O manual de filosofia " Do outro lado do espelho", da Raíz Editora, da autoria de Adília Maia Gaspar e António Manzarra, com revisão de João Sàágua, contém várias confusões conceptuais.
EQUÍVOCAS DEFINIÇÕES DE LIBERTISMO E DETERMINISMO MODERADO
Lê-se no manual:
«O libertismo traduzido por libertarianismo ou ainda libertarismo (libertarianism) é a perspectiva que defende a existência do livre-arbítrio, opondo-se deste modo à corrente determinista, e por isso rejeita a ideia de haver compatibilidade entre elas. Segundo o libertismo, as ações partem de uma escolha do sujeito não sendo determinadas por acontecimentos anteriores, dado que as escolhas humanas não estão sujeitas aos constrangimentos que regem outros fenómenos».
(Adília Maia Gaspar e António Manzarra,Do outro lado do espelho 10", Raíz Editora, pág.141; o destaque a negro é posto por nós)
O primeiro erro deste texto é opor como contraditórios, mutuamente excluentes, determinismo e livre-arbítrio. Não há incompatibilismo. Este existe apenas entre o fatalismo e o livre-arbítrio. Mas determinismo e livre-arbítrio são apenas contrários, isto é, coexistem apesar de se oporem. Note-se que o manual não dá relevo à noção de fatalismo confundindo-a com determinismo radical, isto é determinismo biofísico sem livre-arbítrio.
O segundo erro deste manual nesta temática- erro perfilhado por John Searle,Daniel Dennett, Simon Blackburn e pelos filósofos analíticos em geral - é considerar que há livre-arbitrio dentro do libertismo, o que é impossível pois este, como não leva em conta o determinismo biofísico, não faz um exame racional das circunstâncias e só este exame integra o livre-arbítrio. O libertismo, se existe, é a escolha impensada, emotiva, irracional, isenta de livre-arbítrio.
E o manual define assim o determinismo moderado:
«O determinismo moderado é a perspetiva que defende a existência do determinismo, admitindo, todavia, que poderá existir simultaneamente livre-arbítrio, sendo por isso designado de compatibilista (...) No entanto apesar de determinada, uma ação poderá ser livre quando parte do próprio sujeito...»
(Adília Maia Gaspar e António Manzarra,Do outro lado do espelho 10", Raíz Editora, pág.147; o destaque a negro é posto por nós)
Este manual, considerando duas hipóteses, a de um indivíduo X que não pode ir a uma festa por estar doente e a do mesmo indivíduo X que não vai à festa porque não tem vontade, comete o erro de afirmar, confusamente, que no determinismo moderado a ação é simultaneamente livre e determinada, o que viola o princípio da não contradição:
«De facto, em ambas as hipóteses o resultado é o mesmo, isto é, ambas produziriam o mesmo efeito : X não foi à festa de aniversário. Todavia as causas foram diferentes. Na primeira, X não foi à festa por estar doente; na segunda, X não foi à festa por sua causa, por não ter vontade.»
«O determinismo moderado diria que, neste caso, em ambas as hipóteses, a ação foi determinada pois de uma forma ou de outra não deixaria de acontecer.» (Adília Maia Gaspar e António Manzarra,Do outro lado do espelho 10", Raíz Editora, pp.147-148; o destaque a negro é posto por nós).
Como não deixaria de acontecer a ação? Se houvesse livre arbítrio é óbvio que a ação de estar ausente à festa poderia ser revertida, X poderia comparecer. A confusão em que mergulham os autores é visível. E apoiam-se no confuso Daniel Dennett:
«Daniel Dennet, um compatibilista reconhecido, não nega que as ações humanas estejam determinadas, mas também defende que isso não implica necessariamente a inevitabilidade. Falar em inevitabilidade conduz-nos à ideia fatalista de que o ser humano nada pode fazer para alterar o rumo dos acontecimentos; contudo, Dennett e os compatibilistas consideram que, apesar de estarmos determinados, somos seres racionais e, por isso, capazes de entender o meio e actuar sobre ele de forma a proteger-nos e evitar perigos. Fazendo alusão à célebre frase de Lutero "Estou aqui, não posso fazer diferente" quando revolucionou a Igreja com a reforma protestante no século XVI, elucida como ela poderá ter dois sentidos, descrevendo igualmente o presssuposto compatibilista.»
(Adília Maia Gaspar e António Manzarra,Do outro lado do espelho 10", Raíz Editora, pág.148; o destaque a negro é posto por nós ).
Que dois sentidos pode ter a frase fatalista "Estou aqui, não posso fazer diferente" se ela nega o livre-arbítrio? É isto o compatibilismo? Não nos façam rir, Daniel Dennett e seu séquito de compatibilistas, ó fracos filósofos analíticos!
UMA IMPERFEITA DEFINIÇÂO DE RELATIVISMO
O manual define assim relativismo:
«O relativismo é a teoria que considera que os juízos morais têm valor de verdade, isto é, podem ser verdadeiros. No entanto, tal como o subjetivismo, reconhece a impossibilidade de lhes conferir uma natureza universal e objetiva. O relativismo, demarcando-se da posição subjectivista, considera que a verdade destes juízos não depende da aprovação do indivíduo, mas sim da sociedade, sendo ela a determinar o que é moralmente correto ou incorreto. »
(Adília Maia Gaspar e António Manzarra,Do outro lado do espelho 10", Raíz Editora, pág.179; o destaque a negro é posto por nós ).
Esta definição de relativismo está incompleta porque ignora a dialética, a diversidade de valores dentro de cada sociedade. Assim, por exemplo, é relativismo os comunistas e anarquistas portugueses sustentarem que «foi boa e justa a ocupação de terras levada a cabo pelos trabalhadores rurais e os sindicatos no Alentejo e Ribatejo em 1974-1977 designada por reforma agrária» e os liberais e conservadores portugueses argumentarem que «a reforma agrária de 1974-1976, com o patrocínio do MFA, do PCP, do MES, da UDP, do PRP, foi um mal, um roubo aos legítimos proprietários das terras» .
O relativismo é a doutrina segundo a qual os valores variam de sociedade a sociedade ou de classe a classe social e de grupo a grupo e etnia a etnia dentro de cada sociedade. Esta última parte da definição é ignorada pelos filósofos analíticos, só vêem a árvore e não a floresta.
HÁ SUBJETIVISMO E RELATIVISMO EMOTIVISTAS E SUBJETIVISMO E RELATIVISMO NÃO EMOTIVISTAS
.O manual apresenta a seguinte errónea dIvisão nas posições sobre a natureza dos juízos morais:
Não cognitivista ----------------------> Emotivismo
Cognitivista ----------------------------->Subjetivismo
Cognitivista------------------------------->Relativismo
Cognitivista--------------------------------Objetivismo
(Adília Maia Gaspar e António Manzarra,Do outro lado do espelho 10", Raíz Editora, pág.174; o destaque a negro é posto por nós ).
Ora nem todo o subjetivismo é cognitivista, o subjetivismo tanto se insere no cognitivismo (conhecimento por conceitos, pelo intelecto) - por exemplo: «A religião jainista é a melhor do mundo porque prescreve o vegetarianismo como alimentação, a oração diante de belas imagens e opõe-se à vivisseção dos animais» como no não cognitivismo (conhecimento pelo sentimento, pela sensação) -por exemplo: «Sinto Deus mas não O conheço».
De igual modo, nem todo o relativismo é cognitivista, o relativismo tanto se insere no cognitivismo (conhecimento por conceitos, pelo intelecto) - por exemplo: «A democracia parlamentar capitalista é o melhor regime do mundo porque pressupõe eleições livres em multipartidarismo a parlamentos nacionais ou regionais e liberdade de imprensa, de greve, e livre empresa» como no não cognitivismo (conhecimento pelo sentimento, pela sensação) -por exemplo: «A maioria acha preferível o amor heterossexual à atração homossexual, daí que seja errado postular a igualdade de género».
NENHUM TEMA VERDADEIRAMENTE FRACTURANTE COMO SERIA EXIGÍVEL EM FILOSOFIA
Estes manual e estes autores são meros instrumentos de propaganda da redutora filosofia oficial: a filosofia analítica, com a sua errónea lógica proposicional (só mentes estúpidas dizem que «Vou ao Porto ou vou a Lisboa» é diferente na estrutura lógica de «Ou vou ao Porto ou vou a Lisboa»). Fazem o discurso politicamente correcto, longe dos "extremismos", se exceptuarmos a dúvida hiperbólica cartesiana ou a teoria das conjecturas e refutações de Karl Popper. Não são filósofos mas funcionários de uma medíocre filosofia com a qual moldam a mente de alunos inteligentes.
Nenhum texto sobre astrologia histórica e não falta assunto filosófico: se o Partido Socialista venceu as eleições legislativas de 25 de Abril de 1983, com Júpiter em 9º do signo de Sagitário, e venceu as eleições legislativas de 1 de Outubro de 1995, com Júpiter em 10º do signo de Sagitário, e venceu as eleições de 6 de Outubro de 2019, com Júpiter em 18º-19º do signo de Sagitário, poderá dizer-se que Júpiter no signo de Sagitário (arco de 240º a 270º do Zodíaco) gera necessariamente vitórias do PS?
Nenhum texto questionando a vacinação e é tão oportuno fazê-lo.David Icke escreveu. «O processo de fabricação de vacinas inclui o uso de macacos, embriões de frangos e fetos humanos, além de estabilizadores como a estreptomicina, o cloreto de sódio, o hidróxido de sódio, o alumínio, o cloridrato, o sorbitol, a gelatina hidrolisada, o formaldeído,e um derivado do mercúrio chamado timerosal ...» (David Icke, «La conspiración mundial y como acabar con ella», Ediciones Obelisco, Barcelona, pag 819).
Os autores deste manual, como bons servos das multinacionais de farmácia, não contrapõem nada à teoria oficial.
Nenhum texto de Fernando Pessoa, poeta e filósofo da fenomenologia ou de outros pensadores portugueses metafísicos. Os autores deste manual de filosofia são estrangeirados, no mau sentido do termo. Não se dá importância ao que Pessoa escreveu:
«Não é possível uma futura civilização espanhola, nem uma futura civilização portuguesa. O que é possível é uma futura civilização ibérica formada pelos esforços da Espanha e de Portugal.»
«Todas as forças que se oponham a uma aliança, a um entendimento entre Portugal e Espanha devem ser desde já condenadas como inimigas. Essas forças são: os conservadores, sobretudo os católicos, e a Igreja Católica acima de tudo, que têm por ânsia íntima a união ibérica; a maçonaria, que é também estrangeira de origem, e é agora um organismo estranho metido na carne da Ibéria; a França, que com a sua cultura especial, tem envenenado, por excesso, a alma, ou as almas da Ibéria. A Inglaterra que politicamente tem espezinhado os países ibéricos.» (...)
«Para a criação da civilização ibérica é preciso a rigorosa independência das nações componentes dessa civilização. É um erro crasso supor que a fusão imperialista facilita a actividade civilizacional.»
(Fernando Pessoa, «Obra em prosa, Páginas de Pensamento Político-1, 1910-1919», Livros de Bolso Europa-América, páginas 135-136)
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© (Copyright to Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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A filosofia analítica, incapaz de hierarquizar dialeticamente os conceitos em géneros e espécies e subespécies, em muitas situações, comete o erro de separar libertismo de determinismo moderado. Esta última doutrina é a teoria segundo a qual há duas esferas de acção, a do determinismo biofísico, impossível de evitar - lei da gravidade, envelhecimento celular, sequência das estações do ano, sempre a mesma, etc. - e a do livre-arbítrio, que é a deliberação racional e a decisão livre dos seus actos feita por cada homem, podendo a esfera do livre-arbítrio contrariar a do determinismo, em certa medida.
Os filósofos analíticos como Simon Backburn inventaram, confusamente, o conceito de libertismo, opondo-o ao determinismo biofísico com livre-arbítrio, sem perceberem que libertismo é a parte de livre-arbítrio que há no determinismo moderado. Libertismo e exercício do livre-arbítrio é uma e a mesma coisa. Assim, o libertismo é género de duas espécies: o determinismo biofísico (exemplo: se me atirar ao vazio caio sempre para a Terra porque a lei da gravidade funciona a todo o instante) com livre-arbítrio humano; o indeterminismo biofísico (exemplo: a lei da gravidade pode deixar de funcionar quando me atiro ao vazio) com livre-arbítrio.
Os próprios filósofos analíticos não estão de acordo sobre a definição de libertismo embora todos o definam como um «incompatibilismo» - um chavão que revela irreflexão. Ben Dupré, por exemplo, escreve sobre os partidários do libertismo que considera extrínseco e alternativo ao determinismo moderado (determinismo com livre-arbítrio):
«Deterministas moderados - Aceitam que o determinismo é verdadeiro, mas negam que ele seja incompatível com o livre-arbítrio. O facto de termos podido agir de um modo diferente se o tivéssemos escolhido oferece uma noção satisfatória e suficiente de liberdade de acção (..)
«Libertários - Concordam que o determinismo é incompatível com o livre-arbítrio e, por conseguinte, rejeitam o determinismo. Sustentam que o livre-arbítrio é real e que as nossas escolhas e ações não são determinadas». (Ben Dupré, 50 Ideias de Filosofia que Precisa mesmo de saber, p.170, D. Quixote, 2011, adaptado e citado no Manual Essencial Filosofia do 10º ano, da Santilhana Editores, pag 100-101 o negrito é sublinhado por nós)
Mas como podem os libertários rejeitar o determinismo se ele existe na realidade? Por exemplo, um mendigo que sente o determinismo biológico da fome tem livre.arbítrio para assaltar ou deixar em paz um idoso que caminha numa rua solitária. A decisão que tomar enquadra-se no determinismo moderado - eu chamo-lhe determinismo biofísico aliado a livre-arbítrio - e igualmente no tal libertismo, que é a mesma coisa. Afinal os deterministas moderados « sustentam que o livre-arbítrio é real e que muitas das nossas escolhas e ações não são determinadas». E o que significa ser «incompatível com»? O comunismo estalinista era incompatível com o capitalismo norte-americano? Intrinsecamente era incompatível, mas extrinsecamente eram compatíveis, coexistiam nos anos 1930 a 1953 no mesmo planeta. As confusões dos filósofos vulgares que imperam no mundo universitário são enormes...o termo incompatibilismo não os deixa discernir, não sabem pensá-lo dialeticamente.
Seja como for, não faz sentido considerar o libertismo como corrente autónoma face ao determinismo moderado pelo livre-arbítrio. Mas os autores de manuais escolares de filosofia em Portugal e respectivos supervisores, catedráticos, sem excepção, seguem esta errónea visão de Blackburn, e as perguntas que saem em provas de exame nacionál envolvendo o conceito de libertismo enfermam desta mesma míope conceptualização. A universidade vale pouco em matéria de clareza filosófica... é um conjunto de vaidades doutoradas. Os genuínos pensadores estão fora...
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
O manual «Lições de Filosofia 10º ano» de Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, da Didáctica Editora, incorre nos habituais erros da filosofia analítica sobre as correntes da acção humana no plano do livre-arbítrio, determinismo e indeterminismo. .
CONFUSÕES SOBRE LIBERTISMO E SEU SUPOSTO INCOMPATIBILISMO
Escrevem Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho:
«A teoria libertista combina duas teses: primeiro, que o determinismo é incompatível com o livre-arbítrio; segundo, que temos livre-arbítrio. Estas teses estão relacionadas: segundo o libertista, nem tudo está determinado precisamente porque temos livre-arbítrio» (Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Lições de Filosofia 10º ano», pag. 38, Didáctica Editora; o destaque a negrito é posto por mim).
Esta definição é uma incoerência, no seu conjunto: se nem tudo está determinado - ou seja, por exemplo, o movimento da água evaporando-se da superfície terrestre, condensando-se em nuvens e precipitando-se sobre a Terra é determinismo, o envelhecimento dos organismos vivos obedece a determinismos, etc - é porque temos livre-arbítrio, ou seja, há compatibilidade entre determinismo e livre-arbítrio. Se ambos existem, são compatíveis no quadro global da realidade. A compatibilidade é uma coexistência, não é necessariamente uma fusão ou interpenetração. Logo, é um erro dizer que o libertismo é um incompatibilismo - é um chavão, uma frase feita, sobre a qual não se opera reflexão.
E a definição de libertismo dada neste manual é, substancialmente, a mesma do compatibilismo ou determinismo moderado porque ambas admitem um livre-arbítrio e determinismo, e em ambas o livre-arbítrio pode agir contra o determinismo. Duplicação sob nomes diferentes, erro de raciocínio. É como dizer sobre uma dada estrada inclinada: «esta estrada que sobe não é a mesma estrada que desce».
Heráclito, do fundo dos séculos, ensina estes confusos «pensadores» analíticos: «o caminho que sobe e o caminho que desce são um e o mesmo». O caminho que sobe poderia ser o «libertismo» e o caminho que desce o «determinismo moderado». São, segundo estas definições, a mesma coisa, ora enfatizando verbalmente a liberdade, ora enfatizando o determinismo.
SOMOS SEMPRE CONSTRANGIDOS POR SITUAÇÕES ANTERIORES?
Lê-se neste manual:
«Comparemos as duas situações seguintes:
Situação 1. O João escolhe ficar em casa a estudar em vez de ir ao cinema.
Situação 2. O João é obrigado pelos seus pais a ficar em casa a estudar.
O determinista moderado defende que na situação 1 a acção do João é livre porque nada o obrigou a escolher uma coisa em vez de outra. Mas defende que na situação 2 a escolha de João não foi livre, porque foi obrigado pelos pais a ficar em casa. Contudo, a única diferença entre 1 e 2 é o tipo de constrangimento em causa. Na situação 2, o João é constrangido pelos pais. Na situação 1, é constrangido pelos acontecimentos anteriores.» (Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Lições de Filosofia 10º ano», pag. 42, Didáctica Editora).
Como se pode demonstrar que na situação 1 é constrangido pelos acontecimentos anteriores? Não pode. Sucede que, naquele momento, João acha que se vai aborrecer com o filme e por isso escolhe ficar em casa. É isto ser constrangido por acontecimentos anteriores?
É possível ainda argumentar contra a tese deste manual que «na situação 2 a escolha de João não foi livre, porque foi obrigado pelos pais a ficar em casa» com o pensamento de Sartre de que «nunca fomos tão livres como debaixo da ocupação alemã» em 1940-1944 porque aí podíamos escolher sem meias tintas: resistir ao nazismo ou colaborar com ele. De facto, se João ficou em casa «obrigado» pelos pais foi porque não quis assumir a sua liberdade de rebeldia. Logo, a sua aceitação foi de livre vontade, derivou do exercício do livre-arbítrio porque, a menos que estivesse trancado no quarto e a chave da porta da parte de fora, preferiu a submissão do «animal doméstico». Podia ter saído de casa, desafiando a vontade dos pais. A sua decisão foi livre, apesar da condicionante. O mar da liberdade move-se sempre entre as rochas de condicionantes, mas a água flui, vai e vem, mesmo contornando as rochas ou submergindo-as.
ERROS NAS DEFINIÇÕES DE RELATIVISMO E OBJECTIVISMO
A definição de relativismo enferma do habitual erro da filosofia analítica:
«A tese central da teoria relativista é que os juízos de valor são relativos às sociedades. Quando uma sociedade condena ou aceita um determinado juízo de valor não pode estar enganada. Isto contrasta com os juízos de facto.» (Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Lições de Filosofia 10º ano», pag. 54, Didáctica Editora; o destaque a negrito é da minha autoria).
Esta definição é falsa e incoerente. A sociedade francesa, até há um mês atrás condenava, maioritariamente, e rejeitava, juridicamente, a legalização dos casamentos gays e lésbicos e a adopção de crianças por casais homossexuais. Era, portanto, «relativista» segundo, o raciocínio dos autores deste manual e «não podia estar enganada». .. Há dias, em 23 de Abril de 2013, por votação na Assembleia Nacional francesa, com 331 votos a favor (socialistas, comunistas e outra esquerda) e 225 votos contra (direitas), foi aprovada a lei autorizando o casamento de gays e lésbicas e a adopção por estes de crianças. Isto, sim, é relativismo, variação de posição/ verdade teórica, axiológica, jurídica. E nega a definição de relativismo dada acima segundo a qual «quando uma sociedade condena ou aceita um determinado juízo de valor não pode estar enganada.» Esta definição do manual é absolutismo e não relativismo.
Por outro lado, Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho persistem em ignorar, por limitação de inteligências ou subserviência face às cúpulas universitárias ou ambas as coisas, que relativismo é o mosaico de opiniões e ideias no seio de uma mesma sociedade. É relativismo haver ecologistas, comunistas, conservadores, sociais-democratas, católicos, ateus, agnósticos, benfiquistas, sportinguistas, portistas, etc, cada um com a sua ideologia e valores.
Sobre objectivismo escreve o manual:
«A tese central da teoria objectivista é que alguns juízos de valor são objectivos; o objectivismo não defende que todos os juízos de valor são objectivos. Isto significa que quando uma pessoa ou uma sociedade condena ou aceita um dado juízo de valor, pode estar enganada, tal como acontece com os juízos de facto.»
(Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho, «Lições de Filosofia 10º ano», pag. 57, Didáctica Editora; o destaque a negrito é da minha autoria).
Esta definição peca por vagueza. É tautológica: objectivismo é... juízos de valor objectivos. Não se diz com clareza o que é objectividade, que esta se divide em duas modalidades: extra anima e intra anima. Coitados, não sabem, não têm precisão no pensamento... A dialética é, para eles, uma estranheza.
Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho continuam petrificados nas suas erróneas definições, atrelados ao frágil pensamento de Thomas Nagel, John Searle, Peter Singer e outros, apesar de lerem este blog há anos e terem obrigação de rectificar os seus gritantes equívocos em filosofia. Nada a fazer.. O poder corrompe. Os mestres e doutorados nas universidades estabelecem, em regra, entre si um pacto de silêncio e aceitação dos erros uns dos outros.
Antes de tudo, «há que preservar a autoridade sobre os alunos, não pôr em dúvida as cátedras, e estar nas boas graças da opinião pública (im)pensante», dos editores e jornalistas, da classe dominante. Assim pensam os antifilósofos, dominados por um pragmatismo estreito de ganhar dinheiro com manuais das grandes editoras e popularizar a superficial filosofia analítica que os faz "ser alguém" no mundo burguês dos títulos universitários e das certificações.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Os filósofos analíticos falam de quatro correntes essenciais de (meta) ética: determinismo radical, determinismo moderado (compatibilismo), libertismo (incompatibilismo) e indeterminismo. Mas se falam em determinismo radical e moderado, não deveriam falar em indeterminismo radical e indeterminismo moderado?
A lógica, em particular o princípio do terceiro excluído («Uma coisa ou é A ou não A, descartando a terceira hipótese) impõe essa dualidade. O pensamento dos "analíticos" como Simon Blackburn, Michael Proudfoot e A.R.Lacey - e os seus espelhos reflectores em Portugal: João Branquinho, Sofia Miguens, Ricardo Santos, Desidério Murcho, Pedro Galvão, Luís Rodrigues, etc - é assimétrico. Eles não conseguem reduzir à grande dualidade primordial a diversidade das correntes num dado campo, neste caso o campo do livre-arbítrio e determinismo. A grande filosofia - refiro-me à dialética, que quase todos só conhecem parcelarmente - compadece-se de assimetrias empíricas, porque o mundo apresenta disformidades, irregularidades, mas, enquanto filosofia ordenadora do pensamento e propulsora deste para mais além, é simétrica. Racionalidade é simetria do pensamento e simetria do devir social, astrofísico e biofísico: não há alto sem baixo, nem inverno sem verão, nem revolução sem contra-revolução, nem vida sem morte, etc.
O que é o libertismo, senão indeterminismo? Pois as correntes hão-de ser ou deterministas ou não deterministas, isto é, indeterministas. O libertismo não pode estar fora desse dualismo. Ou está num campo ou está noutro ou está em ambos (neste último caso é o princípio do quarto excluído que formulei em artigo deste blog de 31 de Agosto de 2011).
O que é o livre-arbítrio, senão indeterminismo?
E o determinismo moderado, o que é, senão uma combinação de determinismo (princípio segundo o qual «nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas geram sempre os mesmos efeitos») com indeterminismo (o livre-arbítrio que, nas mesmas circunstâncias, me leva a deliberar e agir de modos diferentes)?
Blackburn apresenta a doutrina de Kant sobre os dois "eu", numénico e fenoménico, como um exemplo do libertismo:
«III- Libertismo. Esta posição advoga que o compatibilismo é apenas uma fuga e que há uma noção mais substantiva e real de liberdade que pode ainda ser preservada em relação ao determinismo (e ao indeterminismo). Em Kant, enquanto o eu empírico ou fenoménico é determinado e não é livre, o eu numénico ou racional tem capacidade para agir racional e livremente. Mas, uma vez que o eu numénico existe fora das categorias do espaço e do tempo, esta liberdade tem aparentemente um valor duvidoso. Outras respostas libertistas incluem a sugestão de que o problema está mal colocado...» (Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, pag 256, Gradiva).
Não faz sentido falar em libertismo como incompatibilismo num universo em que se reconhece haver determinismo. O próprio Kant compatibiliza o eu numénico ou eu livre, capaz de se opor ao egoísmo e pugnar por ações «desinteressadas» e nobres, com o eu fenoménico ou eu animal, veículo das pulsões corporais e materiais (a avidez do dinheiro, o salvar a pele à custa dos outros, a gula, a luxúria, etc): ora manda um «eu», ora manda o outro «eu» em cada circunstância. Se a liberdade e o determinismo existem, em esferas diferentes, são compatíveis, do mesmo modo que os EUA e a URSS foram compatíveis de 1922 a 1991 enquanto houve União Soviética socialista burocrática: eram incompatíveis nas suas essências internas se as sobrepuséssemos - o capitalismo de livre-empresa e o capitalismo de estado «comunista» - mas coexistiam, compatibilizavam-se na cena mundial. Ora os confusos teóricos da "análise" admitem que libertismo coexiste com o determinismo físico do mundo:
«O libertismo não diz que não há acções determinadas - uma constipação é uma acção determinada por factores que escapam ao nosso controlo - mas somente que algumas acções não são o desfecho necessário de causas anteriores. Há acontecimentos que estão fora do nosso controlo, mas nem todos os acontecimentos estão fora do nosso controlo.» (Luís Rodrigues, Filosofia para a prova intermédia do 10º ano, pag. 31, Plátano Editora, o negrito é posto por mim).
Então se o libertismo admite que há ações submetidas ao determinismo, onde está o incompatibilismo?
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
A Porto Editora lançou um livro de preparação para o restaurado exame nacional de filosofia do 11º ano, que terá lugar em 20 de Junho de 2012, em Portugal. A autoria do dito livro é de Pedro Galvão e António Correia Lopes.
E a Porto Editora factura, vendendo dezenas de milhares de exemplares - a 26 euros cada um, ao grande público - de um manual que apresenta consideráveis erros em filosofia, os erros típicos da chamada «filosofia analítica» que, de forma galopante, ocupa lugares de cátedra em muitas universidades e junto de editores, produtores de televisão e gabinetes influentes em ministérios da educação. Professores e autores de manuais de filosofia analítica são, em regra, verdadeiros cavalos de Tróia da sofística, da (anti) filosofia da linguagem, que invadiram a cidade do pensamento, mutilando e deformando este. Vejamos alguns das centenas de erros e equívocos em que este livro flutua pantanosamente.
O UTILITARISMO NÃO É UM CONSEQUENCIALISMO, MAS UM ACTUALISMO
« O utilitarismo é uma teoria ética consequencialista, pois considera que são as consequências da acção que determinam se esta é moralmente correcta». (Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 51).
Esta é uma definição um pouco idiota. O erro desta definição está em confundir o teor da acção (o acto) com as consequências (a potência). O utilitarismo não é consequencialista mas sim actualista: o que conta é agir e o resultado instantâneo, não a consequência. Exemplo: um presidente de uma câmara municipal, sabendo que não há verbas para pagar aos funcionários camarários, desloca verbas afectas a outra rubrica que não de pagamentos de salários e paga de imediato os salários do mês em curso. A consequência imediata deste acto ilegal é os trabalhadores verem o seu sustento assegurado e a consequência mediata, a curto ou médio prazo, é serem obrigados a devolver o dinheiro e o presidente da câmara ser julgado em tribunal. Vemos, pois, que o termo «consequência» é ambíguo: o acto utilitarista do presidente da câmara não foi, verdadeiramente, consequencialista, limitou-se a assegurar a maior felicidade a muitos naquele momento.
Por que razão Stuart Mill não definiu a sua doutrina como consequencialismo? Porque era mais inteligente que Simon Blackburn, Peter Singer, Desidério Murcho, Pedro Galvão, António Correia Lopes: consequência é mais do que resultado imediato da acção e Mill centra-se neste. As consequências a médio e longo prazo são, com frequência, contrárias ao utilitarismo. Por isso é equívoco, parcialmente erróneo, definir o utilitarismo como um consequencialismo quando é, sobretudo, um instantaneísmo actual ou actualismo.
Imaginemos uma orgia sexual envolvendo 30 pessoas adultas e livres organizada por um casal na sua vivenda de férias: é um acto hedonista, utilitarista visto que satisfaz o prazer de uma maioria ou de todos os envolvidos, no momento (actualismo) mas não é consequencialista uma vez que não há distribuição de preservativos e não prevê as consequências deste acto do qual alguns dos participantes sairão infectados por HIV ou outros males venéreos.
UMA ERRÓNEA CONCEPÇÃO DO UTILITARISMO: SOBREVALORIZAR O RESULTADO, ESVAZIAR A INTENÇÃO (DEONTOLOGIA)
Escrevem ainda Galvão e Correia Lopes:
«CRÍTICAS AO UTILITARISMO:
Objeção do criminoso azarento: se aceitarmos o utilitarismo, alguém claramente mal-intencionado terá agido correctamente ao ter o azar de a sua acção correr mal e tiver consequências benéficas que não foram por si desejadas, e o mesmo para alguém bem-intencionado cuja acção, contra o previsto, gera apenas sofrimento.» (ibid, pag 51).
Este é o modelo de raciocínio de autores da "filosofia analítica": isolam aspectos do mesmo fenómeno, neste caso, o resultado e a intenção, e sobrevalorizam o primeiro apagando o segundo. Ora isto não é o utilitarismo de Mill. Este considera a acção eticamente correcta aquela que une um resultado favorável à felicidade de uma maioria, com uma recta intenção. É deontológico. É a deontologia das maiorias ao passo que a moral de Kant é a deontologia da universalidade humana e do seu contrário, o indivíduo singular.
Um terrorista que ia fazer explodir uma bomba numa esplanada de restaurante onde estão 100 pessoas mas que morre, ao explodir a bomba involuntariamente num local isolado, sem causar vítimas, não cometeu um acto bom, segundo o utilitarismo de Mill. Agiu com dolo, ainda que o acaso ou o destino lhe tenham trocado as voltas - mas os autores deste manual sustentam que, segundo Mill, o terrorista cometeu acto benéfico porque menosprezam o peso da intenção no acto moral utilitarista.
POR QUE RAZÃO A POSIÇÃO ORIGINAL, SEGUNDO JOHN RAWLS, IMPEDIRIA A NEGOCIAÇÃO?
Sobre a teoria de John Rawls, escreve-se o seguinte:
«CRÍTICAS À TEORIA DE RAWLS:
- Críticas ao acordo sobre os princípios:
. Um acordo implica negociação: na posição original não pode haver genuína negociação. (ibid, pag 53)
Porquê? Claro que pode. A posição original é aquela em que, numa assembleia ideal de todos os cidadãos de um país ou região, cada um exprime as suas ideias na moldagem das leis, sem conhecer a posição social e económica dos outros cidadãos, de modo a que não haja constrangimentos. Isto não impede a negociação genuína: se, por exemplo, 500 000 cidadãos sustentam que a lei deve autorizar o aborto voluntário na mulher até às 12 semanas de gravidez e 400 000 cidadãos estão contra, é possível negociar uma lei que seja resultante das vontades opostas, por hipótese, acordarem a permissão do aborto clínico até 8 semanas após o início da gravidez.
UMA DEFINIÇÃO UNILATERAL DE OBJECTIVISMO
É deste modo que o manual define objectivismo:
«O objectivismo (quanto aos valores, ou axiológico) é a teoria de segunda ordem que defende que os valores são propriedades objectivas do mundo, independentes das valorações efetivamente realizadas por indivíduos e culturas. Há, portanto, juízos de valor objectivamente verdadeiros e falsos (são, na verdade, juízos de facto).» (Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 34; o destaque a negrito é posto por mim).
Esta definição é parcialmente errónea. Há um objectivismo intra anima (dentro da alma) que sustenta que os valores são os mesmos para todas as pessoas, embora não estejam plasmados nos objectos e ações e não existam no mundo exterior: é o objectivismo irrealista. Exemplo: é objectivismo ético considerar que «é má prática a profanação de cemitérios» e que «violar uma criança é crime». Este objectivismo reside na comunidade de valoração, não está fora desta. Poder-se-ia designá-lo como intersubjectivismo generalizado.
Há um objectivismo extra anima (fora da alma) que diz que os valores de bem e mal são os mesmos para toda a gente e residem nos objectos e actos exteriorizados. Exemplo: o veneno da serpente é um valor de coisa mau, a explosão de uma bomba matando civis inocentes é um acto mau, etc.
Esta distinção não é feita na filosofia analítica. É paradoxal: os analíticos carecem de poder de análise, são incapazes de perceber os dois sentidos do termo «objectivismo» ao passo que os dialéticos, como eu, que sou ideomaterialista dialético e não materialista dialético, vão muito mais longe em precisão de conceitos. Dialética é, dito de forma sintética, «um divide-se em dois, que lutam entre si». Nós, dialéticos, somos muito superiores em rigor de pensamento aos analíticos que atomizam o pensamento, perdendo de vista a unidade das diferentes determinações e o devir destas.
A confusão sobre o conceito de objectivismo é patente no seguinte exercício do manual:
Exercício 1
Selecione a alternativa correcta.
1. A distinção entre juízo de facto e juízo de valor não é óbvia, porque para o objectivismo...
«A. os juízos de valor são juízos de facto.
B. os juízos de valor não são juízos de facto.
C. .os juízos de valor exprimem apreciações.
D. os juízos de valor descrevem estados de coisas.»
(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 168).
A resposta que o manual aponta como certa é B: «os juízos de valor não são juízos de facto.» (ibid, pag 216)
Trata-se de miopia teórica dos autores do manual: admito que a resposta 1-B esteja correcta mas também a 1-C e a 1-D estão. Não é verdade que os objectivistas consideram que «os juízos de valor exprimem apreciações» e que «os juízos de valor descrevem estados de coisas» ?. É. Portanto, não há uma mas três respostas correctas. Logo, o exercício está mal concebido. Serão estes autores os escolhidos pelo GAVE para elaborar o exame nacional de filosofia? Oremos aos deuses para que não sejam... Seria grave se fossem as mesmas pessoas a fazer este manual e a prova de exame- seria um sinal de promiscuidade ilícita entre o Estado e uma editora privada.
O RELATIVISMO CULTURAL FRACTURA CADA SOCIEDADE, AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ A FILOSOFIA ANALÍTICA
O relativismo cultural é também definido de forma imperfeita, parcialmente errónea, neste manual.
Exercício 4
Considere o texto:
«O relativismo cultural considera o mundo como algo que está dividido de forma nítida em sociedades distintas. Em cada uma delas não existe desacordo em questões morais, ou o desacordo é reduzido, dado que a perspectiva maioritária determina o que é considerado um bem ou um mal nessa sociedade. Mas o mundo não é assim. Pelo contrário, o mundo é uma mistura confusa de sociedades e grupos sobrepostos; e os indivíduos não seguem necessariamente o ponto de vista da maioria.»
Harry Gensler, Ethics, A contemporary Introduction, 1996
1. Defina o relativismo cultural.»
(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 170; o destaque a negrito é posto por mim).
Antes de mais, convém assinalar o magma caótico do pensamento de Harry Gensler: ele define o relativismo cultural como um tecido homogéneo dentro de cada sociedade - o que é um erro - e como diversidade entre as diversas sociedades - o que está certo. Ora o relativismo cultural é também o haver direitas e esquerdas sócio-políticas no seio da mesma sociedade, gastadores e poupadores, religiosos, agnósticos e ateus, góticos, punks e dreads, heterossexuais, bissexuais e homossexuais. Nada disto é compreendido por Harry Gensler e outros filósofos analíticos nem pelos autores do manual. Nem pela generalidade dos catedráticos de filosofia, em Portugal, no Reino Unido, EUA e outros países.
A correcção diz o seguinte:
«1. De acordo com o relativista cultural, não há padrões absolutos ou universais do bem e do mal. O facto de algo ser bom, ou algo ser mau, é sempre relativo a sociedades específicas. Se numa sociedade a maioria aceitar que a poligamia (casamento entre mais de duas pessoas) é boa, então a poligamia é boa para essa sociedade; se noutra sociedade a maioria pensar o contrário, então a poligamia será má para essa sociedade.» (ibid, pag. 216; o negrito é colocado por mim)
Impor a vontade da maioria ao todo social não é relativismo mas absolutismo. Além disso, Absoluto não é o mesmo que universal. Este pode ser relativo à época e vigorar em simultâneo no mundo inteiro. O relativismo é, antes de mais, a variação de classe a classe social, de grupo a grupo estilístico, religioso, desportivo, de indivíduo a indivíduo, no interior de uma mesma sociedade.
Insisto: os pequenos "filósofos analíticos" - em Portugal, representados na revista «crítica na rede», na Sociedade Portuguesa de Filosofia, nos manuais para o 10º e 11º ano do ensino secundário, em nichos universitários influentes, nos autores do presente manual - não têm suficiente poder de análise. São estes impensantes que as grandes editoras - os senhores do negócio, os iluminati - divulgam e pagam.
UMA DEFINIÇÃO CONFUSA DE DETERMINISMO
«A tese que aparentemente se lhe opõe, o determinismo, é especialmente interessante se for tomada como uma tese universal ou radical, no sentido de defender que toda e qualquer ação (e decisão) é, como os simples acontecimentos, inteiramente determinada por factores que os agentes não controlam».(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 23; o destaque a negrito é posto por mim).
Ora o indeterminismo biofísico - exemplos: a variação descontrolada da metereologia, gerando, por exemplo, um dia de queda de granizo em pleno verão, uma cadeira levantar-se sozinha do solo e flutuar minutos no ar, contrariando a gravidade terrestre - também se opõe ao livre-arbítrio e gera acções «inteiramente determinadas por factores que os agentes não controlam...» . Portanto, a definição acima dada está envolta na nuvem da vagueza, da ambiguidade.
Segundo a lógica de Galvão e Correia Lopes, tudo o que se opõe ao livre-arbítrio se designa por "determinismo"... Assim este conceito resulta interpretado como uma amálgama, de leis da natureza, excepções e acaso. A filosofia analítica, longe do mundo das ciências empírico-formais, não define, invariavelmente, o determinismo como a conexão necessária entre as causas X e os efeitos Y. Afasta-se desta definição para dizer que determinismo é a conexão passado-presente-futuro. Ora isto é um erro: a conexão passado-presente-futuro tem quase tanto de determinista como de indeterminista para as filosofias que conferem um papel de destaque ao acaso, isto é, ao factor indetermista.
O que há de necessário, determinista, na conexão passado-presente-futuro é o fluxo do tempo, a constância geológica e geográfica, as leis permanentes da natureza (as leis gerais da vida das aves, dos mamíferos, dos seres humanos, etc): o ano de 1925, sucede ao de 1924, este ao de 1923... Decerto, há determinismo no princípio da identidade: o território de Portugal continente é em 2012 o mesmo que em 1950 e em 1870. Mas há na conexão passado-presente-futuro uma boa dose de indeterminismo aparente: o acidente nuclear na Ucrânia em Abril de 1986, a instalação de uma fábrica poluente na região X, a queda do regime líbio de Kadhafi em 2011, a revolução na Síria em 2012, a generalização do uso de piercings e telemóveis entre os adolescentes na primeira década do século XXI, etc.
A EQUÍVOCA DIVISÃO COMPATIBILISMO VERSUS LIBERTISMO E DETERMINISMO RADICAL
Mas a incapacidade dialética - e por dialética entenda-se, não o discurso sofístico, mas a determinação das múltiplas unidades de dois contrários que constituem a essência de cada coisa ou de cada tema do pensamento- de Pedro Galvão e António Correia Lopes e dos filósofos analíticos em geral é visível. Por exemplo, a seguinte divisão:
«2.2.5 Compatibilismo e incompatibilismo
Face ao problema em discussão, podemos adotar uma de duas posições filosóficas:
1. Incompatibilismo: o determinismo implica a rejeição do livre-arbítrio.
2. Compatibilismo: determinismo e livre-arbítrio são compatíveis.
O incompatibilismo admite, por sua vez, duas versões:
1.1 Determinismo radical: o determinismo é verdadeiro e o livre-arbítrio é uma ilusão.
1.2 Libertismo: temos livre-arbítrio, e assim, o determinismo é falso porque pelo menos alguns acontecimentos (incluindo as ações ou apenas elas) não são determinados. »
(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 26; o destaque a negrito é posto por mim).
Ora aqui existe uma confusão gritante: o libertismo, que implica livre-arbítrio ao lado de determinismo, é denominado uma forma de incompatibilismo mas é o mesmo que o compatibilismo, que implica livre-arbítrio ao lado do determinismo. No entanto, são apresentados como se fossem coisas distintas! Mas não são: do modo como estão definidos, libertismo é o mesmo que compatibilismo ou determinismo moderado, lembrando a frase de Heraclito «o caminho que sobe e o caminho que desce são um e o mesmo».
Só esta confusão, de que são cúmplices e fautores filósofos como Thomas Nagel, Peter Singer, Simon Blackburn, e muitos outros, além dos catedráticos portugueses da filosofia analítica (João Branquinho, Ricardo Santos, etc) mostra como é pobre o campo da filosofia analítica, centrada no estudo da linguagem sem abarcar globalmente o campo dos referentes (extralinguísticos). Eles não pensam! Não visualizam o espaço conceptual, os géneros e as espécies, organizados vertical ou horizontalmente. Não distinguem por exemplo, determinismo radical - prefiro designá-lo como determinismo sem livre-arbítrio - de fatalismo. Decoram mecanicamente, enrolam-se no fetichismo das palavras, sem discernir o significado destas. São intelectualmente medíocres, como é medíocre este manual da Porto Editora e possivelmente - se não se inflectir caminho - será medíocre, no seu teor, o exame nacional de filosofia em Junho de 2012, em Portugal!
FALÁCIAS DE MINÚCIAS
Acerca do estatuto do conhecimento, o delírio (hiper) analítico dos autores chega a conceber respostas escandalosamente anti filosóficas, porque redutoras. Vejamos exemplos:
«10. ESTATUTO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Exercício 1.
Selecione a alternativa correta.
2. Uma proposição empiricamente verificável é aquela que...
A. é comprovada pela experiência.
B. pode ser comprovada pela experiência.
C. tem de ser comprovada pela experiência.
D. tem que ser refutada pela experiência.(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 34; o destaque a negrito é posto por mim).
(pag 206)
,
A solução indica que a única resposta correcta é a B. É uma falácia por redução, de minúcias: considera-se que poder ser comprovada está certo mas que ser comprovado não...É ridículo: uma proposição empiricamente verificável é aquela que é comprovada pela experiência, como diz a hipótese A; e é aquela que tem de ser comprovada pela experiência, como diz a hipótese C. Logo há três hipóteses de resposta certa: A,B e C. Este tipo de pergunta é perfeitamente arbitrário, é um jogo de linguagem inadmissível para quem pensa verdadeiramente. Algo similar sucede com o seguinte exercício:
8. Segundo o critério de demarcação de Popper, uma teoria científica é aquela que...
A. foi refutada pela observação.
B. tem que ser refutada pela observação.
C. pode ser refutada pela observação.
D. pode ser refutável pela observação.
(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 207; o destaque a negrito é posto por mim).
A solução aponta como certa a resposta C (ibid, pag 252). É óbvio que a resposta D está igualmente correcta.
O EMPIRISMO NÃO EXCLUI AS IDEIAS INATAS
O manual insiste numa ideia errónea muito disseminada:
«Os empiristas defendem que todo o conhecimento do mundo é a posteriori. Os racionalistas defendem que algum desse conhecimento é a priori.» (Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 121; o destaque a negrito é posto por mim).
O erro destas frases refuta-se do seguinte modo: o empirismo em geral defende que quase todas as nossas ideias derivam directamente das impressões sensoriais ( exemplo: a ideia de oliveira é uma cópia desbotada das oliveiras que vimos) e outras, as ideias mais abstractas, resultam de associações de ideias (exemplo: a ideia de Deus é fruto da associação das ideias complexas de pai, de juíz, de imperador, de super homem, etc); mas, para parte dos empiristas, algumas daquelas impressões podem ser impressões inata ou geneticamente gravadas nos orgãos dos sentidos (Como podemos percepcionar o amarelo se não houver a cor amarela nas nossas fibras ópticas? Como podemos percepcionar o perfume da rosa se não existir, como impressão inata, o cheiro da rosa nas nossas fibras olfactivas?) Só o semelhante reconhece o semelhante.
É um equívoco identificar racionalismo com inatismo. Há racionalistas que defendem a teoria da tábua rasa, isto é que nascemos com a mente vazia de conhecimentos. Inatismo é um género que intersecta em parte os géneros empirismo e racionalismo, que mutuamente considerados, são espécies de um género maior.
DEFICENTE CLASSIFICAÇÃO DAS CORRENTES DA ARTE
No capítulo V, A dimensão estética, o manual oferece-nos três correntes sobre a arte : a teoria da arte como imitação, a teoria expressivista e a teoria formalista. E dá as seguintes definições:
«5.2.1. A teoria da arte como imitação
«Trata-se da mais antiga teoria da arte, aquela que vigorou durante mais tempo. Ela remonta aos grandes filósofos gregos Platão e Aristóteles, que defenderam que a arte consiste na imitação da natureza, ainda que o tenham feito de forma diferente - no caso do primeiro, como uma acusação à arte. É também conhecida como teoria mimética da arte...» .(Pedro Galvão e António Correia Lopes, «Preparação para o exame nacional 2012, 11º» Porto Editora, pag. 56).
«5.2.3 A teoria expressivista
«Segundo esta teoria, a que está mais próxima do que a maioria das pessoas ainda actualmente pensa sobre a obra de arte, as obras de arte são veículos de expressão de sentimentos ou de emoções vividas pelos seus autores e, por isso, podem despertá-los naqueles que as contemplam. Trata-se de uma perspectiva que dá extrema importância à parte espiritual da experiência da arte. Ela ficou sobretudo associada ao Romantismo (século XIX), época em que substituiu a teoria da imitação...» (ibid, pag. 57)
«5.2.5 A teoria formalista
«A tese de Kant de que a beleza decorre apenas da pura forma de um objecto, e não da sua utilidade, representou uma antecipação da teoria formalista, que se desenvolveu na segunda metade do século XX, destacando-se o inglês Clive Bell.
Segundo esta teoria, o que faz de algo uma obra de arte é o facto de possuir uma forma que pode ser apreciada esteticamente. Assim, o que é artístico numa obra não é a sua capacidade para gerar emoções, mas as relações entre as suas qualidades formais: na pintura, as cores e figuras, e o seu equilíbrio; na poesia, os sons as repetições e cadências de palavras...» (ibid, pag 59)
Esta divisão triádica está mal elaborada. Em primeiro lugar, a arte como imitação da natureza não apresenta, neste esquema, um contrário, isto é, a corrente da arte como não imitação, transfiguração da natureza ou desnaturação. Expressivismo não é contrário de imitação da natureza: a exteriorização das emoções do artista (expressivismo) é compatível com a imitação da natureza. Assim, o quadro «Mona Lisa» é simultaneamente imitação da natureza e expressão do olhar subjectivo do pintor Leonardo da Vinci. Imitação (naturalismo) e expressão (subjectivismo) são espécies de géneros diferentes compatíveis entre si.
O formalismo, entendido como proporção e medida entre os diversos componentes da obra de arte e característica principal desta, é uma espécie de um terceiro género, compatível com imitação e expressivismo. A falta de conhecimento da dialética faz com que estes autores "analíticos", Pedro Galvão e António Correia Lopes, sejam incapazes de ordenar correctamente os conceitos e perceber com clareza as suas correlações recíprocas. De nada lhes servem os inspectores de circunstâncias e as derivações: não captam o pensamento vivo e multifacetado, a realidade dialética.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
Eis dois testes de filosofia para o 10º ano de escolaridade em Portugal, de final de primeiro período letivo, feitos com criatividade e riqueza de conteúdos, longe do simplismo monótono dos testes dos professores medianos que imitam os manuais de filosofia vigentes em Portugal. Todos estes últimos são muito limitados pela inércia do pensamento e pela «filosofia analítica» em voga (Oxford Dictionary of Philosophy, Routledge Dictionary of Philosophy, etc) cujas definições erróneas - do tipo «o libertismo é um incompatibilismo», «o relativismo não pode ser objetivista» ou «o subjetivismo contradiz-se» - e cujo vício lógico-formalista impedem a amplitude do pensamento livre, profundo e criador.
Escola Secundária com 3º ciclo Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA A
Dezembro de 2011 Professor: Francisco Queiroz
I
“O realismo gnosiológico liga-se, sobretudo, à ideia de transcendência e o idealismo gnosiológico à ideia de imanência. Os juízos de valor assentam quase sempre na intersubjetividade e levam muitas vezes ao relativismo ou mesmo ao ceticismo.»
1) Explique, concretamente, cada uma destas frases.
II
“Entendi ser injusta uma cena em que duas raparigas agrediam uma terceira, enchi-me de coragem e intervim libertando a vítima, depois fui apreciar os quadros do Museu Regional de Beja, fiz um teste de matemática na escola, almocei frango assado e agradeci à Divindade sob um sol agradável.”
2), Identifique, nos termos a negrito deste texto, as quatro esferas de valores segundo Max Scheler e ainda valores de coisa e valores de função.
3) Relacione, justificando:
A) Imperativo categórico e imperativo hipotético em Kant e duas partes da alma humana segundo Platão.
B) Princípio lógico do terceiro excluído e lei dialética da contradição principal.
C) Hierarquia dos valores, ideologia e teleologia.
4) Disserte sobre o seguinte tema:
“A teoria das quatro causas e a teoria do ato e da potência de Aristóteles aplicada a:
A) A acção voluntária de marcar uma grande penalidade contra a equipa adversária num jogo de futebol.
5) Disserte sobre os seguinte tema:
a)- É compatível a existência dos arquétipos e da reminiscência da teoria de Platão com o livre-arbítrio? Justifique.
b)- Onde há maior grau de liberdade humana: no determinismo com livre-arbítrio ou no indeterminismo com livre-arbítrio ou no fatalismo? Justifique.
CORREÇÃO DO TESTE (COTAÇÃO MÁXIMA: 20 VALORES)
1) (NOTA: A FRASE VALE 2 VALORES). O realismo gnosiológico é a corrente que sustenta que há um mundo material exterior ás mentes humanas e, portanto, é transcendente a estas, ao passo que o idealismo gnosiológico é a corrente que sustenta que o mundo material está contido dentro da minha imensa mente cósmica e é irreal, desaparece se eu me extinguir, logo é imanente a mim. (A FRASE SEGUINTE VALE 3 VALORES).Os juízos de valor, isto é, as proposições que opinam com base no belo e no feio, no justo e injusto, no bem e no mal assentam quase sempre na intersubjetividade ou modo de pensar comum a várias subjetividades e conduzem muitas vezes ao relativismo, doutrina que afirma que os valores e a verdade variam de pessoa a pessoa, de povo a povo, de classe a classe social, de época a época, e ao ceticismo, doutrina que duvida das teorias científicas, religiosas, políticas, etc, e mesmo da existência dos entes ausentes ou invisíveis.
2) (NOTA: VALE DOIS VALORES). «Entendi ser injusta» é valor de função espiritual , isto é, um modo de perceber os valores éticos (justo e injusto) que, segundo Scheller, integra a esfera dos valores espirituais. «Enchi-me de coragem e intervim » é valor de função vital sendo o meu corpo um valor de coisa - a esfera dos valores vitais é a que se centra no anímico, no estado da alma, englobando o nobre e o vulgar, o excelente e o ruim, o sentir-se corajoso ou cobarde, jovem ou velho, vencedor ou vencido, etc. «Fui apreciar» é valor de função espiritual-estética, «os quadros do Museu Regional de Beja» é valor de coisa e pertence à esfera dos valores espirituais, que engloba a estética. «Fiz um teste de Matemática» é valor de função espiritual-científica, já que a ciência se centra nos valores de verdadeiro e falso, num sentido utilitário. «Almocei» é valor de função sensível e «frango assado» é valor de coisa, situada na esfera dos valores sensíveis. «Agradeci à divindade» é valor de função da esfera do santo e do profano, «sob um sol agradável» é valor de coisa da esfera dos valores sensíveis.
3) A) (VALE 2 VALORES) O imperativo categórico ou verdadeira lei moral segundo Kant - age como se quisesses que a tua ação fosse uma lei universal, isto é. aplicável imparcialmente a todos e sem te beneficiar a ti em exclusivo - equivale ao Nous, ou inteligência filosófica em Platão, que é a parte racional e superior da alma humana. O imperativo hipotético ou falsa lei moral segundo Kant - age beneficiando-te antes de mais a ti mesmo ou a ti e alguns amigos, secundarizando ou prejudicando outras pessoas - e equivale à epithimya ou concupiscência, isto é, à parte inferior da alma, aos instintos de comer, beber, possuir riquezas, devaneios sexuais egoístas, etc.
3) B) (VALE 2 VALORES) O princípio do terceiro excluído afirma que cada coisa ou qualidade é ou não é, pertence ao grupo A ou ao grupo não A, cria dois campos, e é similar à lei da contradição principal porque esta reduz a dois polos fundamentais as múltiplas contradições de um sistema. Exemplo: a contradição principal na II Guerra Mundial foi a que opôs os Aliados (Grã-Bretanha, EUA, Canadá, França livre, Brasil, etc) ao Eixo (Alemanha, Itália, Japão) havendo alguns países neutrais como Portugal, Espanha, Suíça, polos fora da contradição principal (esta deveria chamar-se, em rigor, contrariedade principal, de acordo com a terminologia aristotélica)..
4) A) (VALE 2 VALORES) Hierarquia de valores é a escala de valores, desde os mais elevados aos mais baixos ou contravalores. Em cada ideologia, isto é, sistema de ideias e valores de um dado grupo social ou povo há uma hierarquia de valores e uma teleologia ou estudo das finalidades dos processos naturais ou das finalidades dos valores. Exemplo: na ideologia burguesa, a hierarquia de valores coloca como valor supremo o direito a enriquecer através da acumulação de capitais como empresário ou investidor na bolsa em regime liberal, e põe como contravalores o comunismo, o anarquismo coletivista, a expropriação dos capitalistas e o fim da economia livre de mercado e tem por teleologia os valores do crescimento económico e de uma vida de prazer e conforto material material em liberdade.
4) a)(VALE 2 VALORES) A ação voluntária de marcar uma grande penalidade tem como causa formal - neste caso uma sucessão de formas- a corrida do jogador para a bola e o pontapé nesta rumo à baliza. Como causa material, a chuteira do jogador e a bola de couro. Como causa eficiente, o jogador que remata. Como causa final, marcar golo. Em ato, é o remate, em potência é a bola entrar ou não entrar na baliza.
5) a) (VALE 2 VALORES) O livre-arbítrio ou liberdade racional de deliberar como agir é compatível com os arquétipos de Bem, Belo, Justo, Número e outras formas espirituais puras existentes, segundo Platão, num mundo inteligível acima do céu visível. Podemos ou não inspirar-nos nos arquétipos. ao desenvolver ações terrenas - e isso é livre-arbítrio. As reminiscências são lembranças vagas dos arquétipos e são compatíveis com o livre-arbítrio.
5) b) (VALE 2 VALORES) O maior grau de liberdade, aparentemente, existe no determinismo com livre-arbítrio (os manuais chamam-lhe: determinismo moderado), doutrina segundo a qual a natureza se rege por leis necessárias, fixas e inflexíveis (as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos) e temos liberdade para escolher este ou aquele determinismo, cujos efeitos conhecemos. Em seguida, com menor grau de liberdade, porque não conhecemos os seus contornos, vem o indeterminismo com livre-arbítrio (alguns manuais chamam-lhe libertismo...) isto é a doutrina segundo a qual a natureza não tem leis fixas e absolutamente previsíveis (exemplo: ao partir um ovo de galinha, não é certo encontrar clara e gema dentro, posso encontrar um trevo ou uma pérola) e sou livre de escolher. No fatalismo, doutrina segundo a qual os acontecimentos estão predestinados desde a mais remota antiguidade, não há livre-arbítrio.
NOTA: Há respostas alternativas a estas em algumas perguntas. O professor corretor deve ser flexível na captação de outras vias de racionalidade sugeridas por alguns alunos. Os conteúdos filosóficos deste teste estão todos contidos potencialmente no programa de filosofia, basta discerni-los, trazê-los à superfície. Na rubrica «O que é a filosofia» é possível a um professor dotado de visão holística e de rigor concetual ensinar a teoria de Platão (arquétipos, Mundos do Mesmo, do Semelhante e do Outro, reminiscência, participação, etc) princípios da lógica e leis da dialética, as teorias do ato e da potência de Aristóteles,etc.
Vejamos um segundo teste.
Escola Secundária com 3º ciclo Diogo de Gouveia, Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 10º ANO TURMA D
Dezembro de 2011 Professor: Francisco Queiroz
I
“ A hierarquia de valores implica sempre o preferir e o postergar de valores. A lei dialética do uno parece relacionar-se mais com o tó on de Aristóteles mas a lei do devir parece ligar-se mais ao tó tí. Os juízos de valor levam muitas vezes ao relativismo ou mesmo ao ceticismo.»
1) Explique, concretamente, cada uma destas frases.
II
“ Estive a contemplar e apreciar um quadro de Picasso, depois bebi um sumo de laranja, senti-me animado com um telefonema em que me prometiam emprego por eu ter altas classificações em informática e agradeci à Divindade no meio de um campo sob um sol agradável.”
2), Identifique, nos termos a negrito deste texto, as quatro esferas de valores segundo Max Scheler e ainda valores de coisa e valores de função.
3) Relacione, justificando:
A) Dualismo antropológico e moral em Kant e duas partes da alma humana segundo Platão.
B) Realismo e idealismo gnosiológico.
C) Arquétipo em Platão, metafísica e conceito noético ou metaempírico.
4) Disserte sobre o seguinte tema:
A teoria das quatro causas e a teoria do ato e da potência de Aristóteles aplicada a:
A) A escola Diogo de Gouveia.
B) A acção voluntária de recolher alimentos a favor dos mais carenciados.
5)Disserte sobre os seguinte tema:
A)- Poderia haver valores éticos, estéticos e científicos se não houvesse livre-arbítrio? Justifique.
B)- Onde há maior grau de liberdade humana: no determinismo com livre-arbítrio ou no indeterminismo com livre-arbítrio ou no fatalismo? Justifique.
CORREÇÃO DO TESTE (COTAÇÃO MÁXIMA: 20 VALORES)
1) A) (A FRASE SEGUINTE VALE 1 VALOR) A hierarquia dos valores, isto é, o escalonamento ou escala destes de cima a baixo, implica o preferir, isto é, adotar alguns, e o postergar, isto é, o rejeitar ou colocar em último lugar de outros (exemplo: se prefiro a honestidade estou a postergar a desonestidade). (AS FRASES SEGUINTES VALEM 2 VALORES, NO TODO) A lei dialética do uno sustenta que no universo todas as coisas estão ligadas entre si fazendo um imenso Um ou Uno e o tó on, isto é, o ente, o que existe, referido por Aristóteles, é uma qualidade universal de todas as coisas, algo que as une, uma existência comum. A lei do devir sustenta que tudo está em devir ou incessante mudança e isso parece ligar-se ao tó tí, isto é, ao quê é, à forma ou essência particular, ao aspeto definidor (exemplo: o tó tí da semente, isto é, a sua forma distintiva, transforma-se no to tí da árvore, etc).(A FRASE SEGUINTE VALE DOIS VALORES). Os juízos de valor, isto é, as proposições fundadas nas noções de belo/feio, justo/injusto, bom/mau, levam muitas vezes ao relativismo, doutrina que constata que os valores variam de pessoa a pessoa, de classe a classe social, de povo a povo, de época a época, etc, e ao ceticismo, doutrina que duvida das teorias científicas, religiosas, políticas, etc, e de tudo o que esteja ausente à observação direta.
2) ( VALE 3 VALORES) "Estive a contemplar e apreciar" é valor de função estética ou valor de perceber o belo (esfera dos valores espirituais), "um quadro de Picasso" é valor de coisa, segundo a teoria de Max Scheler. «Bebi um sumo de laranja" é valor de função sensível (esfera dos valores sensíveis). «Senti-me animado com um telefonema» é valor de estado vital (estado de alma refere-se à esfera dos valores vitais) sendo o telefonema um valor de função vital, porque me anima, e de função espiritual, porque me comunica intelectualmente o valor de verdadeiro contido na informação de eu "ter altas classificações em informática" (estas representam um valor espiritual-científico de coisa). "Agradeci à divindade" é um valor de função da esfera do santo e do profano , "sob um sol agradável"é um valor de função e de coisa da esfera dos valores sensíveis.
3) A) (VALE DOIS VALORES) Dualismo antropológico e moral em Kant significa a divisão do ser humano (antropos) , feita por este filósofo, em dois polos, no plano moral: o eu numénico ou racional, gerador do imperativo categórico ou verdadeira lei moral, baseado na equidade universal e na ausência de egoísmo, e o eu fenoménico ou corporal, gerador do imperativo hipotético ou falsa lei moral, baseado no interesse egoísta do sujeito e na falta de equidade. O primeiro, numénico, equivale ao Nous, ou parte superior e racional da alma que contempla os arquétipos, segundo Platão, o segundo, fenoménico, equivale à Epithimya ou concupiscência, parte inferior da alma.
3) B) (VALE DOIS VALORES) O realismo gnosiológico sustenta que o mundo material é real em si mesmo e transcendente às mentes humanas. Ao invés, o idealismo gnosiológico sustenta que o mundo material está contido dentro da única ou das múltiplas mentes humanas, não sendo real em si mesmo.
3) C) (VALE DOIS VALORES) Arquétipo, em Platão, é uma forma espiritual eterna, imutável, imóvel e perfeita, situada acima do ceu visível, que serve de modelo aos entes do mundo terrestre: os arquétipos de Bem, Belo, Justo, Igual, Número Dois, etc. Conceito noético ou metaempírico é a ideia, formalmente subjetiva, que a mente humana forma de arquétipo, a representação deste no Nous ou inteligência superior. Tanto o arquétipo como o conceito noético que dele temos são metafísicos, visto que metafísica é a região dos objetos invisíveis e impalpáveis que transcendem a esfera dos sentidos e a natureza física percetível.
4) A) (VALE 2 VALORES) A teoria das quatro causas, de Aristóteles, aplicada à Escola Secundária Diogo de Gouveia, em Beja, resulta assim: a causa formal é a forma do edifício escolar, incluindo as salas, laboratórios, etc; a causa material é a matéria usada na construção, isto é, tijolo, ferro, cimento, mármore, telha, plástico, alumínio, etc; a causa eficiente é quem fabricou a escola, isto é, o onjunto dos pedreiros, carpinteiros, eletricistas, canalizadores, arquitetos, engenheiros, empreiteiros; a causa final é o desenvolvimento dos conhecimentos cientíicos e humanísticos e das habilidades técnicas dos alunos, a sua certificação e a constituição de um polo de saber irradiante, em que os professores são peça fundamental. A teoria do ato e da potência aplicada é a seguinte: a escola é uma escola secundária em ato ou realidade presente e é uma universidade ou qualquer outra coisa em potência, isto é, no futuro previsível.
4) B) (VALE UM VALOR) A ação de recolha de alimentos a favor dos carenciados tem como causa formal os gestos sucessivos de agarrar alimentos e transportá-los (gestos são formas moventes). Como causa material, tem os alimentos e os corpos dos que os carregam. Como causa eficiente, os doadores dos alimentos e os voluntários que os levam. Como causa final, alimentar as pessoas carenciadas.
5) A) (VALE DOIS VALORES) O livre-arbítrio ou liberdade racional de deliberar como agir é compatível com os valores éticos de bem e de mal, justo e injusto, com os valores estéticos de belo e feio, sublime e horrível, e com os valores científicos de verdadeiro, falso e verosímil. Livre-arbítrio é uma faculdade racional e valores são qualidades ou essências exteriores a essa faculdade racional.
5)B) (VALE 2 VALORES) O maior grau de liberdade, aparentemente, existe no determinismo com livre-arbítrio (os manuais chamam-lhe: determinismo moderado), doutrina segundo a qual a natureza se rege por leis necessárias, fixas e inflexíveis (as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos) e temos liberdade para escolher este ou aquele determinismo, cujos efeitos conhecemos. Em seguida, com menor grau de liberdade, porque não conhecemos os seus contornos, vem o indeterminismo com livre-arbítrio (alguns manuais chamam-lhe libertismo...) isto é a doutrina segundo a qual a natureza não tem leis fixas e absolutamente previsíveis (exemplo: ao partir um ovo de galinha, não é certo encontrar clara e gema dentro, posso encontrar um trevo ou uma pérola) e sou livre de escolher. No fatalismo, doutrina segundo a qual os acontecimentos estão predestinados desde a mais remota antiguidade, não há livre-arbítrio.
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O conceito de libertismo é um dos que faz patinar no gelo da imprecisão e do equívoco a corrente anglo-norte-americana da filosofia "analítica". Ésta corrente declara, dogmaticamente, que «o libertismo é um incompatibilismo». Simon Blackburn escreveu no seu Dicionário de Filosofia Oxford:
«Libertismo - Uma perspetiva que procura proteger a realidade do livre arbítrio humano através da assunção de que uma escolha livre não é causalmente determinada, mas também não é aleatória (ver dilema do determinismo); é antes necessário conceber uma intervenção racional e responsável no curso das coisas. Em alguns desenvolvimentos postula-se uma categoria especial de causalidade do agente, mas a sua relação com o funcionamento neurofisiológico do corpo e do cérebro, ou, na verdade, com qualquer perspetiva moderadamente naturalista de nós mesmos, tende a ser instável e é frequentemente ridicularizada por ser um desejo de proteger a fantasia de um agente situado completamente fora da natureza.» (Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, paginas 253-254, Gradiva, Lisboa; o negrito é posto por mim).
O erro começa no trilema desenhado por Blackburn:
1º Ou a escolha é predeterminada - «causada», no dizer de Blackburn.
2º Ou é livre, racional e responsável.
3º Ou é aleatória, isto é, fortuita, ao acaso.
Blackburn sustenta a segunda hipótese ao definir libertismo. E o erro nesta definição assenta na obscuridade sobre a essência da natureza biofísica sobre a qual o livre-arbítrio se exerce: é a natureza física regida pelo determinismo, isto é, por leis inflexíveis em que as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, na mesmas circunstãncias? Blackburn não é claro sobre isto. Se a resposta for afirmativa, libertismo é o mesmo que determinismo com livre-arbítrio (determinismo moderado no dizer de Blackburn).
Incapaz de pensar dialeticamente, de reduzir a tríade à díade - à semelhança dos autores e revisores de manuais de filosofia do ensino secundário em Portugal: Desidério Murcho, Pedro Galvão, António Pedro Mesquita, Luís Goltchak, Alexandre Franco de Sá, Pedro Madeira, Luís Rodrigues, António Paulo Costa, etc- Blackburn não vê que o livre-arbítrio integra o aleatório e coloca este último, em bloco, fora do livre-arbítrio.
A Blackburn e aos seus seguidores falta a intuição dialética de que tudo o que não é prédeterminado e determinado é livre, ou seja aleatório. O livre-arbítrio possui dois ingredientes: o conteúdo aleatório da decisão e a forma racional da deliberação.
Uma definição sustentável de libertismo é a seguinte: doutrina metaética que sustenta que o ser humano dispõe de livre-arbítrio num mundo natural que é, em si mesmo, libertista ou indeterminista, isto é, não se rege por leis necessárias mas por casualidades. Mas neste caso é um compatibilismo: a liberdade do ser humano compatibiliza-se com a liberdade da natureza. As duas liberdades não são a mesma coisa: uma é flutuação psico-racional, a outra é flutuação imprevisível de átomos materiais e fenómenos biofísicos. É um erro afirmar que o libertismo é um incompatibilismo, como o fazem os manuais de filosofia do secundário em Portugal e as respostas tipo aos testes intermédios de filosofia do 11º ano de escolaridade, e como o faz o «Routledge dictionary of philosophy», plataforma dos pequenos filósofos analíticos do Reino Unido e dos EUA, antidialéticos até à medula.
A confusão sobre estas correntes metaéticas é tão forte, e tão certeiro é o fogo racional que, neste blog, se tem feito sobre as divisões equívocas "determinismo radical/ determinismo moderado/ libertismo/ indetermismo", que as Orientações para efeitos da avaliação sumativa externa das aprendizagens na disciplina de Filosofia, 10º e 11º Anos, homologadas pelo Ministério da Educação e Ciência de Portugal, em 2 de Novembro de 2011, documento da autoria dos professores Alexandre Sá, Manuela Bastos, Maria do Carmo Themudo, Pedro Alves e Ricardo Santos, não se atrevem, sequer, a mencionar estas correntes, dizendo apenas o seguinte, na página 4:
«Em 1.2 Determinismo e liberdade na ação humana, deverá ser abordado o problema da relação entre determinismo e livre-arbítrio, discutindo as posições fundamentais de resposta a esta questão».
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Prosseguem as críticas aos erros e imprecisões do Dicionário Escolar de Filosofia da Plátano Editora.
CONFUSÕES SOBRE O LIBERTISMO, O COMPATIBILISMO E O INCOMPATIBILISMO
Os problemas metaéticos consubstanciados nos eixos do determinismo/indeterminismo, livre-arbítrio/ fatalismo recebem uma conceptualização equívoca, falaciosa:
«compatiblismo/incompatibilismo
«O problema do livre-arbítrio consiste em saber se a crença de que somos livres é compatível com a crença de que o mundo é governado por leis e que no mundo todos os acontecimentos, incluindo as nossas acções, são determinados pelas suas causas (ver causa/efeito). Em geral, existem dois tipos de teorias que respondem a este problema: as teorias compatibilistas e as teorias incompatibilistas.
O compatibilismo é uma concepção metafísica que afirma que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo. A posição compatibilista pode ser expressa com a seguinte afirmação condicional: se tudo for determinado, é possível que exista livre-arbítrio.
O determinismo moderado é a teoria compatibilista mais influente. Um determinista moderado, como David Hume, aceita que a acção seja determinada por causas; no entanto, sustenta que essa acção pode ser livre se o agente, ao praticá-la, puder agir de outra forma e se tiver um controlo sobre o desejo e a crença que causam a acção. Por exemplo, entregar um telemóvel a um ladrão é uma acção livre caso nos seja possível recusar fazê-la e se o desejo de viver, assim como a crença de que entregar o telemóvel permite preservar a vida, forem as causas dessa acção. O incompatibilismo é o conjunto de concepções metafísicas que negam que o livre-arbítrio seja compatível com o determinismo. A posição dos incompatibilistas é a seguinte: se tudo for determinado, não é possível que exista livre-arbítrio. As duas teorias incompatibilistas mais importantes são o determinismo radical e o libertismo. Os deterministas radicais argumentam que o livre-arbítrio não existe porque todas acções são efeito de causas remotas e incontroláveis. Os libertistas afirmam que o livre arbítrio existe porque nem todas as acções são o efeito de causas remotas e incontroláveis. » APC (Dicionário Escolar de Filosofia).
. Há ´múltiplas confusões neste artigo. A primeira é a distinção artificial entre «determinismo moderado» e «determinismo radical»: António Paulo Costa (APC) não viu que a quantidade de determinismo que há em ambos é exactamente a mesma. Se o primeiro admite a lei da gravitação universal, o efeito de descida do açúcar no sangue por administração de insulina, a formação de cloreto de sódio por mistura de ácido clorídrico e sódio, o segundo admite o mesmo. O «moderado» e o «radical» não pertencem à natureza do determinismo em si mas enunciam, ambiguamente, o facto de este estar ou não envolto pela mola do livre-arbítrio que o pode pressionar de fora.
Outra confusão é a definição de libertismo: diz-se que é uma doutrina incompatiblista e que «o incompatibilismo é o conjunto das doutrinas metafísicas que negam que o o livre arbítrio seja compatível com o determinismo» e mais adiante diz-se o inverso, isto é, que «os libertistas afirmam que o livre-arbítrio existe porque nem todas as acções são efeito de causas remotas e incontroláveis», ou seja, o libertismo é compatibilismo...
APC define assim determinismo moderado:
«O determinismo moderado é a teoria compatibilista mais influente. Um determinista moderado, como David Hume, aceita que a acção seja determinada por causas; no entanto, sustenta que essa acção pode ser livre se o agente, ao praticá-la, puder agir de outra forma e se tiver um controlo sobre o desejo e a crença que causam a acção.»
Ora isto é exactamente a definição que APC forneceu de libertismo, exceptuando o rótulo que lhe colou de "incompatibilismo". Então determinismo moderado e libertismo são exactamente o mesmo, segundo este nebuloso " Dicionário Escolar de Filosofia", verdadeira casa de fantasmas que se duplicam em aparições: ambos postulam determinismo na natureza e livre-arbítrio. Há uma falta de lógica essencial nesta classificação. Falta de reflexão.
METAFÍSICA É MUITO MAIS QUE ESTUDO CONCEPTUAL GERAL
Também a definição de metafísica neste Dicionário surge envolta em rolos de fumo de ambiguidade:
«metafísica
«O estudo dos aspectos conceptuais mais gerais da estrutura da realidade. Por exemplo: Serão todas as verdades relativas, ou haverá verdades absolutas? E o que é a verdade? Ao longo do tempo um ser humano muda de personalidade, fica fisicamente diferente, perde cabelo, etc. como se pode então dizer que é a mesma pessoa? Será que a vida faz sentido? Será que temos livre-arbítrio? A ontologia é a disciplina da metafísica que estuda quais as categorias de coisas que há. Por exemplo: Será que há números, ou são meras construções humanas? Terão os universais, como a brancura, existência independente dos particulares, isto é, das coisas brancas? Serão as possibilidades não realizadas reais, ou meras fantasias? O que hoje em dia se chama "lógica filosófica" abrange em grande parte os temas da metafísica tradicional, introduzidos na obra Metafísica, de Aristóteles, designadamente o problema da identidade e persistência de objectos ao longo do tempo. A designação de "metafísica", contudo, não foi introduzida por Aristóteles, que usava a expressão "filosofia primeira", muito corrente ainda no séc. XVII, mas hoje pouco usada o que é uma pena, pois não permite o trocadilho informativo que consiste em dizer que a filosofia primeira estuda as questões últimas. No sentido popular do termo, "metafísica" quer dizer algo totalmente diferente: o "estudo" de questões que transcendem a realidade material: ocultismo, espiritismo, etc. Em filosofia, a metafísica não é nada disto. »
«A metafísica é uma das disciplinas centrais e mais gerais da filosofia; muitas outras disciplinas abordam problemas metafísicos particulares. Por exemplo: a filosofia da acção estuda, entre outras coisas, o problema metafísico de saber o que é e como se individua uma acção (isto é, como se distinguem as acções umas das outras); a filosofia da ciência estuda, entre outras coisas, o problema ontológico de saber se as entidades inobserváveis postuladas pelas ciências (como os quarks) têm existência real e independente de nós, ou se são meras construções humanas. »
«Com o desenvolvimento da ciência moderna, a partir do séc. XVII, a metafísica começou a sofrer ataques por não produzir resultados à semelhança da ciência; afinal, era a ciência empírica, como a física, que produzia conhecimento seguro sobre a natureza última das coisas, e não a metafísica. Esses ataques começam com Kant. Posteriormente, algumas escolas de filosofia, como o positivismo lógico, encaravam a metafísica como coisa mítica do passado. Contudo, na filosofia contemporânea, a força dos problemas metafísicos voltou a impor-se, e o seu estudo floresceu uma vez mais. » DM (Dicionário Escolar de Filosofia).
Desidério Murcho (DM) define metafísica de forma ambígua: «o estudo dos aspectos conceptuais mais gerais da estrutura da realidade.» Esta definição poderia aplicar-se à lógica, que não é própriamente metafísica, e estuda conceitos gerais da estrutura da realidade.
Desidério vive no mundo do símbolo lógico, num átrio pré filosófico - é um pouco como aquele frade, metido à força num convento, que, como não capta a transcendência de Deus, multiplica o estudo conceptual das regras monásticas, visando tranquilizar-se sobre o que para si é incompreensível - e isso impede-o de conceber a verdadeira essência da metafísica que não é ser estudo conceptual mas sim realidade transfísica.
Metafísica é, por exemplo, o lado transfísico do copo em que pego e do vinho que nele está contido. Não é um estudo de conceitos porque os conceitos são representações de realidades, excepto no hegelianismo. Há, decerto, conceitos de metafísica. Metafísica é realidade transfísica -o que não significa necessariamente seres sobrenaturais.
Também se equivoca DM ao dizer que «a ontologia é a disciplina da metafísica que estuda as categorias do que há». A ontologia é a doutrina do ser e há ser fora da metafísica. Cada ciência possui ser metafísico e ser não metafísico e também nesta última medida é ontologia. O facto de a matemática comportar no seu ser números pares e ímpares é ontologia mas não necessariamente metafísica.
ERRO LÓGICO SOBRE A RELAÇÃO DO QUANTIFICADOR EXISTENCIAL COM O QUANTIFICADOR UNIVERSAL
A definição de quantificador existencial na sua relação com quantificador universal está formalmente errada neste Dicionário:
«quantificador existencial
«Expressões como "alguns", "pelo menos um", etc., são quantificadores existenciais, simbolizados habitualmente na lógica clássica com um E ao espelho: ∃. A negação de um quantificador existencial é um quantificador universal, porque negar que alguns filósofos são imortais é o mesmo do que afirmar que todos os filósofos são mortais. »Ver quantificador. DM
Se isto não é um desvario teórico de Desidério Murcho, e consiste numa tese geral da lógica proposicional que, supostamente, ele propaga, é um grave erro desta: a negação de uma proposição particular - proposição iniciada por um quantificador existencial do tipo «Algum», «Alguns», «Poucos», «Muitos» -não autoriza afirmar a proposição universal inversa. Exemplo: a proposição «alguns deuses não são femininos» não é o mesmo que a proposição «todos os deuses são masculinos.» mas DM sustentaria que sim, por aquilo que acima escreveu; a proposição «alguns homens não são ignorantes» não é o mesmo que a proposição «todos os homens são sábios». Portanto, ao invés do que defende DM, a negação de um quantificador existencial não é, não equivale automaticamente a um quantificador universal ("Todos", "Nenhuns").
Eis como o «campeão» da apologia da lógica proposicional entre os professores de filosofia do ensino secundário em Portugal, o campeão do combate à grande filosofia clássica (Platão, Hegel, Aristóteles, Tomás de Aquino, Heidegger, etc) que, equivocamente, baptiza de «história da filosofia», se revela um banal sofista, um decorador de fórmulas cujo sentido não assimilou...
O VALOR NAS COISAS NÃO INCLINA NECESSARIAMENTE A UMA ATITUDE FAVORÁVEL PARA COM ELAS
A definição de valor neste Dicionário é sesgada, fantasmagórica, muito pobre:
«valor
«Quando reconhecemos um valor nas coisas (por exemplo, considerando-as belas, justas ou sagradas), inclinamo-nos a ter uma atitude favorável para com elas que se reflecte nos nossos actos e escolhas (ver acção). Quem tem uma postura objectivista em relação aos valores julga que as coisas são valiosas independentemente de as valorizarmos, mas para um subjectivista as coisas são valiosas simplesmente porque as valorizamos. Atribuir valor instrumental a uma coisa é considerá-la valiosa apenas em virtude de esta ser um meio para alcançar aquilo que julgamos ter valor em si isto é, aquilo que julgamos ter valor intrínseco. Ver hedonismo, objectivismo/subjectivismo, juízo de facto/juízo de valor.» PG
Pedro Galvão (PG) já nos habituou à sua fuga diante das definições. Neste artigo não nos é dito o que é um valor. É substância? Essência? Atitude? Qualidade? Quantidade? Nada diz. É uma onda do mar de vagueza...
A frase :«Quando reconhecemos um valor nas coisas (por exemplo, considerando-as belas, justas ou sagradas), inclinamo-nos a ter uma atitude favorável para com elas que se reflecte nos nossos actos e escolhas (ver acção)» é incorrecta, genericamente falando. Há valores positivos e negativos. Reconhecemos em Hitler e nos símbolos nazis um valor.. negativo e não nos inclinamos favoravelmente para eles.
A frase: «Quem tem uma postura objectivista em relação aos valores julga que as coisas são valiosas independentemente de as valorizarmos, mas para um subjectivista as coisas são valiosas simplesmente porque as valorizamos.» é ambigua. Falta definir objectivismo. Há o objectivismo extra animan e o objectivismo intra animan, este último o conceito de esse objectivum da Escolástica medieval. A qual se refere PG? Também subjectivismo não surge correctamente definido. Não se percebe o que é o mundo subjectivo. A definição de PG prima pela ausência de contornos claros e racionais.
© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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