O conceito de objectivismo de valores é transmitido de forma confusa em diversos manuais de filosofia. Eis um exemplo, extraído do manual «Pensar Azul», da Texto Editores:
«O objectivismo faz depender o juízo estético de critérios objectivos, por isso, quando se trata de apreciar a arte, o que deve ser determinante são as características formais do objecto.»
«O objectivismo faz depender a apreciação estética de um conjunto de características existentes no objecto estético.»
«Assim para podermos afirmar que «a Pietá é bela» , teríamos de conhecer as características formais da arte do Renascimento e depois avaliar se a Pietá tinha ou não essas qualidades estéticas e em que grau».
(Fátima Alves, José Arêdes, José Carvalho, «Pensar Azul», Texto Editores, pag.184).
Há aqui uma confusão entre objectivismo estético sensorial e objectivismo estético sensório-intelectual. Então não é possível existir objectivismo estético entre os «incultos» e iletrados? É necessária a teoria, o conhecimento formal-intelectual das propriedades do objecto para se possuir a noção objectiva de belo?
Se dezenas de milhar de crianças e adultos contemplam a paisagem marítima e costeira desde a fortaleza de Sagres e emitem o juízo estético «Isto é muito bonito», estamos perante um caso de objectivismo estético que não necessita de teorização, de comparação formal com outras paisagens marítimas, de estudos sobre a coloração do mar e a profundidade do horizonte, etc.
Objectivismo é, no essencial, a unanimidade de opinião entre um conjunto muito vasto de indivíduos sobre um mesmo objecto material (exterior) ou ideal («interior»).
A imprecisão na definição no manual «Pensar Azul» é óbvia: afirmar que «o objectivismo faz depender a apreciação estética de um conjunto de características existentes no objecto estético» não define objectivismo porque também o subjectivismo «faz depender a apreciação estética de um conjunto de características existentes no objecto estético.» O subjectivista, em regra, não nega características ao objecto exterior, até pode descrevê-las de forma razoavelmente objectiva mas adiciona-lhes o seu gosto pessoal, a sua interpretação íntima ...
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O manual «Pensar Azul» da Texto Editores oferece-nos a seguinte síntese sobre as teorias que equacionam o binómio liberdade/ determinismo na acção humana:
«Teorias àcerca do problema do livre-arbítrio:
a) determinismo radical ou incompatibilismo
b) indeterminismo
c) determinismo moderado (compatibilismo)
d) libertarismo.
«Para o incompatibilismo ou determinismo radical o livre-arbítrio é incompatível com a concepção de um mundo regido por leis causais, não tendo os seres humanos livre-arbítrio.»
«Segundo o indeterminismo, alguns acontecimentos, como é o caso dos estados mentais, não têm causa, ou seja, ocorrem aleatoriamente.»
«Para o compatibilismo ou determinismo moderado o mundo é regido por leis causais mas a acção humana é livre por ser determinada mas não constrangida.»
«O libertarismo defende que as escolhas humanas não são nem casualmente determinadas nem aleatórias. São produto da deliberação racional e responsável do agente.»
(in Filosofia 10º Ano, de Fátima Alves/José Arêdes/ José Carvalho, Revisão Científica de Carlos João Correia, Texto Editores, Lisboa 2007, pag. 62).
A confusão desta classificação é patente a quem meditar nela com lucidez.
Antes de mais a posição nº 3, intitulada compatibilismo ou determinismo moderado, é exactamente a mesma que a nº 4, intitulada libertarismo. Dizer que são diferentes é o mesmo que dizer que a Avenida da Liberdade de Lisboa quando sobe é diferente da mesma Avenida da Liberdade de Lisboa quando desce (no mesmo troço). É apenas uma questão de perspectiva, de terminologia: determinismo associado a livre-arbítrio ou libertismo (livre-arbítrio) associado a determinismo.
Aliás, sobre o libertarismo escrevem Fátima Alves, José Arêdes e José Carvalho:
«Os libertaristas consideram que as nossas acções não são causalmente determinadas nem aleatórias.Partindo do pressuposto dualista de que o mundo material e a acção humana são de natureza diferente, concluem que também se regem por leis diferentes e, por essa razão, as leis (físicas) que regem os fenómenos corporais (mundo material) não se aplicam aos fenómenos mentais. Trata-se de uma posição dualista.» (Pensar Azul, Texto Editores, pag 55).
Classificam como dualista o libertarismo mas, de forma míope, não conseguem ver que o que designam por determinismo moderado ou compatibilismo é, igualmente, um dualismo, visto pressupor leis naturais inflexíveis e vontade livre autónoma...
Se, afinal, o determinismo moderado coexiste com o livre-arbítrio que propicia acções humanas livres e responsáveis e o libertarismo admite que o mundo físico é regido por leis deterministas mas o mundo mental do livre-arbítrio não, onde está a diferença?
Em segundo lugar, a definição fixada na posição nº 2, baptizada de indeterminismo, não possui clareza. O dito «indeterminismo» inclui livre-arbítrio? Ou não? Porque razão não há-de ser uma modalidade do libertismo/ determinismo moderado, já que é compatível o livre-arbítrio com a erupção de estados mentais irracionais, inesperados ou imprevisíveis?
É esta confusão na hierarquização de conceitos, baseada na hiper-análise (desdobramento de uma mesma definição em várias aparentemente diferentes, semeando o caos intelectual) que os professores e alunos de filosofia em Portugal absorvem de manuais cuja única virtude é a profusão de textos de diversos autores.
Que vale a universidade, na área da filosofia, se é dela que saem tantos pequenos «filósofos» com licenciaturas, mestrados e doutoramentos, que elaboram manuais escolares deficientes e exames nacionais de filosofia repletos de erros?
O DETERMINISMO NÃO CONSIDERA ILUSÓRIA A LIBERDADE
No Manual português «Percursos, Filosofia 10º Ano» lê-se:
«Para os defensores do livre-arbítrio e do compatibilismo, o ser humano é livre e tem controlo sobre si mesmo.»
«Para o determinismo, a liberdade é uma ilusão. Não temos controlo sobre os nossos actos».
(Carlos Amorim, Catarina Pires, «Percursos, Filosofia 10º ano», revisão científica José A. Ribeiro Graça, Areal Editores, Lisboa 2007, pag. 52)
Para o determinismo a liberdade é uma ilusão? Eis uma falácia. Em primeiro lugar, o determinismo não pensa: é um sistema objectivo, um princípio segundo o qual nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos. Se no entanto, entendermos por determinismo o conjunto dos pensadores deterministas, a frase continua a ser uma falácia: a generalidade dos pensadores deterministas admite o livre-arbítrio, compatibiliza as leis inflexíveis na natureza física e psicofísica com a liberdade de escolher. A liberdade não existe dentro da malha apertada do determinismo mas existe fora desta, justaposta a ela. Libertismo é apemas uma propriedade comum a um determinismo (moderado) e a um indeterminismo biofísico, não é uma corrente em si mesma.
Carlos Amorim, Catarina Pires e José A.Ribeiro Graça confundem determinismo com fatalismo. É óbvio que estas imprecisões de conceitos mergulham alunos e professores num mundo de paralogismos, de equívocos.
Nota: Para obter um quadro geral inovador, que traçamos segundo o método dialéctico, das teorias referentes ao livre-arbítrio, fatalismo, determinismo e indeterminismo, consultar o artigo de 6 de Maio de 2007 neste blog, intitulado «As diversas teorias sobre o livre-arbítrio e a necessidade (Crítica de Manuais Escolares-XVIII)».
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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