No artigo «Identidade pessoal»da edIção de 2013 do «CompêndIo em lInha de problemas de fIlosofIa analítIca», o professor universitário Pedro Galvão expende teses que, a meu ver, contêm equívocos. Escreveu referindo-se a Fernando Pessoa e aos seus dois heterónimos (personagens fictícias que inventou) Álvaro de Campos, adepto do progresso industrial, e Ricardo Reis:
«Mais sucinta e intuitivamente: a identidade pessoal consiste em continuidade psicológica (porventura causada de uma certa forma) sem ramificações. A Divisão é um exemplo de continuidade psicológica ramificada, de um para vários, mas também podemos conceber casos inversos de ramificação, de vários para um. Suponha-se, porexemplo, que após alguns anos transplantamos um dos hemisférios
de Campos e um dos hemisférios de Reis para o mesmo crânio vazio de um corpo humano vivo, resultando daí uma certa pessoa. Também essa pessoa – poderíamos chamar-lhe ‘Fernando’ – não seria nem Campos nem Reis, ainda que fosse psicologicamente contínua com ambos.
A continuidade psicológica, note-se, não admite graus.» (Pedro Galvão, Identidade pessoal, CompêndIo em lInha de problemas de fIlosofIa analítIca, pag.7; o destaque a negrito é posto por mim).
Contesto estas teses de Galvão: a identidade pessoal consiste tanto em continuidade psicológica como em continuidade biofísica. Se os nossos olhos mudassem completamente, tal como o nosso rosto, por um acidente inesperado, desapareceria, no todo ou em parte, a continuidade psicológica: uma pessoa com o rosto parcial e irreversívelmente desfeito por uma explosão ou por ácido não tem a mesma identidade pessoal que tinha antes do terrível acidente. Pedro Galvão situa-se na linha do dualismo cartesiano, separando a alma do corpo físico e conferindo a supremacia ao psíquico, à alma.
É também falso afirmar que «A continuidade psicológica, note-se, não admite graus.» O homem terrivelmente lesionado, cujo rosto suscita medo aos outros, tem alguma continuidade psicológica: lembra-se de quem era, do seu passado quando tinha um rosto belo, sem lesões, e isto é continuidade (memória); sente-se permanentemente ou quase diminuído, humilhado por não poder apresentar beleza, simpatia física ao contactar as outras pessoas e isto é descontinuidade. Há, portanto, graus de continuidade psicológica. Esta está sempre a variar em quantidade ao longo da vida - visão dialéctica que Pedro Galvão não perfilha.
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