Schopenhauer, (22 de Fevereiro de 1788- 21 de Setembro de 1860), filósofo idealista volitivo, rejeitou o materialismo e «o naturalismo que o originou ». Segundo ele, o mundo físico é um conjunto de ideias e imagens produzidas pelo nosso eu. Mas, ao contrário de Kant, que acentua o carácter ontológico (númeno) e imaginativo-lógico (formas a priori) da génese do conhecimento, Schopenhauer sublinha o carácter volitivo ou bulesiológico do conhecimento (este deriva da vontade de viver). Escreveu:
«A iniludível falsidade do materialismo consiste antes de tudo em que parte de uma petitio principii que, examinada mais de perto, se mostra inclusive como uma protón pseudos (primeiro erro) a saber: a suposição de que a matéria é algo estrita e incondicionalmente dado que existe independentemente do conhecimento do sujeito, ou seja, propriamente uma coisa em si. O materialismo atribui à matéria (e com ela também aos seus pressupostos, o tempo e o espaço) uma existência absoluta, quer dizer, independente do sujeito que a percebe: este é o seu erro fundamental.» (Arthur Schopenhauer, El mundo como voluntad y representación, Complementos, pag 356, Editorial Trotta, Madrid; a ltra negrita é posta por mim).
«Pois na realidade a matéria não é, para o nosso conhecimento mais do que o veículo das qualidades e forças naturais que se apresentam como seus acidentes; e precisamente porque reduzi estes à vontade, é que chamo à matéria a mera visibilidade da vontade. Mas, despojada de todas essas qualidades, a matéria fica algo sem propriedades, no caput mortuum da natureza com o que honradamente nada há a fazer.» (ibid, pag 359; o negrito é colocado por mim).
Note-se que esta vontade em Schopenhauer não é a vontade livre associada ao livre-arbítrio mas uma vontade inconsciente da natureza inerente ao eu, uma força imperiosa ou necessária, que age dentro do eu englobante do universo. A vontade cria o mundo visível, audível e palpável. Por isso, Schopenhauer denomina a matéria que compõe o mundo de "visibilidade da vontade". Fazemos parte e estamos submetidos a essa Vontade de viver, verdadeira máquina de filmar-projectar que inventa e projecta na tela dos nossos sentidos o filme imaginário de um mundo que não é real, com a sua Nova Iorque, a sua Londres, a sua Amazónia, os seus cinco continentes terrestres, a galáxia e o resto do universo. A filosofia de Schopenhauer é um vitalismo idealista, não um materialismo, versão do género realismo,nem um ideomaterialismo tipo doutrina de Hegel.
A SUPERIORIDADE DO IDEALISMO, DA AUTOCONSCIÊNCIA, SOBRE O MATERIALISMO ENTENDIDO COMO REALISMO
E acentuando a sua matriz idealista - o mundo é ideia dentro da minha enorme mente, nasce e permanece nesta - Schopenhauer referindo-se à filosofia escreve:
«...Demonstrei a insuficiência do materialismo, enquanto é, como ali se disse, a filosofia de um sujeito que, nas suas contas se esquece de si mesmo. Mas todas estas verdades se baseiam em que tudo o que é objectivo, tudo o que é externo, ao ser sempre meramente percebido ou conhecido, continua a ser algo mediato ou secundário, pelo que nunca pode converter-se na razão explicativa última das coisas ou no ponto de partida da filosofia. Esta exige necessariamente como ponto de começo o estritamente imediato: mas só é tal o dado à autoconsciência, o interno, o subjectivo. Daí que seja um mérito tão eminente de Descartes o ter sido o primeiro em tomar a autoconsciência como ponto de partida da filosofia. Por esse caminho prosseguiram a partir de então, cada um à sua maneira, os autênticos filósofos, antes de todos Locke, Berkeley e Kant; e como resultado das suas investigações cheguei eu a ter o cuidado e a servir-me, não de um mas dos dois diferentes dados de conhecimento imediato que há na autoconsciência: a representação e a vontade, a aplicação de ambas em combinação permite avançar em filosofia tanto como quando em um problema algébrico se dão duas magnitudes conhecidas em lugar de uma.» (Schopenhauer, ibid, pag 356; o negrito é posto por mim).
Sem dúvida, Schopenhauer utiliza o termo materialismo não no sentido de ateísmo e protologia da matéria no universo mas no sentido de realismo, exterioridade da matéria a uma e a todas as mentes humanas.
AMBIGUIDADE NO SENTIDO DADO AO TERMO «MATERIALISMO» E REDUÇÃO DESTE A ATOMISMO
E acusa o materialismo de desembocar em atomismo, com o argumento algo paradoxal de que ignora por completo o intelecto:
«Mas o materialismo ignora por completo o intelecto como condição de todo o objecto e do conjunto dos fenómenos. A sua intenção é reduzir todo o qualitativo ao meramente quantitativo, incluindo as qualidades dentro da mera forma em oposição à verdadeira matéria: de esta só admite, dentro das qualidades empíricas, o peso, posto que já aparece em si mesmo como algo quantitativo, como a única medida da quantidade de matéria. Esse caminho condu-lo necessariamente à ficção dos átomos, que se convertem no material com que pensa construir as enigmáticas manifestações de todas as forças originárias.» (ibid, pag 357; o negrito é posto por mim)
Este materialismo atomista, quase insubstancialista, de que Schopenhauer fala é um realismo crítico, que faz das cores, sons, cheiros, sabores percepções subjectivas do sujeito e não qualidades objectivas exteriores. É obtido, ao contrário do que sugere o filósofo alemão, através do exercício do intelecto - razão e imaginação - contra os dados empíricos. Aproxima-se, pois, do idealismo. Dizer que o materialismo ignora por completo o intelecto não é adequado. Não posso concordar com Schopenhauer neste ponto
. Além disso, a concepção atomista - a matéria é composta de átomos, elementos infinitamente pequenos que giram no vazio e se combinam entre si - não é necessariamente uma concepção materialista (no sentido de realista, isto é matéria fora das mentes humanas). O idealismo (no sentido de imaterialismo, isto é, a matéria não é um em si fora das mentes humanas) é compatível com o atomismo.
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