Segunda-feira, 6 de Outubro de 2014
Incoerências de Aristóteles sobre a verdade e o lugar da verdade

Sobre o que é a verdade, Aristóteles escreveu:

«A falsidade e a verdade não se dão, pois, nas coisas (como se o bom fosse verdadeiro, e o mau imediatamente falso) mas sim no pensamento e, tratando-se das coisas simples e do quê-é (tó tí), nem sequer no pensamento.» (...) «E posto que a combinação e a divisão têm lugar no pensamento e não nas coisas, e o que é neste sentido é distinto das coisas que são em sentido primordial (pois o pensamento junta ou separa seja o quê-é de uma coisa, seja a qualidade, seja a quantidade, seja alguma outra determinação sua) o que é no sentido de "é acidentalmente" e "é verdadeiro" há-de deixar-se de lado.»

(Aristóteles, Metafísica, Livro VI, Capítulo VI, 1027 b, 25-30; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Que significa esta tese aristotélica? Que os objectos físicos, em si mesmos, não são verdadeiros nem falsos. Uma planície de sobreiros no Alentejo não é verdadeira nem falsa mas o juízo «Esta planície do Alentejo está recheada de sobreiros» é verdadeira. Isto é, obviamente, errado porque reduz a noção de verdade ao juízo, excluindo dela a intuição sensível (exemplo: planície enquanto a vejo) e a intuição inteligível (exemplo: átomo, mundo de espíritos invisíveis e imperceptíveis).

 

É absurdo dizer que o conceito «Deus» não é verdade nem mentira e que o juízo «Deus existe» é verdadeiro ou falso porque a própria intuição intelectual «Deus» é verdadeira já no plano da imaginação. Dizer que o conceito não é verdadeiro nem falso mas que o juízo, que integra esse e outros conceitos, é verdadeiro ou falso abre a porta à incongruência do pensamento. As coisas ou são verdadeiras ou falsas, não há terceira via: a falsidade é a não verdade, contrapõe-se à verdade como o não-ser ao ser. Não há uma zona neutra entre verdade e erro, como supunham Aristóteles e, no século XX, Bertrand Russel e os adeptos da filosofia analítica anglo-saxónica. A neutralidade expressa no cepticismo ("Não sei se é verdadeiro ou falso que X...") é um modo gnosiológico não um modo ontológico ("As coisas X e Y ou são reais ou irreais..").

 

Aristóteles afasta-se do realismo modal - ou pelo menos reduz o âmbito deste - ao considerar que a combinação e a divisão não existem nas coisas mas apenas no pensamento. Ora, no pôr do sol, há uma combinação de cores - azuis, rosas, laranjas, vermelhos - que se vai alterando a cada momento, uma combinação objectiva, real em si mesma, que está para lá do nosso pensamento.

 

Quando acima refere as "coisas simples" e as "coisas que são em sentido primordial" Aristóteles refere-se, certamente, às formas eternas que Platão designa por Ideias, os arquétipos. Elas existem, pois, fora do pensamento e da realidade física. Como platónico «envergonhado», Aristóteles admite que o quê-é  (exemplo: a forma conceptual de cavalo, de triângulo, de número quatro, etc.) existe mas não nas coisas físicas nem no pensamento - o que equivale a dizer que existe em um mundo objectivo suprafísico ou infrafísico, metafísico, antes de haver coisas físicas. Isto é platonismo, com a diferença de que Aristóteles aboliu o lugar do mundo inteligível acima do céu visível e transferiu-o «para baixo», para lugar nenhum.

 

 

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Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013
Teste de Filosofia do 10º Ano, Turma A, Novembro de 2013

 

 O presente teste de filosofia centra-se  nas rubricas do programa de Filosofia do 10º ano de escolaridade «1.1 O que é a filosofia», «1.2. Quais são as questões da filosofia», do módulo I- nas quais se incluem as noções de realismo e idealismo, os conceitos aristotélicos de tó ón e tó tí, a teoria do acto a teoria dos três mundos, das três partes  e as doutrinas da participação e ascese em Platão, as noções aristotélicas de hylé, eidos e proté ousía - e na rubrica  1.2 «Determinismo e liberdade na acção humana» do módulo II do programa, na qual se inclui a noção de fatalismo.   

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Agrupamento de Escolas nº 1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
6 de Novembro de 2013.            Professor: Francisco Queiroz

I

 

«O idealismo ontológico opõe-se ao realismo ontológico e considera-se, em regra, que isso não é do domínio da ética nem da estética. Em filosofia, há pelo menos dois sentidos da palavra «ser»: o tó on e o tó tí, dos gregos.»

 

1) Explique, concretamente, este texto.

 

2) Relacione, justificando:

 

A) As três partes da alma e os três estratos sociais da pólis, em Platão.

B) O processo de constituição dos entes individuais (árvores, cavalos, etc.)  segundo Platão e segundo Aristóteles.

C)  Fatalismo e teoria do acto e da potência.

D)  A percepção empírica, o conceito e o juízo.

E) A teleologia e os movimentos dos corpos nas duas regiões do cosmos aristotélico.

 

 

    CORREÇÃO DO TESTE, COTADO EM 2O VALORES

 

 

1) O idealismo ontológico é a doutrina que sustenta que o mundo material não é real em si mesmo mas é um conjunto de percepções sensoriais e ideias dentro da imensa mente do sujeito humano e o realismo ontológico é a doutrina segundo a qual o mundo material é independente das mentes humanas, real em si mesmo. É usual considerar que isto não é domínio da ética, doutrina do bem e do mal, do justo e do injusto, nem do domínio da estética, doutrina do belo e do feio, do sublime  e do horrível. (VALE TRÊS VALORES). O tó on é o ente, algo que existe, «o que é», o quod. O tó tí é a forma, essencial ou acidental, «o quê-é», o quid: o cavalo distingue-se de árvore porque possuem tó tís diferentes (VALE DOIS VALORES). 

 

2) A)  A correspondência entre a alma humana e a pólis ou cidade-estado grega é a seguinte: o Nous, ou razão intuitiva, que apreende a verdade dos arquétipos, equivale à classe dos filósofos-reis, um grupo de homens e mulheres, honestos e intelectualmente muito dotados, que vivem em comum numa casa do Estado,  não formam casais fixos mas trocam de parceiro, de modo a não saber quem é o pai de cada filho, não possuem ouro e prata nem bens materiais e fazem as leis da cidade e emitem as ordens; o Tymus ou Tumus, coragem ou brio militar, equivale à classe dos guerreiros, um grupo de homens e mulheres com treino militar, que vivem em comum  numa casa do Estado,  não formam casais fixos mas trocam de parceiro, não possuem ouro e prata nem bens materiais e aplicam ao povo as leis e a justiça decretada pelos filósofos-reis, mantendo a ordem na cidade e prendendo os malfeitores; a Epytimia ou concupiscência,  o conjunto dos prazeres da carne (comer e beber em excesso, adquirir e possuir ouro, prata, etc.,), que corresponde à população em geral, composta por classes ricas, médias e pobres, desde os proprietários de grandes terras e comerciantes, aos artesãos, servos e escravos. Esta população pode manipular ouro e prata mas não pode eleger os filósofos-reis e os guerreiros que a governam e julgam, os quais permanecem incorruptíveis. (VALE QUATRO VALORES).

 

 

2) B) Segundo Platão, a formação dos primeiros entes individuais ocorreu do seguinte modo: o demiurgo ou deus arquitecto, com a ajuda dos deuses do Olimpo, desceu à matéria informe, à chorá, e moldou nesta as árvores, as montanhas, os rios, os cavalos, os homens à semelhança dos arquétipos de árvore, montanha, rio, homem, etc.,.Segundo Aristóteles a formação dos primeiros entes individuais consiste na união da hylé ou matéria-prima universal indeterminada com as formas eternas e imóveis (eidos) de árvore, montanha, homem, etc, sem a intervenção de Deus, o pensamento imóvel, nem dos deuses. Assim se gera o indivíduo, a substância primeira ou proté ousía.(VALE TRÊS VALORES).

 

2) C) O fatalismo é a corrente que afirma que tudo está predestinado, não existe livre-arbítrio nem acaso . O acto é realidade presente de algo, a potência é o futuro previsível desse algo. Exemplo: uma semente de pinheiro é semente em acto e pinheiro grande em potência. Segundo o fatalismo, a potência está univocamente predestinada: só pode ocorrer de uma maneira, eliminando as outras hipóteses. A fatalidade predestina tanto o acto como a potência de cada coisa. (VALE DOIS VALORES)

 

2) D) A percepção empírica é um conjunto ordenado de sensações - exemplo: a visão e o cheiro da rosa diante de mós - e o conceito empírico é a ideia que se forma, por abstração,  a partir de percepções similares - exemplo: a ideia de rosa que tenho, fechando os olhos ou não tendo nenhuma rosa diante de mim. O juízo é uma afirmação ou negação, ligando dois ou mais conceitos - exemplo: a rosa é vermelha e bela. (VALE DOIS VALORES)

 

 

2) E) A teleologia é a existência e o estudo das finalidades nos processos da natureza ou da supra-natureza. Na região inferior do cosmos aristotélico, isto é, no mundo sublunar de 4 esferas concêntricas, o télos ou finalidade do movimento dos corpos é regressar à origem do seu constituinte: por exemplo, a pedra lançada para a esfera do ar cai para a esfera da terra porque deseja voltar à origem. Na região superior do cosmos, isto é, no mundo das 54 esferas de cristal com astros feitos de éter incrustados, o  télos do movimento circular dos planetas e estrelas, fazendo girar as respectivas estrelas, é (tentar) atingir Deus, que está além da última esfera de estrelas. (VALE TRÊS VALORES)

 

 

 

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Sexta-feira, 29 de Janeiro de 2010
Será o pensamento, ao executar-se, um não pensamento, como dizia Ortega?

Ao tentar refutar o idealismo – doutrina do universo material existente dentro da imensa mente de um ser humano - Ortega y Gasset sustentou a tese de que o pensamento se divide em duas vertentes: a do ser executivo e a do ser objectivo. O exemplo em que Ortega se baseia é o da alucinação de vermos um touro: num primeiro momento, julgávamos ver um touro a investir, pensamos que era real e nos podia matar (ser executivo do pensar); segundos depois, verificamos que se tratava de uma alucinação, e pensamos que o touro era irreal (ser objectivo do pensar).

 

 

 

«Es preciso pues distinguir entre el ser ejecutivo del pensamiento o conciencia, y su ser objetivo. El pensamiento como ejecutividad, como algo ejecutándose y mientras se ejecuta no es objeto para sí, no existe para sí, no lo hay. Por eso, es incongruente llamarlo pensamiento. Para que haya pensamiento es menester que se haya ejecutado ya que yo desde fuera de él lo contemple, me lo haga objeto. Entonces yo puedo no adherir a la convicción de que él fue para mi, no reconocer su vigencia y decir que “era alucinación” o, más en general, lo pensado en el pensamiento era interior a él y no realidad efectiva. Esto es lo que se llama pensamiento, según oímos antes. Recuerden que decíamos: Cuando sólo hay pensamiento no hay efectivamente lo en él pensado. Cuando sólo hay mi ver esa pared, no hay pared. Pensamiento es, pues, una convicción no vigente: porque no se ejecuta ya, sino que desde fuera de ella se mira. Pensamiento es, pues, un aspecto objetivo que toma la convicción cuando ya no convence. Pero es el caso que ese aspecto lo adopta ahora, es decir, que es mi nueva convicción, lo que ahora ejecuto, la que es vigente. Vigente es sólo la convicción actual, actuante, la que aún no existe para mí y, por tanto, no es pensamiento sino absoluta posición.» (Ortega y Gasset, Unas lecciones de metafísica, Revista de Occidente en Alianza Editorial, Pág 147).

 

 

 

 

O paradoxo neste texto é o seguinte: segundo Ortega, o pensamento não é pensamento quando nasce e se estrutura mas só é pensamento num momento posterior quando é analisado, reflectido por outro pensamento. Assim, o pensamento não seria o acto, mas o que designo por potência negativa, irreversível, consumada no passado, isto é, algo que foi acto. Não é assim, a meu ver: o pensamento é sempre acto, actualização, realidade presente, ainda que o seu conteúdo possa existir em potência: ao lermos Aristóteles ou Descartes, o pensamento destes existe, em potência, nos seus livros, agora na estante; abrimo-los, lemos e ressuscitamos o pensamento destes filósofos - na condição de interpretarmos bem os textos - e este pensamento vivifica-se, aqui e agora, ainda que a linguagem escrita traga, do passado, os seus componentes. O ser real do pensamento (conteúdo) não está fora da sua execução (forma): o conteúdo está envolto pela forma e esta é actualidade, mentes raciocinantes agora. Ao lermos Aristóteles ou Platão executamos, uma vez mais, o seu pensamento, ainda que essa execução não tenha um carácter originário de construção mas um carácter derivado de reconstrução.

 

A alucinação de ver um touro foi um pensamento instantâneo vinculado a uma imagem sensorial, mas na medida em que despertou um raciocínio rápido sobre como escapar ao touro foi pensamento. A constatação de que era uma alucinação é um segundo pensamento que dissolve o primeiro reconduzindo a mente à realidade física. Certamente, o segundo pensamento tinha um conteúdo verdadeiro, reflector da realidade objectiva exterior, e o primeiro tinha um conteúdo falso mas ambos são pensamentos, representações intelectuais que incluem conceitos, juízos ou raciocínios.

 

O carácter de ser pensamento está no facto de ser um meio que move livremente as essências, rigidamente fixas e interligadas no mundo da natureza biofísica, graças a leis de análise e síntese próprias do espírito, que não são as leis da natureza física (gravitação universal, inércia, atracção e repulsão eléctrica, etc).

 

 

 

Quando Ortega diz «Quando só há pensamento, não há efectivamente o que nele é pensado» é ambíguo. Está a partir de uma posição realista (há um mundo real de matéria exterior ao pensamento humano).

 

Que significa dizer «há»? O que é pensado no pensamento existe sempre como componente do pensamento. Tem, pois, um grau de realidade idêntico ao do pensamento, está dentro deste. O «há» ou «existe» tem dois domínios: o fora e o dentro do pensamento. Para os realistas, o real é apenas o que está fora e o que estando dentro, reproduz, com rigor, o que está fora. Para os idealistas, o real é apenas o que está fora do corpo e, inevitavelmente, dentro do pensamento que é o espírito pancósmico do indivíduo.

 

 

 

A FENOMENOLOGIA TEM IGUAL VALOR FILOSÓFICO QUE AS POSIÇÕES REALISTA E IDEALISTA

 

 

 

Ortega parece negar o pensamento intuitivo, instantâneo, e apenas conceder valor ao pensamento discursivo, mediato. De facto, parece não se aperceber que a sua posição ontológica de fenomenologia – entendida como coexistência indissociável do eu e do mundo como gémeos siameses– repousa na intuição inteligível e, só posteriormente, no raciocínio que desdobra essa intuição em outras e em juízos:

 

 

 

«La realidad es la coexistencia mía con la cosa.»

 

«Esto, fíjese bien, no se permite negar que la pared existe además sola y por sí. Se limita a declarar que tal ultra-existencia más allá de su coexistir conmigo, es dudosa, problemática. Pero el idealismo afirma que la pared no es sino un pensamiento mío, que solo la hay en mí, que sólo yo existo. Esto es ya añadido hipotético, problemático, arbitrario. La idea misma de pensamiento o de conciencia es una hipótesis, no un concepto formado ateniéndose pulcramente a lo que hay tal y como lo hay. La verdad es la pura coexistencia del yo con las cosas, de unas cosas ante el yo.»

 

 

 

(Ortega y Gasset, Unas lecciones de metafísica, Revista de Occidente en Alianza Editorial, Pág 148-149).

 

 

 

A pura coexistência das coisas com o eu é defendida pelas três correntes embora de maneiras diferentes: no idealismo as coisas coexistem com o eu como o vinho dentro da garrafa coexiste com esta; no realismo, as coisas coexistem com o eu como a maçã coexiste com o espelho na qual se reflecte; na fenomenologia, as coisas coexistem com o eu como as duas extremidades da tábua de um balancé coexistem entre si. Em que é que a fenomenologia é mais verdadeira que o realismo? Pelo facto de recusar postular que o universo material subsiste necessariamente depois da desaparição de toda a vida humana ou antes da aparição desta? É impossível provar quem está certo: realismo, idealismo ou fenomenologia. Todas estas posições possuem uma raiz metafísica, transcendente, que não é possível apreender como certeza indubitável.

 

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Quarta-feira, 28 de Outubro de 2009
Equívocos do «Dicionário Escolar de Filosofia» da Plátano Editora

Lançou a Plátano Editora, de Lisboa, em Setembro de 2009, uma segunda edição do Dicionário Escolar de Filosofia, com  entradas de 12 autores, entre eles o organizador, Aires Almeida. Apesar de conter um bom número de tópicos interessantes, e propiciar um certo número de conhecimentos úteis aos leitores, este dicionário é portador de um considerável número de equívocos teóricos, de erros e imprecisões. Vejamos alguns deles.

 

OMISSÃO DA DISTINÇÃO ENTRE  EIDOS PLATÓNICO E  EIDOS ARISTOTÉLICO

 

Um dos artigos equívocos é o que se refere ao eidos:

 

Eidos

 

«Termo grego que significa «forma» ou «ideia». PLATÃO considerava que as formas ou ideias eram imutáveis, imateriais e não podiam ser percepcionadas pelos sentidos, mas eram a realidade última, sendo as coisas apenas uma pálida sombra das formas.»  DM   (Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 95).

 

O que há de impreciso, omisso, equívoco, nesta definição fornecida por Desidério Murcho (DM)?  Antes de mais, o ocultar o carácter eterno das ideias, segundo Platão, e a sua permanência no Mundo do Mesmo ou Inteligível, acima do céu visível.

 

Em segundo lugar, o esquecimento de que o termo eidos designa essência.

 

Em terceiro  lugar, a omissão das diferentes concepções que Platão e Aristóteles perfilhavam sobre o termo eidos: para Platão, a essência é ideia, uma forma singular e única, própria, - em grego, próprio diz-se idios - que não existe no mundo material; para Aristóteles, a essência é uma forma comum ou espécie (eidos), existente no mundo físico em todos os entes singulares por ela abrangidos (exemplo: a essência ou eidos cavalo está neste cavalo de raça lusitano, naqueles cavalos andaluzes, e, enfim, em todos os cavalos físicos do mundo). O eidos segundo Aristóteles, omisso na definição de DM, não é exterior ao mundo físico como o eidos teorizado por Platão e possui, ademais, um carácter intrinsecamente agrupador.

 

   

 

CONFUSÃO SOBRE O RELATIVISMO MORAL ENUNCIADO COMO UM ABSOLUTISMO EM CADA SOCIEDADE

 

A definição fornecida de relativismo moral, neste dicionário, é parcialmente errónea:

 

«Relativismo moral»

 

«Teoria Metaética segundo a qual os factos morais são instituídos pela sociedade e, portanto, podem variar de sociedade para sociedade ou de época para época. Se numa sociedade a maior parte das pessoas acredita, por exemplo, que a pena de morte é justa, então nessa sociedade a pena de morte é justa. Para o relativista, os juízos morais limitam-se a reflectir certos costumes sociais. Quando os costumes ou as crenças morais de uma sociedade mudam, também os factos morais se alteram.» PG

 

(Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 222).

 

Pedro Galvão (PG), tal como Peter Singer, James Rachels e outros famosos da ética, não tem um conceito correcto de relativismo. Que é o relativismo? É a doutrina segundo a qual a verdade é relativa às epocas e lugares, isto é, varia de época a época e de lugar a lugar, varia de povo a povo, de país a país, varia segundo as classes e grupos sociais no interior de cada país ou sociedade.

 

A democracia liberal é, por essência, um regime relativista: o facto de em Setembro de 2009, o PS de Sócrates ter vencido as eleições legislativas em Portugal não torna a ideologia do PS - ou as ideologias europeístas do PS e do PSD que em conjunto abarcam a maioria dos eleitores portugueses votantes - a verdade única para toda a sociedade. Não. Continuam a subsistir segmentos sociais, políticos e culturais diversos - a direita nacional neosalazarista do PNR, a direita conservadora CDS, a esquerda neoestalinista do PCP, a esquerda radical ou semianarquista do BE, etc; os católicos e os islâmicos opositores da legalização das uniões homossexuais, etc - com outras verdades éticas e políticas. É este mosaico multicor que constitui o relativismo.

 

Há, pois, relativismo no seio de cada sociedade - várias verdades ou interpretações sobre a mesma coisa (por exemplo: defensores e detractores do aborto livre; comunistas e não comunistas, etc)-mas Galvão não concebe isso: sustenta a unicidade e uniformidade ética, isto é, que a verdade da maioria é a verdade de todos. É absolutismo de maiorias e não relativismo o que Pedro Galvão define como "relativismo". O único relativismo que reconhece é o da variação de leis ou costumes dominantes de sociedade para sociedade - por exemplo, a liberdade da mulher nas democracias ocidentais em contraste con a opressão da mulher na Arábia Saudita e em outros países de gritante hegemonia masculina. É uma concepção "coxa", parcialmente deformada, de relativismo.

 

CONFUSÃO DE DETERMINISMO COM FATALISMO

 

Um erro em que o próprio Thomas Nagel, premiado internacionalmente em filosofia (!), incorre, e que o presente dicionário escolar repete,  é a confusão entre determinismo e fatalismo:

 

Determinismo/Indeterminismo

 

«O determinismo é uma tese que nos diz que o passado, mais as leis da natureza, determinam a cada instante, um único futuro. Assim, num mundo determinista não há mais do que uma forma de o mundo ser a cada instante. Esta apresenta-se como uma linha de comboio sem bifurcações ou encruzilhadas. O indeterminismo é a tese oposta: a ideia de que o estado do mundo num dado momento é compatível com vários estádios distintos num momento posterior. Ou seja, a linha de comboio tem bifurcações, momentos claros de possibilidades alternativas. Actualmente, não sabemos se o determinismo é verdadeiro ou não. A questão é empírica, e não há razões suficientes para decidir a questão.» MA

 

(Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 88; o bold é nosso).

 

Determinismo está mal definido por Miguel Almeida (MA). Que é o determinismo? É o princípio de repetição segundo o qual nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos. É uma das modalidades da Necessidade. A lei da gravidade exerce-se, de forma determinista, sobre os milhares de páraquedistas que se atiram de aviões mas o livre arbítrio de cada um deles, operando a abertura dos paraquedas, impede que o determinismo da queda livre actue plenamente e os faça esmagar-se na terra. O que MA define acima como «linha de comboio sem bifurcações» é o fatalismo, a predestinação, diferente do determismo. Este só na aparência traduz predestinação visto que pode ser «desviado» ou contrariado pelo livre-arbítrio e pelo acaso. O determinismo, ao contrário do que sustenta Miguel Almeida, é uma «linha de comboio com ramificações e bifurcações»: usando as "agulhas" do livre-arbítrio - ou sendo o acaso a mudá-las - o maquinista pode fazer o comboio ir pela via da esquerda ou pela via da direita, avançar ou parar. O que não pode é fazer sair o comboio dos carris do determinismo...

 

O nosso mundo rege-se pelo determinismo mas a guerra do Iraque, lançada pelos EUA e Grã-Bretanha em 2003, podia, ao menos teoricamente, ter sido evitada se Barack Obama e não George Bush ocupasse a presidência dos EUA.

 

Indeterminismo está igualmente mal definido no artigo acima. Há que distinguir indeterminismo no resultado final - que é compatível em regra com o determinismo biofísico visto que a este se adiciona certa dose de acaso- de indeterminismo estrutural ou modal, que é a negação do determinismo ou conexão necessária, infalível, entre causas de tipo A e efeitos de tipo B.

 

Que sentido tem definir compatibilismo como «coexistência do determinismo com o livre-arbítrio» como o faz este Dicionário se neste artigo se toma o termo determinismo como fatalismo, predestinação absoluta? É uma incoerência, tal como é incoerência distinguir determinismo moderado de determinismo absoluto.

 

A "DEFINIÇÃO" PELA NEGATIVA DE CORROBORAÇÃO

 

Herdeiro de uma certa falta de clareza intelectual de Karl Popper, o presente Dicionário não define claramente o que é corroboração para este filósofo inglês:

 

corroboração

 

«Na sua FILOSOFIA DA CIÊNCIA, POPPER rejeita a INDUÇÂO e, consequentemente, a ideia de que uma hipótese ou teoria científica pode ser confirmada por dados empíricos. Assim, no seu FALSIFICACIONISMO a noção de CONFIRMAÇÂO dá lugar à de corroboração. Uma hipótese ou teoria científica é corroborada por dados empíricos quando sobrevive a testes experimentais, isto é, quando não é refutada depois de ter sido posta à prova. E quanto mais severos são os testes, maior é o grau de corroboração que a teoria adquire» PG (Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 76).

 

Se repararmos bem, corroboração não é definida nesta entrada: são apenas definidos os efeitos que produz, ou seja, a sobrevivência da hipótese a sucessivos testes experimentais. É como se ao definir automóvel o fizéssemos da seguinte maneira:« automóvel é quando se percorre a 100 quilómetros por hora estradas de asfalto». Não estamos a definir o veículo mas efeitos da sua acção. Pedro Galvão (PG) não nos oferece uma definição positiva, clara, de "corroboração"- talvez nem Popper o faça. Mas nós vamos fazê-lo: a corroboração é a confirmação, por testes empíricos, de um ou mais casos particulares de uma hipótese ou teoria dentro da respectiva série de casos possíveis. É uma tolice dissociar o conceito de "confirmação" do de "corroboração": ambos significam o mesmo, ainda que Popper pretenda dar maior amplitude ao primeiro.

 

A ERRÓNEA IDENTIFICAÇÃO DE PENSAMENTO E PROPOSIÇÃO

 

A incapacidade de definir conceito manifesta-se na correspondente entrada deste dicionário:

 

«conceito

 

«Os constituintes dos pensamentos (ou proposições). A PROPOSIÇÃO de que Lisboa é uma bela cidade tem como um dos seus constituintes o conceito de cidade. Ter um conceito é, argumentavelmente, saber usá-lo correctamente. Por exemplo,se alguém apontar para uma bola e disser que é um tigre, é porque não tem o conceito de tigre (nem de bola); mas se for competente no uso o termo "tigre", tem o conceito em causa. Uma das muitas questões em aberto é a de saber se os conceitos são entidades abstractas independentes da mente ou se dependem desta para existiem.» CT (Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 68; o bold é nosso).

 

Esta definição de Célia Teixeira (CT), caracterizada pela vagueza, omite que um conceito é uma representação intelectual simples, uma ideia de algo (ao invés, Schopenhauer distinguia entre ideia, singular e superior, e conceito, designando um colectivo).

 

É uma definição parcialmente errónea ao dizer que «os conceitos são os constituintes do pensamento». Também os juízos e os raciocínios são constituintes do pensamento. Ademais, CT identifica pensamento e proposição, o que constitui, em rigor, um erro. A proposição é expressão de um pensamento mas nem todo o pensamento se traduz em proposições. Os conceitos de «átomo», «quark», «metafísica», «Deus» são pensamentos mas não são proposições.

 

A FILOSOFIA NÃO DISPÕE DE MEIOS DE PROVA, EMPÍRICOS E FORMAIS?

 

A distinção entre ciência e filosofia é superficial neste Dicionário como se torna patente na seguinte entrada:

 

problema filosófico

 

«A filosofia tal como a ciência, procura resolver problemas que nos afectam a todos. A diferença entre os problemas da filosofia está no tipo de problemas que ambas enfrentam. A filosofia trata de problemas para os quais não dispomos de meios empíricos nem formais de prova. São problemas reais, embora muitas vezes de carácter conceptual àcerca dos fundamentos da ciência, da religião, da arte, e até do nosso dia a dia. Por exemplo, problemas como o de saber o que é a justiça, o que é o conhecimento, qual o mecanismo através do qual os nomes referem as coisas que referem, etc. Muitas vezes tomam-se como filosóficos problemas que claramente o não são. Por exemplo, saber se a religião contribui para a coesão das sociedades não é um problema filosófico, mas sociológico(Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag 209; o bold é nosso).

 

Equivoca-se Aires  Almeida (AA) sobre a natureza da filosofia. A filosofia não dispõe de meios formais de prova?  Se não dispusesse destes meios não servia para nada, não tinha sequer o estatuto de pensamento reflexivo superior. É a filosofia, através do seu ramo lógico, que hierarquiza os entes em indivíduo ou substância individual, espécie e género. Ora esta divisão conceptual é um meio formal de prova de milhões de asserções entre elas a seguinte: «A Rússia é um país euroasiático ( Euro-Ásia é espécie) do planeta Terra (Terra é género)».

 

São Tomás de Aquino provou formalmente por cinco vias a existência de Deus. Objectar-se-á: falta a prova empírica. Mas as provas formais estão na Suma Teológica.

 

A filosofia usa igualmente provas empíricas para numerosas das suas teses. Exemplo: as filosofias liberal, conservadora, socialista democrática e anarquista atacam a filosofia marxista-leninista e os Estados que a adoptam com provas empíricas variadas, como os 3 milhões de mortos pelo Goulag estaliniano no século XX, o fuzilamento do general Ochoa em 1990 pelos sicários de Fidel Castro após uma vergonhosa auto-crítica fruto de brutais ameaças, o massacre dos marinheiros de Cronstad em Março de 1921, as barbaridades da Grande Revolução Cultural Proletária de Mao Ze Dong, etc.

 

Aires Almeida distancia a filosofia da ciência como o céu da terra mas, de facto, as coisas não são assim: a alma oculta e rebelde de cada ciência é a filosofia, na sombra de cada tese científica desponta a lanterna indagadora da filosofia.

 

A filosofia está para as ciências, para a religião e para a ontologia como o género para a espécie, como o género animal está para as espécies homem, elefante, zebra e outras: ela contém as ciências, ainda que estas se diferenciem dela - pela diferença específica, que inclui a necessidade e o modo de ser próprio de cada ciência. A relação entre filosofia e ciência não é a relação entre duas espécies do mesmo género ou dois géneros diferentes, como supõem Aires Almeida e outros. É, sim, a relação entre o todo (filosofia) e as suas partes (ciências: química, sociologia, matemática, biologia, etc).

 

Igualmente se equivoca AA ao dizer que «saber se a religião contribui para a coesão das sociedades não é um problema filosófico, mas sociológico». O erro reside em separar mecanicamente sociologia de filosofia. Ora, a filosofia penetra no húmus da sociologia, como as raízes da árvore penetram na terra. Saber se a religião coesiona as sociedades é, formalmente, um problema filosófico, e materialmemte um problema sociológico.Tão simples quanto isto.

 

A INCOMPREENSÃO SOBRE A CONTRADIÇÃO/LUTA DE CONTRÁRIOS COMO ESSÊNCIA DE TODAS AS COISAS

 

Não tendo entre os seus 12 autores nenhum verdadeiro conhecedor da dialéctica enquanto ontologia, isto é, enquanto modo de ser da realidade, este Dicionário Escolar de Filosofia só poderia dar uma definição truncada, parcialmente errónea, de contradição:

 

  

 

«Contradição

 

1. Uma falsidade lógica; isto é, uma proposição cuja falsidade se pode determinar exclusivamente por meios lógicos. Por exemplo, a afirmação "Sócrates é mortal e não é mortal" é uma contradição.

 

2. Duas proposições são mutuamente contraditórias quando têm valores de verdade opostos em qualquer circunstância logicamente possível. Por exemplo, as afirmações "Tudo é relativo" e "Algumas coisas não são relativas" são contraditórias. Não se deve confundir inconsistência com contradição; todas as contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências são contradições. Ver consistência/inconsistência. DM» (Aires Almeida e outros, Dicionário Escolar de Filosofia, Plátano Editora, pag ;75 o bold é nosso).

 

Comecemos por descortinar que, ao contrário do que  sustenta DM, a proposição «Sócrates é mortal e não é mortal» não é, necessariamente, uma falsidade lógica. Se a metafísica religiosa espiritualista fôr verdadeira -isto é se a nossa alma racional, o nous, o atmã, fôr imortal - é consistente dizer que Sócrates é mortal nos seus corpos físico, vital e de desejos e imortal no seu corpo espiritual racional. Isto é dialéctica. Não viola o princípio da não contradição porque a contrariedade se exerce entre aspectos diferentes do mesmo ente. A lógica proposicional que Desidério Murcho (DM) defende é, em muitos aspectos, antidialéctica, unilateral, falsificadora da realidade.

 

Aquilo que Desidério Murcho  ignora - decerto não compreendeu Heráclito, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Hegel, Marx, Althusser e tantos outros - é que a contradição consistente, a oposição de contrários - por exemplo: protões de carga positiva, e electrões, de carga negativa, no átomo; assimilação e desassimilação, na célula; inverno e verão, no ritmo das estações; sístole e diástole no bater do coração, etc - é a essência de todos os fenómenos da natureza biofísica e humano social e individual.

 

Afirmar que «todas as contradições são inconsistências» é um grave erro: é esvaziar a palavra contradição do seu sentido real, ontológico - «um divide-se em dois que lutam entre si e coexistem» - e atribuir-lhe o sentido de paradoxo. De facto há contradições inconsistentes - exemplo: «eu sou homem e cavalo, fisicamente falando» - e contradições consistentes que, aos biliões, constituem a trama ontológica da realidade - exemplo: «sou bom e mau em simultâneo, bom para com os cidadãos pacíficos e honestos e mau para com os arrogantes e prepotentes». DM não concebe esta distinção, preso que está na masmorra do castelo da antidialéctica.

 

A INCAPACIDADE DE DELIMITAR ONTOLOGICAMENTE FENOMENOLOGIA

 

A incapacidade de definir fenomenologia, de a situar ontologicamente face ao realismo e ao idealismo, é outro traço deste Dicionário:

 

«fenomenologia

 

«Termo pelo qual é designado o movimento filosófico surgido a partir da obra de Edmund Husserl (1859-1938) e que tem por objectivo principal a investigação e a descrição dos fenómenos (ver fenómeno) tal como ocorrem na consciência, independentemente de quaisquer preconceitos, pressupostos ou teorias explicativas. É possível detectar pelo menos quatro tendências principais neste movimento: a fenomenologia realista, que põe ênfase na descrição das essências (ver essência) universais (Nicolai Hartman, Max Scheler); a fenomenologia constitutiva, que procura dar conta dos objectos em termos da consciência que temos deles (Dorion Cairns, Aron Gurwitsch); a fenomenologia existencial (ver existência), que realça a existência humana no mundo (Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty); e a fenomenologia hermenêutica (ver hermenêutica), que realça o papel da interpretação em todas as esferas da vida (Hans-Georg Gadamer, Paul Ricoeur). O termo é também usado para a descrição qualitativa de experiências. Em geral, a fenomenologia de uma experiência é a descrição da qualidade dessa experiência, do modo como essa experiência se dá na nossa consciência.» AN  (ibidem, pag 120; o bold é nosso)

 

Há uma fenomenologia realista e uma fenomenologia anti realista? É a fenomenologia idealismo ou distingue-se deste? Nada disto é esclarecido por Álvaro Nunes (AN) neste artigo onde a profusão de referências historicistas e a descrição da fenomenologia como método disfarça a incapacidade de definir ontologicamente fenomenologia.

 

AMBIVALÊNCIA NA DEFINIÇÃO DE VALIDADE E INVALIDADE DE UM ARGUMENTO

 

Mesmo no terreno da lógica, este Dicionário tem insuficiências:

 

«validade/invalidade

 

«A correcção ou incorrecção de um argumento. Há dois tipos de validade: a dedutiva e a não dedutiva. Um argumento dedutivo é válido quando é impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; se isso for possível, o argumento é inválido. Um argumento não dedutivo é válido quando é improvável, mas não impossível, que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; se for provável, é inválido. Não deve confundir-se este sentido lógico dos termos "validade" e "invalidade" com o seu sentido popular, que significa "com valor" e "sem valor". Assim, popularmente diz-se que uma proposição é válida ou inválida, querendo dizer que tem valor ou que não tem valor (e, muitas vezes, que é verdadeira ou falsa). Mas não se pode dizer que uma proposição é válida ou inválida no sentido lógico do termo. No sentido lógico do termo só os argumentos podem ser válidos ou inválidos; as proposições são verdadeiras ou falsas, interessantes ou entediantes, e muitas outras coisas, mas nunca podem ter a propriedade da validade argumentativa. » DM

 

  Sendo um «especialista em lógica proposicional», Desidério Murcho (DM) mergulha numa falácia anfibológica centrada na noção de «validade argumentativa». ´Que é validade argumentativa? DM define-a de forma vaga: correcção no argumento. Mas não diz se se trata de uma correcção propriamente formal, indepedendente de todo e qualquer conteúdo material - como é o caso da validade dedutiva - ou se se trata de uma correção formal-material, baseada na realidade empírica do mundo - como é o caso da chamada "validade indutiva".

 

Neste segundo caso, nunca se deveria chamar validade mas sim outra coisa: verdade material, plausibilidade (verdade plausível), solidez. DM, tão cuidadoso em vincar que «validade nada tem a ver com verdade» acaba por fundar a validade indutiva na verdade material e nem dá conta disso...Usa pois falaciosamente o termo validade, com duplo sentido, com ambiguidade.

 

Registe-se ainda o erro por vagueza, imprecisão, na definição de argumento não dedutivo fornecida por DM: «Um argumento não dedutivo é válido quando é improvável, mas não impossível, que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; se for provável, é inválido.» Crítica: Improvável é, ontologicamente, o mesmo que provável: ambos estão na esfera da probabilidade. Onde acaba o improvável e começa o provável? Com que escala se medem? Desidério Murcho não é capaz de o dizer. É uma definição trémula, confusa, a da validade não dedutiva.

 

O PRINCÍPIO DO TERCEIRO EXCLUÍDO É UM PONTO DE CHEGADA E NÃO UM PONTO DE PARTIDA?

 

Outra definição imperfeita, parcialmente errónea, neste Dicionário é a seguinte:

 

«princípio do terceiro excluído

 

«Chama-se "princípio do terceiro excluído" à ideia de que, para qualquer afirmação P, é verdade que P ou não P. Ou seja: o princípio declara que não há uma terceira possibilidade, entre P e não P, seja qual for a afirmação. Por exemplo: relativamente à afirmação "Sócrates é alto", só há estas duas alternativas: "Sócrates é alto" ou "Sócrates não é alto". Quando uma lógica aceita o princípio do terceiro excluído significa que qualquer afirmação com a forma "P ou não P" será uma verdade lógica. Algumas lógicas modernas recusam este princípio, como é o caso da lógica intuicionista. Não se deve confundir o terceiro excluído com o princípio da bivalência: este último é a ideia de que só há dois valores de verdade e que todas as proposições têm um dos dois, e só um dos dois. A relação precisa entre o terceiro excluído e a bivalência é objecto de disputa filosófica. Não se deve também pensar que o terceiro excluído é de alguma maneira um axioma da lógica clássica; na verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não um ponto de partida.» D.M (Dicionário Escolar de Filosofia)

 

Crítica: o princípio do terceiro excluído não se limita ao plano das afirmações (Logos predicativo), como supõe Desidério Murcho. É, antes de mais, um princípio das coisas, dos conceitos (Logos nominal), situadono plano da conceptualização antepredicativa. Exemplo: Peixe ou não Peixe (isto não é uma proposição). A proposição não é o lugar originário da verdade, mas sim a apreensão das coisas, a conceptualização. O pensamento (Noein) vem antes do discurso (Logos). O terceiro excluído existe já aí, anterior a toda a proposição - por exemplo: ser versus não ser - e por isso é um ponto de partida, um modo do ser, e não um mero ponto de chegada como sustenta DM.

 

A AFIRMAÇÃO DO CONSEQUENTE NO SILOGISMO CONDICIONAL NÃO É NECESSARIAMENTE UMA FALÁCIA

 

Este Dicionário veicula o erro lógico da moderna lógica proposicional àcerca da afirmação do consequente da primeira premissa no silogismo condicional MODUS PONENS:

 

«falácia da afirmação do consequente

 

 falácia que consiste em supor que da condicional "Se P, então Q" e da afirmação da consequente dessa condicional, "Q", se pode concluir "P". Exemplo: "Se jogamos bem, então ganhamos o jogo. Ganhámos o jogo. Logo, jogámos bem." É fácil apresentar uma refutação desta forma de argumento com um contra-exemplo com a mesma forma lógica: o argumento "Se isso é sardinha então isso é peixe. É peixe. Logo, é sardinha.", implicando a falsidade "Basta ser peixe para ser sardinha", mostra que este padrão argumentativo é falacioso.» JS (in Dicionário Escolar de Filosofia)

 

Ao contrário do que supõe Júlio Sameiro (JS), afirmar o consequente da primeira premissa de um silogismo condicional na segunda premissa deste não é necessariamente um erro lógico, não é uma falácia.

 

Eis um exemplo de silogismo condicional válido:

 

«Se for ao Porto, entro na Torre dos Clérigos.»

 

«Entrei na Torre dos Clérigos.»

 

«Logo, fui ao Porto».

 

Que falácia existe neste raciocínio? Nenhuma. Está correctíssimo. Mas contraria a norma da lógica proposicional que declara inválido afirmar o consequente da primeira premissa. Este silogismo, válido e verdadeiro, demonstra a pseudociência que é a lógica proposicional.

 

CONFUSÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO CONTRADIÇÃO COM O PRINCÍPIO DO TERCEIRO EXCLUÍDO

 

O artigo sobre o princípio da não contradição revela-se um pântano de confusão:

 

«não contradição, princípio da

 

«Chama-se "princípio da não contradição" à ideia de que duas afirmações contraditórias não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Por exemplo: dado que as afirmações "Sócrates é alto" e "Sócrates não é alto" são contraditórias, o princípio declara que não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Quando uma lógica aceita o princípio da não contradição significa que qualquer afirmação com a forma "P e não P" será uma falsidade lógica. Algumas lógicas modernas recusam este princípio, como é o caso da lógica paraconsistente. Não se deve confundir a não contradição com o princípio da bivalência: este último é a ideia de que só há dois valores de verdade e que todas as proposições têm um dos dois, e só um dos dois. Não se deve também pensar que a não contradição é de alguma maneira um axioma da lógica clássica; na verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não um ponto de partida. Aristóteles defende o princípio na sua obra Metafísica (Γ 4). Note-se que a redução ao absurdo só é válida caso se aceite o princípio da não contradição. DM (Dicionário Escolar de Filosofia).

 

Desidério Murcho (DM) designa como princípio da não contradição aquilo que é, de facto, o princípio do terceiro excluído. O exemplo escolhido por DM é defeituoso. De facto, alto e não alto não são contrários na lógica aristotélica, mas contraditórios. Dizer " Sócrates é alto ou é não alto" como, no fundo afirma DM, é exemplificar o terceiro excluído. Distracção fatal deste autor brasileiro que parece especialista em lógica mas se confunde no magma de definições algo desconexas. Se queria escolher um exemplo correcto para o princípio da não contradição seria o seguinte: «Sócrates não pode ser alto e baixo ao mesmo tempo e no mesmo aspecto ou sentido».

 

Aristóteles enuncia assim o  princípio da não contradição, definição que não é a dada por DM acima:

 

«Digamos, em continuação, qual é este princípio; é impossível que o mesmo se dê e não dê no mesmo ao mesmo tempo e no mesmo sentido» (Metafísica, Livro IV, 1005 b).

 

Em suma, o princípio da não contradição enuncia-se assim: uma coisa não pode ser ao mesmo tempo e no mesmo aspecto duas qualidades ou propriedades contrárias entre si. É diferente do princípio do terceiro excluído.

 

O SOFISMA DA "METAFILOSOFIA"

 

Uma definição, surpreendente e sofística, é a de metafilosofia expressa neste Dicionário:

 

metafilosofia

 

«Chama-se "metafilosofia" às teorias acerca da natureza da filosofia. Estas teorias não tratam conceitos como, por exemplo, os de verdade, bem, justiça, dever, beleza, ser, conhecimento, etc.; nem respondem a problemas como, por exemplo, o de saber se todas as desigualdades são injustas ou se existe um sentido da vida, etc.. Em metafilosofia examina-se a natureza dos problemas filosóficos, como se devem estudar as teorias e os argumentos da filosofia, ou que papel desempenha a interpretação de textos, o conhecimento do contexto histórico ou o domínio da lógica no trabalho filosófico. Por exemplo, quando se discute a utilidade, a historicidade ou a universalidade da filosofia está-se em pleno campo metafilosófico.» APC (Dicionário Escolar de Filosofia).

 

A tentação do grupo que está por detrás deste Dicionário Escolar de Filosofia e da revista "crítica na rede" e actual direcção da Sociedade Portuguesa de Filosofia é grande:  como não domina os grandes temas do tronco e das raízes da árvore da filosofia - por exemplo: as ontologias fenomenológica de Heidegger e Sartre, a ontologia reísta de Xavier Zubiri e outras - ficam-se pela rama da lógica proposicional, do que pomposamente chamam lógica modal e procuram transformar estas últimas numa "metafilosofia", isto é, numa "segunda filosofia" que controle como um açaimo o lobo livre da grande filosofia especulativa, do pensamento por excelência. Desde quando é que discutir a utilidade, a historicidade ou a universalidade da filosofia é sair fora do campo da filosofia e constitui «metafilosofia»? Isso sempre foi filosofia e continuará a sê-lo.

 

É óbvio que podemos conceder que as ciências, lógica incluída, ou as religiões são uma metafilosofia - estão além da filosofia - mas não reconhecemos o sentido de "metafilosofia" que António Paulo Costa (APC) quer instituir aqui.

 

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Terça-feira, 29 de Maio de 2007
É o emotivismo um relativismo? (Crítica de Manuais Escolares-XXII)

O conceito de emotivismo dentro da axiologia está envolto na névoa da confusão, em particular nos manuais escolares de filosofia.

Um manual de filosofia do 10º ano de escolaridade português, da Santillana-Constância, afirma o seguinte:

 

«O emotivismo

 

«Esta teoria sobre os juízos de valor é, na verdade, um aperfeiçoamento ou radicalização do relativismo. Segundo ela, os juízos de valor nem sequer são verdadeiros juízos. Eles não fazem qualquer afirmação sobre o modo a realidade é, foi ou será. São apenas expressão de sentimentos ou reacções emotivas a certos objectos ou acontecimentos.»

«Por exemplo, o juízo «a pena de morte é injusta» parece uma afirmação sobre a propriedade (negativa) do acto de condenar alguém à pena de morte. Mas, para o emotivista, é algo comparável a um grito de dor ou desgosto, ou ao choro, que exprimem directamente emoções pessoais face ao acto ou ao conceito do acto, mas não afirmam propriamente nada. E expressões de emoção não podem ser verdadeiras nem falsas, mas apenas sinceras ou fingidas

«...Por vezes, defende-se, nesta linha, que  nós projectamos valores para o mundo, não sendo eles, na verdade, nada de natural fora de nós. Seja como for, toda a discussão sobre valores é vã, porque não há nem pode haver maneira de decidir o que é a verdade em matéria de valores.»

 

(in Logos,  de António Lopes e Paulo Ruas, consultor científico: António Pedro Mesquita, Santillana-Constância, Lisboa 2007, pag 93; o negrito é da nossa autoria).

 

Que confusões há aqui?

 

Em primeiro lugar, é erróneo dizer que «as expressões de emoção não podem ser verdadeiras nem falsas». É colocar a verdade exclusivamente ao nível do juízo, da operação intelectual de ligação entre conceitos. As emoções, tal como as sensações visuais, táteis e auditivas, comportam um certo grau de verdade. A emoção faz parte da verdade da vida de cada um e das sociedades em geral, quotidianamente, a cada instante. A verdade estrutura-se não apenas ao nível do juízo, mas também do conceito, e ao nível da percepção empírica e da emoção. Se as expressões de emoção se exprimem vocabularmente por meio de juízos (exemplo: «Detesto esta paisagem de prédios urbanos, comovo-me ao ler os versos que escreves)é óbvio que recebem um valor de verdade ou de falsidade. Ora o emotivismo limita-se a explicar a génese de juízos: a emoção. Mas explicar essa génese irracional não anula a forma racional, susceptível de receber valor de verdade, desses juízos.

 

Em segundo lugar, apresenta-se o emotivismo como uma «radicalização do relativismo», o que é também erróneo. Há um emotivismo (seria melhor dizer: um descritivismo de génese emotiva..) absolutista, não relativista, expresso, por exemplo, neste juízo: «O amor entre cônjugues é um sentimento maravilhoso, desde a mais remota Antiguidade até hoje e sempre assim será».

Presumivelmente, os autores do manual entendem relativismo como cepticismo, impossibilidade de conhecimento, tal como a generalidade dos actuais "filósofos analíticos". Mas relativismo não é isso: é variabilidade de valores ou de um mesmo conceito, segundo as épocas, as classes sociais, os lugares, podendo gerar cepticismo em alguns. O relativismo não é cepticismo. É um chão do qual pode brotar cepticismo.

 

Em terceiro lugar, não é verdade que o emotivismo em geral sustente a tese de que «não pode haver maneira de decidir o que é a verdade em matéria de valores.» Isto só é verdade para o emotivismo subjectivista timbrado de cepticismo, mas não para o emotivismo objectivista (exemplo: «Os primeiros dias após 25 de Abril de 1974, data do derrube do fascismo em Portugal, foram de júbilo para a grande maioria da população, os melhores dias da nossa vida colectiva») nem para o emotivismo subjectivista dogmático (Exemplo deste último: «Na minha opinião, sofre um traumatismo maior a criança de 13 anos abusada por um pedófilo do que a criança de 4 anos abusada pelo mesmo pedófilo, portanto, é mais horrível o primeiro caso do que o segundo»).

 

Emotivismo diz respeito à matéria-prima de que são forjados os valores - as emoções (amor-paixão, ódio, caridade, etc) - mas não significa a validade temporal ou geográfico-cultural limitada dos valores, isto é, o relativismo. São géneros distintos que se intersectam. Há emotivismo relativista e há emotivismo absoluto ou absolutista.

 

O Manual «A arte de Pensar» da Didáctica reza assim:

 

«O emotivismo partilha com o subjectivismo a ideia de que não existem verdades morais independentes dos sujeitos individuais e de que os juízos morais derivam dos sentimentos que cada pessoa possui àcerca de determinado assunto. Todavia, os emotivistas vão mais longe, pois afirmam que, quando usamos a linguagem moral, estamos apenas a expressar emoções e a tentar convencer os outros a agir de uma certa maneira»

 

(Aires Almeida, António Paulo Costa, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, in A Arte de Pensar, Filosofia 10º ano, 1º volume, Didáctica Editora, Lisboa 2003, página 96; o negrito é nosso).

 

Também neste manual se interpreta erroneamente emotivismo como sujectivismo, ignorando que há um emotivismo objectivista, universalizado (exemplo: «É horrível se houver um planeta que choque com a superfície da Terra»; «Foi terrível o tsunami no Pacífico, na Ásia, em 26 de Dezembro de 2004, que matou no mínimo umas 220.000 pessoas»).

 

Aliás os autores da «Arte de Pensar», tributários de alguma filosofia norte-americana analítica, citam um autor da universidade de John Carroll em Cleveland, Harry Gensler, para definir erroneamente emotivismo:

 

«Supõe que dizes «Brrr!» quando tremes de frio. O teu «Brr!» não é literalmente verdadeiro nem falso; seria despropositado responder-lhe dizendo «Isso é verdade». Mas supõe que dizes: «Eu sinto frio». Neste caso, estás a dizer uma coisa verdadeira, uma vez que realmente sentes frio. Um juízo moral é (para o emotivista) como «Brrr!» (que expressa os teus sentimentos) e não como «Eu sinto frio» (que é uma afirmação verdadeira àcerca dos teus sentimentos).»

«Esta distinção permite-nos evitar alguns problemas que o cepticismo enfrenta. Supõe que Hitler, que gosta que se matem judeus, diz «A morte dos judeus é boa». De acordo com o subjectivismo a afirmação de Hitler é verdadeira (uma vez que significa apenas que ele gosta que se matem os judeus). Isto é bizarro. (Os emotivistas pensam) que a afirmação de Hitler é uma exclamação («Urra para a morte dos judeus!») e que por isso não é verdadeira nem falsa. Não se pode dizer que o juízo moral seja falso, mas pelo menos não temos de dizer que é verdadeiro.»  (Harry Gensler, Ethics, 1998, pag. 62, citado in «A arte de pensar, Filosofia 10º ano», volume 1, página 97).

 

A mediocridade de raciocínio de Harry Gensler, e dos seus epígonos,  é notável: classifica o emotivismo ou emocionalismo como um behaviorismo (doutrina da redução da inteligência e dos seus conceitos a respostas automáticas, psicofisiológicas, ante estímulos exteriores) axiologicamente neutro, céptico, esquecendo que há muito mais emocionalismo além dessa modalidade restrita. É de tal forma idiota a argumentação de Gensler que chega ao ponto de considerar que o behaviorismo emotivista (no caso: Urra para a morte dos judeus!) supera o subjectivismo de Hitler ( no exemplo: É bom matar judeus, vamos exterminá-los) só pelo facto de este último receber uma formulação lógica convencional e o primeiro ficar na linguagem emotiva abreviada. É o logicismo estreito de quem entende que «algo só é verdade ou mentira quando formulado como juízo, de forma lógica»...

 

Aliás, quando Gensler diz no texto acima «de acordo com o subjectivismo, a afirmação de Hitler é verdadeira» denota algum magma de confusão: a afirmação de Hitler é verdadeira.. para a subjectividade de Hitler. Há muito sujectivismo contrário ao subjectivismo nazi e anti semita de Hitler pelo que a afirmação de Gensler «de acordo com o sujectivismo, a afirmação de Hitler é verdadeira»  é errónea. Não há, uma noção unívoca de verdade, ainda que as várias noções de verdade possuam algo em comum. A incapacidade de descentrar o subjetivismo em infinitos polos (perspetivismo) é uma característica deste raciocínio de Gensler.

 

O emotivismo ou emocionalismo, formulado na época contemporânea por Stevenson e, antes dele, por  Max Scheler ( Os valores são «qualidades que se nos tornam presentes directamente no nosso "sentir intencional" (intentionales Fuhlen) do mesmo modo que as cores na visão»- Ethik, in Jarhbücher der Philosophie, 2º ano, Berlim, 1914, pag 91) é diferente desta medíocre definição que Gensler e os manuais «Arte de pensar» e «Logos» fornecem aos estudantes de filosofia.

 

O emotivismo não é senão uma das doutrinas àcerca da origem dos valores - o equivalente ao empirismo como doutrina sobre a origem do conhecimento. Contrapõe-se ao intelectualismo, facto que estes manuais que referimos e outros nem sequer se dão conta, falhos que estão de uma sistematização correcta de conceitos.

 

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