Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMAS A e D
24 de Outubro de 2019. Professor: Francisco Queiroz
“.O espaço não é um conceito empírico extraído de experiências externas…O entendimento faz a síntese do diverso da intuição empírica e é condicionado, ao passo que a razão é incondicionada e produz antinomias» (Kant, Crítica da Razão Pura)
1) Explique estes pensamentos de Kant.
2) Explique, como e onde, segundo a gnosiologia de Kant, se formam o fenómeno MAÇÂ, e o conceito empírico de MAÇÃ.
3) Exponha os 4 passos gnosiológicos do raciocínio de Descartes, desde a dúvida hiperbólica à existência do mundo exterior.
4) Relacione:
A) As três RES em Descartes e os três tipos de ideias em Descartes.
B) Impressões de sensação, impressões de reflexão e ideias em David Hume.
C) Razão, Entendimento e Númenos em Kant.
D) Fenomenologia, cepticismo e metafísica.
CORREÇÃO DO TESTE COTADO PARA 20 VALORES
1) O espaço não é um conceito empírico, na doutrina de Kant, porque existe antes da experiência, antes da formação dos objectos físicos e do mundo destes. O entendimento, faculdade que pensa os fenómenos, sintetiza sob a forma de conceitos os múltiplos dados empíricos que até ele ascendem. Exemplo: os milhares de imagens de rosas (fenómenos) são levados às categorias de pluralidade e unidade do entendimento e convertidos em um só conceito abstracto de rosa. O entendimento é condicionado pelos fenómenos da sensibilidade (casa, mar, barco, fogo, etc.), impõe-lhes leis de causa-efeito, realidade, etc. A razão é incondicionada, pois pensa livremente os númenos, objectos metafísicos de duvidosa existência, e produz antinomias tipo «Deus existe, Deus não existe». (VALE TRÊS VALORES).
2) Segundo a gnoseologia de Kant, o fenómeno maçã forma-se na sensibilidade, no espaço exterior ao meu corpo físico, do seguinte modo: de «fora» da sensibilidade, os númenos afectam esta fazendo nascer nela um caos de matéria (exemplo: madeira, ferro, areia, etc, em um magma) que as duas formas a priori da sensibilidade, o espaço (com figuras geométricas) e o tempo (com a duração, a sucessão e a simultaneidade) moldam, fazendo nascer um ou mais fenómenos de maçã. O entendimento, com as categorias de unidade, pluralidade, necessidade, confere consistência ao objecto/fenómeno maçã. Não existe númeno maçã, esta é fenómeno na sua totalidade. O conceito de maçã forma-se no entendimento, faculdade que pensa mas não sente, do seguinte modo: a imaginação, situada entre a sensibilidade e o entendimento, transporta desde aquela a este as imagens de maçã e as categorias do entendimento de pluralidade e unidade, realidade, recebem as diversas imagens e transformam-na numa só imagem abstracta, o conceito empírico de maçã. (VALE TRÊS VALORES)
3) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos:
1º Dúvida hiperbólica ou Cepticismo Absoluto( «Uma vez que quando sonho tudo me parece real, como se estivesse acordado, e afinal os sentidos me enganam, duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo »)
2º Idealismo solipsista («No meio deste oceano de dúvidas, atinjo uma certeza fundamental: «Penso, logo existo» como mente, ainda que o meu corpo e todo o resto do mundo sejam falsos»)
3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe).
4º Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, de figuras, tamanhos, números, movimentos, existe fora de mim»). Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios. (VALE TRÊS VALORES)
4) A) As três res ou substâncias primordiais em Descartes são: a res divina, Deus, espírito criador do universo, fonte das outras duas; a res cogitans ou pensamento humano sobre ciências, filosofia, senso comum, etc; a res extensa, isto é, a matéria, abstracta e indeterminada, constituída por comprimento, largura e altura dos corpos, destituída de cor, som, cheiro. Os três tipos de ideias são: inatas, que a mente humana já traz ao nascer e que são claras e distintas, como as ideias de "corpo", "alma", "triângulo", etc; adventícias, provenientes dos orgãos dos sentidos, ou seja percepções empíricas de formas, cores, sabores, em parte ilusórias Há vários modos de relacionar umas e outras, por exemplo: a res divina equivale às ideias inatas, insusceptíveis de erro, como Deus; a res cogitans equivale às ideias factícias porque em muitas ciências e lendas entra a imaginação; a res extensa equivale às ideias adventícias porque estão designam figuras, cores, sons, etc.(VALE TRÊS VALORES).
4) B) Impressões de sensação são para Hume as percepções empíricas em acto. Exemplo: o mar que estou a ver, o calor que sinto agora, etc. Impressões de reflexão são impressões outrora sensoriais que conservamos na memória. Exemplo: a memória da sensação de frescura ao tomar banho de mar em Agosto. Ideias são cópias menos vivas das impressões, cópias desbotadas que a imaginação e a memória formam a partir de ambos estes tipos de impressões, as de sensação e as de reflexão. (VALE TRÊS VALORES).
4) C) A razão é a faculdade das ideias, pensa os númenos ou seres metafísicos incognoscíveis (Deus, mundo como totalidade infinita, alma imortal, etc.), está desligada da sensibilidade. O entendimento é a falculdade dos conceitos e dos juízos, pensa os fenómenos (trovoadas, montanhas, animais, mar, casas, etc.) que existem na sensibilidade e aos quais confere consistência, unidade, realidade, causalidade. (VALE DOIS VALORES)
4)D) Fenomenologia, como ontologia, é a teoria que descreve o mundo de matéria exterior ao corpo do sujeito sem garantir que esse mundo seja real, permanecendo na dúvida. Cepticismo é a corrente que afirma ser impossível conhecer a realidade além dos sentidos ou qualquer realidade. A fenomenologia é parcialmente céptica quanto à realidade da matéria. Metafísica é o campo das ideias e supostas realidades que transcendem o mundo físico, a experiência palpável dos sentidos: Deus, reencarnação, multiverso, etc. (VALE TRÊS VALORES)
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
David Hume é, classicamente, definido como um empirista. Sustenta que as impressões sensoriais são a fonte primordial, mas não exclusiva, das nossas ideias, uma vez que a memória e a imaginação são também fonte, conservadora ou criadora, de ideias:
«As impressões podem dividir-se em duas categorias: as de sensação e as de reflexão. A primeira categoria surge originariamente na alma, a partir de causas desconhecidas. A segunda é em grande parte derivada das nossas ideias, na seguinte ordem. primeiro uma impressão atinge os nossos sentidos e faz-nos perceber calor ou frio, sede ou fome, prazer ou dor de qualquer espécie. Desta impressão, a mente tira uma cópia, a qual permanece depois de desaparecer a impressão: é o que denominamos ideia. Esta ideia de prazer ou de dor, quando regressa à alma, produz novas impressões de desejo ou aversão, de esperança e medo, que podem propriamente chamar-se impressões de reflexão. Estas, por sua vez, são copiadas pela memória e pela imaginação, tornando-se ideias, as quais por sua vez talvez gerem outras impressões e ideias.» (David Hume, Tratado sobre o Entendimento Humano, pag 36, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; o negrito é nosso).
Sem dúvida, Hume é empirista na questão da origem do conhecimento mas não na construção-génese da totalidade do conhecimento: há ideias que derivam de impressões de reflexão, como por exemplo, a ideia de inferno ou de paraíso celeste que derivam da impressão de queimadura pelo fogo em presença de horríveis demónios ou da impressão de prazer num lugar de paz infinita acima do céu visível. Não há impressões sensoriais de inferno e de paraíso.
Ademais, na questão do «eu», Hume é racionalista, nesta outra dimensão que é o problema gnosiológico da estruturação final do conhecimento . Joahnnes Hessen, no seu livro «Teoria do conhecimento», refere apenas três campos da gnosiologia: natureza do conhecimento, origem do conhecimento e possibilidade do conhecimento. Talvez haja mais um...
Hume escreveu:
«Deve haver uma impressão que dê origem a toda a ideia real. Mas o eu, ou pessoa, não é uma impressão mas aquilo a que se supõe que as nossas impressões têm referência. Se alguma impressão gerar a ideia do eu, essa impressão deve permanecer invariavelmente a mesma em todo o curso da nossa existência, uma vez que se supõe que o eu existe dessa maneira. Ora, não há impressão constante e invariável. A dor e o prazer, a tristeza e a alegria, as paixões e as sensações sucedem-se umas às outras e nunca existem todas ao mesmo tempo. Não pode portanto, ser de nenhuma dessas impressões ou de qualquer outra que a ideia do eu é derivada, portanto tal ideia não existe». (David Hume, Tratado da Natureza Humana, pag. 300 Livro I, 4ªParte, Secção VI, Fundação Calouste Gulbenkian; o negrito é posto por mim).
Ao negar o «eu» que nos é sugerido pelas vivências empíricas, Hume é racionalista. Assim, o filósofo inglês é empirista, na origem do conhecimento, e racionalista, na modelação final deste, no que toca ao «eu» pelo menos.
É conveniente, portanto, que os professores de Filosofia em Portugal não se precipitem a cortar dogmaticamente como «erros» as frases dos alunos que refiram Hume como racionalista. As orientações de exame do 11º ano, para este ano de 2007, em Portugal, emanadas do GAVE do Ministério da Educação, parecem «afunilar» o problema do conhecimento para a tríade cépticos, Descartes (suposto racionalista) e David Hume (suposto empirista). Há muito mais do que isto a abordar, nas aulas, no campo da teoria do conhecimento e é recomendável que os professores não se limitem às orientações de exame mas ensinem filosofia, com o sentido da amplitude infinita que caracteriza esta singular disciplina.
(Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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