Domingo, 21 de Fevereiro de 2021
Equívocos no manual «Preparar o exame nacional de filosofia 11º» (Crítica de Manuais Escolares LX)

 

O manual da Areal «Preparar para o exame nacional Filosofia 11º» de Lina Moreira e Idalina Dias alberga, a par de muitas definições correctas e úteis, vários erros relevantes

 

UMA ERRÓNEA DISTINÇÃO ENTRE DETERMINISMO MODERADO E LIBERTISMO

 

As autoras perfilham a confusão teórica da filosofia analítica em voga separando libertismo de determinismo moderado, sem perceberem que o libertismo é género onde cabem duas espécies: o determinismo moderado pelo livre-arbítrio e o indeterminismo moderado pelo livre-arbítrio. Em ambas estas o livre-arbítrio impera sobre as leis ou acasos da natureza. 

 

Escrevem as autoras: 

«O libertismo é uma das teorias filosóficas que afirma a existência e o primado do do livre-arbítrio na ação humana. Neste sentido, considera que, face às mesmas circunstâncias, o ser humano escolhe livremente entre as várias possibilidades que tem diante de si, o que significa, recuperando o exemplo, que poderíamos ter saído pela janela ou escolhido agir de outra forma. Tal significa o reconhecimento de que, perante a mesma circunstância, havia mais do que uma ação possível, que o agente escolheu uma de várias possibilidades». 

LINA MOREIRA e IDALINA DIAS, «Preparar para o exame nacional Filosofia 11º» , Areal Editores,página 69.

 

Esta definição é exatamente a mesma de determinismo moderado, doutrina segundo a qual o universo é regido por leis biofísicas invariáveis (nascimento, crescimento, estado adulto jovem, envelhecimento e morte dos seres vivos; translação da Terra em torno do Sol em 365 dias, etc.) mas o ser humano dispõe de livre arbítrio, capacidade de escolha racional entre as alternativas de ação a cada momento.

 

O erro das autoras e de todos os manuais de filosofia do ensino secundário e de John Searle e Simon Blackburn está em supor que o determinismo moderado, pelo facto de admitir que há leis biofísicas necessárias, infalíveis, reduz o grau de livre arbítrio nos seres humanos quando é exatamente o contrário que sucede: Sartre escreveu que «nunca fomos tão livres como sob a ocupação alemã», de 1940 a 1944, porque cada francês podia escolher a resistência ou a colaboração com o nazismo.  A pressão das leis físicas infalíveis (determinismo) não reduz, aumenta o livre-arbítrio, que é uma deliberação racional (libertismo). Há maior liberdade no determinismo biofísico com livre arbítrio (determinismo moderado) - porque se escolhe conhecendo as leis da natureza física - do que no indeterminismo biofísico (inexistência de leis necessárias, imprevisibilidade) com livre arbítrio que as autoras, Simon Blackburn e as universidades confusamente batizam de libertismo.

 

O libertismo, segundo o conceito em voga dos manuais, é a tendência de livre escolha sem levar em conta as cadeias do determinismo biofísico em que estamos imersos (estado do corpo: fome, frio, saciedade; situação económica: salário ou outro rendimento, carreira profissional, bens imóveis e móveis; situação política: sociedade aberta ou totalitarismo, etc.) Mas essa tendência libertista não é livre-arbítrio porque lhe falta a racionalidade que só existe quando se observa e leva em conta a situação concreta, o mundo físico e as suas condicionantes. Como diria Hegel «a liberdade é a consciência da necessidade», não é o impulso do louco que se julga livre e age irracionalmente. Já Aristóteles notara a diferença entre livre escolha ditada pelo instinto animal e livre-arbítrio.

 

A CONFUSA NOÇÃO DE INCOMPATIBILISMO E A CONFUSÃO DE DETERMINISMO RADICAL COM FATALISMO

 

Escrevem as autoras:

«A resposta à questão "Será o ser humano efetivamente livre na sua ação?" não é consensual entre os filósofos. Uns consideram que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo - incompatibilismo - outros afirmam o contrário -compatibilismo

«Tanto o libertismo como o determinismo radical são teorias incompatibilistas.»

LINA MOREIRA e IDALINA DIAS, «Preparar para o exame nacional Filosofia 11º» , Areal Editores,páginas 68 e 69.

 

É evidente que o determinismo moderado compatibiliza o livre-arbítrio com o determinismo. Ambos existem no mesmo ser humano adulto. ´Por que razão o libertismo seria um incompatibilismo se há compatibilidade entre o livre-arbítrio e o indeterminismo biofísico (exemplo: surge um dia de queda de neve em pleno verão de Julho no Alentejo e este libertismo da natureza é compatível com o meu livre-arbítrio pois posso escolher entre ficar na praia a receber a neve ou refugiar-me dentro de uma habitação)? É uma tolice dizer que, no seu todo, o libertismo é uma teoria incompatibilista quando ele engloba o determinismo moderado que é, em si mesmo, compatibilismo e o indeterminismo biofísico com livre-arbítrio que é também, em si mesmo, compatibilismo.

 

O libertismo, como género de duas correntes e não na errónea noção deste manual,  é incompatível com o fatalismo - doutrina segundo a qual tudo está predestinado e não há livre-arbítrio real e que não é o mesmo que determinismo radical, coisa de que este e os outros manuais não se apercebem -  com o determinismo radical (exclusão do livre arbítrio, leis biofísicas necessárias compatíveis com um certo grau de acaso) e com o indeterminismo radical (exclusão do livre arbítrio, inexistência de  biofísicas necessárias, pura arbitariedade no mundo natural) .

 

Se há determinismo radical deveria também postular-se que há indeterminismo radical ou indeterminismo biofísico sem livre-arbítrio mas a inteligência dos filósofos analíticos não chega a tanto. No seu «Dicionário Oxford de Filosofia» Simon Blackburn divide confusamente esta temática em 4 correntes - determinismo radical, determinismo moderado, libertismo, indeterminismo - sem perceber que fatalismo se distingue de determinismo radical , que determinismo moderado se inclui no libertismo tal como o indeterminismo moderado com livre-arbítrio. Blackburn nem sequer conceptualiza que há dois tipos de indeterminismo: moderado (com livre-arbítrio) e radical (sem livre-arbítrio).Só tipos confusos, pensadores de segunda classe como este, com doutoramentos (!) em filosofia universitária,  são editados e promovidos pelos media como sendo os filósofos actuais...

 

NO SUBJECTIVISMO AXIOLÓGICO UMA OPINIÃO VALE O MESMO QUE A SUA CONTRÁRIA?

 

Escrevem as autoras:

«Para o subjectivismo, não existe um conceito universal de bem e de mal, mas tantos quantos os indivíduos. Se assim é, uma opinião vale o mesmo que a sua contrária.»

Lina Moreira e Idalina Dias, «Preparar para o exame nacional Filosofia 11º» , Areal Editores,página 84.

 

Isto não é correto. Para cada subjetivista, a sua opinião vale mais que as contrárias, ainda que possa admitir ou não algum grau de verdade nestas. É aquilo que Nietzsche designa de perspectivismo: vemos o mundo, a paisagem de uma dada maneira, a partir de um ponto de observação, e a visão seria outra se mudassemos o lugar de onde observamos. Tome-se como exemplo a opinião sobre a eutanásia. Um cristão adverso a esta prática dirá: «É subjectivo saber quem tem razão, há argumentos a favor e contra, a minha intuição diz-me que eutanásia é um assassinato legal, ofende a Deus, que deseja cuidados paliativos nos hospitais e não extinção provocada da vida humana».

 

As definições erróneas contidas neste manual e nos outros estão presentes sempre, ano a ano, no exame nacional de filosofia do 11º ano do ensino secundário em Portugal. O lóbi da filosofia analítica (Manuel Maria Carrilho, João Branquinho, Guido Imaguirre, Ricardo Santos, Desidério Murcho, João Sáagua, Pedro Galvão, Rolando Alneida, António Pedro Mesquita, Domingos Faria, Célia Teixeira, Aires Almeida, etc.) devia ser afastado da autoria dos exames nacionais porque pensa, avalia e ensina mal, promove como «ciência» uma ridícula lógica proposicional que defende que o juízo «Sou português ou sou espanhol» merece uma tabela de verdade diferente do juízo «Ou sou português ou sou espanhol» quando dizem exactamente o mesmo, são o mesmo no conteúdo. Estamos, na área da filosofia, sob uma ditadura da filosofia analítica norte-americana e britânica mantida por pensadores de segunda e terceira classe.

 

 

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Quinta-feira, 3 de Novembro de 2016
Um erro da filosofia analítica: extrinsecar determinismo moderado, de libertismo

 

A filosofia analítica, incapaz de hierarquizar dialeticamente os conceitos em géneros e espécies e subespécies, em muitas situações, comete o erro de separar libertismo de determinismo moderado. Esta última doutrina é a teoria segundo a qual há duas esferas de acção, a do determinismo biofísico, impossível de evitar - lei da gravidade, envelhecimento celular, sequência das estações do ano, sempre a mesma, etc. - e a do livre-arbítrio, que é a deliberação racional e a decisão livre dos seus actos feita por cada homem, podendo a esfera do livre-arbítrio contrariar a do determinismo, em certa medida.

 

Os filósofos analíticos como Simon Backburn inventaram, confusamente, o conceito de libertismo, opondo-o ao determinismo biofísico com livre-arbítrio, sem perceberem que libertismo é a parte de livre-arbítrio que há no determinismo moderado. Libertismo e exercício do livre-arbítrio é uma e a mesma coisa. Assim, o libertismo é género de duas espécies: o determinismo biofísico (exemplo: se me atirar ao vazio caio sempre para a Terra porque a lei da gravidade funciona a todo o instante) com livre-arbítrio humano; o indeterminismo biofísico (exemplo: a lei da gravidade pode deixar de funcionar quando me atiro ao vazio) com livre-arbítrio.

 

Os próprios filósofos analíticos não estão de acordo sobre a definição de libertismo embora todos o definam como um «incompatibilismo» - um chavão que revela irreflexão. Ben Dupré, por exemplo, escreve sobre os partidários do libertismo que considera extrínseco e alternativo ao determinismo moderado (determinismo com livre-arbítrio):

 

«Deterministas moderados - Aceitam que o determinismo é verdadeiro, mas negam que ele seja incompatível com o livre-arbítrio. O facto de termos podido agir de um modo diferente se o tivéssemos escolhido oferece uma noção satisfatória e suficiente de liberdade de acção (..)

«Libertários - Concordam que o determinismo é incompatível com o livre-arbítrio e, por conseguinte, rejeitam o determinismo. Sustentam que o livre-arbítrio é real e que as nossas escolhas e ações não são determinadas». (Ben Dupré, 50 Ideias de Filosofia que Precisa mesmo de saber, p.170, D. Quixote, 2011, adaptado e citado no Manual Essencial Filosofia do 10º ano, da Santilhana Editores, pag 100-101 o negrito é sublinhado por nós)

 

Mas como podem os libertários rejeitar o determinismo se ele existe na realidade? Por exemplo, um mendigo que sente o determinismo biológico da fome tem livre.arbítrio para assaltar ou deixar em paz um idoso que caminha numa rua solitária. A decisão que tomar enquadra-se no determinismo moderado - eu chamo-lhe determinismo biofísico aliado a livre-arbítrio - e igualmente no tal libertismo, que é a mesma coisa. Afinal os deterministas moderados « sustentam que o livre-arbítrio é real e que muitas das  nossas escolhas e ações não são determinadas». E o que significa ser «incompatível com»? O comunismo estalinista era incompatível com o capitalismo norte-americano? Intrinsecamente era incompatível, mas extrinsecamente eram compatíveis, coexistiam nos anos 1930 a 1953 no mesmo planeta. As confusões dos filósofos vulgares que imperam no mundo universitário são enormes...o termo incompatibilismo não os deixa discernir, não sabem pensá-lo dialeticamente.

 

Seja como for, não faz sentido considerar o libertismo como corrente autónoma face ao determinismo moderado pelo livre-arbítrio. Mas os autores de manuais escolares de filosofia em Portugal e respectivos supervisores, catedráticos, sem excepção, seguem esta errónea visão de Blackburn, e as perguntas que saem em provas de exame nacionál envolvendo o conceito de libertismo enfermam desta mesma míope conceptualização. A universidade vale pouco em matéria de clareza filosófica... é um conjunto de vaidades doutoradas. Os genuínos pensadores estão fora...

 

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Domingo, 3 de Janeiro de 2016
Teste de Filosofia do 10º ano, turma A (Dezembro de 2015)

 

 Eis um teste de filosofia fora do estereótipo dos testes que os autores dos manuais escolares da Porto Editora, Leya, Santillana, Areal Editores, etc, divulgam. .

 

 

Agrupamento de Escolas nº1 de Beja

Escola Secundária Diogo de Gouveia, Beja

TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A

3 de Dezembro de 2015. Professor: Francisco Queiroz“.

 I

"A matéria última (hylé eskathé) e o eidos combinam-se para originar algo, segundo Aristóteles. A teoria da participação em Platão implica entes dotados de tó tí e tó ón.”

 

1) Explique, concretamente este texto.


2) Mostre as diferenças entre determinismo com livre-arbítrio («moderado»), determinismo sem livre-arbítrio («radical»), indeterminismo (biofísico) com livre-arbítrio e fatalismo.

 

3) Defina radicalidade filosófica, explanando os quatro passos gnosiológicos do racionalismo de Descartes desde a dúvida absoluta.ou hiperbólica até à certeza do mundo exterior.
 

4)  Relacione, justificando;
 A) Intersubjectividade e relativismo.
    

B) Esfera dos valores espirituais na teoria de Max Scheler, por um lado, e Mundo dos Arquétipos em Platão por outro lado.

 

CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES

 

1) A matéria última é, na concepção de Aristóteles, uma matéria concreta, diferente da matéria-prima universal (hylé) que era indeterminada (era nada), como por exemplo de hylé eskaté , madeira, ferro, pedra. Madeira é a hylé adicionada da forma madeira. Mas uma porta de madeira resulta da união da essência ou eidos PORTA, que é a forma,  com a matéria última MADEIRA. Esse algo gerado é a proté ousía (primeira substância). (VALE DOIS VALORES). A teoria da participação de Platão diz que os entes do mundo da matéria participam na forma dos modelos ou arquétipos do mundo inteligível: por exemplo, os milhões de cavalos existentes imitam o arquétipo de Cavalo, imóvel, participam, indirectamente, deste arquétipo. O tó tí é o quê-é ou seja a forma, essencial ou acidental, de algo. Exemplo: o tó tí da espiga de cavalo é a forma desta e distingue-se do tó tí da espiga de milho e do tó tí do rosto humano. Se Joana se distingue de Mariana e de Francisca isso deve-se aos acidentes, isto é, as particularidades singulares que as distinguem entre si e que são tó tís: o naiz arrebitado de uma e o nariz aquilino de outras, os olhos azuis de uma e os olhos verdes de outra, etc. O tó ón é o ente, o que é, o existente, qualidade que é comum às coisas ou seres com diferentes tó tís. O Mundo do Mesmo ou mundo dos arquétipos ou Ideias ou Modelos perfeitos, acima do céu visível, possui tó on e tó tí no que respeita a cada arquétipo: o tó tí do Triângulo é diferente do tó tí do Círculo e do tó tí do Belo. Os tó tís dos entes materiais imitam os totís do respectivo arquétipo. Os tó ons são diferentes porque a matéria é diferente do espírito-arquétipo no seu ser, a matéria é um não ser relativo (VALE TRÊS VALORES)

 

2) Determinismo com livre-arbítrio (vulgo: determinismo moderado) é a teoria segundo a qual, na natureza, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e o homem dispõe de liberdade racional de escolha (livre-arbítrio). Exemplo: um homem decide, racionalmente, atirar-se do alto de um avião em páraquedas, sabendo que se sujeita ao determinismo na lei da gravidade, que o faz cair para a Terra. Determinismo sem livre-arbítrio (vulgo: determinismo radical) é a teoria segundo a qual, na natureza, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e o homem não dispõe de liberdade racional de escolha (livre-arbítrio). Exemplo: movido por uma força irracional, sem liberdade de escolha,  um homem atira-se do alto de um arranha-céus, sujeitando-se determinismo na lei da gravidade, que o faz cair para a Terra e morrer esmagado. Indeterminismo com livre-arbítrio  é a teoria segundo a qual, na natureza, as mesmas causas não produzem sempre os mesmos efeitos e o homem não dispõe de liberdade racional de escolha (livre-arbítrio). Exemplo: beber água nem sempre faz funcionar os rins, às vezes paralisa-os (indeterminismo) e um grupo de pessoas ingere água por motivo de uma sede abrasadora, por  decisão livre e meditada. Fatalismo  é a teoria segundo a qual tudo na vida está predestinado e os homens não dispõem de livre-arbítrio nem existe o acaso. (VALE TRÊS VALORES).

 

3) A radicalidade filosófica consiste no poder de a filosofia ir à raíz dos problemas, destruindo certezas do senso comum e inventando hipóteses e teses incomuns, especulativas. Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos, racionalismo esse que é uma forma de radicalidade filosófica:

Dúvida hiperbólica ou Cepticismo Absoluto( «Uma vez que quando sonho tudo me parece real, como se estivesse acordado, e afinal os sentidos me enganam, duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo »)

 

.2º Idealismo solipsista («No meio deste oceano de dúvidas, atinjo uma certeza fundamental: «Penso, logo existo» como mente, ainda que o meu corpo e todo o resto do mundo sejam falsos»).

 

3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe).

 

Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, de figuras, tamanhos, números, movimentos, existe fora de mim»). Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores e que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos e uma matéria indeterminada. (VALE CINCO VALORES). 

 

4.A) Intersubjectividade é a partilha entre várias pessoas de uma mesma visão subjectiva, íntima, individual do mundo, dos valores e do sentido da vida. O relativismo é a doutrina que sustenta que a verdade, os valores variam de classe a classe social, de povo a povo, de época a época, de etnia a etnia, ou mesmo de pessoa a pessoa - neste último caso chama-se subjectivismo. O relativismo nas religiões - por exemplo, o cristianismo defende que Deus é uno e trino, o islamismo defende que Deus é somente um e uno - inclui várias intersubjectividades (crença em Cristo como salvador, crença em Maomé como o enviado de Deus). (VALE DOIS VALORES)

 

4-b) A esfera dos valores espirituais, na concepção de Scheler, engloba os valores estéticos (belo e feio), éticos ( bom e mau, justo e injusto), jurídicos (legal, ilegal; justo, injusto), filosóficos (verdade e erro) científicos (verdade e erro por referência, isto é, na experiência, no pragmatismo). Há valor de coisa - por exemplo, o quadro Mona Lisa de Leonardo da Vinci - valor de função - no exemplo olhar o quadro, apreciar o sorriso de Mona Lisa - e valor de estado - no exemplo: a felicidade resultante dessa contemplação visual. 

O mundo platónico dos arquétipos, formas eternas perfeitas e imutáveis engloba a metade positiva dos valores da esfera de valores espiritual de Scheler: os arquétipos de Belo, de Justo, de Lei,  de Verdade, etc. (VALE CINCO VALORES).

 

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Domingo, 6 de Maio de 2007
As diversas teorias sobre o livre-arbítrio e a necessidade (Crítica de Manuais Escolares-XVIII)

A posição oficial de diversos teóricos da ética é a de que há quatro posições sobre o livre-arbítrio e determinismo ou necessidade: determinismo radical, determinismo moderado, indeterminismo e libertismo.

Assim no manual  português "A Arte de Pensar, Filosofia 10º ano" plasma-se o seguinte:

 

«...Determinismo radical. Esta posição defende que o livre-arbítrio é incompatível com um mundo regido por leis, onde os acontecimentos (incluindo as acções) se sucedem em cadeias causais tais que da ocorrência de uma certa causa se segue necessariamente a ocorrência de um dado efeito, sem que possamos interferir nessas ocorrências (mesmo que tenhamos consciência delas) e sem que as leis que regem as relações causais  estejam minimamente na nossa dependência. Em resumo: como o determinismo é verdadeiro, não somos livres.»

«...Determinismo moderado. O determinista deste tipo aceita a ideia de que o mundo é regido por leis e a ideia de que os acontecimentos estão causalmente relacionados. No entanto, para ele isto é compatível com o livre-arbítrio humano...»

«...Indeterminismo. O indetermista defende que alguns acontecimentos não têm causas - apenas acontecem e é tudo. ... Se fores indeterminista podes alegar que a tua acção foi aleatória. Mas terás de argumentar que o teu arremesso de pedras a vidros é como um acontecimento quântico, o que não será tarefa fácil e não te salvaguardará de seres responsabilizado pelo que fizeste: é que o mundo até poderá conter ocorrências aleatórias, mas não está demonstrado que a tua acção seja uma delas.»

«...Libertismo. O libertista pensa que o dilema do determinismo que vimos atrás, é um falso dilema: as escolhas dos agentes não são causalmente determinadas nem aleatórias. A alternativa consiste em conceber as nossas acções como produto de deliberações racionais e responsáveis que têm o poder de alterar o curso dos acontecimentos no mundo. O agente pode dar início a cadeias causais novas, o que é suficiente para que seja responsabilizável pelas suas acções.»

(Aires Almeida, António Paulo Costa, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, Filosofia, 10º ano, 1º volume, Didáctica Editora, Lisboa, Março de 2003, pags 82,83).

 

Esta divisão, que espelha a posição de John Searle e de outros teóricos da ética, como Simon Blackburn, é, a meu ver, inconsistente, confusa.

Em primeiro lugar, há uma duplicação da mesma definição, segundo a qual há simultaneamente livre-arbítrio e determinismo: ora é classificada de determinismo moderado, ora de libertismo. Isto mostra a falta de clareza dos autores do manual e dos teóricos que os inspiram. O libertismo está oculto na segunda posição baptizada de determinismo moderado, compatível com o livre-arbítrio, e o determinismo está oculto na quarta posição, baptizada de libertismo. Não é verdade que o determinismo moderado coexiste com o livre-arbítrio (libertismo) em que as nossas acções são «um produto de deliberações racionais e responsáveis»?  E não é verdade que o libertismo ou exercício do livre arbítrio " que pode dar início a cadeias causais novas" se compagina com o determinismo (lei infalível da natureza: a sucessão das quatro estações do ano, a transformação da semente de trigo em haste com espiga, o ter sono todas as noites, o acordar todas as manhãs, o sentir fome e sede ao cabo de algumas horas sem alimento, etc)? Não há libertismo como corrente autónoma. Libertismo é livre-arbítrio, é uma  propriedade comum ao determinismo moderado e ao indeterminismo biofísico moderado (exemplo: neva num dia quente de verão e escolho sair de casa ou ficar em casa).

 

Em segundo lugar, indetermismo é nebulosamente definido como inexistência de causas: «o indetermista defende que alguns acontecimentos não têm causas - apenas acontecem e é tudo». Ora indetermismo não implica que não haja causas, mas sim que não haja determinismo, isto é, que as mesmas causas não produzam sempre os mesmos efeitos, nas mesmas circunstâncias. A física quântica não negou a noção de causa: singularizou a causa, individualizou-a, como um novo nominalismo neomedieval, sustentou que a espécie de causas A não gera sempre a mesma espécie de efeitos B, está envolta na névoa da imprevisibilidade.

 

Há um indeterminismo causalista (o «caos» dos acontecimentos é gerado pelo livre-arbítrio humano, que é causa livre - isto é, causa não causada - ou pelo «capricho da natureza», que é causa livre, ou por deuses ou outras forças metafísicas, que são causas livres) e há um indeterminismo acausalista (nada é causa de nada, há apenas irrupção sincrónica e diacrónica, fortuita, de entes e acontecimentos). Mas nem o manual «Arte de Pensar» nem o famoso John Searle se terão apercebido desta distinção, ao que parece, interpretando o termo indeterminismo como sendo o que defino como indeterminismo acausalista.

 

Para uma boa divisão, só possível mediante o método dialéctico, há que recorrer à lei da contradição principal: um sistema de múltiplos pólos, contrários parcial ou totalmente entre si, é redutível a uma dualidade.

Eis, em oposição às incongruências de sistematização de John Searle e dos autores de «A arte de pensar»,  uma divisão correcta das teorias sobre livre-arbítrio e determinismo, da nossa autoria : fatalismo determinista, fatalismo indeterminista, determinismo biofísico sem livre arbítrio, determinismo biofísico com livre-arbítrio, indeterminismo biofísico com livre-arbítrio, indeterminismo biofísico sem livre arbítrio.

 

A contradição principal desta divisão é fatalismo versus não fatalismo, desdobrando-se este último em determinismo com ou sem livre-arbítrio e indeterminismo com ou sem livre arbítrio. O determinismo, considerado isoladamente, aparece como um termo intermédio: existe, totalitariamente, no polo do fatalismo, e sectorialmente (eles designam-no como determinismo moderado) no polo do não fatalismo.  

Vejamos, pois, a nossa divisão, lógica e clara:

 

1. DOUTRINAS FATALISTAS

 

A) Fatalismo determinista: teoria segundo a qual não existe liberdade alguma no mundo natural e no mundo humano, nem existe acaso, estando tudo predestinado, segundo leis necessárias de causa-efeito, de efeitos calculados ao milímetro. Exemplo: a astrologia determinista integral, segundo a qual as posições dos planetas, do sol e da lua determinam, em absoluto, em dias e horas predestinadas, as vidas individuais e a vida colectiva na Terra, as revoluções políticas, os sismos, os acidentes de avião, de barco, de comboio, de centrais nucleares, etc.

 

B) Fatalismo indeterminista: teoria segundo a qual não existe liberdade alguma no mundo natural, que se desenvolve irregularmente sem determinismos, nem no mundo humano, estando tudo predestinado, segundo impulsos da providência, de uma vontade que não obedece a leis necessárias. Exemplo: a Moira, o destino na concepção clássica trágica grega. Aqui há liberdade, reservada a potências inumanas, sobrenaturais, liberdade que pertence ao «autor» ou «autores» do destino.

 

2. DOUTRINAS NÃO FATALISTAS (LIBERTISTAS OU NÃO)

 

A) Determinismo biofísico sem livre-arbítrio: teoria aparentemente fatalista, mas de facto, não fatalista, segundo a qual as leis infaliveis de causa-efeito prevalecem em tudo, não só na natureza biofísica mas até no espírito humano que não tem livre arbítrio. No entanto, os factos não estão rigorosamente predestinados porque o factor acaso existe, no interior ou no exterior da malha do determinismo, e proporciona surpresas. Exemplo: "O aparecimento da vida humana embora propiciado por uma longa cadeia de causas e efeitos a funcionar ao longo de milhões de anos não estava predestinado, resultou do acaso, de uma combinação aleatória de células vivas.»

 

B) Determinismo biofísico com livre-arbítrio (ou Libertismo determinista): teoria segundo a qual existe livre-arbítrio, poder de escolher diferentes tipos de acção em dadas circunstâncias, em justaposição com o determinismo do mundo natural. Exemplos: «Sou livre de me alegrar ou entristecer, por sugestão mental, mas o meu corpo envelhece dia a dia inexoravelmente e não sou livre para o conseguir rejuvenescer por dentro»; «sou livre entre escolher ir ao ginásio ao fim da tarde, submeter-me ao determinismo dos aparelhos de musculação, ou ir comer e beber com um grupo de amigos, submetendo-me ao determinismo da mastigação e digestão dos alimentos.».

 

C) Indeterminismo biofísico com livre-arbítrio (Libertismo indeterminista): teoria segundo a qual existe livre-arbítrio humamo, que é causa de acções livres, e ao mesmo tempo não há leis necessárias na natureza física e psicofísica. Existe livre-arbítrio e acaso (liberdade na natureza). Exemplo: «Sou livre de me atirar do alto de um edifício ao solo e não é certo que me venha a esmagar ou ferir intensamente pois há indeterminismo geofísico, a lei da gravidade pode deixar de funcionar nesse local e momento.»

 

D) Indeterminismo biofísico sem livre-arbítrio : teoria segundo a qual não há liberdade humana mas o determinismo e a predestinação não existem, o presente nasce a cada instante de forma imprevisível, o indeterminismo rege a natureza física do universo e a natureza biológica do ser humano as quais anulam o livre-arbítrio deste. Exemplo: «A minha acção será sempre não livre, fruto das minhas necessidades biológicas e sociais e da evolução do universo em geral e a natureza é imprevisível no seu funcionamento, por exemplo, o azeite misturado com água pode não vir sempre à tona desta e a mistura de um ácido com uma base pode nem sempre gerar um sal».

 

Nesta divisão, o libertismo - existência de livre-arbítrio- assume duas formas: uma determinista, outra indeterminista. O conceito de libertismo não é fixo entre os teóricos da ética: alguns interpretam-no como defini indeterminismo com livre-arbítrio.

 

Esta divisão dialéctica é muito mais racional e clara do que as que construiram John Searle e os autores da «Arte de pensar».

 

 

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