Eis um teste de filosofia sem perguntas de escolha múltipla de que as provas de exame nacional usam e abusam e que, em geral, são redutoras ou mesmo mal concebidas e não permitem desvendar a profundidade filosófica de cada aluno. Não somos treinadores dos alunos para exame, damos prioridade à filosofia, à autonomia do professor com saber enciclopédico que pensa e faz pensar num horizonte muito mais vasto que os conteúdos de Descartes, Hume, Kant, Stuart Mill, Popper, Kuhn habitualmente tratados em exame.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C
27 de Outubro de 2020. Professor: Francisco Queiroz
“Demiurgo e reminiscência são elementos da teoria da participação de Platão. O Mundo do Mesmo em Platão é metafísico e engloba Ética e Estética.
1)Explique concretamente este texto.
2) Explique os quatro passos do raciocínio célebre de Descartes desde a dúvida hiperbólica à demonstração da existência do mundo exterior.
3) Estabeleça a hierarquia dos entes, segundo Aristóteles, tomando como proté ousía (primeira substância) a cidade de Beja.
4) Aplique a teoria das quatro causas e a teoria do acto e da potência à cidade de Beja.
5) Relacione, justificando:
CORREÇÃO DO TESTE COM COTAÇÃO MÁXIMA DE 20 VALORES
1) A teoria da participação em Platão é a tese de que os seres do mundo da matéria participam, isto é, imitam os Arquétipos ou Modelos Eternos acima do cèu Visível, no Mundo Inteligível. Assim, por exemplo, as árvores materiais são cópias imperfeitas do Modelo Eterno de Árvore que está, imóvel e perfeito no Inteligível. O demiurgo é o deus operário que desce do mundo Inteligível e, com a ajuda dos deuses do Olimpo (Zeus, Ares, Afrodite, Hefestos, etc.) vem moldar na matéria obscura e caótica (Chora) formas semelhantes à dos arquétipos. A reminiscência é a vaga lembrança que a alma superior conserva dos Arquétipos de Belo, Bem, Triângulo, Cubo, etc. que contemplou no Mundo Inteligível ou do Mesmo e lhe permitem guiar-se no Mundo Sensivel da Matéria e constitui outro aspecto da teoria da participação. (VALE QUATRO VALORES). O Mundo do Mesmo ou Mundo imóvel dos Arquétipos é metafísico porque é invisível e transcende o mundo físico e engloba os arquétipos de Justo e Igual, que traduzem metade da Ética, como doutrina do Bem e do Mal, do Correcto e do Incorrecto, e o arquétipo de Belo, fonte da Estética ou doutrina do Belo e do Feio (VALE TRÊS VALORES).
2) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos:
1º Dúvida hiperbólica ou Cepticismo Absoluto( «Uma vez que quando sonho tudo me parece real, como se estivesse acordado, e afinal os sentidos me enganam, duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo »).
2º Idealismo solipsista («No meio deste oceano de dúvidas, atinjo uma certeza fundamental: «Penso, logo existo» como mente, ainda que o meu corpo e todo o resto do mundo sejam falsos»).
3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe).
4º Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, de figuras, tamanhos, números, movimentos, existe fora de mim»). Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores e que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos e uma matéria indeterminada (VALE QUATRO VALORES).
3) A proté ousía é a substância primeira, individual, única e está no fundo da escala dos entes, em Aristóteles. Sendo neste caso cidade de Beja, a hierarquia que dela nasce é a seguinte, de cima a baixo:
SUPRA GENÉRICOS: Ente (On)ou qualidade geral de existir (Beja é) e Uno (Hen), propriedade geral dos Entes (Beja é uma unidade de diferentes bairros).
GÉNERO: cidade do mundo
ESPÉCIE (Eidos ou forma comum): cidade portuguesa
PROTÉ OUSÍA: cidade de Beja.
(VALE TRÊS VALORES)
4) A causa formal da cidade de Beja é a sua configuração, em particular a elipse do seu centro histórico. A causa material é o cimento, a pedra, o tijolo, o aço e o ferro dos edifícios e das ruas e praças. A causa eficiente (quem fez a cidade) é o povo do distrito, em particular os pedreiros, os carpinteiros, os arquitectos, os engenheiros. A causa final ou finalidade de Beja é consituir um centro aprazível de vida política, cultural, laboral, habitacional, industrial e de serviços de uma vasta comunidade de dezenas de milhar de pessoas. Beja em acto é o que é no presente: uma cidade com 22 000 residentes, capital do Baixo Alentejo, dotada de monumentos como a torre do castelo da época de D. Dinis, a igreja da Misericórdia, etc. Beja em potência é o que poderá vir a ser: cidade europeia de média dimensão com indústrias de tecnologia de ponta que hoje ainda não tem. (VALE DOIS VALORES) .
5-1) A teleologia ou existência ou estudo de finalidades inteligentes nos processos da natureza é a seguinte na cosmologia de Aristóteles: no mundo sublunar, composto por 4 esferas imóveis (terra ao centro,água, ar e fogo) os corpos movem-se com a finalidade de regressar à sua esfera de origem ( a chama sobe no ar em direção à quarta esfera, a do fogo); no mundo celeste, composto de 54 esferas de cristal, em 7 das quais está incrustado um planeta (esfera da Lua, esfera de Mercúrio, esfera de Vénus, esfera do Sol, esfera de Marte, esfera de Júpiter, esfera de Saturno, etc.) estrelas e planetas, seres inteligentes, puseram a girar as respectivas esferas com a finalidade de alcançar Deus, o pensamento puro que se pensa a si mesmo e se acha imóvel para além do cosmos. (VALE DOIS VALORES).
5-2) Ideias inatas são as que ao nascer jà vêm impressas na nossa mente, claras e distintas. São as ideias de Deus, corpo, alma, figuras geométricas e números. Ideias adventícias, pelo contrário, são a posteriori, derivam dos orgãos dos sentidos, e transportam o erro, a ilusão de que há fora de nós cores, sons, cheiros, sabores, calor ou frio, graus de dureza nos objectos materiais (VALE DOIS VALORES).
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Nota- O autor deste blog está disponível para ir a escolas e universidades dar conferências filosóficas ou participar em debates.
© (Copyright to Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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Na Prova 714 de Exame Nacional de Filosofia, 11º ano de escolaridade em Portugal, 2ª fase, de Julho de 2018, algumas das 8 perguntas de escolha múltipla, valendo 8 pontos cada, estão construídas sem clareza dialética.
Consideremos, por exemplo, a questão 4 do Grupo I, na qual só uma das quatro alíneas deverá ser a resposta correcta.
4. Considere o argumento seguinte.
Os enormes custos ecológicos do transporte aéreo deveriam ser integrados nos bilhetes de avião, pois
essa é a única coisa sensata a fazer.
Quem apresenta o argumento anterior
(A) não incorre numa falácia, porque todos os custos de um serviço devem ser pagos por quem o usa.
(B) incorre numa falácia, porque dá como provado o que pretende provar.
(C) incorre numa falácia, porque critica injustamente as transportadoras aéreas.
(D) não incorre numa falácia, porque dá razões, em vez de procurar explorar as emoções do auditório.
Os critérios de correção indicam que a resposta certa é a B.
Crítica nossa. Está errada a correção oficial ao indicar a B. A resposta A está correcta, porque de facto não é falácia nenhuma dizer que os passageiros devem pagar todos os custos de um serviço. É uma visão liberal economicista.
Vejamos a questão 7 do grupo I
7. A dúvida cartesiana também se aplica às crenças a priori. O argumento que permite pôr em causa as
crenças a priori é o argumento:
(A) das ilusões dos sentidos.
(B) do sonho.
(C) do génio maligno.
(D) da existência de Deus.
Segundo os critérios de correção a resposta correcta seria a C.
Crítica nossa: há 3 respostas correctas, A, B e C. Vejamos: no seu mais célebre raciocínio Descartes exprime o seguinte : «Se quando estou a sonhar me parecem verdadeiros os sonhos que tenho (argumento do sonho), posso pensar que continuo a sonhar quando estou de olhos abertos, logo duvido, ponho em causa as crenças a priori de que existem o mundo físico, o meu corpo, Deus.... » O argumento da ilusão dos sentidos nega também crenças a priori: «Uma vez que os sentidos me enganam muitas vezes posso presumir que me enganem sempre, logo duvido do meu corpo, do mundo físico, etc. Mesmo sem recorrer ao argumento da existência de um génio maligno que me enganasse em tudo o que vejo e sinto, os argumentos A e B bastam para negar as crenças a priori.
A questão está mal construída.
Vejamos a questão 8 do grupo I.
8. Imagine que Descartes era forçado a concluir que, afinal, Deus pode ser enganador; nesse caso, para ser
coerente, ele teria de aceitar que
(A) apenas as sensações corporais podem ser falsas.
(B) as ideias claras e distintas podem ser falsas.
(C) é falsa a ideia de que ele próprio existe enquanto pensa.
(D) os sentidos são mais importantes do que a razão.
Segundo os critérios de correção a única resposta certa é a B.
Crítica nossa: há duas respostas correctas, a B e a C. A ideia do penso logo existo está contida na hipótese C e é uma intuição, uma ideia clara e distinta, portanto está também implicada na hipótese B. Portanto, se a resposta B está certa a C está também certa porque está englobada na B. Que raciocínios tortuosos são os de quem gizou estas questões...É isto a filosofia analítica corrente, um emaranhado de arbitrariedades...
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