Schopenhauer, que se considerava um kantiano, difere da teoria de Kant ao escrever:
«O espaço só surge quando o sujeito cognoscente olha para fora: é o modo e a maneira como o sujeito capta algo distinto de si. Daqui se deduz que mais além do fenómeno, no ser em si de todas as coisas, que há-de ser alheio ao espaço e ao tempo e também à pluralidade, tão pouco pode haver conhecimento algum».»
(Schopenhauer, El mundo como voluntad y representación, 2º volume, Alianza Editorial, Madrid, pag 361; o destaque a negrito é nosso).
Para Kant, o espaço é inato como forma a priori da sensibilidade, antes de haver casas, árvores, etc, havia espaço vazio mental, o espaço não surge somente quando o sujeito olha fora de si. Aliás, olhar fora de si é impossível na lógica da gnosiologia kantiana porque fora de si só há os númenos (Deus, liberdade , mundo como totalidade) invisíveis e incognoscíveis: o mundo inteiro, visível e palpável, com as montanhas, os rios, os céus, os animais, está dentro do sujeito , na sensibilidade deste exterior ao seu corpo físico, como série de fenómenos, pois a sensibilidade é mente ou espírito impensante onde se aloja a matéria que é pura ilusão (idealismo material). O sujeito, segundo Kant, é espaço, tempo (formas a priori da sensibilidade), entendimento e razão, não há sujeito anterior ao espaço.
Eis um teste de filosofia sem perguntas de escolha múltipla de que as provas de exame nacional usam e abusam e que, em geral, são redutoras ou mesmo mal concebidas e não permitem desvendar a profundidade filosófica de cada aluno. Não somos treinadores dos alunos para exame, damos prioridade à filosofia, à autonomia do professor com saber enciclopédico que pensa e faz pensar num horizonte muito mais vasto que os conteúdos de Descartes, Hume, Kant, Stuart Mill, Popper, Kuhn habitualmente tratados em exame.
Agrupamento de Escolas nº1 de Beja
Escola Secundária Diogo de Gouveia , Beja
TESTE DE FILOSOFIA, 11º ANO TURMA C
27 de Outubro de 2020. Professor: Francisco Queiroz
“Demiurgo e reminiscência são elementos da teoria da participação de Platão. O Mundo do Mesmo em Platão é metafísico e engloba Ética e Estética.
1)Explique concretamente este texto.
2) Explique os quatro passos do raciocínio célebre de Descartes desde a dúvida hiperbólica à demonstração da existência do mundo exterior.
3) Estabeleça a hierarquia dos entes, segundo Aristóteles, tomando como proté ousía (primeira substância) a cidade de Beja.
4) Aplique a teoria das quatro causas e a teoria do acto e da potência à cidade de Beja.
5) Relacione, justificando:
CORREÇÃO DO TESTE COM COTAÇÃO MÁXIMA DE 20 VALORES
1) A teoria da participação em Platão é a tese de que os seres do mundo da matéria participam, isto é, imitam os Arquétipos ou Modelos Eternos acima do cèu Visível, no Mundo Inteligível. Assim, por exemplo, as árvores materiais são cópias imperfeitas do Modelo Eterno de Árvore que está, imóvel e perfeito no Inteligível. O demiurgo é o deus operário que desce do mundo Inteligível e, com a ajuda dos deuses do Olimpo (Zeus, Ares, Afrodite, Hefestos, etc.) vem moldar na matéria obscura e caótica (Chora) formas semelhantes à dos arquétipos. A reminiscência é a vaga lembrança que a alma superior conserva dos Arquétipos de Belo, Bem, Triângulo, Cubo, etc. que contemplou no Mundo Inteligível ou do Mesmo e lhe permitem guiar-se no Mundo Sensivel da Matéria e constitui outro aspecto da teoria da participação. (VALE QUATRO VALORES). O Mundo do Mesmo ou Mundo imóvel dos Arquétipos é metafísico porque é invisível e transcende o mundo físico e engloba os arquétipos de Justo e Igual, que traduzem metade da Ética, como doutrina do Bem e do Mal, do Correcto e do Incorrecto, e o arquétipo de Belo, fonte da Estética ou doutrina do Belo e do Feio (VALE TRÊS VALORES).
2) Os quatro passos do raciocínio de Descartes são pautados pelo racionalismo, doutrina que afirma que a verdade procede do raciocínio, das ideias da razão e não dos sentidos:
1º Dúvida hiperbólica ou Cepticismo Absoluto( «Uma vez que quando sonho tudo me parece real, como se estivesse acordado, e afinal os sentidos me enganam, duvido da existência do mundo, das verdades da ciência, de Deus e até de mim mesmo »).
2º Idealismo solipsista («No meio deste oceano de dúvidas, atinjo uma certeza fundamental: «Penso, logo existo» como mente, ainda que o meu corpo e todo o resto do mundo sejam falsos»).
3º Idealismo não solipsista («Se penso tem de haver alguém mais perfeito que eu que me deu a perfeição do pensar, logo Deus existe).
4º Realismo crítico («Se Deus existe, não consentirá que eu me engane em tudo o que vejo, sinto e ouço, logo o mundo de matéria, feito só de qualidades primárias, objetivas, isto é, de figuras, tamanhos, números, movimentos, existe fora de mim»). Realismo crítico é a teoria gnosiológica segundo a qual há um mundo de matéria exterior ao espírito humano e este não capta esse mundo como é. Descartes, realista crítico, sustentava que as qualidades secundárias, subjectivas, isto é, as cores, os cheiros, os sons, sabores, o quente e o frio só existem no interior da mente, do organismo do sujeito, pois resultam de movimentos vibratórios exteriores e que o mundo exterior é apenas composto de formas, movimentos e tamanhos e uma matéria indeterminada (VALE QUATRO VALORES).
3) A proté ousía é a substância primeira, individual, única e está no fundo da escala dos entes, em Aristóteles. Sendo neste caso cidade de Beja, a hierarquia que dela nasce é a seguinte, de cima a baixo:
SUPRA GENÉRICOS: Ente (On)ou qualidade geral de existir (Beja é) e Uno (Hen), propriedade geral dos Entes (Beja é uma unidade de diferentes bairros).
GÉNERO: cidade do mundo
ESPÉCIE (Eidos ou forma comum): cidade portuguesa
PROTÉ OUSÍA: cidade de Beja.
(VALE TRÊS VALORES)
4) A causa formal da cidade de Beja é a sua configuração, em particular a elipse do seu centro histórico. A causa material é o cimento, a pedra, o tijolo, o aço e o ferro dos edifícios e das ruas e praças. A causa eficiente (quem fez a cidade) é o povo do distrito, em particular os pedreiros, os carpinteiros, os arquitectos, os engenheiros. A causa final ou finalidade de Beja é consituir um centro aprazível de vida política, cultural, laboral, habitacional, industrial e de serviços de uma vasta comunidade de dezenas de milhar de pessoas. Beja em acto é o que é no presente: uma cidade com 22 000 residentes, capital do Baixo Alentejo, dotada de monumentos como a torre do castelo da época de D. Dinis, a igreja da Misericórdia, etc. Beja em potência é o que poderá vir a ser: cidade europeia de média dimensão com indústrias de tecnologia de ponta que hoje ainda não tem. (VALE DOIS VALORES) .
5-1) A teleologia ou existência ou estudo de finalidades inteligentes nos processos da natureza é a seguinte na cosmologia de Aristóteles: no mundo sublunar, composto por 4 esferas imóveis (terra ao centro,água, ar e fogo) os corpos movem-se com a finalidade de regressar à sua esfera de origem ( a chama sobe no ar em direção à quarta esfera, a do fogo); no mundo celeste, composto de 54 esferas de cristal, em 7 das quais está incrustado um planeta (esfera da Lua, esfera de Mercúrio, esfera de Vénus, esfera do Sol, esfera de Marte, esfera de Júpiter, esfera de Saturno, etc.) estrelas e planetas, seres inteligentes, puseram a girar as respectivas esferas com a finalidade de alcançar Deus, o pensamento puro que se pensa a si mesmo e se acha imóvel para além do cosmos. (VALE DOIS VALORES).
5-2) Ideias inatas são as que ao nascer jà vêm impressas na nossa mente, claras e distintas. São as ideias de Deus, corpo, alma, figuras geométricas e números. Ideias adventícias, pelo contrário, são a posteriori, derivam dos orgãos dos sentidos, e transportam o erro, a ilusão de que há fora de nós cores, sons, cheiros, sabores, calor ou frio, graus de dureza nos objectos materiais (VALE DOIS VALORES).
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Nota- O autor deste blog está disponível para ir a escolas e universidades dar conferências filosóficas ou participar em debates.
© (Copyright to Francisco Limpo de Faria Queiroz)
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A «História da Filosofia, Dos pré-socráticos à filosofia contemporânea», publicada por Edições 70 em Portugal, obra dos catedráticos espanhóis Juan Manuel Navarro Cordón ( 9 de abril de 1942 Hinojosa del Duque, Córdoba, Espanha- ) e Tomás Mariano Calvo-Martínez (22 de Maio de 1942, Ávila, Espanha- ) da Universidade Complutense, é uma obra de mérito mas tem algumas relevantes confusões conceptuais. Sobre Kant escrevem:
«Toda a doutrina kantiana do conhecimento se fundamenta na distinção de duas fontes do conhecer: a sensibilidade e o entendimento que possuem características distintas e opostas entre si. A sensibilidade é passiva, limita-se a receber impressões provenientes do exterior (cores, sons, etc.), em termos gerais, aquilo que Locke denominava "ideias simples" e Hume "impressões de sensação"; o entendimento pelo contrário é activo (...).»
«Esta distinção entre sensibilidade e entendimento (e a consequente afirmação de que este produz espontaneamente certos conceitos) pode utilizar-se para fundamentar filosofias muito distintas. Vejamos:
«a) Em primeiro lugar, pode ter como resultado uma doutrina racionalista. De facto, Kant foi, de início, um filósofo racionalista(...)
b) Mas, impressionado pela filosofia de Hume, Kant acabou por abandonar o racionalismo (Kant dizia que Hume o havia despertado do "sono dogmático"em que estava mergulhado). Sob a influência de Hume, Kant chegou à conclusão que o nosso conhecimento não pode pretender ir para além da experiência. Que acontece, então, com aqueles conceitos que não procedem dos sentidos, que o entendimento produz espontaneamente?
«A resposta de Kant será a seguinte: é certo que existem no entendimento conceitos que não procedem da experiencia, mas tais conceitos terão aplicação exclusivamente no âmbito dos dados sensoriais. (...)
«O conceito de "substância" que nos é imprescindível para unificar um conjunto de qualidades sensíveis (cor, etc) não tem sentido se for aplicado, por exemplo, a Deus, do qual não temos experiência sensível».
( Juan Manuel Navarro Cordón, Tomás Calvo Martínez, «História da Filosofia, Dos pré-socráticos à filosofia contemporânea», Edições 70, pp 383-385; o destaque a negrito é posto por nós).
Neste excerto há diversas imprecisões.
Navarro e Calvo asseguram que a sensibilidade, segundo Kant, «limita-se a receber impressões provenientes do exterior (cores, sons, etc.)». É uma interpretação realista, distorcida do pensamento de Kant. Cores e sons emergem do interior, são qualidades subjectivas, irreais, conforme Kant escreveu:
«O sabor agradável de um vinho não pertence às propriedades objectivas desse vinho, portanto de um objecto, mesmo considerado como fenómeno, mas à natureza especial do sentido do sujeito que o saboreia. As cores não são propriedades dos corpos, à intuição dos quais se reportam, mas simplesmente modificações do sentido da vista que é afectado pela luz de uma certa maneira. O espaço, pelo contrário, como condição de objectos exteriores, pertence necessariamente ao fenómeno ou à intuição do fenómeno...» (Kant, Crítica da Razão Pura, pag. 69, nota de rodapé, Fundação Calouste Gulbenkian; o negrito é acrescentado por nós).
Portanto, cores e sons não vêm do exterior. São qualidades subjectivas, duplamente interiores ao sujeito.
Outro equívoco de Juan Navarro Cordón e Tomás Calvo-Martínez é a tese de que Kant abandonou o racionalismo, pelo facto de considerar o conhecimento limitado ao campo do experienciável e da matemática a priori. Ora Kant permaneceu sempre racionalista, antes de tudo porque era idealista material (a matéria não existe em si mesma é pura ilusão gerada na sensibilidade) e o idealismo pressupõe racionalismo ( a razão elimina a crença ingénua dos sentidos de que há um mundo material fora de nós).
Navarro Cordón e Calvo Martínez confundem racionalismo com realismo metafísico, doutrina que sustenta que há um mundo material exterior a nós, incognoscível no seu todo ou em parte. Há racionalismo idealista material (caso de Kant) um racionalismo ideal-realista (caso de Hegel), e um racionalismo realista material(casos de Aristóteles, São Tomás de Aquino, Karl Popper, etc.). Kant é, como nós o definimos desde há anos, empiro-racionalista, conceito que não pertence ao género ontológico (realismo, idealismo, fenomenologia) mas sim ao género gnosiológico (fonte e modo de conhecimento) .
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© (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz
Anthony Kenny, catedrático inglês, escreveu o seguinte sobre a teoria ontognosiológica de Kant:
«Como os filósofos medievais e racionalistas antes dele, Kant estabeleceu uma distinção clara entre os sentidos e o intelecto; mas dentro do intelecto cria uma nova distinção entre o entendimento (Verstand) e a razão (Versnunft). A compreensão opera em combinação com os sentidos de modo a produzir o conhecimento humano: através dos sentidos, os objectos são-nos dados; através do entendimento, os objectos são tornados pensáveis. A experiência tem um conteúdo formado pelos sentidos, e uma estrutura determinada pelo entendimento. A razão, em contraste com o entendimento, é a tentativa do intelecto ir além daquilo que o entendimento pode alcançar. Quando divorciado da experiência, é "razão pura", e esta é o alvo da crítica de Kant.» (...)
«A estrutura transcendental é, em grande parte, dedicada ao estudo do espaço e do tempo. As sensações diz Kant, têm uma matéria (ou conteúdo) e uma forma. O espaço é a forma dos sentidos externos e o tempo é a forma dos sentidos internos.»(Anthony Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental, volume 3, Ascensão da Filosofia Moderna, pag 117, Gradiva, Lisboa; o negrito é colocado por mim),
Quando escreve «a experiência tem um conteúdo formado pelos sentidos, e uma estrutura determinada pelo entendimento» Kenny equivoca-se parcialmente. A estrutura da experiência é determinada pela sensibilidade a priori - em particular pelas formas a priori, o espaço e o tempo - e também pelo entendimento. Kenny mostra entender que o espaço e o tempo são subjectivos e irreais, em Kant, mas não atribui essa mesma irrealidade à matéria (exemplo: a madeira da árvore, o vapor de água da nuvem, o granito da casa, etc). E aí reside o seu erro.
O que falha em sir Anthony Kenny ao expor a ontognoseologia de Kant é, sobretudo, o não compreender nem esclarecer a natureza da matéria física, dos objectos materiais. Estes estão dentro ou fora de nós? Estão corporalmente fora e mentalmente dentro - porque a mente extravasa em muito o corpo físico do sujeito (Kant perfilha um idealismo material, como o de Berkeley, embora o negue). Esta posição de Kant, que usou ambiguamente a expressão "fora de nós", não foi compreendida por Kenny, nem por Bertrand Russell , Alain Renault ou Karl Popper - nem mesmo por Heidegger. Mas Hegel compreendeu Kant.
Não me consta que haja ao menos um professor catedrático de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, EUA que tenha discernido esta questão: os fenómenos na gnoseologia de Kant são os próprios objectos materiais, tão irreais como as ideias «objectivas» de Berkeley, não há nada material além do fenómeno, não há por exemplo, o fenómeno «casa» e o númeno «casa». Os catedráticos são mónadas, celas fechadas ao mundo externo. Conseguiram o seu lugarzinho na abóbada celeste da academia, o seu nicho de "santos" em que são venerados pelos alunos de forma mais ou menos acrítica e não vão mexer na torre das interpretações "consensuais" sobre Kant, Hegel, Heidegger e outros.
E isso põe a questão: não estarão as cátedras de filosofia nestes países vazias de grandes intelectuais, de genuínos pensadores, e preenchidas por doutorados de inteligência mediano-elevada, sem genialidade filosófica, meros repetidores de alguns clichés? Parece-me que sim.
Se há uma disciplina em que a fraude científico-intelectual é institucionalmente possível em vasta escala, é a filosofia: pequenos intelectuais, de pomposa retórica e ideias razoavelmente confusas, conseguem erguer-se às cátedras, ao título de «professor doutor», mercê de um trabalho persistente, de qualidade discutível, para não dizer mediana-medíocre, e de influências pessoais.
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