Peter Singer, o renomado teórico da ética, define erroneamente relativismo como o conjunto das morais e opiniões dominantes nas diversas sociedades e não como o conjunto de todas as opiniões de grupo ou classe social existentes no seio de cada sociedade. Para Singer, o relativismo não permitiria, por exemplo, que na Cuba «comunista» de Castro a oposição, que exige eleições livres e o fim da censura e da ditadura do partido único, tivesse algum quinhão de verdade. Singer interpreta relativismo como ditadura da maioria sociológica no seio de uma sociedade. Ora isto é absolutismo, não relativismo.
Escreveu Singer:
«Mas isto levanta um problema: se a moral é relativa, o que há de especial no comunismo? Por que razão haveria alguém de tomar o partido do proletariado, e não o da burguesia?
Engels abordou este problema da única forma possível: abandonando o relativismo em favor de uma tese mais restrita que defendia que a moral de uma sociedade dividida em classes será sempre relativa à classe dominante, embora a moral de uma sociedade sem antagonismos sociais pudesse ser «realmente humana». Aqui já não há relativismo , mas é ainda o marxismo que, de uma forma meio confusa, impulsiona muitas ideias relativistas vagas. (..)
«Pior ainda, o relativista não consegue explicar satisfatoriamente o inconformista. Se «A escravatura é um mal» significa «A minha sociedade rejeita a escravatura», nesse caso qualquer pessoa que viva numa sociedade que a aceita está a cometer um erro factual ao dizer que a escravatura é um mal. Uma sondagem poderia então demonstrar o erro de um juízo ético. Os candidatos a reformadores ficam numa posição terrível: quando pretendem modificar as perspectivas éticas dos seus concidadãos, estão necessariamente errados; só quando conseguem conquistar a maioria da sociedade passam as suas opiniões a estar certas.
Estas dificuldades são suficientes para afundar o relativismo ético; o subjectivismo ético evita pelo menos que se tornem absurdos os esforços valorosos dos pretendentes a reformadores, pois faz os juízos éticos dependerem da aprovação ou desaprovação da pessoa que faz esse juízo, e não da sociedade em que essa pessoa se insere. »(Peter Singer, Ética prática, Gradiva, pags 21-23; o bold é nosso)
Ao dizer que Engels abandonou o relativismo, Singer equivoca-se: uma das características do materialismo histórico marxista é o seu relativismo, pois desvenda que em cada sociedade não existe uma moral única mas , pelo menos, duas morais em luta entre si, cada uma delas relativa a uma classe, a dominante e a dominada. Relativismo é isto e não a uniformização no seio da mesma sociedade nacional. O próprio raciocínio de Singer é confuso quando diz «Engels abordou este problema da única forma possível: abandonando o relativismo em favor de uma tese mais restrita que defendia que a moral de uma sociedade dividida em classes será sempre relativa à classe dominante». Então se Engels defendeu que " a moral de uma sociedade dividida em classes será sempre relativa à classe dominante", como pode ter abandonado o relativismo? Moral relativa a cada classe não é relativismo?
Singer padece de uma confusão teórica completa sobre o que é relativismo - doutrina que diz que há diferentes verdades ou interpretações da verdade no seio de cada sociedade, consoante os grupos sociais, culturais, políticos, religiosos, etc, e também no seio da comunidade internacional- confusão que já denunciamos existir também em James Rachels e nos manuais de filosofia para o 10º ano em Portugal de Desidério Murcho, Pedro Galvão, Luís Rodrigues e muitos outros.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Sobre o relativismo, escreve o manual português Filosofia 10º ano de Luís Rodrigues:
«3- O relativismo moral parece implicar que a acção dos reformadores morais é sempre incorrecta.
«O que é um reformador moral? Uma pessoa que tenta alterar significativamente o modo de pensar, de agir e de sentir de uma dada sociedade porque o considera moralmente errado nalguns aspectos importantes. Martin Luther King tentou por vía pacífica chamar a atenção para as deficiências morais de um código moral e jurídico que no sul dos EUA considerava moralmente aceitável que os negros fossem tratados como cidadãos de segunda classe. O mesmo fez Nelson Mandela na África do Sul. Como, segundo o relativismo, as crenças da maioria dos membros de uma sociedade são a verdade em matéria moral, como aquilo que é socialmente aprovado (o que significa aprovado pela generalidade dos membros de uma sociedade) é verdadeiro e deve ser seguido, então King comportou-se de forma moralmente errada.» (Luís Rodrigues, Filosofia 10º ano, volume I, pag 148, Plátano Editora; o negrito é por nós colocado).
Este manual, à semelhança de outros manuais e de «notáveis filósofos» da ética, navega nas águas da confusão conceptual.
O que é o relativismo ético? É a teoria segundo a qual os valores éticos - de bem e mal, correcto e incorrecto, justo e injusto - variam de grupo étnico a grupo étnico, de classe social a classe social, de contexto geográfico a contexto geográfico, de povo a povo, de época a época, de religião a religião.
Ora Luís Rodrigues afirma que segundo o relativismo as crenças da maioria são a verdade em matéria social. E que, por conseguinte, Luther King ao defender em 1964-1968 os direitos da minoria negra seria condenado pelo relativismo...
Confusão enorme! É justamente o oposto: um relativista diria que o racismo da elite dominante norte-americana nos anos 60 é uma perspectiva da verdade e que o anti-racismo e igualitarismo de Luther King e dos activistas negros é a outra perspectiva da verdade. A verdade tem, potencialmente, duas faces contrárias entre si, embora só possa estar numa delas ou se distribua desigualmente por ambas (70% de verdade numa, 30% na outra, por hipótese). Logo, o relativista - podendo alinhar com os racistas ou com os antiracistas - nunca entende, no seu íntimo, que só um dos lados possui 100% de verdade. Só o anti relativista acha que a maioria tem sempre razão...
Se o relativismo afirmasse, como sustenta Luís Rodrigues, que a maioria social tem sempre a razão ética e toda a razão, deixaria de ser relativismo, ou seja, visão holística diferenciada. Transformar-se-ia em absolutismo, isto é, anti holismo segmentador.
LUÍS RODRIGUES SEGUE O ERRO DE JAMES RACHELS
Luís Rodrigues, como aliás outros autores de manuais de filosofia em Portugal, segue, acriticamente, os erros dos «mestres» de língua inglesa - tal é o panorama actual desolador de uma grande parte dos professores de filosofia do ensino secundário, alguns com mestrados e doutoramentos.
Neste caso, o «mestre» é James Rachels que escreveu:
«2. Poderíamos decidir se as acções são certas ou erradas pela simples consulta dos padrões da nossa sociedade. O relativismo cultural propõe uma maneira simples para determinar o que está certo e o que está errado: tudo o que necessitamos é de perguntar se a acção está de acordo com o código da nossa sociedade. Suponhamos que em 1975 um residente na África do Sul se perguntava se a política de apartheid do seu país - um sistema rigidamente racista - era moralmente correcta. Tudo o que teria de fazer era perguntar se esta política se conformava com o código moral da sua sociedade. Em caso de resposta afirmativa, não haveria motivos de preocupação, pelo menos do ponto de vista moral.»
«....No entanto o relativismo cultural não se limita a impedir-nos de criticar os códigos de outras sociedades; não nos permite igualmente criticar a nossa».
(James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Gradiva, pag 41)
A confusão de Rachels é total: o relativismo moral impede-nos de criticar a nossa sociedade e os códigos das outras, isto é, impede-nos de relativizar a verdade? É óbvio que Rachels confunde relativismo com absolutismo de maioria sociológica. E é este Rachels um dos maiores teóricos mundiais da ética, como no-lo apresenta a indústria editorial? Deixem-nos rir de Rachels e do grotesco espectáculo das cátedras universitárias em filosofia, da distorção que o seu valor real (mínimo, a maioria das vezes) sofre sob o impacto dos media, dos prémios "equivalente a Nobel" (lembramos o premiado Thomas Nagel, tão pequenino no pensamento à beira de um Sartre ou de um Heidegger e de outros!)...
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
James Rachels define o sujectivismo ético da seguinte maneira:
«As pessoas têm opiniões diferentes, mas no que concerne à moral não há "factos", e ninguém está "certo". As pessoas simplesmente sentem de forma diferente e é tudo.»
«Este é o pensamento de base por detrás do subjectivismo ético. O subjectivismo ético é a ideia segundo a qual as nossas opiniões morais se baseiam nos nossos sentimentos e nada mais. Nesta perspectiva, o "objectivamente" certo ou errado é coisa que não existe.»
(James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Gradiva, pags 56-57).
Rachels é, indiscutivelmente, um filósofo confuso, que nem sequer se apercebeu das múltiplas facetas do termo subjectivismo. Confusos são também os autores de manuais que o seguem quase à letra (Pedro Galvão, Luis Rodrigues, Desidério Murcho, etc). Rachels liga subjectivismo a cepticismo, fazendo com que a noção de subjectivismo desemboque no niilismo moral.
Mas por que razão não seria possível que as múltiplas subjectividades tivessem razão, em simultâneo, isto é, fossem formas de apropriação da verdade desde diversos ângulos? Porque há-de o subjectivismo conduzir inevitavelmente ao cepticismo?
É falso que não haja factos morais segundo o subjectivismo. Um exemplo de factos morais no subjectivismo é o amor: toda a gente ama alguém, é um facto sociologicamente objectivo e etica e esteticamente subjectivo. No amor, onde reina o mais absoluto subjectivismo, cada pessoa está convicta, a cada momento, de que ama a pessoa perfeita, a mais bela, ou a mais doce e sedutora ainda que seja imperfeita e com vícios evidentes. Ao contrário do que sustenta James Rachels e, com ele, as centenas de milhar de professores de filosofia que, irreflectidamente, o seguem, subjectivismo é compatível com dogma, com certeza "infalível" e pressupõe a existência de factos morais.
Nota: Em 31 de Janeiro de 2008, às 21.30 horas, na biblioteca municipal de Beja, lançamento do livro «Os acidentes em Lisboa na Astronomia-Astrologia, Accidents and Astrology in U.S.A.» da autoria de quem escreve este blog. Convidam-se os professores e amantes da filosofia e os astrólogos, do sul de Portugal e Huelva e Sevilla, a estarem presentes. É uma festa para nós, os filósofos, apoderarmo-nos das alavancas da epistemologia, das ciências (história social e política; astronomia) e inflectirmos estas, nomeadamente a história mergulhada no oceano de um certo indeterminismo.
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Que não há uma moral absoluta, a mesma em todas as épocas, é indiscutível, segundo o relativismo.
Mas há um relativismo diacrónico com valores universais e objectivos para cada época.
Exemplo: «No século XIII, o valor moral e político supremo, objectivo, universal, aceite em todas as sociedades, desde o Ocidente ao Oriente, é acatar a autoridade dos reis e imperadores; no século XXI, o valor moral e político supremo, objectivo e universal, desde o Ocidente ao Oriente é respeitar a vontade popular através de eleições livres, imprensa livre, associação livre, etc».
Isto é RELATIVISMO DIACRÓNICO OBJECTIVISTA E UNIVERSALISTA. A verdade é relativa a cada época, isto é, varia de época a época mas mantém-se, universal e objectiva, no interior de cada época. Por conseguinte, objectivismo não se opõe, de forma absoluta, a relativismo. Há um objectivismo sincrónico que é, simultaneamente, um relativismo diacrónico.
Há relativismo subjectivista , relativismo intersubjectivista, e relativismo objectivista. Modulações conceptuais do mesmo vocábulo que os pensadores medianos, James Rachels incluído, não são capazes de detectar e explicitar.
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