Terça-feira, 27 de Março de 2012
Refutação do paradoxo de König (fragilidades da filosofia analítica anglo-saxónica- VI)

 

O "paradoxo de König" é um argumento aceite como válido pela filosofia analítica anglo-saxónica. Blackburn relata-o assim:

 

«Paradoxo de König - Também conhecido por paradoxo de Zermelo-König. Há uma pluralidade não numerável de números reais, mas só uma pluralidade numerável deles são definíveis por métodos finitos. Dada a demonstração de Zermelo segundo a qual os reais podem ser bem ordenados, o conjunto dos reais que não são definíveis por meios finitos tem de ter um membro que seja o primeiro. Mas isto é, em si mesmo, uma definição finita desse real. O paradoxo é similar ao paradoxo de Richard e ao paradoxo de Berry, apesar de o próprio König ter pensado que ele constituía afinal a demonstração de que os reais não podem ser bem ordenados.»

(Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, pag 318, Gradiva, 2007; o destaque a negrito é posto por mim).

 

Trata-se de um pseudo paradoxo. A pluralidade não numerável de números reais, isto é, o infinito matemático dos números reais, só existe em potência. Não existe em acto, na realidade presente, física e cosmológica. O infinito é, na verdade, uma sucessão de números reais finitos que só existe porque paramos a contagem, a seriação dos números reais - existe em pensamento, mas não na realidade físico-matemática. Não há portanto nenhum conjunto de números reais não definíveis por métodos finitos. Todos os números, como, por exemplo, os números 1 000 000 000 001 ou  5 000 000 000 000 000 000 000 001 são definíveis por métodos finitos, logo não é possível haver um primeiro número do conjunto dos números reais não definíveis por métodos finitos.  

 

O suposto paradoxo é afinal a oposição excludente entre um conjunto real de números reais e um conjunto fantasma - o conjunto de números reais não definíveis por métodos finitos.

 

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Sábado, 24 de Dezembro de 2011
O infinito espacial e corporal é mera abstração, segundo Aristóteles

 

A filosofia Aristóteles distingue-se da de Platão na medida em que procura demonstrar que as essências não existem separadamente em si mesmas, fora do mundo material e vital.  Assim acontece com a essência infinito espacial :

 

 «Ora bem, é impossível que o infinito seja separável das coisas sensíveis e que algo seja  infinito em si mesmo. Porque se o próprio infinito não fosse uma magnitude nem uma pluralidade, mas sim uma substância e não um atributo, seria então indivisível; porque o divisível ou é uma magnitude ou uma pluralidade. Mas se é indivisível não é infinito, salvo que o fosse como a voz é invisível. Mas os que afirmam a realidade do infinito não dizem que seja desta maneira, nem que é isso o que buscamos, mas que o infinito é algo "que não pode ser percorrido". Mas se o infinito existe como atributo nunca poderá ser, enquanto infinito, um elemento constitutivo das coisas, como tampouco o invisível o é da linguagem, ainda que a voz seja invisível.»

«Ademais, como é possível que exista o próprio Infinito, se não existem o próprio Número e a própria Magnitude, dos quais o infinito é em si uma propriedade? A necessidade de que exista este infinito é ainda menor do que a do número ou da magnitude em si.» (Aristóteles, Física, Livro III, 204 a, 5-20; a letra negrita é posta por mim)


É muito interessante a visão aristotélica: o infinito no espaço e no mundo corporal é uma abstração, não existe em si mesmo, salvo na imaginação. As coisas são finitas. O infinito é uma ilusão da mente. É nele, a meu ver,  que a física se converte em matemática, uma vez que o universo físico material é limitado, por muito que falem da divisibilidade infinita dos corpos, e a matemática devido à sua natureza monádica (os números não ocupam lugar) suscita a ideia de infinito. A matemática faz a ponte entre a física e a metafísica. Não espanta que Aristóteles a classifique como a primeira das ciências a seguir à filosofia primeira ou - termo não usado pelo filósofo grego - ontologia-eidologia. Aristóteles sabia , verdadeiramente, produzir ontologia: o ser real é o finito ou o conjunto dos finitos, mas não o infinito que é ser virtual, atributo. A crença de Einstein de que o universo é finito, como uma esfera fechada, radica, assim, na concepção aristotélica do mundo.

 

 

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Sexta-feira, 11 de Dezembro de 2009
Sofismas no diálogo «Parménides ou das Ideias» de Platão-II

O diálogo platónico «Parménides ou das Ideias» é uma das obras mais importantes de Platão como modelo do discurso sofístico em que Platão embarca, até certo ponto, inconscientemente. Desmontemos alguns trechos desse diálogo:

 

 

 

O UNO NÃO SE DIVIDE AO APLICAR-SE A MUITAS COISAS E É SEPARÁVEL DO SER, AO INVÉS DO QUE DIZ PLATÃO

 

 

 

Depois de assegurar a Aristóteles que «o uno está ligado a todas as partes do ser», a personagem Parménides prossegue assim o diálogo:  

 

 

 

PARMÉNIDES

 

Mas, sendo uno, encontrar-se-á integralmente em muitas coisas? Reflecte bem.

 

 

 

ARISTÓTELES

 

Já reflecti e vejo que é impossível.

 

 

 

PARMÉNIDES

 

Se não se encontra nelas integralmente, encontra-se dividido, pois não pode estar presente ao mesmo tempo, em todas as partes do ser, senão dividindo-se.

 

 

 

ARISTÓTELES

 

Claro.

 

 

 

PARMÉNIDES

 

Além disso, o que está dividido forma, necessariamente, tantos seres quantas as partes que contém.

 

 

 

ARISTÓTELES

 

Necessariamente.

 

 

 

PARMÉNIDES

 

«Enganámo-nos, portanto, quando há pouco dissemos que o ser está repartido numa infinidade de partes, pois não pode repartir-se em maior número de partes que o uno, mas sim em tantas partes como ele, porque o ser não pode separar-se do uno, nem o uno do ser, e ambos andam sempre a par.

 

 

 

ARISTÓTELES

 

Claríssimo.

 

 

 

PARMÉNIDES

 

Portanto, o uno, repartido pelo ser, é também múltiplo e infinito em número.

 

 

 

ARISTÓTELES

 

Evidentemente.

 

 

 

PARMÉNIDES

 

Portanto, não é apenas o «ser uno» que é múltiplo, mas também o é, necessariamente, o «uno», dividido pelo «ser». (Platão, Parménides ou Das Ideias, Editorial Inquérito; a letra negrita é posta por nós).

 

 

 

 

Em todo este diálogo, Platão joga com uma falácia anfibológica: usa o termo «uno» com dois sentidos diferentes, ora como essência pura, isto é adjectivo, ora como substantivo adjectivado, isto é, «ser uno». Portanto, o ser uno é múltiplo, mas o uno, qualidade pura, nunca é múltiplo, senão deixaria de ser uno.

 

Ao afirmar que «o uno, repartido pelo ser, é também múltiplo e infinito em número» a personagem Parménides sofisma a questão: o «uno repartido pelo ser» não é o uno puro, a qualidade uno em si mesma, mas é, sim, o ser uno - ou seja, um mosaico de partes -  e este “ser uno”, de facto, é múltiplo e poderá ser infinito em número de partes .

 

  

 

Ao dizer que «o ser não pode separar-se do uno, nem o uno do ser, e ambos andam sempre a par» Platão produz realmente um sofisma de que nem o filósofo real Aristóteles – não a personagem deste diálogo – se conseguiu libertar na sua «Metafísica».

 

Então o uno não pode separar-se do ser? Que falsidade!  O não-ser é uno e está relativamente separado do ser por um «contorno». Este uno que envolve o não ser está fora do ser. Uno é uma forma englobante e ser é um conteúdo englobado ou um misto forma-conteúdo. São distintos, em certa medida.

 

 

 

O UNO PODE DAR-SE INTEGRALMENTE AO MESMO TEMPO EM MUITAS COISAS, AO INVÉS DO QUE DIZ “PARMÉNIDES”

 

 

 

Outro ponto relevante do diálogo é o seguinte:

 

 

 

PARMÉNIDES

 

«Mas, sendo uno, encontrar-se-á integralmente ao mesmo tempo em muitas coisas? Reflecte bem.

 

 

 

ARISTÓTELES

 

Já reflecti e vejo que é impossível.

 

 

 

PARMÉNIDES

 

Se não se encontra nela integralmente, encontra-se dividido, pois não pode estar presente, ao mesmo tempo, em todas as partes do ser, senão dividindo-se.» (Platão, Parménides ou Das Ideias, pag 67-68; a letra negrita é acrescentada por nós).

 

 

 

Isto é pura sofística. Desmontemo-la: há três termos em questão, o uno, o seu contrário, isto é, o múltiplo, e o intermédio, isto é, o ser, onde se dão os dois primeiros em simultâneo. Portanto, o uno não pode dar-se ao mesmo tempo no múltiplo mas pode dar-se ao mesmo tempo que o múltiplo num aglomerado ou multidão de coisas, isto é, no ser. Sendo o uno uma qualidade, não espacial, e não uma substância extensa, pode multiplicar-se e existir em milhões de coisas em simultâneo: é como Deus, goza do dom da ubiquidade sem se dividir nem diminuir de intensidade.

 

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Sábado, 28 de Março de 2009
Platão e a dialéctica do finito e do infinito

No Filebo, importante diálogo, Platão estabelece três géneros originais – o infinito, equiparado ao prazer sensual, o finito, equiparado ao prazer espiritual da sabedoria e da medida, e a mistura. Assim, ontologicamente, a sensualidade assemelha-se ao caos, ao ilimitado, que não tem proporções definidas, ao passo que a ciência e a inteligência assemelham-se ao ser, ao limitado e dotado de proporção (número).

 

SÓCRATES- Não é nesta mistura de infinito e de finito que nascem as estações e tudo o que nos parece belo no universo?

PROTARCO- Sem dúvida.

SÓCRATES- E há mil outras coisas que não cito, como a beleza e a força com a saúde, e muitas qualidades admiráveis na alma. Com efeito, meu belo Filebo, a deusa, vendo a violência e a maldade universal que provêm do facto de que os homens não põem limites aos seus prazeres e à sua gula, estabeleceu a lei e a ordem, que contêm um limite. Tu pretendes que ela fez mal. Pelo contrário, eu digo que é a nossa salvação. E tu, Protarco, que dizes? 

PROTARCO- Estou inteiramente de acordo contigo, Sócrates.

SÓCRATES- Estas são as três classes de que eu devia falar, se bem me compreendes.

PROTARCO- Sim, creio compreender-te. Parece-me que dizes que o infinito é uma classe e o finito uma segunda classe nas coisas existentes, mas não entendo bem qual é a terceira.

SÓCRATES- É porque, admirável rapaz, ficaste confundido com a quantidade das produções da terceira. Contudo, o infinito também apresenta muitas espécies, mas como todas elas tinham a marca do mais e do menos, pareceram-nos um único género.

PROTARCO- É verdade.

SÓCRATES- Quanto ao finito, também não contestámos que continha muitas espécies nem que havia um da sua natureza.

PROTARCO- Como teríamos podido contestar?

SÓCRATES- De maneira nenhuma. Quanto à terceira classe, penso que incluo nela tudo o que saiu das primeiras duas, tudo o que vem à existência sob o efeito da medida e do finito.

(Platão, Filebo, XIII parte; o bold é nosso)

 

A geração faz-se, pois, a partir dos contrários finito e infinito, segundo Platão. É uma visão eminentemente dialética.

 

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