Eis um teste de filosofia, o segundo do segundo período lectivo, para o 11º C. O teste centra-se na epistemologia e demonstra, em certa medida, que é possível relacionar autonomamente a filosofia com as diversas ciências - com a astrofísica (teoria da relatividade), com a química (relógio químico de Prigogine), com a medicina (anarquismo epistemológico de Feyerabend) - superando os néscios que dizem que «a filosofia não pode intervir na área das ciências» como se estas fossem textos sagrados. Evitaram-se as escorregadias questões de escolha múltipla que, em muitos casos, não permitem ao aluno exibir e desenvolver o seu saber filosófico.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia com 3º Ciclo, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C
21 de Março de 2014. Professor: Francisco Queiroz
“O relógio químico (modelo de Bruxelas) exprime pelo menos duas leis da dialéctica. Em Kant, o entendimento é condicionado e faz a síntese do diverso da intuição empírica. Imre Lakatos equacionou as perspectivas internalista e externalista na validação das ciências e dividiu em três níveis cada Programa de Investigação Científica.“
1) Explique, concretamente, cada uma destas frases
II
2) Relacione, justificando:
2-A) Realismo crítico e teorias da relatividade geral e da relatividade especial de Einstein.
2-B) Yang/ Yin e quatro forças fundamentais da natureza.
2-C) Princípios da falsificabilidade e da testabilidade em Karl Popper e ciência normal/ciência extraordinária e incomensurabilidade dos paradigmas em Thomas Kuhn.
2-D) Anarquismo epistemológico em Paul Feyerabend e dúvida hiperbólica em Descartes
CORRECÇÃO DO TESTE DE FILOSOFIA (COTADO PARA 20 VALORES)
1) O relógio químico também chamado bruselator ou modelo de Bruxelas, testado por uma equipa dirigida por Ilya Prigogine, é um modelo de comportamento das moléculas de um gás: supondo que há dois tipos de moléculas, umas azuis e outras vermelhas, movendo-se ao acaso, num caos, isso não conduz a uma distribuição irregular das moléculas, mas a uma alternância bem ordenada, o sistema ora é todo azul ora é todo vermelho. Isto revela a lei dialética dos dois aspectos da contradição: numa contradição há dois aspectos, sendo em regra um o dominante e o outro o dominado, podendo a situação inverter-se. Revela ainda a lei do uno: todas as moléculas, por diferentes que sejam entre si, comunicam entre si e mudam de cor ao mesmo tempo, formando um Uno, um Todo (VALE TRÊS VALORES). Para Kant, o entendimento é condicionado pela sensibilidade porque recebe dela os conteúdos materiais (as imagens de árvore, rio, voo de pássaro, incêndio, etc). O entendimento sintetiza através das categorias de totalidade, unidade, pluralidade e outras os diversos dados empíricos da sensibilidade, unificando estes sob a forma de conceitos empíricos. Exemplo: depois de receber dezenas ou centenas de imagens de galos (fenómenos), o entendimento abstrai dos pormenores destes e redu-los à unidade, formando o conceito empírico de galo.(VALE TRÊS VALORES). Imre Lakatos, epistemólogo, defendeu que a ciência se estrutura em Programas de Investigação Científica (PIC). Cada um destes tem três níveis: o núcleo duro, conjunto das teses imutáveis; o cinto protector, conjunto das teses revisíveis, que podem ser rectificadas ou substituídas; a heurística, conjunto dos métodos de investigação livre, teórica e prática, que pode confirmar ou anular o PIC. O internalismo, posição sustentada por Lakatos, é a doutrina segundo uma teoria já é ciência mesmo que confinada a um só cientista, o seu autor, desde que apresente coerência interna e a experimentação a confirme, ao passo que o externalismo diz que uma teoria só é ciência se obtiver o assentimento externo do resto da comunidade científica, do governo e ministério da ciência, das revistas da especialidade, dos fóruns televisivos, do grande público (VALE TRÊS VALORES).
2) A) A teoria da relatividade geral de Einstein diz que espaço e tempo são uma só realidade, o espaço-tempo, que o universo é esférico, fechado, ainda que um raio de luz possa girar em círculo infinitamente dentro dele dado que a luz encurva na proximidade de grandes massas. Não há, portanto, rectas e planos infinitos como na geometria euclidiana mas o espaço é ondulado, «torcido», e essa visão é realismo crítico já que esta doutrina afirma que há um mundo real de matéria mas os olhos humanos e o senso comum não o captam tal como ele é. A teoria da relatividade especial sustenta, entre outras coisas, que um corpo que atinja a velocidade da luz (300 000 quilómetros por segundo) viaja para o passado, o que é realismo crítico, contrário ao realismo natural que afirma que é impossível viajar ao passado. (VALE TRÊS VALORES).
2) B) Yang significa dilatação, movimento, crescimento, som, fogo, verão, na filosofia do taoísmo. Yin significa contracção, repouso, diminuição, água, inverno. Das quatro forças fundamentais, duas são Yang porque expandem, são centrífugas: o electromagnetismo ( luz, microondas, raio X) e a força nuclear fraca que desagrega o núcleo do átomo e produz radioactividade. As outras duas forças fundamentais sáo Yin porque contraem, contrariam a expansão do universo: a gravidade e a força nuclear forte que mantém unidos os protões no núcleo do átomo (VALE DOIS VALORES).
2) C) O princípio da falsificabilidade de Popper estabelece que as ciências são conjuntos de conjecturas, isto é, as suas leis ou teses são potencialmente falsas, falsificáveis. Isso exige aplicar permanentemente o princípio da testabilidade: há que submeter a constantes testes experimentais as teses de uma ciência. Entre as várias teorias na mesma área científica ( exemplo: vacinar ou não vacinar na medicina preventiva; heliocentrismo versus geocentrismo na astrofísica) Popper defende que se deve escolher a mais verosímil, a que dá mais garantias, sublinhando que a ciência é uma aproximação incessante à verdade sem nunca abarcar o todo desta.
Thomas Kuhn discorda da hierarquização das ciências segundo o seu grau de verdade e diz que os paradigmas (modelos teóricos ou teórico-práticos que vertebram as ciências e os mitos) são incomensuráveis, não podem comparar-se entre si. Sustenta o descontinuísmo na história das ciências: há longos períodos de lenta evolução ou estagnação do paradigma de uma ciência, chamado ciência normal, durante décadas ou séculos, subitamente as anomalias acumulam-se e originam um paradigma contrário, dito ciência extraordinária, que acabará por destronar a ciência normal e substitui-la mediante uma revolução epistemológica (VALE TRÊS VALORES).
2) D)- Anarquismo epistemológico de Feyerabend é a filosofia que nega autoridade às ciências institucionais dominantes - a medicina química ou alopática com as transfusões de sangue, vacinas, exames radiológicos, biópsias e outras «estupidezes»; a física quântica; a psiquiatria com recurso a drogas, etc - e pretende derrubá-las e abrir campo a uma larga democracia de base, tal como a autogestão dos anarquistas, elevando ao mesmo estatuto que as ciências universitárias a medicina natural, a medicina hopi, a ervanária, a acupunctura, a astrologia, os rituais religiosos eficazes na cura, a dança da chuva, etc.
A dúvida hiperbólica de Descartes formula-se assim: «Se quando durmo me parecem verdadeiros os sonhos que tenho, quem me garante que acordado não continuo a sonhar? Assim, duvido de tudo o que vejo e ouço, da existência do mundo exterior, dos deuses, das ciências e da existência do meu próprio corpo e espírito. Nenhuma certeza tenho.»
Feyerabend duvida da verdade das ciências oficiais, que considera uma emanação dos interesses materiais e do desejo de prestígio dos industriais e comerciantes, dos médicos, dos jornalistas, dos filósofos e cientistas e nesse ponto tem algo em comum com a dúvida de Descartes (VALE TRÊS VALORES).
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