Sexta-feira, 21 de Maio de 2021
Equívocos do manual «O Espanto,10º ano de filosofia» da Didáctica Editora (Crítica de Manuais Escolares - LXVII)

 

O manual «O Espanto, 10º ano de Filosofia», da Didáctica editora, da autoria de Aires Almeida e Desidério Murcho,  contém alguns sérios erros conceptuais.

 

CONFUSÕES SOBRE DETERMINISMO RADICAL, LIBERTISMO E  DETERMINISMO MODERADO

 

Lê-se no manual: 

«Determinismo radical: a hipótese de que não há livre-arbítrio porque todos os acontecimentos (o que inclui as ações humanas) são efeitos de causas anteriores.»

«Libertismo: a hipótese de que há livre-arbítrio e por isso nem todos os acontecimentosnte  são efeitos de causas anteriores (nomeadamente as ações humanas).»

«Determinismo moderado: a hipótese de que há livre-arbítrio, apesar de todos os acontecimentos ( o que inclui as ações humanas) serem efeitos de causas anteriores.»

(Aires Almeida, Desidério Murcho «O Espanto, 10º ano de Filosofia»,  Didáctica editora, Pág. 122).

 

Estes autores, veículos de uma medíocre filosofia analítica anglo/ norte-americana, mergulham, como já nos habituaram desde há pelo menos duas décadas, no magma da confusão.

Em primeiro lugar, o determinismo radical não pode sustentar que todos os acontecimentos são efeitos de causas anteriores.  Só falíveis  pensadores como John Searle, Ricardo Santos, João Branquinho, Desidério Murcho e Aires Almeida postulam isto. Então e a escolha irracional, instintiva, que ocorre a cada momento nos seres humanos sem uso de livre-arbítrio? A escolha da criança entre comer um gelado ou uma banana neste momento não é determinada por causas anteriores - isso seria fatalismo - mas sim por forças motrizes actuais, mais ou menos imprevisíveis. O determinismo sem livre-arbítrio não conduz o mundo em uma só direção predestinada, o acaso e a escolha irracional dos humanos a cada momento inflectem o «destino».

 

Em segundo lugar, é absurdo definir o determinismo moderado como «postulando que todos os acontecimentos ( o que inclui as ações humanas) são efeitos de causas anteriores e que isso é compatível com o livre-arbítrio», que supostamente existiria. É uma irracionalidade. Se todos os acontecimentos derivam de causas anteriores onde fica o livre-arbítrio? Isto sim, é um incompatibilismo.

 

Em terceiro lugar, o libertismo não passa de determinismo moderado pois admite que há acontecimentos livremente criados ou desencadeados pelo livre-arbítrio, não resultantes de causas anteriores mas fruto de deliberações racionais do momento presente. Há portanto nestes autores uma duplicação do mesmo conceito, do mesmo modo que esta «dupla visão» mental faz supor que existem disjunção inclusiva e disjunção exclusiva - a disjunção é uma só, exclusiva.

 

Libertismo, ou existência e exercício de livre-arbítrio, não constitui uma corrente autónoma mas sim uma propriedade comum a duas correntes: o determinismo biofísico com livre arbítrio, vulgo determinismo moderado( exemplo: delibero tomar sumo de laranja diariamente porque sei do efeito sempre benéfico  -determinismo- deste alimento sobre o organismo humano); o indeterminismo biofísico com livre arbítrio, vulgo indeterminismo moderado (exemplo: delibero, racionalmente, não tomar a vacina porque sei que esta produz, frequentemente, trombos nas veias, avc ´s, não gera sempre o mesmo efeito -indeterminismo - no corpo humano).

 

O RELATIVISMO ESTÁ IMPEDIDO DE CRITICAR OS COSTUMES E VALORES DE OUTRAS SOCIEDADES?

 

Sobre o relativismo, doutrina que o manual define incompletamente, ao ocultar que há relativismo, isto é, variação de valores de grupo a grupo social no seio de uma mesma sociedade (exemplo: os adeptos do crescimento industrial, os ecologistas anti indústrias, os anti homossexuais e os homossexuais e trangéneros, etc.), lemos:

«Há quem pense que é preciso ser relativista para promover a tolerância e combater a discriminação de pessoas que têm costumes diferentes dos nossos. Mas a ideia de que as pessoas de culturas diferentes da nossa não devem ser discriminadas é um juízo moral. Ora, quem é relativista e vive numa sociedade que defende a intolerância e a discriminação das mulheres, dos negros e dos judeus está obrigado a concordar que nada há de moralmente errado nessas práticas - porque são essas, precisamente, as práticas da sua sociedade. Por isso, essa pessoa não tem como combater a intolerância e a discriminação.»

 

(Aires Almeida, Desidério Murcho «O Espanto, 10º ano de Filosofia»,  Didáctica editora, Pág. 155).

 

Interpretar relativismo como igualitarismo de valores e cepticismo é um erro destes autores. Hegel e a igreja católica romana pós concílio Vaticano II (1962-1965) eram ou são relativistas em matéria de religião: ambos defendiam que a verdade religiosa é a soma de todas as religiões particulares mas entre estas o cristianismo - luterano, na visão de Hegel; católico, na visão de Roma - possuía maior grau de verdade do que qualquer outra, seguido do judaísmo, do islamismo, etc. 

 

UM JUÍZO RELATIVO NÃO É VERDADEIRO NEM FALSO?  QUANDO UM JUÍZO É RELATIVO NENHUMA SOCIEDADE/CULTURA ESTÁ ENGANADA?

 

No caderno de atividades do professor, lêem-se, entre muitos outros,  os seguintes erros conceptuais:

«1)a) Um juízo é relativo quando não é verdadeiro em falso.

1) b) Quando um juízo é relativo, nenhuma sociedade/cultura está enganada.»

(Aires Almeida, Desidério Murcho «O Espanto, 10º ano de Filosofia»,  Caderno de Atividades, professor» Didáctica editora, Pág. 102)

 

Refutemos o ponto 1)a): eis um exemplo de um juízo relativo verdadeiro: «Na Europa, vigoram democracias liberais, com liberdade de imprensa, de comportamento sexual e de vestuário feminino ousado, na Arábia Saudita e no Irão não».  Não há juízos que sejam ao mesmo tempo nem verdadeiros nem falsos, como sustentou o positivismo lógico do Círculo de Viena: ou são verdadeiros ou falsos. Exemplo de outro juízo relativo verdadeiro: «A gravidade terrestre é relativa à distância de um objecto no ar em relação à superfície terrestre, essa força gravitacional cessa acima dos 500 quilómetros de altitude, no caso das naves espaciais, verifica-se esta cessação em órbitas terrestres circulares situadas a uma altitude de 500 km, em que este estado não gravitacional é permanente.»

Refutemos o ponto 1)b): o juízo «a democracia liberal com direito à objeção de consciência é o melhor regime do mundo» é condenado pelas sociedades totalitárias como a China comunista e a Arábia Saudita que sobre ele estão enganadas e enganam os respectivos povos.

 

NENHUM TEMA VERDADEIRAMENTE FRACTURANTE COMO SERIA EXIGÍVEL EM FILOSOFIA

 

Estes manual e estes autores são meros instrumentos de propaganda da redutora filosofia oficial: a filosofia analítica, com a sua errónea lógica proposicional (só mentes confusas dizem que «Vou ao Porto ou vou a Lisboa» é diferente na estrutura lógica de «Ou vou ao Porto ou vou a Lisboa»). Fazem o discurso politicamente correcto, longe dos "extremismos", se exceptuarmos a dúvida hiperbólica cartesiana ou a teoria das conjecturas e refutações de Karl Popper. Não são filósofos mas funcionários de uma medíocre filosofia com a qual moldam a mente de alunos inteligentes.

 

Nenhum texto sobre astrologia histórica e não falta assunto filosófico neste tema : se o Partido Socialista venceu as eleições legislativas de 25 de Abril de 1983, com Júpiter em 9º do signo de Sagitário, e venceu as eleições legislativas de 1 de Outubro de 1995, com Júpiter em 10º do signo de Sagitário, e venceu as eleições de 6 de Outubro de 2019, com Júpiter em 18º-19º do signo de Sagitário, poderá dizer-se que Júpiter no signo de Sagitário (arco de 240º a 270º do Zodíaco) gera necessariamente vitórias do PS?

 

Nenhum texto questionando a vacinação e é tão oportuno fazê-lo.David Icke escreveu. «O processo de fabricação de vacinas inclui o uso de macacos, embriões de frangos e fetos humanos, além de estabilizadores como a estreptomicina, o cloreto de sódio, o hidróxido de sódio, o alumínio, o cloridrato, o sorbitol, a gelatina hidrolisada, o formaldeído,e um derivado do mercúrio chamado timerosal ...» (David Icke, «La conspiración mundial y como acabar con ella», Ediciones Obelisco, Barcelona, pag 819).

 

Os autores deste manual, como bons servos das multinacionais de farmácia, não contrapõem nada à teoria oficial.

 

Nenhum texto de Fernando Pessoa, poeta e filósofo da fenomenologia ou de outros pensadores portugueses metafísicos. Os autores deste manual de filosofia são estrangeirados, no mau sentido do termo. Não se dá importância ao que Pessoa escreveu:

«Não é possível uma futura civilização espanhola, nem uma futura civilização portuguesa. O que é possível é uma futura civilização ibérica formada pelos esforços da Espanha e de Portugal.»

«Todas as forças que se oponham a uma aliança, a um entendimento entre Portugal e Espanha devem ser desde já condenadas como inimigas. Essas forças são: os conservadores, sobretudo os católicos, e a Igreja Católica acima de tudo, que têm por ânsia íntima a união ibérica; a maçonaria, que é também estrangeira de origem, e é agora um organismo estranho metido na carne da Ibéria; a França, que com a sua cultura especial, tem envenenado, por excesso, a alma, ou as almas da Ibéria. A Inglaterra que politicamente tem espezinhado os países ibéricos.» (...)

«Para a criação da civilização ibérica é preciso a rigorosa independência das nações componentes dessa civilização. É um erro crasso supor que a fusão imperialista facilita a actividade civilizacional.»

 

(Fernando Pessoa, «Obra em prosa, Páginas de Pensamento Político-1, 1910-1919», Livros de Bolso Europa-América, páginas 135-136).

 

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Sexta-feira, 26 de Fevereiro de 2021
No «libertismo» de Blackburn e Searle não há livre-arbítrio

 

Os filósofos da moda como Simon Blackburn e John Searle são parcialmente impensantes. Sustentam um conceito de libertismo que é o seguinte: libertismo é um livre-arbítrio pleno no ser humano, que não leva em conta o determinismo das leis biofísicas, ao contrário do livre-arbítrio existente no determinismo moderado, que é condicionado pelas leis físico-sociais (saúde e doença, situação económica de emprego ou desemprego, condições de habitação, situação familiar, regime político existente no país, crença ou descrença religiosa, etc.).

 

Um exemplo de libertismo seria o de um homem que, sem temer e sem levar em conta as consequências, se atirasse de repente do alto de uma falésia para a morte ou, por impulso, se despisse integralmente numa praça cheia de gente gritando «Sou livre». Mas estas atitudes, ao contrário do que supõem os professores de filosofia, não assentam no livre-arbítrio que é uma deliberação racional e só existe no determinismo moderado ou no indeterminismo moderado, mas assentam sim na escolha aleatória, instintiva, irracional. 

 

O livre-arbítrio implica o exame racional, cuidadoso das circunstâncias do determinisno físico e social e não a liberdade de uma atitude louca, imprevista, como a do suicida que se enforca. Por isso está errado Simon Blackburn quando escreveu: 

 

II) «Determinismo moderado ou compatibilismo. As reações deste último tipo afirmam que tudo o que podemos desejar de uma noção de liberdade é completamente compatível com o determinismo (---)

III) Libertismo. Esta posição advoga que o compatibilismo é apenas uma fuga e que há uma noção mais substantiva e real de liberdade que pode ainda ser preservada em relação ao determinismo (ou ao indeterminismo. Em Kant, enquanto o eu empírico ou fenoménico é determinado e não é livre, o eu numénico ou racional tem capacidade para agir racional e livremente.»

 

(SIMON BLACKBURN, Dicionário de Filosofia, Gradiva, 2ª edição, 2007).

 

A teoria de Kant é um determinismo moderado pelo livre-arbítrio do eu racional, não é um libertismo no sentido postulado por Blackburn. O eu numénico é livre, não porque esteja hermeticamente isolado, mas porque enfrenta o eu não livre, o eu empírico dos instintos e paixões. A liberdade racional de escolha só existe onde o determinismo a enfrenta.

 

E tu, professor/a de filosofia, vês agora os erros propagados pelos manuais escolares de 10º e 11º ano de escolaridade e pela seita dos chamados filósofos e semifilósofos analíticos que tomaram de assalto as universidades com doutoramentos light, as editoras como a Gradiva, a Areal Editores, a Porto Editora, o ministério da Educação e impõem a lógica dos idiotas designada «lógica proposicional» ? Dás-te conta de como és manipulada/o? E de como manipulas os teus alunos?

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Domingo, 21 de Fevereiro de 2021
Equívocos no manual «Preparar o exame nacional de filosofia 11º» (Crítica de Manuais Escolares LX)

 

O manual da Areal «Preparar para o exame nacional Filosofia 11º» de Lina Moreira e Idalina Dias alberga, a par de muitas definições correctas e úteis, vários erros relevantes

 

UMA ERRÓNEA DISTINÇÃO ENTRE DETERMINISMO MODERADO E LIBERTISMO

 

As autoras perfilham a confusão teórica da filosofia analítica em voga separando libertismo de determinismo moderado, sem perceberem que o libertismo é género onde cabem duas espécies: o determinismo moderado pelo livre-arbítrio e o indeterminismo moderado pelo livre-arbítrio. Em ambas estas o livre-arbítrio impera sobre as leis ou acasos da natureza. 

 

Escrevem as autoras: 

«O libertismo é uma das teorias filosóficas que afirma a existência e o primado do do livre-arbítrio na ação humana. Neste sentido, considera que, face às mesmas circunstâncias, o ser humano escolhe livremente entre as várias possibilidades que tem diante de si, o que significa, recuperando o exemplo, que poderíamos ter saído pela janela ou escolhido agir de outra forma. Tal significa o reconhecimento de que, perante a mesma circunstância, havia mais do que uma ação possível, que o agente escolheu uma de várias possibilidades». 

LINA MOREIRA e IDALINA DIAS, «Preparar para o exame nacional Filosofia 11º» , Areal Editores,página 69.

 

Esta definição é exatamente a mesma de determinismo moderado, doutrina segundo a qual o universo é regido por leis biofísicas invariáveis (nascimento, crescimento, estado adulto jovem, envelhecimento e morte dos seres vivos; translação da Terra em torno do Sol em 365 dias, etc.) mas o ser humano dispõe de livre arbítrio, capacidade de escolha racional entre as alternativas de ação a cada momento.

 

O erro das autoras e de todos os manuais de filosofia do ensino secundário e de John Searle e Simon Blackburn está em supor que o determinismo moderado, pelo facto de admitir que há leis biofísicas necessárias, infalíveis, reduz o grau de livre arbítrio nos seres humanos quando é exatamente o contrário que sucede: Sartre escreveu que «nunca fomos tão livres como sob a ocupação alemã», de 1940 a 1944, porque cada francês podia escolher a resistência ou a colaboração com o nazismo.  A pressão das leis físicas infalíveis (determinismo) não reduz, aumenta o livre-arbítrio, que é uma deliberação racional (libertismo). Há maior liberdade no determinismo biofísico com livre arbítrio (determinismo moderado) - porque se escolhe conhecendo as leis da natureza física - do que no indeterminismo biofísico (inexistência de leis necessárias, imprevisibilidade) com livre arbítrio que as autoras, Simon Blackburn e as universidades confusamente batizam de libertismo.

 

O libertismo, segundo o conceito em voga dos manuais, é a tendência de livre escolha sem levar em conta as cadeias do determinismo biofísico em que estamos imersos (estado do corpo: fome, frio, saciedade; situação económica: salário ou outro rendimento, carreira profissional, bens imóveis e móveis; situação política: sociedade aberta ou totalitarismo, etc.) Mas essa tendência libertista não é livre-arbítrio porque lhe falta a racionalidade que só existe quando se observa e leva em conta a situação concreta, o mundo físico e as suas condicionantes. Como diria Hegel «a liberdade é a consciência da necessidade», não é o impulso do louco que se julga livre e age irracionalmente. Já Aristóteles notara a diferença entre livre escolha ditada pelo instinto animal e livre-arbítrio.

 

A CONFUSA NOÇÃO DE INCOMPATIBILISMO E A CONFUSÃO DE DETERMINISMO RADICAL COM FATALISMO

 

Escrevem as autoras:

«A resposta à questão "Será o ser humano efetivamente livre na sua ação?" não é consensual entre os filósofos. Uns consideram que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo - incompatibilismo - outros afirmam o contrário -compatibilismo

«Tanto o libertismo como o determinismo radical são teorias incompatibilistas.»

LINA MOREIRA e IDALINA DIAS, «Preparar para o exame nacional Filosofia 11º» , Areal Editores,páginas 68 e 69.

 

É evidente que o determinismo moderado compatibiliza o livre-arbítrio com o determinismo. Ambos existem no mesmo ser humano adulto. ´Por que razão o libertismo seria um incompatibilismo se há compatibilidade entre o livre-arbítrio e o indeterminismo biofísico (exemplo: surge um dia de queda de neve em pleno verão de Julho no Alentejo e este libertismo da natureza é compatível com o meu livre-arbítrio pois posso escolher entre ficar na praia a receber a neve ou refugiar-me dentro de uma habitação)? É uma tolice dizer que, no seu todo, o libertismo é uma teoria incompatibilista quando ele engloba o determinismo moderado que é, em si mesmo, compatibilismo e o indeterminismo biofísico com livre-arbítrio que é também, em si mesmo, compatibilismo.

 

O libertismo, como género de duas correntes e não na errónea noção deste manual,  é incompatível com o fatalismo - doutrina segundo a qual tudo está predestinado e não há livre-arbítrio real e que não é o mesmo que determinismo radical, coisa de que este e os outros manuais não se apercebem -  com o determinismo radical (exclusão do livre arbítrio, leis biofísicas necessárias compatíveis com um certo grau de acaso) e com o indeterminismo radical (exclusão do livre arbítrio, inexistência de  biofísicas necessárias, pura arbitariedade no mundo natural) .

 

Se há determinismo radical deveria também postular-se que há indeterminismo radical ou indeterminismo biofísico sem livre-arbítrio mas a inteligência dos filósofos analíticos não chega a tanto. No seu «Dicionário Oxford de Filosofia» Simon Blackburn divide confusamente esta temática em 4 correntes - determinismo radical, determinismo moderado, libertismo, indeterminismo - sem perceber que fatalismo se distingue de determinismo radical , que determinismo moderado se inclui no libertismo tal como o indeterminismo moderado com livre-arbítrio. Blackburn nem sequer conceptualiza que há dois tipos de indeterminismo: moderado (com livre-arbítrio) e radical (sem livre-arbítrio).Só tipos confusos, pensadores de segunda classe como este, com doutoramentos (!) em filosofia universitária,  são editados e promovidos pelos media como sendo os filósofos actuais...

 

NO SUBJECTIVISMO AXIOLÓGICO UMA OPINIÃO VALE O MESMO QUE A SUA CONTRÁRIA?

 

Escrevem as autoras:

«Para o subjectivismo, não existe um conceito universal de bem e de mal, mas tantos quantos os indivíduos. Se assim é, uma opinião vale o mesmo que a sua contrária.»

Lina Moreira e Idalina Dias, «Preparar para o exame nacional Filosofia 11º» , Areal Editores,página 84.

 

Isto não é correto. Para cada subjetivista, a sua opinião vale mais que as contrárias, ainda que possa admitir ou não algum grau de verdade nestas. É aquilo que Nietzsche designa de perspectivismo: vemos o mundo, a paisagem de uma dada maneira, a partir de um ponto de observação, e a visão seria outra se mudassemos o lugar de onde observamos. Tome-se como exemplo a opinião sobre a eutanásia. Um cristão adverso a esta prática dirá: «É subjectivo saber quem tem razão, há argumentos a favor e contra, a minha intuição diz-me que eutanásia é um assassinato legal, ofende a Deus, que deseja cuidados paliativos nos hospitais e não extinção provocada da vida humana».

 

As definições erróneas contidas neste manual e nos outros estão presentes sempre, ano a ano, no exame nacional de filosofia do 11º ano do ensino secundário em Portugal. O lóbi da filosofia analítica (Manuel Maria Carrilho, João Branquinho, Guido Imaguirre, Ricardo Santos, Desidério Murcho, João Sáagua, Pedro Galvão, Rolando Alneida, António Pedro Mesquita, Domingos Faria, Célia Teixeira, Aires Almeida, etc.) devia ser afastado da autoria dos exames nacionais porque pensa, avalia e ensina mal, promove como «ciência» uma ridícula lógica proposicional que defende que o juízo «Sou português ou sou espanhol» merece uma tabela de verdade diferente do juízo «Ou sou português ou sou espanhol» quando dizem exactamente o mesmo, são o mesmo no conteúdo. Estamos, na área da filosofia, sob uma ditadura da filosofia analítica norte-americana e britânica mantida por pensadores de segunda e terceira classe.

 

 

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Quinta-feira, 18 de Abril de 2013
Equívocos no manual de Filosofia do 10º ano da Raíz Editora (Crítica de Manuais Escolares-XLIII)

No manual «Filosofia 10º ano», da Raíz Editora, para o ensino secundário em Portugal, manual cujos autores são Adília Maia Gaspar e António Manzarra - e o catedrárico Michel Renaud como consultor científico - encontram-se, mais uma vez, as confusões inerentes à filosofia analítica contemporânea.   

 

CONFUSÃO DE DETERMINISMO COM FATALISMO E NÃO DISTINÇÃO ENTRE LIBERTARISMO E COMPATIBILISMO

 

Aponta o referido manual quatro concepções acerca do determinismo e do livre arbítrio:

 

«Determinismo- Nega a existência do livre-arbítrio. O ser humano, tal como todos os fenómenos da natureza, está determinado pelo princípio da causalidade.

 

Indeterminismo - Não assume a existência do livre-arbítrio, assim como os fenómenos físicos se dão aleatoriamente e não segundo uma determinação prévia ou uma vontade, o mesmo acontece com a acção humana.

 

Libertarismo - Afirma a existência do livre-arbítrio, pois havendo separação entre a natureza física e a mental, esta última não é determinada pelo princípio da causalidade, mas sim pela vontade.

 

Compatibilismo- Afirma a relação entre determinismo e livre-arbítrio ao admitir que o ser humano é determinado, mas a sua acção pode ser livre dentro dos limites em que não existem constrangimentos.» (Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 74, Raíz Editora)

 

 

Comecemos por notar a ambiguidade da noção de determinismo: na primeira definição é dito que o determinismo exclui o livre-arbítrio, e é, portanto, uma lei totalitária sobre toda a natureza biofísica, incluindo a vida humana física, psíquica, social, espiritual. Na definição de compatibilismo, dada acima, a noção de determinismo já não exclui o livre-arbítrio. Onde está o erro? Na confusão entre determinismo e fatalismo. Onde se lê determinismo na primeira das quatro definições acima, deveria ler-se fatalismo, doutrina da predestinação absoluta. E note-se que o fatalismo pode, ou não, reger-se por leis fixas e imutáveis. Determinismo não é tudo estar predestinado: é o facto de, nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzirem sempre os mesmos efeitos, o que não exclui factores aleatórios exteriores como o livre-arbítrio.

 

Thomas Nagel, esse académico injustamente elevado à condição de «grande filósofo» por editores e académicos néscios, perfilha o mesmo erro de confundir determinismo com fatalismo:

 

«Algumas (pessoas) pensam que, se o determinismo é verdadeiro, ninguém pode ser razoavelmente elogiado ou condenado por nada, tal como a chuva não pode ser elogiada ou condenada por cair.» (Thomas Nagel, Que quer dizer tudo isto?, pag 57 citado in Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 75, Raíz Editora).

 

O próprio John Searle cai em contradição:

 

«Naturalmente, tudo no mundo é determinado mas, apesar de tudo, algumas acções são livres. Dizer que são livres não é negar que sejam determinadas; é afirmar que não são constrangidas. Não somos forçados a fazê-las.» ( John Searle, Mente, cérebro e ciência, citado in Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 77, Raíz Editora; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Dizer que uma acção é livre não é negar que seja determinada? Claro que é: livre opõe-se a determinado. Como é que a acção livre de eu escolher entre tomar um café ou comer um bolo é determinada e livre ao mesmo tempo? Se é determinada, não é livre. E o determinismo não é um constrangimento da acção? Claro que é. Eis o «grande»John Searle, paladino da confusão analítica, no seu melhor! Como não hão-de os autores de manuais veicular erros se os teóricos que os inspiram mergulham no magma da confusão?

 

As definições, acima, de libertarismo e compatibilismo não se distinguem uma da outra: em ambas, se postula haver livre-arbítrio; em ambas (na primeira, de forma não explícita) se postula haver determinismo. É, pois, uma duplicação da mesma ideia, formulada em termos diferentes, um erro de «paralaxe». Não distinguindo correctamente os géneros das espécies e as diferentes espécies entre si, por ausência de racionalidade dialéctica, a filosofia analítica (Thomas Nagel, Simon Blackburn, Nigel Warburton, os autores do «Routledge Dictionary of Philosophy» como Michael Proudfoot e A.R. Lacey, e muitos outros) produz deformações teóricas da realidade.

 

A CONFUSÃO DE OBJECTIVISMO AXIOLÓGICO COM REALISMO AXIOLÓGICO

 

O manual define três correntes sobre os valores: subjectivismo axiológico, objectivismo axiológico e concepção relacional dos valores, divisão que só na aparência está certa. Sobre o objectivismo axiológico, escreve o manual:

 

«O objectivismo axiológico representado na época contemporânea por filósofos como Max Scheler (1874-1928) e Nicolai Hartman (1882-1950) que lhe aportaram um contributo próprio e original, remonta a Platão (século IV- a.c) e à Teoria das Ideias por ele defendida.(...)«

«Como podemos depreender, de acordo com esta concepção, os valores são independentes das coisas valiosas; estas só são coisas valiosas na medida em que deles participam; por exemplo, um quadro só é belo se conseguir corporizar o ideal de beleza...»(Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 92, Raíz Editora).

 

Ora, esta definição não está certa, é redutora. O objectivismo não implica, necessariamente, que os valores sejam independentes das coisas valiosas. A teoria de Aristóteles é um exemplo de objectivismo imanentista dos valores, em que os valores residem apenas nas coisas valiosas: o belo só existe imanente às flores belas, às mulheres belas, às paisagens belas, à escrita e à pintura ou escultura belas e a um sem número de coisas ou actos reais; não existe o Belo como arquétipo num mundo inteligível de Ideias, como teorizava Platão.

 

Por outro lado, a axiologia de Max Scheler não é um realismo axiológico mas fenomenologia axiológica: os valores são objectivos mas não existem por si mesmos, sem humanidade e sem homens individuais que os definam e experienciem. Ora isto é a «concepção relacional dos valores» que Adília Gaspar, António Manzarra e Michel Renaud distinguem, erroneamente, de objectivismo dos valores. De facto, Scheler veiculava essas duas posições: objectivista e correlacional dos valores, posições que pertencem a géneros diferentes e, portanto, podem coexistir na mesma teoria. Mais uma vez a superioridade da dialéctica, contida na minha crítica, sobre a filosofia analítica, desengonçada e caótica.

 

OS UTILITARISTAS ACTUAIS SUBSTITUIRAM A FELICIDADE PELA PREFERÊNCIA?

O manual escreve:

 

«Na época contemporânea, utilitaristas como Richard Hare e Peter Singer substituiram o conceito de felicidade pelo de preferência. Singer pretende mesmo explicar o comportamento moral recorrendo à teoria da evolução.» ...»(Adília Maia Gaspar e António Manzarra, Filosofia 10º ano, pág. 151, Raíz Editora; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Mesmo que esta frase, assumida por Adília Maia Gaspar, António Manzarra e Michel Renauld, se possa imputar a Richard Hare e Peter Singer ela revela apenas a confusão intelectual dos filósofos analíricos e dos autores deste manual: a felicidade não pode ser substituída pela preferência porque são espécies de géneros diferentes, felicidade é um conteúdo hedónico e preferência é uma forma, um meio de manipular aquele conteúdo. Os universitários de filosofia não conhecem a dialética.

 

 

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Domingo, 6 de Maio de 2007
As diversas teorias sobre o livre-arbítrio e a necessidade (Crítica de Manuais Escolares-XVIII)

A posição oficial de diversos teóricos da ética é a de que há quatro posições sobre o livre-arbítrio e determinismo ou necessidade: determinismo radical, determinismo moderado, indeterminismo e libertismo.

Assim no manual  português "A Arte de Pensar, Filosofia 10º ano" plasma-se o seguinte:

 

«...Determinismo radical. Esta posição defende que o livre-arbítrio é incompatível com um mundo regido por leis, onde os acontecimentos (incluindo as acções) se sucedem em cadeias causais tais que da ocorrência de uma certa causa se segue necessariamente a ocorrência de um dado efeito, sem que possamos interferir nessas ocorrências (mesmo que tenhamos consciência delas) e sem que as leis que regem as relações causais  estejam minimamente na nossa dependência. Em resumo: como o determinismo é verdadeiro, não somos livres.»

«...Determinismo moderado. O determinista deste tipo aceita a ideia de que o mundo é regido por leis e a ideia de que os acontecimentos estão causalmente relacionados. No entanto, para ele isto é compatível com o livre-arbítrio humano...»

«...Indeterminismo. O indetermista defende que alguns acontecimentos não têm causas - apenas acontecem e é tudo. ... Se fores indeterminista podes alegar que a tua acção foi aleatória. Mas terás de argumentar que o teu arremesso de pedras a vidros é como um acontecimento quântico, o que não será tarefa fácil e não te salvaguardará de seres responsabilizado pelo que fizeste: é que o mundo até poderá conter ocorrências aleatórias, mas não está demonstrado que a tua acção seja uma delas.»

«...Libertismo. O libertista pensa que o dilema do determinismo que vimos atrás, é um falso dilema: as escolhas dos agentes não são causalmente determinadas nem aleatórias. A alternativa consiste em conceber as nossas acções como produto de deliberações racionais e responsáveis que têm o poder de alterar o curso dos acontecimentos no mundo. O agente pode dar início a cadeias causais novas, o que é suficiente para que seja responsabilizável pelas suas acções.»

(Aires Almeida, António Paulo Costa, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, Filosofia, 10º ano, 1º volume, Didáctica Editora, Lisboa, Março de 2003, pags 82,83).

 

Esta divisão, que espelha a posição de John Searle e de outros teóricos da ética, como Simon Blackburn, é, a meu ver, inconsistente, confusa.

Em primeiro lugar, há uma duplicação da mesma definição, segundo a qual há simultaneamente livre-arbítrio e determinismo: ora é classificada de determinismo moderado, ora de libertismo. Isto mostra a falta de clareza dos autores do manual e dos teóricos que os inspiram. O libertismo está oculto na segunda posição baptizada de determinismo moderado, compatível com o livre-arbítrio, e o determinismo está oculto na quarta posição, baptizada de libertismo. Não é verdade que o determinismo moderado coexiste com o livre-arbítrio (libertismo) em que as nossas acções são «um produto de deliberações racionais e responsáveis»?  E não é verdade que o libertismo ou exercício do livre arbítrio " que pode dar início a cadeias causais novas" se compagina com o determinismo (lei infalível da natureza: a sucessão das quatro estações do ano, a transformação da semente de trigo em haste com espiga, o ter sono todas as noites, o acordar todas as manhãs, o sentir fome e sede ao cabo de algumas horas sem alimento, etc)? Não há libertismo como corrente autónoma. Libertismo é livre-arbítrio, é uma  propriedade comum ao determinismo moderado e ao indeterminismo biofísico moderado (exemplo: neva num dia quente de verão e escolho sair de casa ou ficar em casa).

 

Em segundo lugar, indetermismo é nebulosamente definido como inexistência de causas: «o indetermista defende que alguns acontecimentos não têm causas - apenas acontecem e é tudo». Ora indetermismo não implica que não haja causas, mas sim que não haja determinismo, isto é, que as mesmas causas não produzam sempre os mesmos efeitos, nas mesmas circunstâncias. A física quântica não negou a noção de causa: singularizou a causa, individualizou-a, como um novo nominalismo neomedieval, sustentou que a espécie de causas A não gera sempre a mesma espécie de efeitos B, está envolta na névoa da imprevisibilidade.

 

Há um indeterminismo causalista (o «caos» dos acontecimentos é gerado pelo livre-arbítrio humano, que é causa livre - isto é, causa não causada - ou pelo «capricho da natureza», que é causa livre, ou por deuses ou outras forças metafísicas, que são causas livres) e há um indeterminismo acausalista (nada é causa de nada, há apenas irrupção sincrónica e diacrónica, fortuita, de entes e acontecimentos). Mas nem o manual «Arte de Pensar» nem o famoso John Searle se terão apercebido desta distinção, ao que parece, interpretando o termo indeterminismo como sendo o que defino como indeterminismo acausalista.

 

Para uma boa divisão, só possível mediante o método dialéctico, há que recorrer à lei da contradição principal: um sistema de múltiplos pólos, contrários parcial ou totalmente entre si, é redutível a uma dualidade.

Eis, em oposição às incongruências de sistematização de John Searle e dos autores de «A arte de pensar»,  uma divisão correcta das teorias sobre livre-arbítrio e determinismo, da nossa autoria : fatalismo determinista, fatalismo indeterminista, determinismo biofísico sem livre arbítrio, determinismo biofísico com livre-arbítrio, indeterminismo biofísico com livre-arbítrio, indeterminismo biofísico sem livre arbítrio.

 

A contradição principal desta divisão é fatalismo versus não fatalismo, desdobrando-se este último em determinismo com ou sem livre-arbítrio e indeterminismo com ou sem livre arbítrio. O determinismo, considerado isoladamente, aparece como um termo intermédio: existe, totalitariamente, no polo do fatalismo, e sectorialmente (eles designam-no como determinismo moderado) no polo do não fatalismo.  

Vejamos, pois, a nossa divisão, lógica e clara:

 

1. DOUTRINAS FATALISTAS

 

A) Fatalismo determinista: teoria segundo a qual não existe liberdade alguma no mundo natural e no mundo humano, nem existe acaso, estando tudo predestinado, segundo leis necessárias de causa-efeito, de efeitos calculados ao milímetro. Exemplo: a astrologia determinista integral, segundo a qual as posições dos planetas, do sol e da lua determinam, em absoluto, em dias e horas predestinadas, as vidas individuais e a vida colectiva na Terra, as revoluções políticas, os sismos, os acidentes de avião, de barco, de comboio, de centrais nucleares, etc.

 

B) Fatalismo indeterminista: teoria segundo a qual não existe liberdade alguma no mundo natural, que se desenvolve irregularmente sem determinismos, nem no mundo humano, estando tudo predestinado, segundo impulsos da providência, de uma vontade que não obedece a leis necessárias. Exemplo: a Moira, o destino na concepção clássica trágica grega. Aqui há liberdade, reservada a potências inumanas, sobrenaturais, liberdade que pertence ao «autor» ou «autores» do destino.

 

2. DOUTRINAS NÃO FATALISTAS (LIBERTISTAS OU NÃO)

 

A) Determinismo biofísico sem livre-arbítrio: teoria aparentemente fatalista, mas de facto, não fatalista, segundo a qual as leis infaliveis de causa-efeito prevalecem em tudo, não só na natureza biofísica mas até no espírito humano que não tem livre arbítrio. No entanto, os factos não estão rigorosamente predestinados porque o factor acaso existe, no interior ou no exterior da malha do determinismo, e proporciona surpresas. Exemplo: "O aparecimento da vida humana embora propiciado por uma longa cadeia de causas e efeitos a funcionar ao longo de milhões de anos não estava predestinado, resultou do acaso, de uma combinação aleatória de células vivas.»

 

B) Determinismo biofísico com livre-arbítrio (ou Libertismo determinista): teoria segundo a qual existe livre-arbítrio, poder de escolher diferentes tipos de acção em dadas circunstâncias, em justaposição com o determinismo do mundo natural. Exemplos: «Sou livre de me alegrar ou entristecer, por sugestão mental, mas o meu corpo envelhece dia a dia inexoravelmente e não sou livre para o conseguir rejuvenescer por dentro»; «sou livre entre escolher ir ao ginásio ao fim da tarde, submeter-me ao determinismo dos aparelhos de musculação, ou ir comer e beber com um grupo de amigos, submetendo-me ao determinismo da mastigação e digestão dos alimentos.».

 

C) Indeterminismo biofísico com livre-arbítrio (Libertismo indeterminista): teoria segundo a qual existe livre-arbítrio humamo, que é causa de acções livres, e ao mesmo tempo não há leis necessárias na natureza física e psicofísica. Existe livre-arbítrio e acaso (liberdade na natureza). Exemplo: «Sou livre de me atirar do alto de um edifício ao solo e não é certo que me venha a esmagar ou ferir intensamente pois há indeterminismo geofísico, a lei da gravidade pode deixar de funcionar nesse local e momento.»

 

D) Indeterminismo biofísico sem livre-arbítrio : teoria segundo a qual não há liberdade humana mas o determinismo e a predestinação não existem, o presente nasce a cada instante de forma imprevisível, o indeterminismo rege a natureza física do universo e a natureza biológica do ser humano as quais anulam o livre-arbítrio deste. Exemplo: «A minha acção será sempre não livre, fruto das minhas necessidades biológicas e sociais e da evolução do universo em geral e a natureza é imprevisível no seu funcionamento, por exemplo, o azeite misturado com água pode não vir sempre à tona desta e a mistura de um ácido com uma base pode nem sempre gerar um sal».

 

Nesta divisão, o libertismo - existência de livre-arbítrio- assume duas formas: uma determinista, outra indeterminista. O conceito de libertismo não é fixo entre os teóricos da ética: alguns interpretam-no como defini indeterminismo com livre-arbítrio.

 

Esta divisão dialéctica é muito mais racional e clara do que as que construiram John Searle e os autores da «Arte de pensar».

 

 

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