No seu «Tratado da Natureza Humana», David Hume revela a sua agudeza dialéctica ao escrever:
«As ideias de espaço e de tempo não são portanto ideias separadas ou distintas; são unicamente as ideias da maneira ou ordem na qual os objectos existem; ou, por outras palavras, é impossível conceber um vácuo ou uma extensão sem matéria, ou um tempo em que não haja sucessão ou mudança em qualquer existência real. »(David Hume, Tratado da Natureza Humana, pag 72, Fundação Calouste Gulbenkian; a letra negrito é colocada por mim).
Isto distingue-se da concepção abstracionista de Kant que concebe um espaço a priori sem nada de objectos empíricos e um tempo a priori sem existências reais e objectos. A lei do uno, pedra angular da dialéctica, postula que tudo se relaciona e não é possivel separar hermeticamente as dimensões da realidade, e os seus objectos, umas das outras. No espaço há sempre a componente tempo e no tempo há sempre a componente espacial.
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Qual é o género supremo de todos? É o ser. O ser, na sua máxima extensão ou abrangência, é nada enquanto essência, ou seja, não é, mas é algo, existe, enquanto existência. Por isso a frase de Hegel «o não-ser, enquanto é este momento imediato igual a si mesmo, é, por seu lado, a mesma coisa que o ser» (Hegel, Lógica I, LXXXVIII) deve ser interpretada com cuidado: ontologicamente, o ser nunca pode ser nada (não-ser absoluto), porque é, existe, mas eidologicamente, o ser pode ser nada na medida em que está vazio de determinações, de qualidades, de essência. O ser contém o nada mas o nada não contém o ser. «Nada» é espécie do género supremo ser. Este divide-se em ser algo determinado ou ser «quê» (essência) e nada (privação de essência). Pode pois dizer-se que o nada é ou existe, seja no plano físico ou, ao menos, no plano das ideias, do imaginário. O nada é espécie do género supremo ser-existência pura.
A frase de Parménides «o Ser é, o não ser não é» aplica-se, com propriedade, ao ser indeterminado, ao existir puro, porque este paira acima de todos os géneros e espécies e engloba-os a todos. Só o ser puro, sem conteúdo definido, engloba tudo e assim impede a existência do não-ser extrínseco a ele. Há aqui um princípio do segundo excluído: tudo se inclui no ser, não há alternativa a este. A dialéctica está mais alta do que a lógica porque é a síntese absoluta e holística. O mais importante na dialéctica não é a sequência temporal tese-antítese- síntese - este é um dos seus modos possíveis - mas a sequência ontológica síntese-antítese-tese, ou seja, o uno divide-se em dois princípios contrários. É a oposição e não a superação o traço mais relevante da dialéctica. As leis do uno e da luta de contrários são ontologicamente anteriores à lei da tríade formulada por Hegel. O método dialéctico não se reduz à visão hegeliana. Nem implica que a tese surja antes da antítese como postula Hegel: surgem ambas ao mesmo tempo, em sincronia. A lei da tríade hegeliana não é uma lei universal única: a vida revela que muitas vezes a tese não vai directamente à antítese mas sim indirectamente através da mediação, de um intermédio. Na tríade platónica, que é, de certo modo, o seu inverso, os contrários surgidos ao mesmo tempo - tríade sincrónica, ao contrário da de Hegel que é diacrónica- geram em simultâneo o intermédio, a síntese.
Parménides confundiu o ser-existir com o ser-essência e aqui começou o pântano da confusão na ontologia tradicional. O ser-existência não é finito, como sustentou Parménides, nem infinito, mas ambas as coisas; não é eterno, como postulou Parménides, nem efémero, mas ambas as coisas; não é homogéneo, como Parménides quis, nem heterogéneo mas ambas as coisas; não é imóvel nem móvel, mas ambas as coisas; não é exclusivamente perceptível nem exclusivamente imperceptível, mas ambas as coisas .
Quando Parménides escreveu: «Um só caminho nos fica - o Ser é! Existem míriades de sinais de que o Ser é incriado, imperceptível, perfeito, imóvel e eterno, não sendo lícito afirmar que o Ser foi, ou que será, porque é Ser a todo o instante, uno e contínuo. (...) Havendo um extremo limite, o Ser é perfeito, parece uma esfera perfeita, equilibrada» operou a transformação do ser-existência num ser-essência eterno, um cosmos fechado, que possui o duplo carácter de essência e de existência. Ser-existir não implica a eternidade e, ao contrário, ser-essência - uma esfera que permanece imóvel por muito tempo, por exemplo - induz, através da temporalidade, a ideia do eterno como componente do ser-existir. Ora, isto é um equívoco.
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