Alfred Julius Ayer, um dos grandes filósofos analíticos do século XX, escreveu:
«Mas seja qual for a posição de Berkeley o fenomenista não nega que há objectos físicos. O que afirma é que se os há são constituídos por dados sensoriais. Se há alguns é uma questão de facto empírico, para ele indiferente. Basta-lhe que possa haver objectos físicos; o seu problema é então analisar as proposições que se lhes referem.» ( A. J. Ayer, O problema do conhecimento, Editora Ulisseia, Lisboa- Rio de Janeiro, pag 99; o destaque a negrito é por mim colocado.)
Há aqui uma contradição nos termos: segundo Ayer para o fenomenista há objectos físicos, ou seja extrasensoriais, porque a matéria é, em si mesma, extrasensorial, real, mas «são constituídos por dados semsoriais». Assim os objectos físicos existiram só sensorialmente, isto é, não existiriam em si mesmos ... Isto é uma incoerência. O raciocínio de Ayer assume a seguinte forma, violando o princípio da não contradição porque o mesmo objecto não pode ser em simultâneo e no mesmo aspecto físico e não físico:
«Segundo o fenomenista, há objectos físicos, isto é objectos materiais além dos sentidos.
Mas o objecto físico é apenas um conjunto de dados sensoriais.
Logo, o mundo físico da matéria é meramente sensorial, interior ao campo dos sentidos.»
David Hume, fenomenista, disse que apenas podemos chegar à certeza última que é o movimento dos corpos-ideias mas não podemos ter a certeza de que há objectos físicos além da percepção e do pensamento (cepticismo):
«Podemos pois concluir que o movimento pode ser, e de facto é, a causa do pensamento e da percepção...» Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 296)
«A ideia de movimento supõe necessariamente a de corpo movente. Ora qual é a nossa ideia de corpo movente, sem a qual o movimento é incompreensível? Deve reduzir-se à ideia de extensão ou de solidez, e por conseguinte a realidade do movimento depende da realidade destas outras qualidades. » (Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 274).
«A razão não nos dá e é impossível que alguma vez nos dê, em qualquer hipótese, qualquer convicção da existência contínua e distinta dos corpos. Esta opinião tem de se atribuir inteiramente à imaginação, que passa a ser o objecto da nossa investigação ».(Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 238; o destaque a negrito é posto por mim).
Hume admite a realidade do movimento e das ideias de solidez e extensão. Mas não afirma a existência da solidez e da extensão, isto é, da matéria em si mesma. Logo, Hume nega que haja objecto físicos.
«Todas as percepções do espírito são de duas espécies, a saber, impressões e ideias, as quais diferem entre si apenas nos diferentes graus de força e vivacidade. As ideias são copiadas das impressões e representam-nas em todas as suas partes. Quando queremos fazer variar de qualquer modo a ideia de um objecto particular podemos apenas aumentar-lhe ou diminuir-lhe a força e a vivacidade. Se operarmos nela qualquer outra mudança, representa um objecto ou impressão diferente.» Hume, Tratado da Natureza Humana, Fundação Calouste Gulbenkian, pag.132).
Hume distingue entre objecto e percepção, sempre indissociáveis: o objecto é sempre uma crença, uma espécie de númeno (coisa incognoscível, ontologicamente duvidosa) ou uma ideia complexa ou simples, resultante da associação, mistura ou reestruturação de percepções operada pela imaginação. Portanto o fenomenista Hume nega a existência de objectos físicos, ao contrário do que sustenta Ayer. Hume é um idealista ou oscila entre o cepticismo e o idealismo, a cada passo é um ou outro.
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John Locke não é claro na distinção entre os diferentes tipos de ideias: à ideia de triângulo chama, por exemplo, ideia complexa, mas às ideias de uma dúzia e de vintena chama ideias simples ou modos simples... Não é coerente.
«Às ideias resultantes de várias ideias simples unidas chamos ideias complexas, tais como a beleza, a gratidão, um homem, um exército, o universo. » (John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano, página 202, Fundação Calouste Gulbenkian).
Locke divide as ideias complexas que resultam da união de ideias simples em três grupos: os modos, as substâncias, as relações. E escreve:
«4. Em primeiro lugar, chamo modos a essas ideias complexas que, embora compostas, não contêm em si a suposição de que subsistem por si próprias, mas são consideradas como dependências ou atributos de substâncias. Tais são as ideias expressas pela palavra triângulo, gratidão, assassínio, etc. (...).
«5. Há dois tipos de modos que merecem uma consideração à parte.
«Primeiro, há alguns que são apenas variações ou combinações diferentes de uma mesma ideia simples, sem mistura de qualquer outra. Por exemplo, uma dúzia, uma vintena, que não são senão as ideias de outras tantas unidades diferentes que foram somadas. A estes chamo modos simples, porque estão compreendidos nos limites de uma ideia simples.»
«Segundo, há outros que são compostos de ideias simples de diversas espécies, que se uniram para formar uma só ideia complexa. Por exemplo, a beleza que consiste numa certa composição de cor e figura, que deleita o espectador; e também o roubo que, sendo a mudança oculta da posse de algum objecto sem o consentimento do dono, contém, como é evidente, uma combinação de várias ideias de diferentes espécies. A estes chamo modos mistos.»
«6. Em segundo lugar, as ideias das substâncias são aquelas combinações de tipo simples que se presume representarem diferentes coisas particulares que subsistem por si próprias, nas quais a ideia suposta ou confusa de substância, tal como é, aparece sempre como a primeira e principal. Deste modo, se à ideia de substãncia se une a ideia simples de uma certa cor esbranquiçada esbatida, com certos graus de peso, dureza, ductilidade e fusibilidade, obtemos a ideia de chumbo. De igual modo, uma combinação de ideias de uma certa figura, com capacidade de mover-se, pensar e raciocinar, unidas à de substância, produz uma ideia geral de homem. Entre as substâncias, há também duas espécies de ideias, uma, de substâncias singulares, na medida em que existem separadas, tais como as de um homem ou de uma ovelha; outra, de várias substâncias reunidas, tais como um exército de homens ou um rebanho de ovelhas. Estas ideias colectivas de várias substâncias assim reunidas são, cada uma delas, uma só ideia, como é a de um homem ou de uma unidade.»
«7. Em terceiro lugar, a última espécie de ideias complexas é a que chamamos relação, e que consiste na consideração e comparação de uma ideia com outra.» (John Locke, ibid, pags 203-205; o negrito é colocado por mim).
Como é que John Locke pode considerar o triângulo como um atributo de uma substância mas não como substância? Há alguma confusão nisso. Tomemos um exemplo.
O frontão é um conjunto arquitectónico, de origem greco-romana, em forma de triângulo que em regra, decora a fachada superior de edifícios, sendo composto por uma cimalha (base do triângulo) e duas empenas (os lados do triângulo que se cruzam no vértice superior). A substância frontão é um triângulo com textura ou conteúdo de pedra, cimento, madeira ou outro material de construção civil: o triângulo não é um mero atributo do frontão, é o contorno da sua essência, parte determinante desta. A essência do frontão - uma substância primeira (proté ousía) na terminologia de Aristóteles - é a forma de triângulo impressa na matéria, a forma individuada.
Triângulo é uma essência mas inessencial quando se define o género figura geométrica. As espécies são essências mas cada uma delas é por si só inessencial dentro da definição do género.
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