Eis um teste de filosofia fora do estereótipo dos testes que os autores dos manuais escolares da Porto Editora, Leya, Santillana, Areal Editores, etc, divulgam. E sem questões de escolha múltipla que, frequentemente, são incorrectamente concebidas por quem não domína o método dialético e desliza para a horizontalidade da filosofia analítica vulgar.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
3 de Março de 2016. Professor: Francisco Queiroz.
I
“A lei do salto de qualidade está presente na passagem da percepção empírica ao respectivo conceito empírico. O mítico Adão Kadmon possui na essência a luta entre Yang e Yin. O totaliratismo, de direita ou de esquerda, parece coadunar-se com a moral utilitarista de Stuart Mill, num certo aspeto, e com o imperativo categórico de Kant, sob outro aspeto.”
1) Explique, concretamente este texto.
2)Escolha e caracterize (qualidade, número, cor, planeta) cada uma de cinco esferas da árvore dos Sefirós e distribua-as segundo a lei da contradição principal, enunciando esta.
3) Construa um diálogo sobre a propriedade e a gestão das empresas e sobre a democracia parlamentar entre um anarquista, um comunista leninista, um socialista democrático, um liberal, um conservador e um fascista.
4) Relacione, justificando:
A) Temura, Gematria e Metafísica.
B) Realismo natural realismo crítico e idealismo.
C) Pragmatismo e cepticismo.
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES
1) A lei do salto qualitativo postula que a acumulação lenta e gradual em quantidade de um dado aspecto de um fenómeno leva a um salto brusco ou nítido de qualidade nesse fenómeno. Acumulando percepções empíricas similares (ver um cavalo baio, ver um cavalo branco, ver um cavalo negro) chega-se a um salto qualitativo que é a formação da ideia ou conceito empírico de cavalo no intelecto (VALE DOIS VALORES). O Adão Kadmon, mítico antepassado da humanidade, era andrógino, a sua metade direita era masculina e a metade esquerda feminina, por isso a sua essência é uma luta entre Yang (fogo, luz, expansão, masculino, alto, crescimento) e Yin (água, escuridão, contração, feminino, baixo, diminuição) (VALE DOIS VALORES). O totalitarismo, de direita (caso da ditaduras de Hitler e Mussolini) ou de esquerda (ditadura de Estaline ou de Kim Il Sung na Coreia do Norte) é todo o regime que suprime a autogestão e a democracia parlamentar, regime de liberdade de imprensa, greve, religião, associação política e sindical e impõe uma ditadura brutal de partido único, e não se coaduna com a filosofia da Stuart Mill porque este defendia que se deve agir visando proporcionar a felicidade à maioria das pessoas e a democracia é um regime de maiorias, em princípio, ao passo que o totalitarismo favorece a felicidade da elite ditatorial, uma minoria opressora da maioria. Também não se coaduna com o imperativo categórico de Kant porque este diz «Age de modo a considerares cada pessoa como um fim em si e não um meio» e o totalitarismo não respeita a individualidade de cada um, não deixa falar e votar livremente(VALE TRÊS VALORES).
2) A lei da contradição principal diz que um sistema de múltiplas contradições pode ser reduzido a uma só, organizando-as em dois blocos, podendo haver uma ou outra contradição na zona neutra. Ora ao contemplarmos a árvore das 10 sefirós da Cabala podemos agrupar duas esferas do pilar direito - Chesed (Misericórdia, Júpiter, cor azul e número 4) e Netzac ( Vitória-Emoção, Vénus, cor verde e número 7) num bloco oposto a duas esferas do pilar esquerdo- Gueburah (Justiça, Marte, cor vermelha, número 5) e Hod (Intelecto, Mercúrio, cor laranja e número 8), ficando Thiphetet (Sol) na zona neutra, fora de ambos os blocos. (VALE TRÊS VALORES).
3) Anarquista: «A propriedade das fábricas e de todas as empresas deve ser dos trabalhadores. Instituímos a autogestão, isto é, a assembleia geral de todos os operários, engenheiros e contabilistas toma decisões sobre salários, investimentos, vendas, etc. O patrão desaparece e desaparece o Estado de democracia parlamentar que não é mais que ditadura disfarçada dos capitalistas.»
Comunista: «A propriedade de todas ou quase todas as fábricas deve ser do Estado, dirigido por um partido marxista-leninista, que impedirá os patrões de extorquirem a mais valia à classe operária. A democracia burguesa que actualmente apoiamos, concorrendo às eleições e usando as liberdades, deve ser substituída pela ditadura do proletariado onde não há eleições livres nem imprensa livre como no capitalismo liberal».
Socialista democrático/ social-democrata: «A propriedade da grande maioria das empresas deve ser privada, isto é, estar na mão dos patrões que, em certos casos, devem aceitar a cogestão. Mas há empresas de sectores fundamentais - siderurgia, electricidade, televisão, etc - que devem estar na mão do Estado democrático. Este deve impor impostos progressivos aos capitalistas de modo a ter serviço nacional de saúde e escolaridade pública gratuita até ao final do curso universitário. Defendo a democracia parlamentar».
Liberal: «A propriedade das empresas deve ser privada pois os empresários são os criadores de emprego os motores primeiros da economia. Os subsídios de desemprego e o rendimento social de inserção deviam acabar ou ser reduzidos para estimular o mercado de trabalho. Defendo as privatizações, democracia parlamentar, a liberdade de imprensa, o capitalismo puro e duro.»
Conservador: «A propriedade das empresas deve ser privada pois os empresários são os criadores de emprego os motores primeiros da economia. Os subsídios de desemprego e o rendimento social de inserção deviam acabar ou ser reduzidos para estimular o mercado de trabalho. Defendo as privatizações, a democracia parlamentar, a liberdade de imprensa. Mas a democracia não deve permitir o aborto livre, o casamento de gays e lésbicas, a eutanásia: deve ser guiada por bons princípios religiosos, cristãos.»
Fascista: «As empresas devem ser de patrões nacionais e do Estado fascista e corporativo que, através da polícia política e da censura à imprensa impedirá a luta de classes, o sindicalismo livre, a imoralidade sexual. Não deve haver democracia parlamentar mas ditadura nacionalista que expulse a generalidade dos imigrantes e tenha por princípios «Deus, pátria, família» como princípios fundamentais». (VALE QUATRO VALORES).
4-A) A temura é a disciplina ou método da Kaballah (ensinamento secreto de itelectuais judeus) que estabelece correspondências de ideias entre palavras diferentes alterando a posição das letras e por vezes substituindo uma ou outra dessas letras ou abolindo-a. Exemplo: ROMA equivale a AMOR; BEJA equivale a IAVE porque se transforma em JABE e depois em IABE. A gematria é a disciplina da Kaballah que estabelece a correspondência entre cada letra e um número (exemplo: A=1, B=2, C=3, D=4, E=5, F=6, G=7, H=8, I,J,Y=9, K=10, L=20, M=30, N, ~ =40) de modo a obter o número que traduz a essência de cada palavra. BEJA (B=2, E=5, J=9 e A=1) vale 2+5+9+1=17, isto é DEZASSETE. Ambas estas disciplinas, temura e gematria, são metafísicas na medida em que ultrapassam a ciência experimental e trabalham com teses especulativas, de uma racionalidade holística discutível, a raiar a mística.(VALE UM VALOR)
2-B)- O realismo natural é a teoria segundo a qual a matéria é real e exterior às nossas mentes e estas espelham-na como ela é (exemplo: a erva é verde, o céu é azul). Realismo crítico é a teoria segundo a qual a matéria é real e exterior às nossas mentes mas estas não espelham como ela é. O realismo crítico de Descartes é a teoria qiue sustenta que há um mundo real de matéria exterior às mentes humanas composto de uma matéria indeterminada, sem peso nem dureza/moleza, apenas formado de figuras geométricas, movimento, números (qualidades primárias, objetivas), sendo subjectivas, isto é exclusivamente mentais, as cores, os cheiros, os sabores, as sensações do tacto, o calor e frio (qualidades secundárias, subjectivas). O idealismo é a corrente que afirma que o universo material não é real em si mesmo mas está dentro da nossa mente, como imagens e ideias. (VALE TRÊS VALORES)
2.C) Pragmatismo é a teoria que diz que devemos lidar, de forma útil, com os factos empíricos palpáveis e devemos pôr de parte a metafísica, os grandes princípios morais ou políticos inaplicáveis de momento. O cepticismo é a corrente que põe tudo ou uma parte das coisas em dúvida e é usado pelo pragmatismo. (VALE DOIS VALORES)
www.filosofar.blogs.sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Desde a mais remota antiguidade, as grandes filosofias identificaram no universo os dois princípios basilares, o masculino e o feminino, o solar e o lunar, o activo e o passivo. Mas não existe absoluta unanimidade entre os diversos esoterismos. Há algumas contradições entre as tabelas de contrários próprias da filosofia hermética, em particular, e, por exemplo, a filosofia do taoísmo.
Vejamos a tabela de contrários do TAOÍSMO:
YANG YIN
Masculino Feminino
Sol Lua
Dilatação Contracção
Fogo Água
Verão (velho yang) Inverno (velho yin)
Primavera (jovem yang) Outono (jovem yin)
Vermelho Azul
Movimento Repouso
Som Silêncio
Alto Baixo
Solve ou dissolve Coagula
Espírito Matéria
Multiplicidade Unidade
Circunferência Centro
E agora vejamos uma, entre outras, tabela de contrários da alquimia:
MASCULINO FEMININO
Enxofre Mercúrio
Corpo Sólido, Alma Espírito
Sol Lua
Coagula Solve
Calor, Secura Frio, Humidade
Vermelho Branco, Azul
Athanor (Forno) Retorta
Na tabela alquímica, vemos, por exemplo, o princípio masculino, o ácido, ligado ao estado sólido, corporal, à coagulação, a qual, na tabela do taoísmo, é um estado yin, feminino, material. O feminino é, no taoísmo, mais material e concentrado que o masculino mas sucede o inverso na alquimia em que o mercúrio filosófico, feminino, espécie de orvalho de prata, quinta-essência, espírito universal acima dos quatro elementos (fogo, ar, terra, água), é mais volátil e disperso que o enxofre e o salitre (nitrato de potássio empregue na fabricação da pólvora), símbolos do princípio masculino. Note-se que alma, na coluna da esquerda, significa alma vital (epitimia e tumus, na teoria de Platão), isto é, força que anima o corpo individual e é distinta de espírito. Este último pode ser tomado em duas acepções: como quintaessência, éter ou mercúrio filosófico, luz superior; como nous ou razão intuitiva em Platão, intelecto agente em Aristóteles, transindividual que apreende directamente Deus e os arquétipos ou formas eternas.
O mercúrio (feminino, na especulação alquímica) é, como se sabe, o único metal que na natureza se encontra no estado líquido, o que dá ideia da sua fluidez, e tem como número atómico 80, ao passo que o enxofre (masculino, na visão da alquimia) é um não metal, de número atómico 16, que à temperatura ambiente, se encontra no estado sólido. Os alquimistas visavam «casar o Sol e a Lua», dissolver o enxofre e coagular o mercúrio a fim de obter o lapis, a pedra filosofal burilada.
A ÁRVORE DAS SEFIRÓS DIVIDIDA EM TRÊS COLUNAS
Consideremos a tábua de contrários representada na árvore da Vida, da Kabalah judaica, árvore das Sefirós (esferas, indicadas por números, 2,4, 7 no pilar da direita e 3,5,8 no pilar da esquerda) a que a maioria dos alquimistas ocidentais concedeu importância:
PILAR DA ESQUERDA PILAR DA DIREITA
OU DA SEVERIDADE OU DA MISERICÓRDIA
Binah (Inteligência)- nº3 Hocmah (Sabedoria)-nº 2
Geburah (Justiça) - nº 5 Chesed (Misericórdia)-nº 4
Hod (Magnificência)-nº 8 Netzach (Vitória) - nº 7
Falta, nesta tábua de contrários, colocar o pilar central, síntese dos outros dois, que é o seguinte:
Kéther (Coroa)-nº 1
Tiferet (Beleza) -nº 6
Yesod (Fundamento)-nº 9
Malkuth (Reino na matéria)- nº 10
A TÁBUA DE CONTRÁRIOS DOS PITAGÓRICOS
Há outras tábuas de contrários que resumem o dualismo primordial, como a de Pitágoras de Samos e da sua escola, que Aristóteles descreve assim:
Limite Ilimitado
Ímpar Par
Unidade Pluralidade
Direita Esquerda
Macho Fêmea
Em repouso Em movimento
Recto Curvo
Luz Obscuridade
Bom Mau
Quadrado Rectângulo
(Aristóteles, Metafísica, Livro I, 986 a, 20-25)
Há, nesta tábua, algumas incoerências, ao menos aparentemente. Por que razão o macho ou princípio masculino se identifica com o repouso e a fêmea ou princípio feminino com o movimento? Isto contraria o taoísmo, segundo a qual o masculino é activo e movimento e o feminino é passivo e repouso, embora pareça coincidir com a filosofia alquímica na medida em que esta postula que o feminino é o mercúrio filosófico, volátil, sempre em movimento, e o masculino é o enxofre, sólido. Afigura-se, ademais, ser misoginia classificar como «mau» o princípio feminino e como «bom» o princípio masculino.
TÁBUA DE CONTRÁRIOS DE ARISTÓTELES
Aristóteles procedeu à seguinte Divisão de contrários em duas colunas, num escrito perdido, que se supõe denominando Peri enantiön na lista de Diógenes Laercio:
O que é O que não é
Unidade Pluralidade
Mesmo Diverso
Semelhante Dissemelhante
Igual Desigual
Repouso Movimento
Em «Metafísica», Aristóteles confirma esta divisão:
«Ademais, a segunda coluna dos contrários é privação e todos eles se reduzem a O que é e o que não é, Unidade e Pluralidade, por exemplo, o Repouso pertence à Unidade e o Movimento à Pluralidade. » (Aristóteles, Metafísica, Livro IV, 1004b) .
«Como expusemos gráficamente em Divisão dos contrários, ao Uno pertencem o Mesmo, o Semelhante e o Igual, enquanto que o Diverso, o Dissemelhante e o Desigual pertencem à Pluralidade.» (Aristóteles, Metafísica, Livro X, 1054a,).
Esta tábua de contrários aristotélica peca por ser mais formal, mais abstracta do que as tábuas de contrários da alquimia e do taoísmo: não sabemos em que colunas iria Aristóteles inserir os pares fogo-água, enxofre-mercúrio, dilatação-contração, etc.
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Martin Buber (8 de Fevereiro de 1878, Viena - 13 de Junho de 1965, Jerusalém) foi um filósofo austríaco, de origem judia, de ideologia sionista, que teorizou as relações humanas como um triângulo com três vértices: o Eu, o Tu e o Isso. Escreveu Buber:
«As palavras fundamentais da linguagem não são vocábulos isolados, mas pares de vocábulos.»
«Uma destas palavras primordiais é o par de vocábulos Eu-Tu.»
«A outra palavra primordial é o par Eu-Isso, em que Ele ou Ela podem substituir um Isso.»
«Quando se diz Isso, diz-se ao mesmo tempo o Eu do par verbal Eu-Tu».
«Daí que também o Eu do homem seja duplo. Pois o Eu da palavra primordial Eu-Tu é distinto do Eu da palavra primordial Eu-Isso.»
«As palavras primordiais não significam coisas mas indicam relações.»
«As palavras primordiais não exprimem algo que pudesse existir independentemente delas, mas uma vez ditas, dão lugar à existência.»
«Estas palavras primordiais são pronunciadas a partir do Ser.»
«Quando se diz Tu, diz-se ao mesmo tempo, o Eu do par verbal Eu-Tu.»
«Quando se diz Isso, diz-se ao mesmo tempo o Eu do par verbal Eu-Isso.(1)»
«A palavra primordial Eu-Tu só pode ser pronunciada pelo Ser inteiro.»
«A palavra primordial Eu-Isso jamais pode ser pronunciada pelo Ser inteiro.»
«Não há Eu em si, mas somente o Eu da palavra primordial Eu-Tu e o Eu da palavra primordial Eu-Isso.»
«Quando o homem diz Eu, quer dizer um dos dois.»
(Martin Buber, Yo y tú, páginas 7-8, Nueva Visión, Buenos Aires).
Vejamos exemplos da distinção entre Tu e Isso. Um construtor civil ou outro industrial que falsifica os materiais de construção da casa ou de outro produto que vende, adulterando a qualidade a fim de obter o máximo lucro, está numa relação Eu-Isso: os seus clientes não constituem um Tú, alguém com personalidade própria de quem o eu cuida, mas sim um Isso, um ente estranho que se explora como uma «coisa material» manipulável. No entanto, se uma casa se desmoronar, depois de vendida a um cliente, e o construtor civil se arrepender da sua lógica de capitalismo implacável e sentir a perda e o prejuízo do cliente como «seus» e o procurar indemnizar com justiça, substituiu a relação Eu-Isso pela relação Eu-Tu.
Duas observações sobre a citação acima que nos oferece a súmula da doutrina de Buber.
A primeira: há um fundo fenomenológico de entes correlatos (o Eu e o Tu, o Eu e o Isso) nestas teses. Há intersubjectividade: o Eu não existe isolado, mas em correlação com o Tu ou com o Mundo.
A segunda: há um fundo cabalístico nestas teses, na medida em que os fonemas, as palavras são as estruturas a partir das quais nasce a existência da matéria, do mundo do devir. Lembra a tese da Kaballah judaica: «Deus criou o mundo com as vinte e duas letras do alfabeto hebraico.»
NOTA
1) Na versão espanhola que estou a citar esta frase aparece do seguinte modo: «Quando se diz Isso, diz-se ao mesmo tempo o Eu do par verbal Eu-Tu». Como me pareceu um erro ou desatenção na tradução, optei por escrever "par verbal Eu-Isso». Mas a dúvida requer a consulta à versão original...
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)</strong
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica