O "paradoxo de König" é um argumento aceite como válido pela filosofia analítica anglo-saxónica. Blackburn relata-o assim:
«Paradoxo de König - Também conhecido por paradoxo de Zermelo-König. Há uma pluralidade não numerável de números reais, mas só uma pluralidade numerável deles são definíveis por métodos finitos. Dada a demonstração de Zermelo segundo a qual os reais podem ser bem ordenados, o conjunto dos reais que não são definíveis por meios finitos tem de ter um membro que seja o primeiro. Mas isto é, em si mesmo, uma definição finita desse real. O paradoxo é similar ao paradoxo de Richard e ao paradoxo de Berry, apesar de o próprio König ter pensado que ele constituía afinal a demonstração de que os reais não podem ser bem ordenados.»
(Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, pag 318, Gradiva, 2007; o destaque a negrito é posto por mim).
Trata-se de um pseudo paradoxo. A pluralidade não numerável de números reais, isto é, o infinito matemático dos números reais, só existe em potência. Não existe em acto, na realidade presente, física e cosmológica. O infinito é, na verdade, uma sucessão de números reais finitos que só existe porque paramos a contagem, a seriação dos números reais - existe em pensamento, mas não na realidade físico-matemática. Não há portanto nenhum conjunto de números reais não definíveis por métodos finitos. Todos os números, como, por exemplo, os números 1 000 000 000 001 ou 5 000 000 000 000 000 000 000 001 são definíveis por métodos finitos, logo não é possível haver um primeiro número do conjunto dos números reais não definíveis por métodos finitos.
O suposto paradoxo é afinal a oposição excludente entre um conjunto real de números reais e um conjunto fantasma - o conjunto de números reais não definíveis por métodos finitos.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
A filosofia Aristóteles distingue-se da de Platão na medida em que procura demonstrar que as essências não existem separadamente em si mesmas, fora do mundo material e vital. Assim acontece com a essência infinito espacial :
«Ora bem, é impossível que o infinito seja separável das coisas sensíveis e que algo seja infinito em si mesmo. Porque se o próprio infinito não fosse uma magnitude nem uma pluralidade, mas sim uma substância e não um atributo, seria então indivisível; porque o divisível ou é uma magnitude ou uma pluralidade. Mas se é indivisível não é infinito, salvo que o fosse como a voz é invisível. Mas os que afirmam a realidade do infinito não dizem que seja desta maneira, nem que é isso o que buscamos, mas que o infinito é algo "que não pode ser percorrido". Mas se o infinito existe como atributo nunca poderá ser, enquanto infinito, um elemento constitutivo das coisas, como tampouco o invisível o é da linguagem, ainda que a voz seja invisível.»
«Ademais, como é possível que exista o próprio Infinito, se não existem o próprio Número e a própria Magnitude, dos quais o infinito é em si uma propriedade? A necessidade de que exista este infinito é ainda menor do que a do número ou da magnitude em si.» (Aristóteles, Física, Livro III, 204 a, 5-20; a letra negrita é posta por mim)
É muito interessante a visão aristotélica: o infinito no espaço e no mundo corporal é uma abstração, não existe em si mesmo, salvo na imaginação. As coisas são finitas. O infinito é uma ilusão da mente. É nele, a meu ver, que a física se converte em matemática, uma vez que o universo físico material é limitado, por muito que falem da divisibilidade infinita dos corpos, e a matemática devido à sua natureza monádica (os números não ocupam lugar) suscita a ideia de infinito. A matemática faz a ponte entre a física e a metafísica. Não espanta que Aristóteles a classifique como a primeira das ciências a seguir à filosofia primeira ou - termo não usado pelo filósofo grego - ontologia-eidologia. Aristóteles sabia , verdadeiramente, produzir ontologia: o ser real é o finito ou o conjunto dos finitos, mas não o infinito que é ser virtual, atributo. A crença de Einstein de que o universo é finito, como uma esfera fechada, radica, assim, na concepção aristotélica do mundo.
www.filosofar.blogs.sapo.pt
f.limpo.queiroz@sapo.pt
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O diálogo platónico «Parménides ou das Ideias» é uma das obras mais importantes de Platão como modelo do discurso sofístico em que Platão embarca, até certo ponto, inconscientemente. Desmontemos alguns trechos desse diálogo:
O UNO NÃO SE DIVIDE AO APLICAR-SE A MUITAS COISAS E É SEPARÁVEL DO SER, AO INVÉS DO QUE DIZ PLATÃO
Depois de assegurar a Aristóteles que «o uno está ligado a todas as partes do ser», a personagem Parménides prossegue assim o diálogo:
PARMÉNIDES
Mas, sendo uno, encontrar-se-á integralmente em muitas coisas? Reflecte bem.
ARISTÓTELES
Já reflecti e vejo que é impossível.
PARMÉNIDES
Se não se encontra nelas integralmente, encontra-se dividido, pois não pode estar presente ao mesmo tempo, em todas as partes do ser, senão dividindo-se.
ARISTÓTELES
Claro.
PARMÉNIDES
Além disso, o que está dividido forma, necessariamente, tantos seres quantas as partes que contém.
ARISTÓTELES
Necessariamente.
PARMÉNIDES
«Enganámo-nos, portanto, quando há pouco dissemos que o ser está repartido numa infinidade de partes, pois não pode repartir-se em maior número de partes que o uno, mas sim em tantas partes como ele, porque o ser não pode separar-se do uno, nem o uno do ser, e ambos andam sempre a par.
ARISTÓTELES
Claríssimo.
PARMÉNIDES
Portanto, o uno, repartido pelo ser, é também múltiplo e infinito em número.
ARISTÓTELES
Evidentemente.
PARMÉNIDES
Portanto, não é apenas o «ser uno» que é múltiplo, mas também o é, necessariamente, o «uno», dividido pelo «ser». (Platão, Parménides ou Das Ideias, Editorial Inquérito; a letra negrita é posta por nós).
Em todo este diálogo, Platão joga com uma falácia anfibológica: usa o termo «uno» com dois sentidos diferentes, ora como essência pura, isto é adjectivo, ora como substantivo adjectivado, isto é, «ser uno». Portanto, o ser uno é múltiplo, mas o uno, qualidade pura, nunca é múltiplo, senão deixaria de ser uno.
Ao afirmar que «o uno, repartido pelo ser, é também múltiplo e infinito em número» a personagem Parménides sofisma a questão: o «uno repartido pelo ser» não é o uno puro, a qualidade uno em si mesma, mas é, sim, o ser uno - ou seja, um mosaico de partes - e este ser uno, de facto, é múltiplo e poderá ser infinito em número de partes .
Ao dizer que «o ser não pode separar-se do uno, nem o uno do ser, e ambos andam sempre a par» Platão produz realmente um sofisma de que nem o filósofo real Aristóteles não a personagem deste diálogo se conseguiu libertar na sua «Metafísica».
Então o uno não pode separar-se do ser? Que falsidade! O não-ser é uno e está relativamente separado do ser por um «contorno». Este uno que envolve o não ser está fora do ser. Uno é uma forma englobante e ser é um conteúdo englobado ou um misto forma-conteúdo. São distintos, em certa medida.
O UNO PODE DAR-SE INTEGRALMENTE AO MESMO TEMPO EM MUITAS COISAS, AO INVÉS DO QUE DIZ PARMÉNIDES
Outro ponto relevante do diálogo é o seguinte:
PARMÉNIDES
«Mas, sendo uno, encontrar-se-á integralmente ao mesmo tempo em muitas coisas? Reflecte bem.
ARISTÓTELES
Já reflecti e vejo que é impossível.
PARMÉNIDES
Se não se encontra nela integralmente, encontra-se dividido, pois não pode estar presente, ao mesmo tempo, em todas as partes do ser, senão dividindo-se.» (Platão, Parménides ou Das Ideias, pag 67-68; a letra negrita é acrescentada por nós).
Isto é pura sofística. Desmontemo-la: há três termos em questão, o uno, o seu contrário, isto é, o múltiplo, e o intermédio, isto é, o ser, onde se dão os dois primeiros em simultâneo. Portanto, o uno não pode dar-se ao mesmo tempo no múltiplo mas pode dar-se ao mesmo tempo que o múltiplo num aglomerado ou multidão de coisas, isto é, no ser. Sendo o uno uma qualidade, não espacial, e não uma substância extensa, pode multiplicar-se e existir em milhões de coisas em simultâneo: é como Deus, goza do dom da ubiquidade sem se dividir nem diminuir de intensidade.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
No Filebo, importante diálogo, Platão estabelece três géneros originais o infinito, equiparado ao prazer sensual, o finito, equiparado ao prazer espiritual da sabedoria e da medida, e a mistura. Assim, ontologicamente, a sensualidade assemelha-se ao caos, ao ilimitado, que não tem proporções definidas, ao passo que a ciência e a inteligência assemelham-se ao ser, ao limitado e dotado de proporção (número).
SÓCRATES- Não é nesta mistura de infinito e de finito que nascem as estações e tudo o que nos parece belo no universo?
PROTARCO- Sem dúvida.
SÓCRATES- E há mil outras coisas que não cito, como a beleza e a força com a saúde, e muitas qualidades admiráveis na alma. Com efeito, meu belo Filebo, a deusa, vendo a violência e a maldade universal que provêm do facto de que os homens não põem limites aos seus prazeres e à sua gula, estabeleceu a lei e a ordem, que contêm um limite. Tu pretendes que ela fez mal. Pelo contrário, eu digo que é a nossa salvação. E tu, Protarco, que dizes?
PROTARCO- Estou inteiramente de acordo contigo, Sócrates.
SÓCRATES- Estas são as três classes de que eu devia falar, se bem me compreendes.
PROTARCO- Sim, creio compreender-te. Parece-me que dizes que o infinito é uma classe e o finito uma segunda classe nas coisas existentes, mas não entendo bem qual é a terceira.
SÓCRATES- É porque, admirável rapaz, ficaste confundido com a quantidade das produções da terceira. Contudo, o infinito também apresenta muitas espécies, mas como todas elas tinham a marca do mais e do menos, pareceram-nos um único género.
PROTARCO- É verdade.
SÓCRATES- Quanto ao finito, também não contestámos que continha muitas espécies nem que havia um da sua natureza.
PROTARCO- Como teríamos podido contestar?
SÓCRATES- De maneira nenhuma. Quanto à terceira classe, penso que incluo nela tudo o que saiu das primeiras duas, tudo o que vem à existência sob o efeito da medida e do finito.
(Platão, Filebo, XIII parte; o bold é nosso)
A geração faz-se, pois, a partir dos contrários finito e infinito, segundo Platão. É uma visão eminentemente dialética.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Livraria online de Filosofia e Astrologia Histórica