que os limites da filosofia extravasam os de cada ciência e do conjunto das ciências: só a filosofia nos oferece a visão panorâmica do todo. Por conseguinte, ela - refiro-me à grande filosofia, não ao pequeno segmento que é a filosofia analítica centrada na retórica, subserviente às ciências ideológicas - é, de facto, mais importante que qualquer ciência, do mesmo modo que sem a visão intelectual do todo não se concebe correctamente a estrutura de cada uma das partes.
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