Segunda-feira, 15 de Junho de 2015
Erros no Exame Nacional de Filosofia de 15 de Junho de 2015

 

O exame final nacional de filosofia do ensino secundário em Portugal, 11º   ano de escolaridade, prova 714/ 1ª fase, realizado em 15 de Junho de 2015, enferma de erros teóricos. Eis alguns desses erros na versão 2 da Prova 714/1ª fase, nas questões de escolha múltipla em que só se dá como correcta uma das quatro opções.

 

GRUPO I

 

«2. Em qual das seguintes opções é referida, de forma inequívoca, uma acção:

(A) A Mariana foi picada por um mosquito.

(B) O Rui esqueceu-se de tirar o boné da cabeça.

(C) Um mosquito picou a Mariana.

(D) A professora mandou o Rui tirar o boné.»

 

Crítica minha: Os critérios de correção apontam que a resposta D é a única certa. Mas a resposta C está igualmente certa: picar uma pessoa é uma acção... de um animal, um mosquito. Há três tipos de acções: da natureza geofísica (exemplo: a erupção de um vulcão), dos animais inumanos (exemplo: o leão persegue e mata a gazela) do homem (exemplo: um condutor atropela involuntariamente uma pessoa). Se o autor do exame queria que só a resposta D fosse certa, a pergunta devia falar de acção humana e não somente de acção. Não é ridículo considerar acção o facto de um homem comer frango e não considerar acção o facto de um leão comer uma gazela? É assim o espírito minucioso e míope, sem visão global, dos analíticos...

 

«6. Segundo a UNICEF, devido à epidemia de ébola que, em 2014, atingiu o continente africano, 4 000 crianças perderam ambos os pais e 13 000 crianças perderam um dos pais. Portanto, a epidemia de ébola causou 17 000 orfãos em África.»

O argumento anterior é:

(A) um mau argumento de autoridade.

(B) um bom argumento de autoridade.

(C) uma indução a partir de um número insuficiente de casos.

(D) uma indução a partir de uma amostra representativa.»

 

Segundo os critérios de correção a resposta correcta é a opção B: é um bom argumento da autoridade já que a Unicef tem prestígio na matéria.

 

Crítica minha: nenhuma das respostas está correcta. Embora a Unicef invocada seja uma autoridade mundial no problema das crianças, e pareça que se trata de um bom argumento de autoridade, o essencial do argumento está na correção da operação matemática referente aos meninos e meninas que ficaram orfãos ou  duplamente orfãos de África em 2014. Trata-se de uma indução completa, sem salto no vazio, isto é, de uma inferência que consiste em  chegar ao resultado por enumeração, contando a totalidade dos casos singulares. Ou, se se quiser, trata-se de uma dedução - a operação matemática 4 000 + 13 000= 17 000 é uma dedução, não necessita de uma amostra empírica- fundada numa indução completa ou contagem exaustiva de todos os elementos de um conjunto. Se o autor da prova queria que a opção B fosse a resposta correta devia te-la formulado assim: «um argumento de autoridade e uma dedução fundada numa indução completa».

 

«7. Considere os textos seguintes:

        1. A ciência está na base das tecnologias que mudaram as nossas vidas. Por conseguinte, para que o avanço tecnológico não abrande, os investimentos da ciência não devem ser reduzidos.

         2. Após a Segunda Guerra Mundial, importava assegurar a recuperação económica dos países europeus envolvidos. Além disso, os líderes das principais nações europeias pretendiam impedir um novo conflito armado. Foi esta dupla ambição que esteve na origem da União Europeia.

 

(A) 1 e 2 são textos argumentativos.

(B) 1 e 2 não são textos argumentativos.

(C) 2 é um texto argumentativo; 1 não é um texto argumentativo.

(D) 1 é um texto argumentativo; 2 não é um texto argumentativo.»

 

A resposta considerada correcta nos critérios de correção é a (D).

Crítica minha: A resposta correcta é a A: ambos os textos, um e dois, são (parcialmente) argumentativos, se por argumentativo se entende uma afirmação ideológica, que exprime o ponto de vista de uma classe social, de um grupo cultural, político ou religioso, ou de um povo, não sendo absolutamente neutra ou isenta. Ao dizer «para que o avanço tecnológico não abrande, os investimentos da ciência não devem ser reduzidos»  está-se a argumentar, no texto 1, a favor do investimento com dinheiro nos programas científicos e tecnológicos, e isto é ideologia do capitalismo, privado ou estatal, posição que não merece o acordo dos grupos ecologistas defensores do «crescimento zero», da paralisação do fabrico de automóveis, barcos, aviões, telemóveis, postes de energia eléctrica, etc. Ao dizer no texto dois que «Após a Segunda Guerra Mundial, importava assegurar a recuperação económica dos países europeus envolvidos. Além disso, os líderes das principais nações europeias pretendiam impedir um novo conflito armado» está-se a argumentar com as intenções supostamente pacifistas dos líderes europeus como base da criação do Mercado Comum Europeu, o que é discutível, isto é, argumentativo. Alguns dirão que as burguesias francesa e alemã tinham por objectivo não uma recuperação económica dos países comunitários mas um aumento da sua hegemonia no mundo e a realização do máximo lucro..

 

«8. Em qual das opções seguintes se apresenta um exemplo do conhecimento a priori?

(A) Sei que nenhum irmão é filho único.

(B) Sei qual é o meu nome.

(C) Sei que alguns pais não são casados.

(D) Sei que idade tenho.»

 

Os critérios de correção apontam como resposta «certa» a opção A

 

Crítica minha: nenhuma das respostas é correcta. O que é o conhecimento a priori? É aquele que se opera independentemente das sensações, das percepções de objectos do mundo empírico. Segundo Kant só os conceitos matemáticos e alguns da física pura são a priori: os conceito de números Dois, Três, Quatro, etc., são a priori e os juízos «Três mais Quatro é igual a Sete» ou «Dois Vezes Dois é igual a Quatro» são a priori, mas os conceitos de «Irmão» de «Filho Único», de «Pai», de «Idade» , de «Casado», de «Nome» e o juízo «Ter irmãos implica não ser filho único» são a posteriori, isto é, derivam da experiência sensorial, de pessoas e situações qiue vemos e ouvimos. Ora, em todas as quatro frases acima citadas há conceitos a posteriori.

 

Os critérios de correção apontam como resposta «certa» a opção A. Mas a frase «Sei que nenhum irmão é filho único» é tão a priori - se assim me posso exprimir; em rigor não é a priori - como a frase C «Sei que alguns pais não são casados». Ser irmão implica não ser filho único e ser pai, em muitos casos, implica não ser casado.

 

«9. Identifique o par de termos que permite completar a afirmação seguinte.

       A dúvida cartesiana é_________; por isso, Descartes não é um filósofo____________

(A) metódica...racionalista

(B) metódica.....cético

(C) hiperbólica....empirista

(D) cética..... empirista.»

 

Os critérios de correção da prova apontam como única opção correcta a resposta B: A dúvida cartesiana é metódica  por isso, Descartes não é um filósofo cético.

 

Crítica minha: há duas respostas certas, as opções B e C, e não apenas uma. A opção C diz o seguinte:  «A dúvida cartesiana é hiperbólica   por isso, Descartes não é um filósofo empirista». Isto está correto. O que é a dúvida hiperbólica? É aquela que se estende a tudo e duvida mesmo do próprio corpo físico do sujeito e do eu pensante. Formula-se assim: «Os sentidos , fonte da verdade segundo o emprismo, enganam-me e é possível que tudo o que vejo, toco e penso não exista, duvido da existência das árvores, das casas e cidades,  da paisagem , da realidade dos animais, dos homens, dos céus e da terra, de Deus, das verdades matemáticas e outras e do meu próprio eu. Ora esta dúvida hiperbólica faz com que Descartes não seja um filósofo empirista já que estes dão crédito às percepções empíricas e tomam-nas como a base, ao contrário de Descartes. 

 

 

A existência de tantos erros neste exame nacional é a prova da incompetência da universidade portuguesa na área da filosofia, porque a tutela da comissão que fabrica a prova nacional de filosofia é, tanto quanto se sabe, da universidade portuguesa. Fechem-se as faculdades de filosofia porque os doutoramentos e as cátedras - dignidades «clericais» que não existiam no tempo de Platão e Aristóteles - são centros de poder pessoal onde reinam incompetentes adeptos da filosofia analítica, do positivismo lógico ou da fenomenologia que distorcem, em regra, a verdade da qual julgam ser donos. Precisa-se de uma revolução estudantil-operária como a de Maio de 1968 em França, em que os estudantes destituem os catedráticos da burguesia, os papas da igreja laica que é a universidade das humanísticas (filosofia, história, sociologia, antropologia, etc.), carregados de ideologia contra a dialética, a  ciência da astrologia histórica, as medicinas naturais, etc.

 

www.filosofar.blogs.sapo.pt

f.limpo.queiroz@sapo.pt

 

© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)



publicado por Francisco Limpo Queiroz às 14:22
link do post | comentar | ver comentários (3) | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Janeiro 2024
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

21
22
23
24
25
26
27

28
29
30
31


posts recentes

Erros no Exame Nacional d...

arquivos

Janeiro 2024

Dezembro 2023

Novembro 2023

Outubro 2023

Setembro 2023

Agosto 2023

Julho 2023

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Janeiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Agosto 2022

Julho 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Fevereiro 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Agosto 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Outubro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

tags

todas as tags

favoritos

Teste de filosofia do 11º...

Suicídios de pilotos de a...

David Icke: a sexualidade...

links
blogs SAPO
subscrever feeds